Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 458/2018-T
Data da decisão: 2019-03-16  IRS  
Valor do pedido: € 675,57
Tema: IRS de 2015. Exercício de responsabilidades parentais relativas a dependentes em comum. Nº 9 do artigo 78º do CIRS
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

a)            A..., doravante designado por Requerente, residente na ... nº..., ..., ...-... Setúbal, NIF..., veio em 18 de Setembro de 2018, deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), com vista à anulação do acto de liquidação de IRS com o número 2018..., respeitante ao exercício de 2015, no montante de € 90,13, correspondendo a um montante a pagar à Autoridade Tributária de € 675,57.

b)           O Requerente pede ao Tribunal que seja  (1) “declarada a ilegalidade, e consequentemente a anulação do acto de liquidação relativa ao IRS de 2015 número 2018..., devendo o mesmo ser substituído pela liquidação original;  (2) “bem como a anulação da liquidação de juros nº 2018...; (3) e “ser a Autoridade Tributária condenada a devolver ao Requerente o montante de € 675,57 referente ao IRS e aos juros compensatórios, acrescido de juros indemnizatórios, desde o pagamento das liquidações até ao reembolso efetivo das quantias devidas”.

c)            O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 19-09-2018.

d)           Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 21.09.2018, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

e)           O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 28 de Novembro de 2018, regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

 

f)            A fundamentar o pedido invoca a Requerente o seguinte, quanto à ilegalidade da liquidação refere que “... no Código do IRS não existe nem alguma vez existiu qualquer referência ao conceito de Guarda Conjunta, pelo que a correção proposta tem lacunas graves na sua fundamentação, socorrendo-se de um conceito indeterminado de forma totalmente arbitrária”.

g)            E acrescenta: “... procuremos então compreender o que é a Guarda Conjunta de que se socorre a Autoridade Tributária para fundamentar esta correção”. “Dizem-nos ANA TERESA LEAL, FELICIDADE D'OLIVEIRA, HELENA GOMES DE MELO, JOÃO VASCONCELOS RAPOSO, LUÍS BAPTISTA CARVALHO e MANUEL DO CARMO BARGADO, na sua obra Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, a páginas 48 e seguintes, que a referida "Guarda Conjunta" mais não é do que um conceito contraditório no seio de um casal divorciado, uma vez que pressupõe que ambos os progenitores mantenham a guarda da criança concomitantemente”. “O que pode existir é uma guarda partilhada ou alternada, em que os progenitores alternam entre si, por terem residências separadas, a guarda ou o exercício das responsabilidades parentais, mas nem a isso se refere a Autoridade Tributária ou o Código do IRS”.

h)           Em 2015 vigorava a seguinte redacção do nº 9 do artigo 78º do Código do IRS: “9 - Sempre que o mesmo dependente ou ascendente conste de mais do que uma declaração de rendimentos, o valor das deduções à coleta previstas no presente Código por referência a dependentes ou ascendentes é reduzido para metade, por sujeito passivo”, sendo que

i)             “Até final do ano de 2014, o artigo 78º, continha indicações sobre a forma de divisão e os pressupostos para a dedução dos valores relativos aos dependentes: “Artigo 78º - Deduções à coleta – 9 - Nos casos em que por divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento as responsabilidades parentais relativas aos dependentes previstas na alínea a) do nº 4 do artigo 13º são exercidas em comum por ambos os progenitores, as deduções à coleta são efetuadas nos seguintes termos: a) 50 % dos montantes fixados na alínea d) do nº 1 e no nº 3 do artigo 79º e nos nºs 1, 2 e 6 do artigo 87º, relativamente a cada dependente; b) 50 % do limite previsto no nº 4 do artigo 87.% respectivamente, por cada dependente;”

j)             E conclui “como se demonstrou, da lei não resulta nem nunca resultou qualquer recurso ao conceito de Guarda Conjunta utilizado pela Autoridade Tributária, mas sim a responsabilidades parentais exercidas em comum”.

k)            E pela razão de que “As responsabilidades parentais exercidas conjuntamente foi um requisito que vigorou até ao final do ano de 2014, entretanto foi retirado do Código pelo legislador com o intuito de simplificar o processo de dedução à coleta dos valores respeitantes aos dependentes, passando a ser necessário apenas que o dependente constasse em mais do que uma declaração de rendimentos”.

l)             Discorda do que é referido no ofício nº..., de 9 de Abril, onde “... é dito que do Acordo resulta que a menor dependente, B..., fica à guarda e aos cuidados da mãe, ficando a residir com a mesma”, transcrevendo o texto do Acordo “para que fique demonstrado o conteúdo do mesmo e que se juntou como documento nº 4: "a B... fica a residir com a mãe que exercerá também a função de encarregada de educação".”

m)          Esclarece que “nunca é dito que a B... fica à guarda e aos cuidados da mãe” uma vez que “a residência que ficou estabelecida no acordo homologado foi atribuída à mãe por uma questão de impossibilidade prática de a menor ter duas moradas” e tendo em conta que “... a escolha do encarregado de educação deveu-se ao facto de a mãe da B... ser professora e de sempre ter sido ela a exercer esse cargo, pelo que se decidiu também no acordo atribuir-lhe esse dever”.

n)           Em resumo, refere a Requerente que “socorrendo-nos da expressão utilizada pelo legislador no artigo 78º, nº 9, do CIRS na redação em vigor até 2014, destacamos que no acordo enviado à Autoridade Tributária, no Capítulo II, sob a epígrafe Responsabilidades Parentais, é dito que "os pais reconhecem mutuamente a sua competência e a sua responsabilidade, cabendo a ambos o exercício conjunto das responsabilidades parentais””

o)             Concluindo que: “... resulta evidente do texto do acordo homologado que as responsabilidades parentais foram sempre exercidas em comum, cumprindo a previsão normativa em causa e sendo por isso aplicável a referida dedução, constando a dependente de ambas as declarações de IRS”, acrescendo que “... em 2015, a B... constava das declarações de rendimentos de ambos os progenitores porque era entre ambos dividido o tempo e todas as despesas da B..., conforme também resulta do acordo homologado”.

p)           Pelo que “... é ilegal a correção proposta pela Autoridade Tributária, por se basear numa interpretação errónea do preceito legal e de uma incorreta interpretação do Acordo de regulação das responsabilidades parentais, devendo o ato tributário em causa ser anulado”.

q)           Relativamente à falta de fundamentação do acto de indeferimento da reclamação graciosa refere: “de tudo o que consta neste requerimento foi dado conhecimento à Autoridade Tributária, que na decisão da Reclamação Graciosa adota uma argumentação completamente contraditória, chegando a uma conclusão ininteligível, socorrendo-se de um preceito legal que nem sequer chegou a citar corretamente”, pelo que “... caso nada do que ficou supra exposto colha entendimento favorável, e por mera cautela de patrocínio sempre se dirá que o ato sofre de falta de fundamentação, pelo que será anulável nos termos do artigo nº 268º, nº 3, da CRP, do artigo nº 77º da LGT, e do artigo 152º  do CPA”.

 

r)            Notificada a Requerida, respondeu em 14.01.2019, defendendo-se por excepção e por impugnação, nos termos seguintes:

s)            Quanto à defesa por excepção invoca a “caducidade do pedido de pronúncia arbitral” referindo que “nos termos do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, o prazo para apresentação do pedido de constituição do Tribunal Arbitral é de 90 dias contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, in caso, do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte” e porque “... o Requerente vem impugnar o ato de liquidação adicional de IRS n.º 2018 ... referente ao ano de 2015, cuja data limite de pagamento ocorre a 16.05.2018 vide demonstração de acerto de contas n.º   2018...” ... “não pode deixar de concluir-se que o presente pedido de pronúncia arbitral apresentado em 18.09.2018 é manifestamente extemporâneo”.

t)            Acrescenta: “é certo que, a 16.05.2018 o Requerente deduziu reclamação graciosa processo de reclamação graciosa ...2018... que foi indeferido por despacho de 26.06.2018”, “contudo, o objeto dos presentes autos, como resulta do teor do pedido formulado pelo Requerente, é o ato de liquidação e não o ato de indeferimento da reclamação graciosa, que consubstancia atos diferente no conteúdo, na forma e nos requisitos legais”. “Estamos perante intervenções processualmente distintas e diferenciadas”.

u)           Uma vez que “o objeto dos presentes autos, no que importa à sua pretensão, é fixado pelo seu pedido e causa de pedir, não sendo irrelevante o modo como o mesmo vem enunciado no seu pedido de pronúncia arbitral”, “conforme se verifica pela leitura do pedido o Requerente vem solicitar ao Tribunal: “A declaração de ilegalidade, e consequente anulação do ato de liquidação relativa ao IRS de 2015 número 2018...”” 

v)            E conclui: “o objeto do pedido, expressamente delimitado pelo Requerente, é a invocada ilegalidade dos atos de liquidação e não o indeferimento da reclamação graciosa apresentada. Assim, a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral formulado é aferida em relação ao ato de liquidação”. “De referir, aliás, que em momento algum da petição, o Requerente faz qualquer apreciação ao indeferimento da reclamação graciosa e aos seus fundamentos, não tendo, aliás, formulado qualquer pedido sobre tal aquela decisão”.

w)          E porque “estando os poderes de cognição do Tribunal limitados pelo pedido, fica o Tribunal impedido de apreciar e declarar a ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação, por intempestivo, devendo, nestes termos, a AT ser absolvida da instância”, “neste sentido veja-se, a título de exemplo, o acórdão proferido no processo nº 261/2013-T, onde a exceção da intempestividade, deduzida pela AT com fundamentos semelhantes aos invocados nos presentes autos, foi considerada procedente”, onde a AT defendeu, conforme se transcreve “não obstante ter feito alusão e identificadas as circunstâncias da existência de reclamação graciosa e do indeferimento tácito, a verdade e que a Requerente não formulou/concretizou ao Tribunal qualquer pedido tendente à anulação do indeferimento tácito que operou, decorrente da sua reclamação graciosa.” “Não o tendo feito, ou seja, não tendo a requerente sindicado o acto em segundo grau (o indeferimento tácito da reclamação graciosa) o pedido arbitral é intempestivo e, consequentemente, o Tribunal não pode apreciar o pedido formulado quanto ao acto de autoliquidação”.

x)            E nesse processo “... o Tribunal decidiu o seguinte, uma vez que os seus poderes de cognição estão limitados pelo pedido: “assim se, por um lado, é inequívoco que a Requerente ao identificar e formular o seu pedido arbitral não fez a mais ténue alusão à impugnação do acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentou em 30 de Maio de 2013, por outro, é também bem claro que a Requerente identifica como objecto do pedido arbitral o acto de autoliquidação de IRC e derrama municipal cuja declaração de ilegalidade parcial e consequente anulação parcial pede a este Tribunal”. “Não podemos, pois, deixar de concordar com a Requerida quando na sua Resposta escreve que a Requerente não formulou/concretizou ao Tribunal qualquer pedido de anulação do indeferimento tácito que operou, decorrente da sua reclamação.” 

y)            Acrescenta: “no mesmo sentido, veja-se ainda a decisão arbitral proferida no processo n.º 763/2014-T”.

z)            Em conclusão refere: “... o verdadeiro e único pedido de pronúncia formulado pela Requerente foi o de anulação do ato tributário da liquidação de IRS, com a correspondente restituição de imposto indevidamente pago e o pagamento de juros indemnizatórios”, pelo que “... sendo o ataque dirigido exclusivamente aos atos tributários de liquidação, mostra-se claramente ultrapassado o prazo de 90 dias legalmente definido para a sua impugnação, em sede arbitral, contado a partir do dia seguinte ao término do prazo de pagamento voluntário da prestação tributária, nos termos do artigo 10.º do RJAT, conjugado com o artigo 102.º n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”)”, resultando que “... se verifica no caso em apreço a caducidade do direito de ação, o que constitui uma exceção dilatória que determina a absolvição da Requerida da instância ao abrigo da alínea h) do n.º 1 do artigo 89º do CPTA e alínea e) do nº 1 do 287º do CPC, aplicável ex vi art.º 2.º do RJAT a qual, desde já, se requer”.

aa)         Relativamente à defesa por impugnação refere a AT que “a questão em apreço nos presentes autos consiste em saber se se encontram verificados todos os pressupostos para a dedução de despesas da filha do requerente ao abrigo do artigo 78.º do CIRS”.

bb)         Para isso “... importa primeiro analisar o disposto no acordo parental quanto à matéria de repartição de responsabilidades parentais: “I - Residência:  A B... fica a residir com a mãe que exercerá também a função de encarregada de educação. II - Responsabilidades Parentais: A) Os pais reconhecem mutuamente a sua competência e a sua responsabilidade, cabendo a ambos o EXERCÍCIO CONJUNTO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS. B) Assim, os pais concordam em consultarem-se mutuamente acerca de todas as decisões importantes relativas à educação, saúde, religião e bem-estar da sua filha antes da tomada das decisões definitivas. IV - Partilha do Tempo: Fins-de-semana:  A B... passará com o pai 2 (dois) fins-de-semana alternados por mês.  Durante a semana:  A B... pernoitará 2 (duas) vezes por semana com o pai. Nestas noites o pai irá buscar a B... à escola e no dia seguinte levá-la-á às aulas.””

cc)          A Requerida sustenta que à data dos factos é aplicável o nº 9 do artigo 78º do CIRS, na redacção vigente antes da alteração ocorrida pela Lei 82-E/2014 de 31.12 (alteração que   produziu efeitos segundo o seu artigo 17.º, a partir de 1 de janeiro de 2015) e refere que, por força do regime do artigo 11º nºs 1 e 2 da LGT, “ da interpretação conjugada do artigo 78.º do CIRS com o n.º 3 do artigo 1096.º do Código Civil resulta evidente que a norma fiscal apenas abrange as situações de residência alternada” pela razão de que “... o exercício comum das responsabilidades parentais traduz-se efetivamente: “na consulta mútua sobre todas as decisões importantes relativas à educação, saúde, religião e bem-estar da sua filha antes da tomada das decisões definitivas”, face ao nº 1 do artigo 1096.º do Código Civil e face ao acordo de regulação do poder paternal”.

dd)         Conclui que “se a residência for comum, - no caso da residência alternada -, o exercício das responsabilidades parentais é comum; se a residência ... for determinada no Acordo de Regulação do Poder Paternal apenas em casa de um dos progenitores – como se verifica no caso em apreço - o exercício da responsabilidade parental não é comum, compete  apenas ao progenitor que reside com o menor”.

ee)         Acrescentando que “em suma, as regras do IRS são: a) Se o regime for de residência não alternada, as despesas são deduzidas na totalidade pelo progenitor em cujo agregado os dependentes se integrem. b) Se o regime for de residência alternada, cada um dos progenitores deduz metade das despesas relacionadas com os filhos. Ou seja, os dependentes aparecem nas declarações de ambos e as despesas são consideradas em metade para cada um deles”, pelo que o Requerente “... apenas poderia deduzir as despesas relativas à sua filha menor, caso o acordo tivesse estabelecido o regime de residência alternada, o que não se verifica no caso em apreço”, indicando que “neste sentido também se pronunciou o provedor de Justiça em carta enviada ao presidente da reforma de IRS a 18.07.2014” quanto à redacção do 9 do artigo 78º do CIRS vigente até 31.12.2014.

ff)           Pugna pela improcedência total do PPA.

gg)         Quanto à alegada falta de fundamentação da decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa refere que é “... evidente que o Requerente compreendeu cabalmente o teor da decisão, como é manifesto da leitura do presente pedido de pronúncia arbitral”. “Aliás, da leitura do processo administrativo, resulta claro, estarem plena e cabalmente fundamentados e em conformidade legal os atos decisórios impugnados”. “Um homem médio colocado na posição de destinatário, conseguiria apreender o seu sentido”, pelo que o que se verifica é que “... o Requerente não se querer conformar com o ato de ora atacado, como claramente transparece do seu pedido de pronúncia”.

 

hh)         Por despacho de 16.01.2019 foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT. Nesse mesmo despacho, foi convidado o Requerente a pronunciar-se sobre a excepção de caducidade invocada pela Requerida. Também nesse despacho foi o Requerente convidado a corrigir o PPA, nos termos, nomeadamente, da alínea c) do artigo 18º do RJAT, aperfeiçoando-o face à dissonância entre a causa de pedir e o pedido formalizado a final.

ii)            Por requerimento de 25.01.2018 o Requerente veio aperfeiçoar a parte final do PPA, indicando o seguinte “deve ...ler-se no final do PPA: Deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado procedente, por provado, e, em consequência: 1. Ser anulado o acto que indeferiu a Reclamação Graciosa, e consequentemente, 2. Ser declarada a ilegalidade e a anulação do acto de liquidação relativa ao IRS de 2015 número 2018..., devendo o mesmo ser substituído pela liquidação original; 3.bem como a anulação da liquidação de juros nº 2018... (Doc. 8); e 4.          Ser a Autoridade Tributária condenada a devolver ao Requerente o montante de € 675,57 (seiscentos e setenta e cinco euros e cinquenta e sete cêntimos) referente ao IRS e aos juros compensatórios, acrescido de juros indemnizatórios, desde o pagamento das liquidações até ao reembolso efetivo das quantias devidas”. Quanto à excepção veio referir que “... resulta claro que o Requerente apresentou Reclamação Graciosa do acto de liquidação cuja anulação se pretende, pelo que deverá ser sempre esse o facto a partir do qual se inicia a contagem do referido prazo”, pelo que “... clarificado e aperfeiçoado o pedido, no seguimento do douto convite feito por este TAS, não se vislumbra qualquer fundamento que possa servir de base a uma eventual excepção de caducidade, pelo que sempre se dirá que foi tempestiva a apresentação deste PPA”.

jj)           A AT não se pronunciou sobre o convite feito ao Requerente para aperfeiçoar o PPA.

 

kk)         Por despacho de 05 de Fevereiro de 2019, foram convidadas as partes a apresentar alegações escritas. Foi ainda a AT convidada a pronunciar-se sobre requerimento do Requerente que procedeu ao aperfeiçoamento do PPA. Neste despacho foi ainda agendado o dia 01 de Abril de 2019, como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.

 

ll)            Em alegações concluiu o Requerente o seguinte: “(1) A liquidação ora impugnada teve origem numa errada interpretação do Acordo de Responsabilidades Parentais. (2) Argumentou a AT que o Requerente não podia deduzir as despesas referentes à sua dependente por não ser um caso de Guarda Conjunta, desencadeando uma liquidação oficiosa ilegal, como se demonstrou. (3) Em sede de Reclamação Graciosa, o Requerente explicou que a Guarda Conjunta não era pressuposto da referida dedução, mas que as Responsabilidades Parentais exercidas em comum estavam verificadas, apresentando o Acordo de Responsabilidades Parentais que já havia sido junto. (4) A Reclamação Graciosa foi indeferida com fundamento no facto de não estarmos perante um caso de Guarda Conjunta e de a residência estabelecida no Acordo de Responsabilidades ter sido atribuída à mãe da B... . (5) Ora, nem a Guarda Conjunta, nem a residência dos dependentes eram pressupostos da dedução, como se demonstrou. (6) Sem prejuízo disso, entendemos que do texto do Acordo de Responsabilidades Parentais, resulta uma situação de residência alternada, já que a menor divide o seu tempo entre a casa da mãe e do pai. (7) No referido Acordo a residência é atribuída à mãe, porque não é possível ter duas moradas no Cartão do Cidadão. (8) Assim sendo, não se entreveem motivos para que não se considerem as deduções previstas no artigo 78º do CIRS para ambos os progenitores...”.

mm)      A Requerida contra-alegou mantendo o que já tinha referido em sede de reclamação graciosa (RG) e de Resposta ao PPA. Não se pronunciou sobre o requerimento do Requerente relativo ao aperfeiçoamento do PPA.

 

II – SANEAMENTO

 

a)            As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

b)           O pedido de pronúncia foi apresentado em 18 de Setembro de 2018 e a notificação da decisão que recaiu sobre o a reclamação graciosa foi levada a efeito pela AT através de Ofício com data de 27.06.2018. Uma vez que, como acima se referiu, a AT invoca a intempestividade na sua apresentação, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, o que conduz à caducidade do direito de acção, relega-se para a parte da decisão de mérito a sua apreciação.

c)            O procedimento arbitral não padece de nulidades.

 

Cumpre apreciar.

 

III - MÉRITO

III-1- MATÉRIA DE FACTO

 

•             Factos dados como provados 

 

Considera-se dada como provada a seguinte matéria de facto:

 

a)            Em 31 de Maio de 2016 o Requerente apresentou a declaração de IRS referente ao período de 01.01.2015 a 31.12.2015  e indicou ao abrigo do artigo 78º do CIRS, valores de despesas relativamente a sua filha B...– conforme 5º, 6º e 7º do PPA, documento nº 4 em anexo ao PPA, folha 3 do documento nº 7 junto com o PPA e falta de impugnação especificada destes factos pela Requerida (artigo 110º-7 do CPPT);

b)           Em data não concretamente apurada, o Requerente foi notificado para juntar comprovativo do seu estado civil e da homologação da Regulação do Poder Paternal (RPP), o que levou a efeito, também, em data não concretamente apurada – conforme artigos 8º e 9º do PPA e falta de impugnação especificada destes factos pela Requerida (artigo 110º-7 do CPPT);

c)            Em 06 de Abril de 2018 foi emitida pela AT a liquidação  oficiosa de IRS com o número 2018..., respeitante ao exercício de 2015, com reembolso de € 90,13, dada a compensação nº 2018..., correspondendo a um montante a pagar à Autoridade Tributária de € 675,57, incluindo juros compensatórios liquidados com o nº 2018..., de € 40,56.  – conforme artigo 11º do PPA, documentos nºs 1 e 2 juntos com o PPA e artigo 1º da Resposta da AT;

d)           Com data de 09 de Abril de 2018 a AT remeteu ao Requerente o ofício nº ... com o seguinte teor “Assunto: NOTIFICAÇÃO RESULTANTE DE ANÁLISE DE DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS DE IRS (ARTO 770 DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA). Fica(m) V.Exa(s) por este meio notificado(s), nos termos do artº 77º da LGT (Lei Geral Tributária), da fundamentação das correções meramente aritméticas, efectuadas ao rendimento tributável/imposto do ano de 2015. A notificação da liquidação associada às correções anteriormente mencionadas, é da competência dos Serviços Centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, na qual constam os prazos e meios de defesa contra a liquidação”, juntando-se a fundamentação, onde se refere “como não reunia os pressupostos para ser considerada a Guarda Conjunta e tendo em vista regularização da situação tributária procedeu-se à notificação do sujeito passivo através do ofício ... de 31.01.2018, com carta registada, para no prazo de 15 dias exercer o direito de audição prévia previsto no artigo 60º da Lei Geral Tributária. Dado exposto e tendo em atenção de que o sujeito passivo não procedeu a qualquer correcção, propõe-se que o projecto.de decisão supra mencionado se convole em definitivo com a elaboração de documento de correcção oficiosa de modo a suprimir o dependente  (NIF...) da declaração em análise e ao levantamento do auto de noticia nos termos do artigo 119º do RGIT.” – conforme artigo 10º do PPA e Documento nº 5 junto com o PPA;

e)           Não se conformando com as liquidações, em data não concretamente apurada, o Requerente apresentou uma reclamação graciosa (RG), a qual, após notificação para audição prévia, lhe foi indeferida e comunicada a decisão de indeferimento por ofício datado de 27 de Junho de 2018, com a seguinte fundamentação: “Vem C... mandatário de A... contribuinte nº ... reclamar da liquidação nº 2018 ... de IRS do ano de 2015.

O requerente tem legitimidade, o pedido está em tempo, este é o serviço competente e a reclamação é o meio próprio de processo.

O reclamante vem alegar que “” ... apresentou a declaração de IRS referente ao ano de 2015   atempadamente" e que "Na referida declaração deduziu ao abrigo do artigo 78º do CIRS os valores a que tinha direito relativamente a B..., sua filha.”

De acordo com os elementos juntos aos autos e os constantes do sistema informático, verificou-se que:

O reclamante apresentou a declaração modelo 3 de IRS do ano de 2015 (JI 10741), em 2016-05-31 tendo dado origem á liquidação reclamada nº 2016... .

Foi efetuada análise da declaração quanto à dependente que constava em guarda conjunta tendo resultado dos documentos apresentados (Acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais), com despacho de 06-01-2014, do Sistema de Mediação Familiar do Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios, que a guarda da mesma pertence à mãe.

Não tendo o reclamante procedido à substituição da declaração, e de acordo com o despacho de 15 de março último, exarado no procedimento da Análise declarativa, foi efetuada declaração oficiosa (...), em 2018-03-21, tendo dado origem à liquidação nº 2018 ... reclamada.

Pelo exposto verifica-se que a dependente não reúne as condições para integrar o agregado familiar do reclamante, nos termos do nº 9 do artigo 13º do CIRS "Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, quando as responsabilidades parentais são exercidas em comum por ambos os progenitores, os dependentes previstos na alínea a) do nº 5 são considerados como integrando:” – conforme artigo 1º e 12º do PPA e documento nº 3 e 7 juntos com o PPA;

f)            Em 18 de Setembro de 2018 o Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral.

 

•             Factos não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

•             Fundamentação dos factos provados e não provados

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.  

A Requerida não apresentou um PA com conteúdo, constando apenas duas folhas sem quaisquer elementos. Face aos documentos juntos pelo Requerente em anexo ao PPA, configura-se que a prova necessária não resultou impossível, nem de considerável dificuldade (nº 6 do artigo 84º do CPTA por força do artigo 29º nº 1 alínea c) do RJAT).

 

III-2- DO DIREITO

 

São as seguintes as questões de direito a decidir:

•             Se ocorreu, no caso, apresentação extemporânea do PPA que conduziu à caducidade do pedido de pronúncia arbitral (caducidade do direito de acção);

•             Se as liquidações oficiosas de IRS e de juros, (e bem assim a decisão de indeferimento da RG que as manteve), levadas a efeito pela AT, padecem de desconformidade com origem em errónea interpretação do acordo sobre as responsabilidades parentais (RPP) e com a lei aplicável.

•             Caso proceda o PPA, se há direito a reembolso de valores pagos e se o Requerente tem direito aos juros indemnizatórios.

 

III-2-Quanto ao mérito

 

A)           Extemporaneidade do PPA. Caducidade do direito de acção.

 

Em primeiro lugar, cumpre referir que constitui jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Administrativo que, no caso de pedido de reclamação graciosa, o prazo para a impugnação (que o mesmo é dizer, para pedir a constituição de tribunal arbitral) se não conta da data limite para pagamento voluntário, mas daquela em que é notificada a decisão de indeferimento daquele pedido.

Por outro lado, também é pacífico que a decisão que recai sobre o pedido reclamação graciosa pode ser judicialmente impugnada e que, na medida em que conserve o ato de liquidação, este é igualmente objeto mediato dessa impugnação - conforme os artigos 95º nºs. 1 e 2 alínea a) da Lei Geral Tributária e 102º nº1 alínea e) do CPPT.

No caso em apreço, o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que a Requerente apresentou aquele pedido em 18 de Setembro de 2018 e a data constante do ofício de notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa é de 27 de Junho de 2018, conforme alíneas e) e f) dos factos provados.

Termos em que, sendo tempestivo o pedido de constituição do tribunal arbitral, improcede a excepção de extemporaneidade.

 

No entanto, a Requerida veio invocar a suprarreferida excepção, como justificação para, depois, invocar a caducidade do direito de acção, partindo da manifesta incongruência entre a forma como a causa de pedir é expressa e a forma como o pedido foi redigido. Refere o seguinte:

•             “O Requerente vem impugnar o ato de liquidação adicional de IRS n.º 2018 ... referente ao ano de 2015, cuja data limite de pagamento ocorre a 16.05.2018 vide demonstração de acerto de contas n.º 2018... . Assim não pode deixar de concluir-se que o presente pedido de pronúncia arbitral apresentado em 18.09.2018 é manifestamente extemporâneo.”

•             “É certo que, a 16.05.2018 o Requerente deduziu reclamação graciosa processo de reclamação graciosa ...2018... que foi indeferido por despacho de 26.06.2018. Contudo, o objeto dos presentes autos, como resulta do teor do pedido formulado pelo Requerente, é o ato de liquidação e não o ato de indeferimento da reclamação graciosa, que consubstancia atos diferente no conteúdo, na forma e nos requisitos legais. Estamos perante intervenções processualmente distintas e diferenciadas.”

•             “O objeto dos presentes autos, no que importa à sua pretensão, é fixado pelo seu pedido e causa de pedir, não sendo irrelevante o modo como o mesmo vem enunciado no seu pedido de pronúncia arbitral. Conforme se verifica pela leitura do pedido o Requerente vem solicitar ao Tribunal: “A declaração de ilegalidade, e consequente anulação do ato de liquidação relativa ao IRS de 2015 número 2018...;”

•             “O objeto do pedido, expressamente delimitado pelo Requerente, é a invocada ilegalidade dos atos de liquidação e não o indeferimento da reclamação graciosa apresentada.” 

•             E conclui “Assim, a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral formulado é aferida em relação ao ato de liquidação.  De referir, aliás, que em momento algum da petição, o Requerente faz qualquer apreciação ao indeferimento da reclamação graciosa e aos seus fundamentos, não tendo, aliás, formulado qualquer pedido sobre tal aquela decisão”

De facto, o Requerente no PPA terminou, formalizando o petitório final, da seguinte forma: “Deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado procedente, por provado, e, em consequência (1) ser declarada a ilegalidade, e consequentemente a anulação do acto de liquidação relativa ao IRS de 2015 número 2018..., devendo o mesmo ser substituído pela liquidação original; (2) bem como a anulação da liquidação de juros n. 2 2018...; (3) ser a Autoridade Tributária condenada a devolver ao Requerente o montante de € 675,57 (seiscentos e setenta e cinco euros e cinquenta e sete cêntimos) referente ao IRS e aos juros compensatórios, acrescido de juros indemnizatórios, desde o pagamento das liquidações até ao reembolso efetivo das quantias devidas”. Ou seja, o Requerente omitiu um pedido expresso e claro de anulação da decisão que recaíu sobre a RG, deduzida contra as liquidações aqui impugnadas (IRS e juros) e que as manteve.

 

Afigura-se-nos, no entanto, que o Requerente não pede, apenas, que seja declarada a “ilegalidade” das liquidações. Peticiona que “seja declarada a ilegalidade” de forma abstracta e não, apenas, aferida às liquidações. Pelo menos, será este um dos sentidos que se pode atribuir à formulação usada.

Por outro lado, em termos de fundamentos (causa de pedir), o Requerente referiu no artigo 12º do PPA “após essa liquidação, o Requerente apresentou reclamação graciosa, que foi igualmente indeferida, porque a AT insistiu no entendimento que anteriormente havia seguido”, assacando, no fundo, ao indeferimento da RG a mesma desconformidade que aduziu contra as liquidações impugnadas.

E nos artigos 31º e 32º do PPA o Requerente, invoca a “...FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO DE INDEFERIMENTO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA”, refere que “de tudo o que consta neste requerimento foi dado conhecimento à Autoridade Tributária, que na decisão da Reclamação Graciosa adota uma argumentação completamente contraditória, chegando a uma conclusão ininteligível, socorrendo-se de um preceito legal que nem sequer chegou a citar corretamente. Assim sendo, caso nada do que ficou supra exposto colha entendimento favorável, e por mera cautela de patrocínio sempre se dirá que o ato sofre de falta de fundamentação, pelo que será anulável nos termos do artigo nº 268º nº 3, da CRP, do artigo nº 77º da LGT, e do artigo 152º do CPA.”

 

Assim, não foi possível acolher a alegação, (salvo quanto à falta de formalização adequada do pedido, em consonância com a causa de pedir, de anulação da decisão que recaiu sobre a RG), de que “em momento algum da petição, o Requerente faz qualquer apreciação ao indeferimento da reclamação graciosa e aos seus fundamentos, não tendo, aliás, formulado qualquer pedido sobre tal aquela decisão”.

Acrescente-se que a situação descrita, permitiria ao Requerente “ampliar” o pedido, em consonância com a causa de pedir (nº 2 do artigo 265º do CPC, aplicável por força da alínea e) do nº 1 do artigo 29º do RJAT).

Ora, foi nestas circunstâncias que o TAS, face ao teor da alínea c) do nº 1 do artigo 18º do RJAT, uma vez que, no caso, foi dispensada a realização da reunião de partes, convidou o Requerente a aperfeiçoar o pedido, tendo em conta a dissonância com a causa de pedir (alínea hh) do Relatório).

O Requerente veio aperfeiçoar o pedido (conforme alínea ii) do Relatório), na prática, ampliando-o, no sentido de abranger a anulação da decisão que recaiu sobre a RG.

Nestes termos, improcede a invocada excepção de caducidade do direito de acção.

 

 

B)           Ilegalidade da decisão que recaiu sobre a RG e das liquidações.

Na fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, reproduzida em e) dos factos provados, verifica-se que a AT entendeu que

“a dependente não reúne as condições para integrar o agregado familiar do reclamante, nos termos do nº 9 do artigo 13º do CIRS”;

mas em sede Resposta veio a AT referir algo diverso:

“A questão em apreço nos presentes autos consiste em saber se se encontram verificados todos os pressupostos para a dedução de despesas da filha do requerente ao abrigo do artigo 78.º do CIRS” (artigo 24º);

A fundamentação da decisão que recaiu sobre a RG, está em conformidade com o que foi comunicado à Requerente, em sede procedimento de análise da declaração de rendimentos e consta da alínea d) dos factos provados

““como não reunia os pressupostos para ser considerada a Guarda Conjunta e tendo em vista regularização da situação tributária procedeu-se à notificação do sujeito passivo através do ofício ... de 31.01.2018, com carta registada, para no prazo de 15 dias exercer o direito de audição prévia previsto no artigo 60º da Lei Geral Tributária. Dado exposto e tendo em atenção de que o sujeito passivo não procedeu a qualquer correcção, propõe-se que o projecto.de decisão supramencionado se convole em definitivo com a elaboração de documento de correcção oficiosa de modo a suprimir o dependente (NIF...) da declaração em análise e ao levantamento do auto de noticia nos termos do artigo 119º do RGIT.”

Refira-se, em primeiro lugar, que será irrelevante a fundamentação a posteriori, tendo os actos cuja legalidade é questionada de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. (vide acórdãos do STA de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207, de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-2-2004, página 4289, de 09/10/2002, processo n.º 600/02, de 12/03/2003, processo n.º 1661/02).

Será de concluir, pelo acima referido, que a Requerida, por um lado (na Resposta), sustenta a sua posição, não na redacção do 9º do artigo 78º do Código do IRS, vigente a partir de Janeiro de 2015, mas sim na redacção da disposição legal anterior, vigente até 31 de Dezembro de 2014.

Na fundamentação da decisão da RG a Requerida sustenta a sua posição com fundamento no nº 9 do artigo 13º do Código do IRS.

No artigo 29º da Resposta, refere-se, que à data os factos, estava em vigor a redacção do nº 9 do artigo 78º do CIRS, vigente até 31.12.2014.

Ora, o período de tributação a que se refere o dissídio, é de 01.01.2015 até 31.12.2015, como se comprova pelo que se considerou provado em a) dos factos assentes.

Com efeito, o artigo 2º da Lei 82-E/2014 de 31.12, que iniciou a produção de efeitos em 01.01.2015 (segundo o nº 1 do seu artigo 17º) veio fixar a seguinte redacção do nº 9 do artigo 78º do Código do IRS: “Sempre que o mesmo dependente ou ascendente conste de mais do que uma declaração de rendimentos, o valor das deduções à coleta previstas no presente Código por referência a dependentes ou ascendentes é reduzido para metade, por sujeito passivo”.

Configura-se, pelo descrito, que é esta a norma aplicável ao caso aqui em discussão.

A singeleza da norma do nº 9 do artigo 78º do Código do IRS, tal como se mostra redigida, desde 01.01.2015, bastar-se-á a si própria, para os efeitos de solucionar o que aqui  se discute (deduções à colecta de despesas legalmente elegíveis, para dedução à colecta de IRS, desde que comprovadamente realizadas com os dependentes do sujeito passivo), não se evidenciando, perante a sua literalidade, a necessidade de recorrer a conceitos de direito da família, nem à norma ou normas que aludem ao conceito de agregado familiar, para efeitos fiscais.

O mesmo se poderá afirmar relativamente à escolha, da residência da menor (claramente um domicílio electivo – artigo 84º do Código Civil) em casa da progenitora, fixada na RPP, como elemento determinante para se ter que concluir, obrigatoriamente, que as responsabilidades parentais, apenas por este facto, devem considerar-se exercidas, apenas pela progenitora.

Aqui não se discutiu que as despesas que o Requerente inscreveu na primitiva declaração de IRS, que apresentou no prazo legal, não eram elegíveis para dedução à colecta do IRS.

No caso, resulta do acordo de RPP relativo a dependente menor, que a mesma, num universo de duas semanas de (14 dias seguidos, de segunda-feira inclusive a Domingo inclusive), dado passar os fins-de-semana alternadamente com os progenitores, acaba por poder pernoitar em casa do pai 7 noites e em casa da mãe outras 7 noites.

Pelo que se concluirá, que a “residência” da menor, em termos comuns, face à RPP, é repartida entre o domicílio do pai e o domicílio da mãe, não se configurando existirem nos autos, elementos que permitam concluir que, entre os progenitores, não ocorre, o exercício em comum, das responsabilidades parentais, com relevância para o IRS, permitindo a aplicação do regime que consta do nº 9 do artigo 78º do Código do IRS.

Procede, pois, o pedido de pronúncia arbitral.

Face à solução a que aqui se chegou, que permite a anulação dos actos aqui impugnados (liquidações e decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa), o que tutela eficazmente os direitos em presença, fica prejudicada apreciação do vício de falta de fundamento da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

 

C)           Direito ao reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

A Requerente formula o pedido de restituição do valor de € 675,57 relativos ao IRS e juros compensatórios, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.

O artigo 24.º, n.º 1, al. b) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), estatui que em caso de procedência da decisão arbitral que a AT deve: “(…)restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito;”.

                No caso concreto, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação oficiosa, há lugar a reembolso do imposto pago ilegalmente e dos juros, por força dos artigos 24.º, n. º1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

Assim sendo, a Requerente deve ser reembolsada do imposto e dos juros que suportou ilegalmente, por via e na medida da inconsideração das deduções à colecta de despesas que apresentou, no âmbito do nº 9 do artigo 78º do CIRS

 

A Requerente formulou ainda um pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, por isso há que apurar se tem direito aos mesmos.

O artigo 43.º, n.º 1, da LGT dispõe que: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

Por outras palavras, são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) a existência de um erro em acto de liquidação de imposto imputável aos serviços; ii) a determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e iii) o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Deste modo, é logo possível formular uma questão: é admissível determinar o pagamento de juros indemnizatórios em processo arbitral tributário? A resposta à questão é afirmativa.

Com efeito, o artigo 24.º, n.º 5 do RJAT dispõe que: “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas.

Resulta do exposto que deve ocorrer o pagamento de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido do imposto e dos juros (por compensação) até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do acto de liquidação oficiosa de IRS e da liquidação de juros compensatórios, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

 

IV. DECISÃO

 

 Termos em que, com os fundamentos expostos:

a)            Julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando-se em desconformidade com o nº 9 do artigo 78º do Código do IRS: (1) a liquidação  oficiosa de IRS com o número 2018..., respeitante ao exercício de 2015, com reembolso de € 90,13; (2) a compensação 2018..., correspondendo a um montante a pagar à Autoridade Tributária de € 675,57; (3) a liquidação dos juros compensatórios com o nº 2018... de € 40,56. Igual desconformidade se verifica quanto à decisão de indeferimento da reclamação graciosa indicada em e) dos factos provados que manteve as liquidações reclamadas.

b)           Anulam-se as liquidações e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

c)            Condena-se a Requerida a reembolsar à Requerente a quantia de 675,57 euros, que inclui IRS e juros, na medida em que deve manter-se a liquidação de IRS que resultou da apresentação da Declaração de Modelo 3 do IRS, do ano de 2015.

d)           Julga-se procedente o pedido de pagamento, à Requerente, de juros indemnizatórios, contados à taxa legal, com termo inicial desde a data em que se considerou pagamento indevido do imposto e dos juros e até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

V - VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em 675,57 €, nos termos do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

VI – CUSTAS

Custas a suportar pela Requerida, no montante de 306,00 €, conforme o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

Notifique.

 

Lisboa, 16 de Março de 2019

Tribunal Arbitral Singular,

 

Augusto Vieira