Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 427/2018-T
Data da decisão: 2019-03-04  Selo  
Valor do pedido: € 78.886,73
Tema: Verba 28.1 da TGIS – Terrenos para construção
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Acórdão Arbitral

 

I – Relatório

 

  1. A A..., LDA – EM LIQUIDAÇÃO (doravante, “Requerente”), com o NIPC ..., com sede na Rua ... n.º..., ..., sala ..., ...-... Lisboa, aqui representada pelo seu Administrador de Insolvência, apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante "RJAT"), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante "AT" ou "Requerida").
  2. A Requerente vem pedir, em cumulação de pedidos, a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2017..., e consequente anulação, dos actos de liquidação em sede de Imposto do Selo (doravante "IS") ao abrigo do artigo 1.º, 1 do Código do IS (doravante, "CIS") e da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante "TGIS"), relativos aos prédios com os artigos ..., ..., ..., sitos na freguesia de ... (...), concelho de ..., de que a Requerente era então titular, e formalizados nas liquidações n.ºs 2016..., n.º 2016 ... e  n.º 2016 ... (U-...), n.º 2016..., n.º 2016 ... e n.º 2016 ... (U-...), n.º 2016 ..., n.º 2016 ... e n.º 2016 ... (U-...), no valor global de €78.886,73.
  3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 24-10-2018.
  4. O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 14-11-2018; foi-o regularmente e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), 5º, 6º, n.º 1, e 11º, n.º 1, do RJAT (com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro).
  5. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 17º do RJAT, foi a AT notificada, em 15-11-2018, para apresentar resposta.
  6. A AT apresentou a sua Resposta em 13-12-2018.
  7. Nessa resposta a AT pugna, em síntese, pela total improcedência do pedido da Requerente.
  8. O Despacho Arbitral de 02-01-2018 dispensou a realização da reunião a que alude o art. 18º do RJAT, e facultou às partes a faculdade de apresentarem alegações escritas, o que fizeram, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas
  9. O processo não enferma de nulidades e não subsistem mais questões, prévias ou subsequentes, prejudiciais ou de excepção, que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.
  10. A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
  11. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade, nos termos dos arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

II – Fundamentação: a matéria de facto

 

II.A. Factos que se consideram provados e com relevância para a decisão

  1. A Requerente é uma sociedade comercial constituída sob a forma de sociedade por quotas, cujo objecto social incluía, entre outros, o comércio de imóveis, compra e venda e revenda de prédios adquiridos para esse fim.
  2. A Requerente foi declarada insolvente, por sentença proferida no âmbito do processo n.º .../12...TYLSB, em 15-07-2014, pelo Tribunal do Comércio de Lisboa, ... Juízo de Lisboa.
  3. À data da declaração de insolvência, e em 2015, a Requerente era detentora dos seguintes prédios urbanos:
  • Prédio urbano (“terreno para construção”) com o artigo matricial ..., da freguesia de ... (...), concelho de ...;
  • Prédio urbano (“terreno para construção”) com o artigo matricial..., da freguesia de ... (...), concelho de ...;
  • Prédio urbano (“terreno para construção”) com o artigo matricial..., da freguesia de ...(...), concelho de ...;
  1. Em 2015, os prédios urbanos supra referidos estavam inscritos na matriz como “terreno para construção”.
  2. Os referidos prédios urbanos correspondem aos lotes n.ºs 1, 2 e 3 resultantes de uma operação de loteamento cujo Alvará n.º .../2007 foi emitido pela Câmara Municipal de..., no dia 15-11-2007.
  3. Aquando da passagem a prédios urbanos, o destino/afetação previsto para os referidos terrenos para construção era “Habitação”.
  4. Na sequência da emissão em 20-08-2009, pela Câmara Municipal de ... do Aditamento ao Alvará de Loteamento n.º .../2007, o destino dos terrenos para construção foi alterado para “Turismo”.
  5. Na sequência da emissão do referido Aditamento, a Requerente apresentou em 01-09-2009, três Declarações Modelo 1 do IMI, as quais foram devidamente validadas pelo Serviço de Finanças de ... .
  6. As referidas Declarações Modelo 1 do IMI foram apresentadas com fundamento na mudança do destino previsto dos terrenos para construção – “mudança da afectação do prédio”.
  7. As Declarações Modelo 1 do IMI foram instruídas com as plantas de localização/croquis e o projecto de viabilidade construtiva.
  8. A alteração do destino previsto para os terrenos para construção foi registada na Conservatória através da apresentação n.º..., de 8 de setembro de 2009, constando das certidões prediais dos terrenos para construção com a seguinte especificação “Alterar o uso/destino previsto para todos os lotes tutelados pelo alvará passando o uso de habitação para turismo e mantendo os restantes parâmetros urbanísticos inicialmente previstos”.
  9. O Serviço de Finanças de ... não averbou a alteração do destino/afectação dos lotes de terrenos para construção às respectivas matrizes prediais urbanas.
  10. Das fichas de avaliação elaboradas na sequência da apresentação das Declarações Modelo 1 do IMI apresentadas pela Requerente a 01-09-2009, consta como destino/afectação dos terrenos “Habitação”.
  11. No ano de 2015, constava das respectivas cadernetas prediais dos prédios urbanos aqui em causa, no item “Tipo de coeficiente de localização: Habitação”.
  12. As matrizes prediais foram actualizadas pela AT em 2016, na sequência de um requerimento apresentado pelo novo proprietário prédios urbanos, para esse efeito, passando a contar a menção “Serviços”, no campo “Tipo de coeficiente de localização”.
  13. Em 2016, a Requerente foi notificada das seguintes liquidações de Imposto do Selo referentes ao ano de 2015 (e correspondentes à repartição do IS por três prestações):

Artigo matricial

Nº da liquidação

Montante

 

U-...

2016 ...

€10.259,99

2016 ...

€10.259,97

2016 ...

€10.259,97

 

U-...

2016 ...

€6.895,55

2016 ...

€6.895,53

2016 ...

€6.895,53

 

U-...

2016 ...

€9.140,07

2016 ...

€9.140,06

2016 ...

€9.140,06

 

Total

€78.886,73

 

 

  1. As liquidações resultaram da aplicação do art. 1º, 1 do CIS, conjugado com a verba 28.1 da TGIS e com o art. 6º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro.
  2. A Requerente procedeu ao pagamento das terceiras prestações do Imposto do Selo no final do mês de Novembro de 2016, tendo pago as primeiras e as segundas prestações no dia 20-12-2016, no contexto da sua adesão ao Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado (PERES).
  3. Em 30-03-2017, a Requerente apresentou reclamação graciosa tendo por objecto as referidas liquidações de Imposto do Selo.
  4. A Requerente foi notificada do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa através do Ofício n.º..., de 11 de Abril para, querendo, exercer o direito de audição prévia.
  5. Em 30-04-2018, a Requerente, representada pelo Administrador de Insolvência, exerceu por escrito o direito de audição prévia.
  6. A Requerente foi notificada através do Ofício n.º ... datado de 21 de maio de 2018, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

 

 

II.B. Factos que se consideram não provados

 

Inexistem.

 

 

II.C – Fundamentação dos factos provados e não provados

 

  1. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
  2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  3. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

 

III – Fundamentação: a matéria de Direito

 

III.A. Posição da Requerente

 

  1. A Requerente começa por alegar que a incidência objectiva da verba 28.1 da TGIS não pode abarcar prédios que, estando inscritos na matriz como "terrenos para construção", não são subsumíveis ao conceito de "prédios com afectação habitacional", aquele conceito que integra a previsão legal.
  2. Analisando o contexto da introdução da verba 28 da TGIS, a Requerente enfatiza que, mesmo após as alterações introduzidas pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, e que entraram em vigor em 1 de Janeiro de 2014, a tributação continua a cingir-se a situações em que tenha sido autorizada ou prevista uma efectiva edificação no terreno, e que tal edificação se destine a "habitação".
  3. Assim, sustenta, não bastará que a mera inscrição matricial de um prédio o identifique como "terreno para construção", sendo necessário, adicionalmente que, caso a caso, e concretamente, se determine se está prevista ou autorizada a sua utilização "para habitação", o que exigirá que tenha sido promovido com sucesso todo o processo administrativo associado à construção e que exista uma licença/autorização de construção válidas e um projecto aprovado.
  4. Alega a Requerente que as liquidações ora contestadas padecem de ilegalidade por erro sobre os pressupostos de facto, uma vez que assentam no pressuposto errado de que os prédios urbanos tinham, em 2015, uma edificação autorizada ou prevista para “Habitação”, quando, é do seu entendimento que desde 2009, aqueles prédios tinham como afectação/destino “Serviços”.
  5. Sustenta a Requerente que, independentemente da incorrecção das matrizes dos prédios, não restam dúvidas de que as edificações previstas ou autorizadas são, desde 2009, para “Serviços” e não para “Habitação”.
  6. Assim, defende que o facto de na matriz dos prédios constar que os mesmos têm afectação/destino “Habitação”, não a impede de demonstrar que a informação constante da matriz não corresponde à realidade.
  7.  A Requerente suporta o seu entendimento na decisão do CAAD no processo n.º 205/2013-T, na qual se entendeu que tendo-se provado uma realidade substantiva diversa da constante na matriz predial urbana, não poderia a verdade material deixar de prevalecer.
  8. Entende, portanto, a Requerente que os três pressupostos legais cumulativos de que depende a incidência da verba 28.1 da TGIS não estão preenchidos. 
  9. Continua referindo que dos elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito da incidência da Verba 28.1 da TGIS os prédios não habitacionais e os terrenos para construção relativamente aos quais esteja autorizada ou prevista a edificação para fins diferentes da habitação.
  10. Alega, ainda, a Requerente que as liquidações contestadas padecem de vício de falta de fundamentação, nos termos do artigo 152.º, n.º 2 do CPA, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT, uma vez que a AT não logrou demonstrar a verificação do facto tributário de que depende as liquidações.
  11. A Requerente alega ter pago integralmente as quantias liquidadas, pedindo por isso para ser ressarcida e para lhe serem atribuídos juros indemnizatórios, por ter sido indevido esse pagamento e ser identificável um erro imputável aos serviços, nos termos do art. 24º, 1, b), e 5, do RJAT, dos arts. 43º e 100º da LGT e do art. 61º do CPPT.

 

 

III.B. Posição da Requerida

 

  1. Na sua Resposta, a Requerida alega que as liquidações impugnadas são legais, sendo que não se verificou qualquer erro dos serviços na sujeição do prédio em causa à norma da Verba 28. 1 da TGIS.
  2. A Requerida considera que as provas por si carreadas para o processo arbitral, designadamente, as cadernetas prediais comprovam que os prédios em questão tinham, em 2015, afectação habitacional.
  3. A Requerida lembra que a Requerente não pode desconhecer que a caderneta predial é claríssima ao definir para os lotes de terreno para construção em causa, a respectiva área de implantação do edifício e de construção, pelo que é patente a afectação habitacional do edifício. 

 

III.C. Questões a decidir

 

III.C.1 – Do mérito da causa

 

A única questão a dirimir nos presentes autos de processo arbitral tributário prende-se com a aplicação da verba 28.1 da tabela anexa ao CIS (Tabela Geral do Imposto do Selo) aos prédios urbanos (“terrenos para construção”) com o artigo matricial..., ... e..., todos da freguesia de  ... (...), concelho de ... .  

Está, assim, ora em causa a definição do âmbito de incidência da verba nº 28.l. da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, mais concretamente determinar se os terrenos para construção em questão no presente processo podem subsumir-se no conceito de “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” a que alude a referida verba, tendo em conta que o valor patrimonial é superior a € 1.000.000,00.

A questão coloca-se em virtude da tributação em sede de imposto do selo da propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário, constante da matriz, seja igual ou superior a € 1.000.000, caso em que é devido imposto, à taxa de 1%, sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI, por prédio com afectação habitacional.

Esta questão não é nova, tendo sido objecto de apreciação quer na jurisdição arbitral, quer na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo; sendo que, no âmbito da redacção do CIS dada pela Lei n° 55-A/2012, de 29 de Outubro, as decisões proferidas foram-no sempre em sentido contrário ao pretendido pela Administração Tributária[1].

A situação sub iudice, todavia, dá-se num quadro jurídico diferenciado, na medida em que os factos deverão ser apreciados à luz da redacção do CIS introduzida pelo Orçamento de Estado para 2014, Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (artigo 194º, sob a epígrafe - Alteração à Tabela Geral do Imposto do Selo), nos termos do qual a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, passou a ter a seguinte redacção:

«28.1 — Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI — 1 %».

Neste novo quadro legal, foram já proferidas decisões em sede arbitral, igualmente em sentido desfavorável ao sustentado pela AT[2].

A referida jurisprudência assenta no entendimento de que se deverá ter como preenchendo os pressupostos da nova verba 28.1 da TGIS:

no que se refere a terrenos para construção, quer estejam, ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, tal como vem definido no art. 3.º/4 do presente diploma [CIMI], devem, como tal, ser considerados os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida: - licença para operação de loteamento; - licença de construção; - autorização para operação de loteamento; - autorização de construção; - admitida comunicação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção; emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como; - aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, devendo ter-se em atenção que, também para esse efeito, apenas deve relevar o título aquisitivo com a forma preceituada pela lei civil, ou seja, a escritura pública ou o documento particular autenticado referidos no art. 875.º CC.” [vd. ANTÓNIO SANTOS ROCHA / EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS – Tributação do Património. IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotados e Comentados). Coimbra, Almedina, 2015, p. 44].[3]

Também no acórdão proferido no processo arbitral 142/2016T, já citado, que concluiu, igualmente, pela procedência do pedido ali formulado, se pode ler o seguinte:

Não há nestas normas da TGIS e do CIMI indicação do que deve entender-se por «edificação prevista», mas, tendo em conta os documentos exigidos para ser efectuada a avaliação de terrenos para construção, indicados no artigo 37.º, n.º 3, do CIMI, conclui-se que apenas se pode falar de construção autorizada ou prevista quando o «edifício a construir», a que se refere o n.º 1 do artigo 45.º, esteja definido em alvará de loteamento ou alvará de licença de construção, ou projecto aprovado, ou comunicação prévia, ou informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva".

Subscreve-se integralmente aqui, o entendimento dos referidos acórdãos, quanto ao que, face à nova redacção do CIS, se deve entender por “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

Com efeito, de acordo com o CIMI, os terrenos para construção, que, de acordo com o artigo 6.º/1/c) de tal Código, constituem um tipo de prédio urbano, poderão ter como afectação a habitação, conforme decorre do artigo 41.º, também do CIMI, afectação essa que, como resulta, para além do mais, expressamente do artigo 45.º/5 do CIMI, será determinada com base nos elementos a que alude o artigo 37.º do mesmo Código, sendo que o n.º 3 deste artigo se refere que:

Em relação aos terrenos para construção, deve ser apresentada fotocópia do alvará de loteamento, que deve ser substituída, caso não exista loteamento, por fotocópia do alvará de licença de construção, projecto aprovado, comunicação prévia, informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva”.

A menção da verba 28.1 da TGIS em análise deve ser lida, assim, como remetendo para o conteúdo material do que, face ao CIMI, seja “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”, não se bastando com a mera formalidade de a AT – bem ou mal -, em aplicação das normas daquele Código (CIMI), ter qualificado para efeitos matriciais um determinado imóvel como tendo essa afectação, já que se fosse essa a intenção do legislador, dentro da presunção de razoabilidade que lhe subjaz, seguramente que teria utilizado a expressão “terreno cujo tipo de coeficiente de localização utilizado para efeitos de determinação do VPT seja habitação”, ou outra, análoga.

Não está assim em causa, ao contrário do que é afirmado na decisão da reclamação graciosa, qualquer vício do procedimento de avaliação dos imóveis, uma vez que tal procedimento se destina exclusivamente a fixar o valor patrimonial daqueles, que não é posto em causa, mas, unicamente, a aferição da verificação dos pressupostos da verba 28.1 da TGIS, sendo que entre estes não se encontra, manifestamente, o “Tipo de coeficiente de localização” constante das matrizes prediais.

Conclui-se, assim, aqui, como na jurisprudência atrás citada, que deverão considerar-se como “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”, aqueles terrenos em que o «edifício a construir» esteja definido como destinado a habitação em alvará de loteamento ou alvará de licença de construção, ou projecto aprovado, ou comunicação prévia, ou informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva.

Este mesmo entendimento foi recentemente ratificado pelo STA, no seu Acórdão de 28-11-2018, proferido no processo 0829/15.5BELLE 01065/16, onde se pode ler, para além do mais, que:

Assim, no que se refere a terrenos para construção, quer estejam, ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, devem, de acordo com o artº 6º, nº 3 do CIMI, ser considerados como tal os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida: - licença para operação de loteamento; - licença de construção; - autorização para operação de loteamento; - autorização de construção; - admitida comunicação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção; emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo.

Ora, no caso, ficou provada a existência, à data do facto tributário, de um alvará de loteamento municipal nº .../2007 da Câmara Municipal de ..., do qual resultaram 3 lotes, correspondendo a 204 fogos para habitação colectiva, com número máximo de 4 pisos, e a criação de 436 lugares de estacionamento, sendo 130 lugares públicos e 306 privados. O referido alvará foi objecto de um aditamento que alterou a afectação dos prédios de “Habitação” para “Turismo”, mantendo os restantes parâmetros urbanísticos inicialmente previstos.

Assim, dúvidas não persistem de que o «edifício a construir» no terreno em questão está definido no aditamento ao alvará de loteamento, como tendo por finalidade o turismo, que se reconduz à afectação a “Serviços” (cfr. art.º 6.º do CIMI).

Recorde-se a redacção da Verba 28.1 da TGIS em vigor à data dos factos, que determinava o seguinte: “28.1 — Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI — 1 %”. Daqui, desde logo se conclui que, tendo os terrenos em causa, a que correspondem os artigos matriciais ..., ... e ..., um VPT, respetivamente, de €3.077.992,75, €2.068.660,88 e €2.742.019,13, está preenchida a incidência objectiva.

Todavia, ficou demonstrado através dos elementos de prova carreados para o processo, nomeadamente do aditamento ao alvará de loteamento que, à data dos factos, os prédios não tinham afectação habitacional, uma vez que a construção prevista nos mesmos se tinha o uso/destino “Serviços”.

Note-se que, ainda que aquela destinação da construção prevista não fosse exclusiva, e estivesse concomitantemente prevista a possibilidade de construção habitacional, o STA esclareceu já, no processo 080/18, por acórdão de 06-06-2018, que:

I - Na presente situação em que foi concedido um alvará de loteamento de acordo com o qual os prédios se destinam "a habitação colectiva e comércio/serviços", não está em causa um prédio cujo destino é apenas a habitação.

II - Não estabelece a verba 28 em análise qualquer critério ou necessidade de ponderação sobre a percentagem em que o prédio se destina a habitação ou a comércio/serviços para podermos considerar que o legislador teve em conta tal realidade e, nada havendo dito sobre ela, concluirmos que a pretende dissolver na afectação para habitação.

III - A Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro esclareceu que os anteriormente por ele denominados prédios com afectação habitacional eram, afinal, os prédios urbanos ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.

IV - Para neste normativo estarem englobados os presentes prédios era absolutamente necessário que houvesse indicação de se são também tributados nesta sede os prédios urbanos ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja, predominantemente, para habitação.

Mais se exara no aresto referido que:

Na presente situação sabemos que foi concedido um alvará de loteamento pelo Alvará de Loteamento n.º 5/2006, de acordo com o qual os prédios se destinam "a habitação colectiva e comércio/serviços", o que é diverso de se destinarem a habitação. Não estabelece a verba 28 em análise qualquer critério ou necessidade de ponderação sobre a percentagem em que o prédio se destina a habitação ou a comércio/serviços(...)

Também se desconhece qual a frequência e peso específico no volume edificado para o mercado imobiliário da afetação de certas partes dos edifícios, mormente do respetivo rés-do-chão, a fins diversos da habitação, mormente, o comércio e os serviços, precisamente por força de razões económicas, de estratégia financeira, atinentes à rentabilidade e fruição de todos os espaços disponíveis, de que a norma em apreço não dá qualquer nota ou relevo. Existe, mas não sabemos se é significativa e, não podemos considerar que o legislador teve em conta tal realidade e, nada havendo dito sobre ela, concluirmos que a pretende dissolver na afectação para habitação.

Ao invés, cremos que é uma realidade que não foi tida em conta pelo legislador, como antes não havia devidamente ponderado que a lei estabelece uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, que com a Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro esclareceu que os anteriormente por ele denominados prédios com afectação habitacional eram, afinal, os prédios urbanos ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação. Para neste normativo estarem englobados os presentes prédios era absolutamente necessário que houvesse indicação de se são também tributados nesta sede os prédios urbanos ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja, predominantemente, para habitação sob pena de carecermos de uma interpretação extensiva da norma de incidência em tudo desconforme com o disposto no art.º 103.º, n.º 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa.”.

Também neste sentido o Acórdão 305/2017-T de 18 de Janeiro de 2018 do CAAD (disponível em www.caad.org.pt)

Ora, referindo-se a norma de incidência da verba 28.1 da TGIS a «prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação», e tendo os terrenos em causa prevista e autorizada a edificação de imóveis destinados a “Serviços” (turismo), então, face à jurisprudência transcrita e respectivos fundamentos, que se acolhem, não se poderá considerar que estejam sujeitos a Imposto do Selo, nos termos em que foi liquidado.

Tendo ficando demonstrado que a afectação dos prédios impugnados é “Serviços”, e que a norma de incidência não prevê tal situação, deverão ser, atento o erro de direito verificado, anuladas as liquidações objecto da presente acção arbitral.

 

*

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afecta as liquidações anuladas é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que praticou os actos de liquidação por sua iniciativa, sem o necessário suporte factual e legal.

Tem, pois, direito a ser reembolsada a Requerente das quantias que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos anulados e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data do pagamento das quantias, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

IV. Decisão

Em face de tudo quanto antecede, decide-se julgar procedente o pedido arbitral formulado nos presentes autos e, em consequência:

 

a) Anular as liquidações n.ºs 2016..., n.º 2016 ... e n.º 2016..., n.º 2016..., n.º 2016 ... e n.º 2016..., n.º 2016..., n.º 2016 ... e n.º 2016..., bem como a decisão da reclamação graciosa que teve aquelas por objecto;

b) Condenar a Requerida à restituição das quantias indevidamente pagas, por força das liquidações anuladas, bem como ao pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido das quantias, até ao seu reembolso, nos termos acima determinados.

c) Condenar a Requerida nas custas do processo abaixo fixadas.

 

V. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 78.886,73 nos termos do disposto no art. 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI. Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

 

Lisboa, 4 de Março de 2019

 

 

 

Os Árbitros

 

 

 

José Pedro Carvalho

(Presidente)

 

 

 

 

Pedro Miguel Bastos Rosado

 (Vogal)

 

 

 

Suzana Fernandes da Costa

 (Vogal)



[1] Cfr., p. ex., Acórdãos 49/2013-T de 18 de Setembro de 2013, 53/2013-T de 2 de Outubro, 231/2013-T de 3/2/2014, Processo nº 7/2014-T, de 3 de Julho, 56/2014-T de 31 de Julho, 210/2014-T de 30 de Julho, Processo nº 125/2015-T, de 12 de Outubro, todos do CAAD (disponíveis em www.caad.org.pt) e o Acórdão do STA de 9 de abril de 2014, P1870/2013, a que se seguiram vários outros de teor semelhante, disponíveis em http://www.dgsi.pt/jsta.

[2] Cfr., p. ex., as decisões dos processos arbitrais 156/2016T, 142/2016T, 524/2015T, 578/2015T, 467/2015T, 290/2016T e 410/2017T, todas disponíveis em www.caad.org.pt.

[3] Cfr. neste sentido, o acórdão proferido no processo 156/2016T, já citado.