Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 418/2018-T
Data da decisão: 2019-03-06  IRS  
Valor do pedido: € 241.508,01
Tema: Declaração de Substituição de rendimentos; Opção pela tributação conjunta fora do prazo legal.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Dr.ª Alexandra Coelho Martins (Presidente), Dr. Henrique Nogueira Nunes e Dr. José Joaquim Sampaio e Nora, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para árbitros em Tribunal Coletivo, constituído em 13 de novembro de 2018, proferem a seguinte decisão arbitral:

 

I. RELATÓRIO

 

A..., NIF..., e B..., NIF ..., de ora em diante “Requerentes”, casados, ambos residentes na Rua..., ..., ...-... Lisboa, vieram requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”), e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, para obter a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada em relação aos atos tributários de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) do ano de 2016, emitidos sob o n.º 2017..., de 17 de novembro de 2017, no valor a pagar de € 20.171,27, e sob o n.º 2017..., de 22 de dezembro de 2017, na quantia a pagar de € 221.336,74. Os Requerentes peticionam, de igual modo, a anulação das liquidações de IRS em apreço. 

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“AT”).

 

                Como fundamento da pretensão anulatória os Requerentes invocam vício de violação de lei, por não ter sido considerada a declaração de substituição por si entregue. Referem, a este respeito, que a primeira declaração de IRS apresentada com referência aos rendimentos de 2016 continha diversas incorreções, tendo gerado uma liquidação deste imposto no valor a pagar de € 20.171,27. Esta declaração foi prontamente emendada por via de uma declaração de substituição, que apresentaram em 12 de dezembro de 2017.

 

Na declaração substitutiva, os Requerentes retiraram os rendimentos da categoria A do Requerente marido relativos à sociedade C..., SGPS, S.A., por não os ter auferido nesse ano (mas sim no ano anterior, de 2015, no qual já haviam sido declarados), adicionaram a alienação de um imóvel pertencente a ambos os Requerentes, que gerou mais-valias, e exerceram a opção pela tributação conjunta dos rendimentos.

 

                A AT procedeu a uma segunda liquidação de IRS, no valor de € 221.336,74, que apenas tomou em consideração a parte da retificação declarativa que gerava valor de receita fiscal à AT e não atendeu à remoção dos rendimentos da categoria A referentes à sociedade C..., SGPS, S.A., da qual os Requerentes fizeram prova, nem à opção pela tributação conjunta dos rendimentos.

 

                Segundo os Requerentes, a posição da AT viola os artigos 1.º, n.º 1, 2.º e 22.º do Código do IRS e o princípio da tributação do rendimento efetivo, ao fazer incidir este imposto sobre rendimentos não declarados e não auferidos, referentes à sociedade C..., SGPS, S.A..

 

Alegam ainda a violação dos artigos 13.º, n.ºs 2 e 3 e 140.º, n.º 2 do Código do IRS, e ainda o artigo 1714.º do Código Civil, por não ter sido aceite pela AT a opção pela tributação conjunta. Acrescentam que as mais-valias geradas pela alienação do imóvel, que é um bem comum do casal, não podem deixar de ser tratadas como um rendimento de ambos os Requerentes. A título subsidiário, se não vigorasse a opção pela tributação conjunta, o valor das mais-valias teria de ser imputado em 50% ao Requerente marido e em 50% à Requerente mulher, dado o regime de comunhão de bens (adquiridos) e o facto de se tratar de um bem comum do casal. Juntaram documentos e arrolaram 2 testemunhas.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, apresentado em 31 de agosto de 2018, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 3 de setembro de 2018.

Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros os ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 23 de outubro de 2018 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 13 de novembro de 2018.

 

Em 18 de dezembro de 2018, a AT apresentou a sua resposta, tendo junto o processo administrativo (“PA”). Invoca que a declaração de substituição está registada no sistema da AT como “errada” e não foi considerada. A nova liquidação oficiosa de IRS considerou todos os rendimentos, mesmo os declarados não recebidos, e não atendeu à opção superveniente pela tributação conjunta. No que se refere às mais-valias, a AT considera que mesmo que fosse aceite a opção pela tributação conjunta o valor do imposto a pagar pelos Requerente seria o mesmo.

 

Sobre os rendimentos referentes à C..., SGPS, S.A., defende a Requerida que os mesmos são de manter, em virtude de os Requerentes não se terem pronunciado em sede de procedimento de divergências e de não terem junto elementos de prova que permitissem retirar a conclusão de que não foram auferidos (extrato da Segurança Social que evidencia não terem sido feitas contribuições pela C..., SGPS, S.A. a partir de 2015, cessação de funções do Requerente marido como membro de órgão social dessa entidade, ausência de preenchimento de modelo 10 por parte da sociedade e de retenções na fonte). Conclui pela improcedência do pedido arbitral por falta de apoio legal.

Por despacho de 26 de dezembro de 2018, decidiu este Tribunal dispensar a inquirição das testemunhas indicadas pela Requerente, à face da constatação de que a matéria de facto apenas é passível de prova documental, e dispensou a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária.

Mais decidiu que a data limite para prolação do acórdão arbitral seria a prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, advertindo-se os Requerentes que até essa data deveriam proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do artigo 4.º, n.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD. Por fim, notificaram-se as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas, sucessivas, no prazo de 10 dias.

Ambas as partes apresentaram alegações, mantendo, no essencial, as posições que já haviam defendido nos articulados.

 

 

II. SANEAMENTO

               

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, é o competente, em razão da matéria, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas, não havendo outras excepções ou nulidades de conhecimento oficioso que cumpra conhecer.

 

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a análise crítica do teor dos documentos juntos pelos Requerentes e pela Requerida (PA):

 

a) Os Requerentes são casados um com o outro, desde 24 de novembro de 1979, no regime supletivo da comunhão de adquiridos (provado pelo assento de casamento junto sob o n.º 1 com o pedido de pronúncia arbitral ou “ppa”).

 

b) Em 14 de novembro de 2017, o Requerente marido apresentou a declaração de rendimentos – Modelo 3 – relativa ao IRS do ano de 2016 (provado pela cópia da declaração de rendimentos junta sob o n.º 2 com o ppa).

 

c) No Anexo A daquela declaração, referente a rendimentos de trabalho dependente da categoria A, o Requerente marido reportou rendimentos no valor de € 258.323,66, retenções na fonte de € 99.574,00, contribuições de € 3.536,33 e retenções relativas à sobretaxa de € 4.860,00, com a seguinte discriminação:

             NIPC –...:

rendimentos de € 17.170,16, retenções na fonte de € 2.478,00, contribuições de € 0,00 e retenções relativas à sobretaxa de € 70,00;

             NIPC –...– da sociedade C..., SGPS, S.A.:

rendimentos de € 241.153,50, retenções na fonte de € 97.096,00, contribuições de € 3.538,33 e retenções relativas à sobretaxa de € 4.790,00

(provado pela cópia da declaração de rendimentos junta sob o n.º 2 com o ppa).

 

d) As declarações de rendimentos de 2016 e de 2015 foram entregues num lapso temporal de dois dias, em 14 e 16 de novembro de 2017, respetivamente, reportando estas declarações exatamente os mesmos rendimentos, ao cêntimo, e as mesmas entidades pagadoras (provado pela análise dos documentos juntos sob o n.ºs 2 e 3 com o ppa).

 

e) O Requerente foi administrador da sociedade C..., SGPS, S.A., tendo exercido essas funções até 14 de julho de 2015, como se alcança da respetiva certidão permanente com o código de acesso ... (provado pelo citado documento junto sob o n.º 4 com o ppa).

 

f) A sociedade C..., SGPS, S.A. foi declarada insolvente por decisão proferida no processo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Comércio – Juiz ..., sob o n.º. .../15...T8SLB (provado pelo documento junto sob o n.º 5 com o ppa).

 

g) O Administrador de Insolvência da C..., SGPS, S.A. declarou que, após a data de renúncia, pelo Requerente marido, ao cargo de administrador da mencionada sociedade, o mesmo não recebeu qualquer quantia daquela sociedade (provado pelo citado documento junto sob o n.º 5 com o ppa).

 

h) A AT, em 17 de novembro de 2017, instaurou ao Requerente marido procedimento de análise de divergências, por motivos D 10 “Trabalho dependente - divergências de retenção”, D55 “Retenções sobretaxa”, com fundamento em que as retenções na fonte que foram evidenciadas na declaração de 2016 não correspondiam à realidade, pois inexistiam declarações das entidades pagadoras nesse sentido (provado pelo PA e por acordo das partes).

 

i) O Requerente marido foi notificado da Demonstração de liquidação de IRS n.º 2017..., respeitante ao ano de 2016, datada de 17 de novembro de 2017, segundo a qual teria de pagar a quantia de € 20.171,27, até 2 de janeiro de 2018 (provado pelo documento junto sob o n.º 6 com o ppa).

 

j) Em 17 de novembro de 2018, foi também instaurado ao Requerente marido procedimento de análise de divergências, com os motivos D10  “Trabalho dependente – divergências de retenção”, D39 “Alienação de imóveis” e D55 “Retenções sobretaxa”, tendo sido aquele sido notificado para apresentar declaração de substituição de IRS do ano de 2016, na qual teria de retirar valores de retenção na fonte, contribuições e retenção de sobretaxa do anexo A, e incluir o anexo G, respeitante à alienação da fração «AL» do prédio urbano inscrito sob o artigo ... da freguesia de ..., e exercer audição prévia (provado pelo PA).

 

                k) Em 12 de dezembro de 2017, os Requerentes apresentaram conjuntamente declaração de rendimentos de substituição relativa ao ano de 2016 (provado pelo documento junto sob o n.º 7 com o ppa).

 

l) Nessa declaração de substituição, os Requerentes manifestaram a opção pela tributação conjunta dos respetivos rendimentos (provado pelo documento junto sob o n.º 7 com o ppa).

 

m) No Anexo A da declaração de substituição (rendimentos do trabalho dependente) os Requerentes declararam apenas os rendimentos que o Requerente marido auferiu do NIF –..., no valor de € 17.170,16, as correspondentes retenções na fonte de € 2.478,00, contribuições de € 0,00 e retenções relativas à sobretaxa de € 70,00, sem qualquer menção aos rendimentos declarados na declaração substituída referentes à sociedade C..., SGPS, S.A. (provado pelo documento junto sob o n.º 7 com o ppa).

 

n) No Anexo G da declaração de substituição, relativo a mais-valias e outros incrementos patrimoniais, os Requerentes declararam a mais-valia obtida pela alienação do prédio urbano com o artigo matricial..., da União de Freguesias de ... e ... .(provado pelo documento junto sob o n.º 7 com o ppa).

 

o) Esse prédio foi adquirido pelo valor de € 142.456,00, em 23 de julho de 1996, por escritura de compra e venda em que o Requerente marido, declarando-se casado com a Requerente mulher, adquiriu o mencionado imóvel a D... (provado pelo documento – cópia da escritura -  junto sob o n.º 8 com o ppa).

 

p) Por escritura de compra e venda, outorgada em 27 de junho de 2016, os Requerentes venderam, pelo preço de € 550.000,00, o mencionado imóvel (provado pelo documento – cópia da escritura – junto sob o n.º 9 com o ppa).

 

q) Em 22 de dezembro de 2017, a AT emitiu a liquidação n.º 2017..., com o valor a pagar de € 221.336,74, que veio substituir a precedente liquidação de IRS n.º 2017..., no valor de € 20.171,27, identificada na alínea i) supra (provado pelo documento junto sob o n.º 10 com o ppa).

 

r) O Requerente marido foi notificado da Demonstração de acerto de contas, datada de 28 de dezembro de 2017, através da qual teria de pagar o saldo apurado de € 201.165,47 (resultante da dedução, ao valor da segunda liquidação referida na alínea q) que antecede, do valor da primeira liquidação de € 20.171,27, constante da alínea i)), até 7 de fevereiro de 2018 (provado pelo documento junto sob o n.º 11 com o ppa).

 

s) Em 4 de janeiro de 2018, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa contra as duas liquidações de IRS recebidas (provado pelo documento junto sob o n.º 12 com o ppa).

 

t) Por ofício datado de 16 de março de 2018, o Requerente marido foi notificado do projeto de indeferimento da reclamação graciosa e, bem assim, para exercer o direito de audição, o que este veio a fazer em 4 de abril de 2018 (provado pelos documentos juntos sob os n.ºs 13 e 14 com o ppa).

 

v) Em 23 de maio de 2018, os Requerentes, na pessoa do seu mandatário, foram notificados do indeferimento da reclamação graciosa (provado pelo documento junto sob o n.º 15 com o ppa).

 

x) A Requerente, em discordância com os supra identificados atos de liquidação de IRS, apresentou no CAAD, em 31 de agosto de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo.

 

* * *

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

 

IV. DO DIREITO

 

São essencialmente duas as questões que se colocam à apreciação e decisão deste Tribunal Arbitral.

 

A primeira respeita a saber se, com referência a rendimentos auferidos em 2016, a opção pela tributação conjunta de sujeitos passivos casados era admissível e suscetível de produzir os pretendidos efeitos jurídico-tributários, quando manifestada em declaração de substituição (modelo 3) entregue fora do prazo legal, atento o disposto nos artigos 59.º, n.º 2 e 60.º, n.º 1, ambos do Código do IRS.

 

A segunda prende-se com a tomada em consideração, pela AT, de rendimentos da categoria A que, de acordo com as declarações dos sujeitos passivos aqui Requerentes, não foram auferidos no ano de 2016 pelo Requerente marido.

 

Em relação às mais-valias imobiliárias inexiste conflito entre as partes na medida em que os Requerentes admitem expressamente serem devedores do imposto que sobre as mesmas incida, pretendendo, apenas, ser tributados conjuntamente.

 

Atento o disposto no artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável segundo o artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, na ausência de vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado, a ordem de apreciação dos vícios deve ser a que determine, segundo o prudente critério do julgador, a mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos. Uma vez que os efeitos da procedência dos vícios substantivos imputados aos atos são semelhantes sob o prisma da estabilidade e eficácia da tutela dos interesses dos Requerentes, segue-se a ordem por estes indicada.

 

1. SOBRE A OPÇÃO PELA TRIBUTAÇÃO CONJUNTA

 

Quanto à primeira questão rege o artigo 59.º do Código do IRS, relativamente ao qual se sucederam no tempo duas versões que interessam à solução jurídica do caso concreto. Até 31 de dezembro de 2016, esta norma dispunha seguinte:

 

“Artigo 59.º

Tributação de casados e de unidos de facto

1 - Na tributação separada cada um dos cônjuges ou dos unidos de facto, caso não esteja de tal dispensado, apresenta uma declaração da qual constam os rendimentos de que é titular e 50 % dos rendimentos dos dependentes que integram o agregado.

2 - Na tributação conjunta:

a) Os cônjuges ou os unidos de facto apresentam uma declaração da qual consta a totalidade dos rendimentos obtidos por todos os membros que integram o agregado familiar;

b) Ambos os cônjuges ou unidos de facto devem exercer a opção na declaração de rendimentos;

c) A opção só é considerada se exercida dentro dos prazos previstos no artigo seguinte , sendo válida apenas para o ano em questão;

d) Tendo a opção sido exercida dentro de prazo, nos termos da alínea anterior, a mesma pode ser mantida ainda que seja apresentada declaração de substituição fora de prazo.”. (negrito nosso)

 

Entretanto, por via da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2017, o legislador revogou a alínea d) do n.º 2 e alterou a alínea c) do mesmo número, nos seguintes termos:

 

“Artigo 59.º

Tributação de casados e de unidos de facto

1 - Na tributação separada cada um dos cônjuges ou dos unidos de facto, caso não esteja de tal dispensado, apresenta uma declaração da qual constam os rendimentos de que é titular e 50 % dos rendimentos dos dependentes que integram o agregado.

2 - Na tributação conjunta:

a) Os cônjuges ou os unidos de facto apresentam uma declaração da qual consta a totalidade dos rendimentos obtidos por todos os membros que integram o agregado familiar;

b) Ambos os cônjuges ou unidos de facto devem exercer a opção na declaração de rendimentos;

c) A opção é válida apenas para o ano em questão; (Redação da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro)

d) (Revogada pelo artigo 196.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro).”. (negrito nosso)

 

Ou seja, a lei (cf. alínea d) do n.º 2 do artigo 59.º do Código do IRS), na redação em vigor até 31 de dezembro de 2016, não admitia que os contribuintes pudessem alterar a aplicação do regime de tributação regra – tributação separada – pelo regime opcional – tributação conjunta, a não ser que tivessem feito essa opção dentro do prazo legal de entrega da declaração o que não sucedeu na situação sub iudice .

 

Tal norma, para além de se afigurar inconstitucional por violação do princípio da capacidade contributiva que, enquanto critério material de uma justa repartição dos encargos, exige que seja tributado o rendimento líquido, disponível e real das famílias , originava uma enorme injustiça fiscal que foi de resto reconhecida pelo legislador que, a par desta alteração, válida a partir de 1 de janeiro de 2017, e, portanto, aplicável ao caso vertente, introduziu um regime transitório consubstanciado na Lei n.º 3/2017, de 16 de janeiro, para permitir essa opção para as declarações relativas ao ano fiscal de 2015 entregues fora dos prazos legalmente previstos.

 

In casu discute-se a declaração de rendimentos referente ao ano de 2016, que foi entregue fora do prazo legal pelo Requerente marido em 2017, o mesmo se passando com a declaração de substituição então entregue por ambos Requerentes.

 

Em qualquer dos dois momentos (14 de novembro de 2017 e 12 de dezembro de 2017) já vigorava a possibilidade legal de entrega de uma declaração de substituição fora de prazo com opção pelo regime da tributação conjunta, ou seja, estava revogado à data em que foram feitas as declarações de rendimentos pelos Requerentes o espartilho legal e consequente proibição que constava da anterior redação das alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 59.º do Código do IRS vigente até 31 de dezembro de 2016, que, como norma procedimental, é de aplicação imediata, atento o disposto no artigo 12.º, n.º 3 da LGT.

 

Por outras palavras, deixou de haver limitação temporal para essa opção, pelo que a declaração de substituição entregue pelos Requerentes em 12 de dezembro 2017 é válida e idónea à produção dos respetivos efeitos. Assim, impõe-se a respetiva aceitação pela AT, sem, sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional prevista na lei.

 

O entendimento adotado pela Requerida de que é convocável o disposto no ofício-circulado n.º 20187, de 5 de abril de 2016, não só não se aplica ao caso concreto, por ser anterior à alteração legislativa a que acabou de se aludir, como ainda que se aplicasse (e não se aplica), apenas vincularia os serviços dado que configura um regulamento administrativo emanado da AT e não um ato legislativo, posição que constitui jurisprudência consolidada.

 

Neste sentido, refere o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29 de novembro de 2017, no processo 1292/16 que: “sendo certo que o princípio da legalidade em matéria tributária exige que a incidência dos impostos, respetivas taxas, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes sejam determinados apenas por atos de natureza legislativa (não regulamentar) — cfr. o nº 2 do art. 103° da CRP e o nº 1 do art. 8° da LGT —, então não poderá relevar, na parte em que contende com este princípio, a orientação a este propósito constante da referida Circular […]” (no mesmo sentido, vide também o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 23 de abril de 2008, proferido no processo n.º 2312/08, acessível em www.dgsi.pt).

 

Sem necessidade de discorrer mais sobre esta primeira questão, conclui-se, ao abrigo do disposto no artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), pela anulabilidade do despacho que ditou o indeferimento da Reclamação Graciosa, na parte em que determinou a inadmissibilidade da apresentação da declaração de substituição com opção pela tributação conjunta, e, bem assim, a anulação da liquidação oficiosa de IRS n.º 2017 ... nos mesmos termos. 

 

2. SOBRE A TRIBUTAÇÃO DE RENDIMENTOS ALEGADAMENTE PAGOS PELA SOCIEDADE C..., SGPS, S.A.

 

Resulta do probatório que os Requerentes, por via da apresentação, em dezembro de 2017, de uma declaração de substituição modelo 3 de IRS para o ano de 2016 corrigiram erros da declaração inicialmente apresentada, em 14 de novembro de 2017, um dos quais respeitava à indicação de terem sido recebidos rendimentos da categoria A da sociedade C..., SGPS, S.A. e efetuadas as respetivas retenções na fonte, quando tal não tinha ocorrido nesse ano (2016).

 

Sobre o valor probatório das declarações dos contribuintes dispõe o artigo 75.º, n.º 1 da LGT, nos seguintes moldes:

 

“Artigo 75.º

Declaração e outros elementos dos contribuintes

 

1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”

 

Não se alcança a razão pela qual a AT não acolhe a presunção de veracidade estabelecida na lei para as declarações dos Requerentes, sem sequer alegar alguma razão justificativa do afastamento dessa presunção, designadamente nos termos do n.º 2 da citada norma. Contrariamente ao afirmado pela AT, não cabe aos Requerentes o ónus de demonstrar que não receberam determinados rendimentos que por estes não foram declarados (relembra-se que a declaração inicial foi substituída validamente por outra, que não contém tais rendimentos), pois tal representaria pretender que estes provassem (negativamente) um facto.  

 

Acresce assinalar que a AT não pode retirar consequências jurídicas de o sistema informático ter registado a declaração de substituição dos Requerentes como “errada”. Os sistemas não são fundamento de conformação das relações jurídico-tributárias, nem fonte definidora de direitos e deveres tributários, cujo suporte é a lei. Não existindo qualquer fundamento para a qualificação da declaração de substituição como “errada” o erro está no sistema. Numa questão formal com algum paralelismo, o recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20 de fevereiro de 2019, no processo n.º 244/11.0BELRS, preconiza que: “[a] aplicação das regras hermenêuticas adequadas não pode ser impedida pela circunstância do quadro 4 do anexo G1 declaração modelo 3 […] não contemplar em campos próprios a indicação dos dias de aquisição e de alienação dos títulos, pois decorre das regras e princípios gerais, designadamente sobre a hierarquia das normas jurídicas, que têm de ser os «formulários» aprovados para cumprimento das obrigações declarativas dos sujeitos passivos que se têm de adequar à lei e não a interpretação das leis que se tem de adequar aos «formulários»”.

 

Por outro lado, todos os indícios trazidos ao processo militam inequivocamente no sentido de os rendimentos em causa não terem sido auferidos pelo Requerente marido, ficando a dever-se a um lapso declarativo corrigido pela entrega da declaração de substituição, designadamente:

(i)           O Requerente ter cessado funções como administrador da alegada sociedade pagadora no ano precedente (2015);

(ii)          Não terem sido efetuadas retenções na fonte nem existir qualquer declaração de rendimentos Modelo 10 da entidade “pagadora” para o período em questão;

(iii)         O Administrador de Insolvência da sociedade em causa ter declarado não ter sido pago qualquer valor ao Requerente marido relativamente ao ano fiscal de 2016.

 

Nestas circunstâncias, à face do disposto no artigo 74.º da LGT, competia à AT o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que invoca de liquidação do imposto (IRS) sobre tais rendimentos, ou, dito de outro modo, dos pressupostos da tributação, o que não fez, pois não constam do processo indícios que abalem a presunção de veracidade das declarações dos Requerentes.

 

Pelo que, sobre esta segunda questão, entende igualmente o Tribunal Arbitral ser anulável, por vício substantivo, nos termos do artigo 163.º do CPA, o despacho que ditou o indeferimento da Reclamação Graciosa e a liquidação de IRS n.º 2017..., sobre a qual aquele recaiu.

 

V. DECISÃO

 

Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa supra identificada e o ato tributário de liquidação de IRS emitido sob o n.º 2017..., referente ao ano de 2016, no valor de € 221.336,74, que constitui seu objeto, por vício de violação de lei por erro nos pressupostos, com as legais consequências.

 

* * *

 

Fixa-se ao processo o valor de € 221.336,74, correspondente à importância da liquidação de IRS anulada, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do RCPAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC. 

 

O montante das custas é fixado em € 4.284,00, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 6 de março de 2019

 

Os Árbitros,

 

(Dra. Alexandra Coelho Martins – Presidente)

 

(Dr. Henrique Nogueira Nunes)

 

(Dr. José Joaquim Sampaio e Nora)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.