Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 371/2018-T
Data da decisão: 2019-04-03  IRC  
Valor do pedido: € 28.638,72
Tema: Dedutibilidade dos gastos – Faturas.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

1. A pessoa coletiva A..., Lda., com o n.º de identificação fiscal ... (doravante designada por “Requerente”), com sede na ..., ...-... ..., apresentou, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), pedido de constituição de Tribunal Arbitral, de forma a ser declarado ilegal o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) referente ao exercício de 2014, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).

A) Constituição do Tribunal Arbitral

2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro do tribunal singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 29 de agosto de 2018.

3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante a comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 16 de outubro de 2018.

B) História processual

4. No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente peticiona a ilegalidade do ato de liquidação adicional de IRC de 2014, com o n.º de compensação 2018... e de juros compensatórios referentes ao período de 2014, no valor global de Euro 28.638,72.

5. A AT apresentou resposta, peticionando, por sua vez, a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não se verificar qualquer vício de violação de lei, solicitando que o ato tributário em análise, por não violar qualquer preceito legal ou constitucional, seja mantido na ordem jurídica.

6. Por despacho de 28 de março de 2018, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em resultado da simplicidade das questões em apreço, bem como por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial.

7. Decidiu o presente Tribunal Arbitral, em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, não ser necessária a produção de alegações orais, ou a audição de testemunhas, por estarem perfeitamente definidas as posições das partes nos respetivos articulados, e fixou como prazo limite para a decisão arbitral o dia 5 de abril de 2019.

8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas exceções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.

9. Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

II. Questão a decidir

10. A questão fulcral a apreciar e decidir relativamente ao mérito da causa, tal como se retira das peças processuais das partes, é a de saber se os gastos incorridos com a compra de mercadorias ao fornecedor B..., Sociedade Unipessoal, Lda. (“B..., Lda.”) deverão ser dedutíveis, para efeitos de IRC, na esfera da Requerente.

III. Decisão da matéria de facto e sua motivação

11. Examinada a prova documental produzida, o presente tribunal julga como provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

I.             A ora Requerente exerce a sua atividade económica no âmbito da compra e venda de madeira.

II.            No exercício de 2014, a Requerente tinha contabilizado nas suas contas SNC referentes a aquisições de existências 14 faturas emitidas pelo fornecedor B..., Lda., com o valor acumulado de Euro 129.961,26.

III.          De acordo com os elementos de prova disponibilizados, a ora Requerente efetuou o pagamento ao fornecedor B..., Lda. através de cheque bancário.

IV.          Adicionalmente, nesse mesmo exercício, a ora Requerente procedeu à entrega e subsequente faturação de madeira junto dos seus clientes, sobre a qual foi liquidado o devido Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”).

V.           Relativamente a esse exercício, a Requerente foi alvo de uma ação de inspeção externa realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de  ... .

VI.          Refira-se, a este respeito, que esta ação de inspeção surgiu na sequência de comunicações efetuadas pela Direção de Finanças de ..., após identificação da Requerente como cliente da sociedade B..., Lda., a qual foi identificada por aquele serviço como emitente de “faturas falsas”.

VII.         A referida ação inspetiva originou diversas correções sobre a matéria tributável da Requerente, em sede de IVA e IRC, as quais se basearam na verificação de indícios de que as faturas emitidas pelo fornecedor B..., Lda. seriam falsas, por falsa identidade do sujeito transmitente dos bens / prestador dos serviços.

VIII.        Na sequência da verificação de tais indícios, os Serviços de Inspeção solicitaram que fosse levantado o sigilo bancário, tendo a Requerente aquiescido a esse pedido.

IX.           Na sequência do levantamento do sigilo bancário, não só à Requerente mas também à sociedade B..., Lda., verificaram os Serviços de Inspeção que alguns dos cheques bancários emitidos foram emitidos em nome C..., e não da B..., Lda..

X.            Adicionalmente, alguns destes cheques foram levantados ao balcão de uma agência bancária localizada em ..., localidade onde estão situadas as instalações comerciais da Requerente.

XI.          Ainda em sede de inspeção, foi solicitado à Requerente que facultasse elementos de suporte por forma a tentar estabelecer a veracidade objetiva das operações em apreço, designadamente:

a)            Fotocópia dos contratos celebrados com aquela entidade;

b)           Identificação da(s) pessoa(s) com quem eram estabelecidos os contactos comerciais em representação da referida empresa;

c)            Identificação das pessoas que entregavam as faturas;

d)           Identificação das pessoas a quem foram entregues os cheques para pagamento;

e)           Documentos de transporte relativos às faturas emitidas pelas referidas empresas.

XII.         Em resposta, a Requerente remeteu para os elementos apresentados no âmbito da ação inspetiva ao exercício de 2013 e esclareceu o seguinte:

a)            Não existiam contratos escritos com nenhum daqueles fornecedores;

b)           Os contactos comerciais foram estabelecidos com C... (tendo a Requerente adiantado que seria “provavelmente cidadão brasileiro”);

c)            As faturas em nome da B... Lda. e os cheques para pagamento foram entregues por ou a C... e “…1 ou 2 vezes outro senhor, cujo nome sem certezas seria D...”; e, ainda,

e)           Apresentou os documentos de transporte relativos às faturas emitidas pelas referidas empresas.

XIII.        Adicionalmente, os Serviços de Inspeção procederam à análise das faturas emitidas pelo fornecedor B..., Lda. à Requerente, tendo observado o seguinte:

a)            Foram emitidas sem respeitar a sua sequência numérica e cronológica (a fatura n.º 229 foi emitida em 24 de janeiro e nas faturas n.º 211 e 218 consta a data de emissão de dia 31 de janeiro e 13 de fevereiro, respetivamente);

b)           No campo relativo à descrição dos bens / serviços transmitidos, é feita unicamente referência a eucalipto com ou sem casca;

c)            Em nenhuma das faturas é referido a data em que os bens foram colocados à disposição da Requerente;

d)           Não é igualmente mencionado em nenhuma das faturas, o lugar, data e hora da carga e descarga e a viatura que efetuou o transporte;

e)           Em todas as faturas consta a expressão pré-impressão “IVA INCLUÍDO À TAXA DE 23%” e foi liquidado IVA à taxa normal, não obstante os bens transmitidos estarem sujeitos à taxa de 6%, desde 1/1/2013;

f)            Pela caligrafia constante das faturas, verifica-se que estas foram emitidas por mais de uma pessoa.

XIV.       Tendo concluído, na sequência da análise dos elementos disponibilizados pela Requerente, que os mesmos não logravam comprovar que as faturas emitidas pelo fornecedor B..., Lda. não eram faturas falsas, procederam os Serviços de Inspeção à correção do lucro tributável do exercício de 2014, em consequência da desconsideração dos gastos incorridos com a aquisição de bens ao fornecedor B..., Lda.

XV.         A presente correção resultou na emissão da liquidação adicional de IRC n.º 2018..., bem como a liquidação de juros compensatórios, no valor global de Euro 28.638,72, relativamente às quais a Requerente, com vista a contestar a sua legalidade em sede arbitral, prestou garantia idónea para o efeito.

XVI.       Inconformada com estas liquidações, a Requerente encontra-se, presentemente, a solicitar ao presente Tribunal Arbitral que se decida pela ilegalidade da liquidação adicional de IRC supra referida, e, consequentemente, que seja restituída à Requerente qualquer quantia indevidamente retida ou paga, bem como os custos de garantia indevida.

12. A convicção do presente tribunal sobre os factos dados como provados resultou dos documentos anexados aos autos e constantes do pedido e das alegações, não impugnadas, das partes, conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.

13. Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.

IV. Do Direito

A) Quadro jurídico

14. Dado que a questão jurídica a decidir no presente processo exige que se interpretem os textos legais pertinentes, importa, em primeiro lugar, elencar as normas que compõem o quadro jurídico relevante, à data da ocorrência dos factos.

15. Neste sentido, a atentando à temática do presente caso, cumpre atentar na redação do artigo 23.º do Código do IRC, o qual dispunha, à data dos factos, o seguinte:

“1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. (…)

3 - Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito. 

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados. (…)

6 - Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.” (sublinhado nosso).

16. Efetivamente, a questão controvertida do presente caso, conforme disporemos adiante, prender-se-á, sobretudo, em decidir se os gastos incorridos com a compra de mercadorias ao fornecedor B..., Lda. cumprem os requisitos necessários para serem dedutíveis, para efeitos de IRC, na esfera da Requerente, à luz do artigo 23.º do Código do IRC.

17. Por assumir particular relevância para o caso em questão, cumpre ainda analisar o n.º 1 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), o qual versa sobre o ónus da prova, estatuindo que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

18. Por sua vez, cite-se, também o artigo 75.º da LGT, atentando-se, em particular, à redação da alínea a) do seu n.º 2:

“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo” (sublinhado nosso).

19. Mantendo este enquadramento legislativo em mente, debruçar-nos-emos agora sobre os argumentos apresentados pelas Partes.

B) Argumentos das Partes

20. No presente pedido de pronúncia arbitral vem a Requerente alegar, em suma, que a liquidação de IRC que se pretende agora anular padece de ilegalidade, por aplicação indevida do disposto no n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA e do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IRC, aplicável a operações simuladas.

21. Sustentando a sua posição, a Requerente argui que a AT não logrou provar que as faturas emitidas pelo fornecedor B..., Lda. consubstanciavam faturas falsas, tendo invertido o ónus da prova de modo incompatível com o determinado pelo legislador.

22. Assim, segundo a Requerente, as correções efetuadas pela AT assentaram em “meras suspeitas, indícios inconclusivos”, baseados quase exclusivamente na conduta de terceiros, não imputável à Requerente.

23. Argumenta ainda a Requerente que não lhe pode ser imputado o facto da B..., Lda. não ter entregue o IVA que devia ter sido liquidado nas faturas emitidas à Requerente, tal como não lhe pode ser imputado o facto dos responsáveis por essa sociedade terem levantado os valores depositados para destino desconhecido, ou o facto de esta não fazer constar das faturas o lugar, data e hora de carga e descarga ou a viatura que efetuava o transporte das mercadorias.

24. Alega ainda que é impossível efetuar uma prova a posteriori de que a B..., Lda. foi a fornecedora da madeira que entregou aos seus clientes.

25. Por seu turno, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual, em síntese, sustentou a sua tese principal de que existem indícios fundados de que as faturas emitidas pelo fornecedor B..., Lda. são falsas, e que a Requerente não logrou, com os elementos disponibilizados, demonstrar o contrário.

26. Com efeito, a Requerida propugna que as aquisições à B... Lda. se encontravam apenas tituladas por faturas, onde não constam elementos relativos aos transportes nem qualquer outro elemento que permita o controlo do circuito físico dos bens.

27. Adicionalmente, por forma a demonstrar a correspondência entre essas faturas e a mercadoria transacionada para os seus clientes, a Requerente apresentou documentos internos elaborados na empresa, os quais, propugna a Requerida, não apresentam credibilidade, visto que não estabelecem qualquer ligação com o fornecedor em análise.

28. Adicionalmente, a Requerida reuniu um conjunto de elementos probatórios, através do seu contacto com as empresas de transporte de mercadorias que haviam, supostamente, prestado serviços de transporte à sociedade B..., Lda., tendo todos os testemunhos referido os mesmos factos, ou situações muito semelhantes.

29. Neste contexto, os factos apresentados pelas empresas de transporte confirmam os indícios apurados pela Direção de Finanças de ... em ação inspetiva realizada à empresa B... Lda., designadamente:

a)            O dono de negócio de compra e venda de madeira, e pessoa de contacto para os prestadores de serviços, aparenta ser um Sr. E...;

b)           Nenhum dos fornecedores identificou C... ou um qualquer outro cidadão brasileiro como detentor do negócio ou como a pessoa que estabelecia os contactos comerciais ou efetuava o pagamento.

30. Adicionalmente, da análise dos elementos disponibilizados no âmbito do levantamento do sigilo bancário, e das conclusões retiradas das ações inspetivas realizadas à sociedade emitente das faturas, a Requerida conclui que, apesar dos pagamentos serem realizados por cheque, não é possível saber quem é o real e efetivo beneficiário dos pagamentos efetuados, dado que os depósitos bancários eram seguidos de levantamentos injustificados sendo impossível seguir o circuito financeiro e identificar o verdadeiro beneficiário dos valores depositados.

31. Propugna ainda a Requerida que se verificou, em sede de inspeção, que a Requerente procedeu à emissão de diversos cheques bancários não a favor da sociedade emitente das faturas, mas sim do seu sócio gerente – C... .

32. Neste sentido, e com base na análise das contas bancárias e dos circuitos financeiros da sociedade feita pelos Serviços de Inspeção Tributária de Aveiro, a Requerida vem reiterar a sua convicção de que B... Lda. não é o real e efetivo detentor do negócio que consta das faturas emitidas para a Requerente,

33. Arguindo, a este propósito, que todos os indícios apontam no sentido de que o real e efetivo detentor do negócio seja E... .

34. Conclui, assim, a Requerida que todas as diligências efetuadas, designadamente junto de todas as empresas de transporte (conhecidas), bem como da análise dos documentos de transporte e dos movimentos bancários e respetivos documentos suporte, demonstram que a firma B..., Lda. marca o início de um fluxo documental, isto é, “foi criada com o intuito de emitir faturas, substituindo-se assim aos particulares que não passaram faturas pela venda de madeira das suas propriedades e ainda para camuflar a identidade do verdadeiro detentor do negócio”.

35. Para além dos factos supracitados, a Requerida indica como “fortes e seguros indícios” que demonstram ausência de estrutura económica para a realização das operações tituladas pelas faturas emitidas, os seguintes factos:

“1) Por consulta à informação constante da base de dados da AT não se encontrou qualquer registo que indiciasse a existência de compras de madeira a terceiros pela B..., Lda.;

2) A B... Lda. não consta como proprietário de prédio rústicos ou quaisquer outros terrenos que permitisse dedicar-se ao exercício da atividade de silvicultura ou exploração florestal;

3) A prestação de serviços de corte e rechega de madeira, exigem uma quantidade de mão-de-obra significativa e equipamento especializado para o efeito, que a B..., Lda. não possuía;

4) Também se desconhece a aquisição de qualquer serviço de corte e rechega de madeira a terceiros por parte do identificado emitente;

5) Não possuía qualquer tipo de estrutura (armazéns, depósitos, parques, etc.), nem capacidade operacional e técnica nem trabalhadores ao seu serviço para desenvolver operações económicas da dimensão relevada pelas faturas emitidas.”

36. Acrescentou ainda que apenas se confirmou que a Requerente entregou madeira junto dos seus clientes que posteriormente faturou, não se tendo comprovado que tenha sido a B..., Lda. que procedesse à entrega de madeira, visto que todos os documentos apresentados (GEP, guia de transporte, albaran, CMR, …) que acompanharam a mercadoria até aos parques dos seus clientes foram emitidos em nome da Requerente.

37. Deste modo, argui a AT que a Requerente não conseguiu estabelecer correspondência entre as suas vendas e as faturas de compra contabilizadas tituladas por faturas em nome do sujeito passivo B..., Lda. .

38. Alegando que ficou demonstrada a existência de fortes indícios que abalam a credibilidade das operações tituladas pelas faturas emitidas por B..., Lda., a Requerida vem, assim, propugnar que a dúvida fundada inviabiliza a consideração como gasto dedutível dos montantes constantes das faturas em questão,

39. Sustentando essa posição com a transcrição de um Acórdão do Douto Tribunal Central Administrativo, o qual dispõe que “não é imperioso que a Administração efetue uma prova direta da simulação, pois que, como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indireta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém diretamente, mas indiretamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” (Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Ato Tributário, pág. 154)”.

40. Por fim, conclui a Requerida que o ato de liquidação adicional, em crise nestes autos, não enferma de qualquer vício que ponha em causa a sua legalidade e validade, razão pela qual não há lugar ao pagamento de quaisquer juros indemnizatórios.

C) Apreciação do tribunal

41. A título preliminar, refira-se que, aos olhos deste Tribunal Arbitral, a questão decidenda prende-se com saber se existem indícios suficientemente fortes que permitam indicar que as faturas emitidas pelo fornecedor B..., Lda. são falsas e, como tal, os gastos com as mesmas não deverão ser dedutíveis em sede de IRC.

42. Neste contexto, cumpre, em primeiro lugar, fazer uma análise crítica do teor do artigo 74.º da LGT, o qual versa precisamente sobre a matéria do ónus da prova, de salutar importância para o caso.

Ora,

43. A regra geral do ónus da prova, expressa no referido artigo, faz recair a obrigação de comprovar os factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes sobre quem os invoque.

44. A este respeito, caberá averiguar o que constitui uma comprovação “bastante” dos factos que permitam indiciar que determinadas faturas não se realizaram com os operadores económicos aí titulados, para efeitos das correções da AT.

45. A este respeito, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 4/6/2013, Processo n.º 06478/13, citado, aliás, pela Requerida, dispõe que a AT não tem que demonstrar a falsidade das faturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo, invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas faturas serem simuladas,

46. Sendo esta probabilidade capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade.

47. Tal é, aliás, o entendimento que emana da interpretação da alínea a) do n.º 2 do artigo 75.º da LGT, a qual faz cair a presunção de veracidade que geralmente se verifica nas declarações dos contribuintes perante indícios fundados de que as mesmas não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.

48. Aqui chegados, cumpre ao presente Tribunal Arbitral tomar, assim, uma posição, designadamente ao decidir se os indícios suscitados pela Requerida em sede de inspeção são, ou não, suficientes para caberem no conceito de “indícios fundados”, para efeitos do artigo 75.º da LGT já citado.

49. Neste contexto, o presente Tribunal analisou cuidadosamente os elementos probatórios levantados pela AT em sede de inspeção, e constatou que estes se afiguram abundantes e claros na sua capacidade de provar que a sociedade B..., Lda. não dispõe da estrutura económica que lhe permita proceder ao fornecimento dos bens que a Requerente lhe imputa, designadamente pelos seguintes argumentos citados na Resposta da AT:

“1) Por consulta à informação constante da base de dados da AT não se encontrou qualquer registo que indiciasse a existência de compras de madeira a terceiros pela B... Lda.;

2) A B... Lda. não consta como proprietário de prédio rústicos ou quaisquer outros terrenos que permitisse dedicar-se ao exercício da atividade de silvicultura ou exploração florestal;

3) A prestação de serviços de corte e rechega de madeira, exigem uma quantidade de mão-de-obra significativa e equipamento especializado para o efeito, que a B... Lda. não possuía;

4) Também se desconhece a aquisição de qualquer serviço de corte e rechega de madeira a terceiros por parte do identificado emitente;

5) Não possuía qualquer tipo de estrutura (armazéns, depósitos, parques, etc.), nem capacidade operacional e técnica nem trabalhadores ao seu serviço, para desenvolver operações económicas da dimensão relevada pelas faturas emitidas”.

50. Adicionalmente, e com base em todos os elementos citados decorrentes da inspeção aos dados bancários da Requerente e da própria B..., Lda., bem como dos testemunhos das empresas de transporte que prestariam, alegadamente, serviços à B..., Lda., afigura-se provável que o real beneficiário dos pagamentos efetuados, bem como o real prestador de serviços, não seja a entidade B..., Lda., mas sim um individual denominado E...,

51. O qual não é sequer mencionado pela Requerente quando indagada pela pessoa de contacto na empresa B..., Lda., o que parece ao presente Tribunal improvável.

Pelo que,

52. Conclui o presente Tribunal Arbitral que, atendendo ao supra exposto, se encontram verificados os indícios fundados que abalam a credibilidade das operações tituladas pelas faturas emitidas por B..., Lda..

53. Efetivamente, da factualidade provada e alegada pela Requerente, não ficou demonstrado que a sociedade B..., Lda. foi a efetiva fornecedora da madeira que a mesma rececionou e, posteriormente, vendeu aos clientes.

54. De facto, a Requerente procedeu à venda da matéria prima da madeira aos seus clientes, tendo liquidado IVA nas faturas em questão, mas não foi possível retirar dos autos a correspondência entre as suas vendas e as faturas de compra contabilizadas tituladas por faturas em nome do sujeito passivo B..., Lda..

55. Igualmente ficou demonstrado que a Requerente procedeu ao pagamento dos serviços alegadamente prestados pela B..., Lda. através de cheque bancário, mas não é possível avistar quem é o real e efetivo beneficiário dos pagamentos efetuados.

56. De facto, dado que os depósitos bancários eram seguidos de levantamentos injustificados, é impossível seguir o circuito financeiro e identificar o verdadeiro beneficiário dos valores depositados.

57. Adicionalmente, a AT verificou que a Requerente procedeu à emissão de diversos cheques bancários não a favor da sociedade emitente das faturas, mas sim do seu sócio gerente – C..., o que parece demonstrar alguma confusão no real beneficiário dos pagamentos.

58. Atendendo ao supra exposto, e tendo efetuado um juízo cuidado da factualidade apresentada, conclui o presente Tribunal que a Requerente não logrou comprovar que as faturas emitidas pela B..., Lda. consubstanciaram operações efetivamente realizadas com esta sociedade.

59. Neste contexto, cumpre agora atentar na redação do artigo 23.º do Código do IRC, à data dos factos, em especial nos seus n.ºs 4 e 6, os quais vêm estatuir a obrigatoriedade dos gastos incorridos por uma determinada empresa serem suportados através de um documento idóneo.

60. Ressalve-se, a este respeito, que este documento idóneo referido no número anterior, no caso de ser emitido por sujeitos passivos de IVA, deverá ser uma fatura, cumprindo, assim, com todos os requisitos formais para o efeito.

61. A este respeito, o n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA vem listar os elementos obrigatórios a constar das faturas, designadamente:

“As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos:

a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente sujeito passivo do imposto, bem como os correspondentes números de identificação fiscal;

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efetivamente transacionadas devem ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;

c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;

f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da fatura.” (sublinhado nosso).

62. Atentando na factualidade provada, conclui o presente Tribunal Arbitral que faltavam às faturas emitidas pela B..., Lda. à ora Requerente alguns elementos formais (nomeadamente a numeração sequencial das faturas, bem como as datas em que os bens foram colocados à disposição do adquirente),

63. Pese embora nenhum elemento assuma tanta importância como a correta identificação do fornecedor, sobre a qual dispõe a alínea a) do artigo supracitado, e que, neste caso, se encontrava incorretamente realizada.

64. De facto, a AT comprovou, na sua Resposta, a existência de indícios fundados de que a real identidade do fornecedor não era a sociedade B..., Lda., ao contrário do identificado nas faturas emitidas à ora Requerente, e a própria Requerente, como já vimos, não logrou demonstrar o contrário.

Pelo que,

65. Os gastos incorridos com a aquisição de bens titulada pelas faturas emitidas pela sociedade B..., Lda. não eram passivos de dedução em sede de IRC.

Neste contexto,

66. Se na contabilidade da Requerente se mostravam registados custos com as faturas emitidas pela sociedade B..., Lda., a necessária não consideração de tais custos importava, direta e consequentemente, o acréscimo dessa importância ao total dos resultados declarados como obtidos no ano em causa,

67. Sendo que, neste cenário, aos serviços da AT não restava outra alternativa legal que aquela que produziram de, sendo imposta, pelo artigo 23.º do Código do IRC, a não consideração dos custos com a aquisição de bens ao referido fornecedor.

68. Como tal, é a decisão do presente Tribunal Arbitral que o ato tributário de liquidação adicional de IRC contestado nos autos não enferma de qualquer vício de violação da lei.

Assim sendo,

69. Improcede o pedido de anulação do ato de liquidação supra referido, e improcede também, consequentemente, o pedido de condenação da Requerida ao pagamento de custas e demais encargos com o processo.

V. Decisão

70. Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e absolver a Requerida do pedido, com todas as consequências legais.

VI. Valor do processo

71. Fixa-se o valor do processo em Euro 28.638,72, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

VII. Custas

72. De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em Euro 1.530,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerente, dada a improcedência integral do pedido.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 3 de abril de 2019

 

O Árbitro

 

(Sérgio Santos Pereira)