Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 331/2018-T
Data da decisão: 2019-03-23   Outros 
Valor do pedido: € 1.029,68
Tema: AIMI – Inconstitucionalidade
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1. A... S.A., com o número de identificação..., com sede na sede no Lugar ..., ..., ...-... ..., apresentou, em 12-07-2018, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida, ou ATA).

 

2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis – AIMI – n.º 2017-... do ano de 2017, com referência ao ano de 2017, bem como do indeferimento da reclamação graciosa a que foi atribuído o n.º ...2018..., com o consequente reembolso do imposto pago, bem como o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 13-07-2018.

 

3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.

 

3.2. Em 03-09-2018 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

 

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 24-09-2018.

 

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

A Requerente é uma sociedade comercial que desenvolve a sua atividade no sector imobiliário, integrando o “Grupo B...”.

É proprietária dos prédios urbanos mencionados na liquidação em crise, mormente dos prédios urbanos inscritos na respectiva matriz predial sob os n.ºs ... e ..., da Freguesia de ... que integram a UNOP 4 (que corresponde ao núcleo de desenvolvimento de ..., que prevê a construção de um aldeamento turístico, um cento equestre e um núcleo ambiental destinado à monitorização do sistema ambiental e sua gestão).

Como resulta das peças escritas e desenhadas do Plano de Pormenor da UNOP 4, os prédios urbanos em questão nos presentes autos têm como destino a afectação a turismo.

Com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2017, foi criado o AIMI, com a configuração de um imposto complementar ao IMI, com o fito de tributar “a acumulação de património imobiliário habitacional de muito elevado valor”.

Relativamente à ratio legis do AIMI, de acordo com o Relatório do Orçamento de Estado para 2017, “a consignação da tributação progressiva do património imobiliário ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social corresponde ao objetivo do programa do governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social, ao mesmo tempo que se introduz um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema”.

Como decorre do n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, verifica-se que o AIMI incide sobre os imóveis com afetação habitacional, bem como os terrenos para construção, independentemente da sua afetação – na medida em que os mesmos não constam expressamente na norma de delimitação negativa de incidência.

O AIMI veio substituir o anterior modo de tributação do “património imobiliário de luxo”, cuja taxa estava prevista na Verba 28. da Tabela Geral do Imposto do Selo na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012 e pela Lei n.º 83-C/2013. Não obstante o AIMI ter sido equacionado para continuar a tributação sobre imóveis de luxo e, bem assim, suprir muitas das falhas que haviam sido apontadas à Verba 28. do Imposto do Selo, os seus contornos apresentam diversas divergências do regime inicial.

Considerando que é inegável o paralelismo entre a Verba 28. e a configuração atual do AIMI, pretende a Requerente demonstrar que o AIMI padece dos mesmos vícios que o seu precedente – sobretudo porque, relativamente aos imóveis essenciais na obtenção de rendimentos no âmbito da atividade económica, carece de idêntica sustentação material no plano tributário.

Sustenta que nesses casos, o AIMI viola o princípio da igualdade, concretizado na sua vertente da capacidade contributiva, nos termos já propugnados pela jurisprudência e doutrina aquando da discussão relativamente à Verba 28, devidamente adaptados às características deste novo imposto.

Aliás, é claro e indiscutível – conforme sucessivamente reiterado pela Jurisprudência Arbitral e Judicial – que, com a verba em causa, o legislador jamais pretendeu tributar a propriedade de terrenos para construção.

Acresce que o acto tributário em causa materializa também a violação dos mais basilares cânones da igualdade, proporcionalidade e capacidade contributiva. A propósito de tal princípio, a própria CRP em matéria de tributação do património, estabelece uma orientação central no nº 3 do seu artigo 104º, quando estatui que “A tributação do património [como é o AIMI] deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos”.

Os imóveis detidos pela Requerente, e que estão a ser alvo de tributação em sede de AIMI, são essenciais para a obtenção de rendimentos no âmbito da sua atividade económica – eles próprios também sujeitos a tributação, pelo que falha em absoluto o pressuposto de que a propriedade sobre tais imóveis possa constituir manifestação de uma (ou de uma acrescida) capacidade contributiva que, por si só, deva ser sujeita a ablação por via tributária.

Com o imposto em causa, trata-se de forma desigual, sem qualquer fundamento material de suporte, as empresas proprietárias de imóveis destinados ao exercício de uma actividade económica, relativamente às empresas que, pelo mesmo motivo, são proprietárias de imóveis classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” – os quais são isentos de AIMI.

Não existe qualquer fundamento material minimamente perceptível, racional e razoável para propugnar uma discriminação negativa, a nível fiscal, das empresas proprietárias de imóveis que utilizam na prossecução da sua actividade.

Em função da finalidade pretendida da norma, mormente quando aponta para a configuração de um imposto complementar ao IMI com o fito de tributar “a acumulação de património imobiliário habitacional de muito elevado valor”, através de “um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema.”, afigura-se evidente a violação do princípio da proporcionalidade.

O artigo 135.º -B n.º 1 do CIMI deverá ser desaplicado pelo Tribunal, atenta a sua inconstitucionalidade material com os sobreditos fundamentos, na medida em que incide sobre imóveis com afectação habitacional, detidos por empresas que prosseguem uma actividade imobiliária, determinando a anulação da decisão e da liquidação impugnadas.

De qualquer forma, ao invés do pressuposto no acto tributário impugnado, os imóveis em causa não têm como destino a habitação – sendo certo que a sua afectação se encontra legalmente condicionada.

Carece em absoluto de sentido ou justificação material bastante a tributação em AIMI de um imóvel que, estando integrado num Plano de Pormenor, declaradamente não vai ser afecto a habitação.

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, invocando em síntese, o seguinte:

A Requerente contesta a afectação que se encontra inscrita na matriz dos respetivos prédios, qual seja, a de habitação, embora, salvo lapso nosso, sem nunca concretizar (e provar) qual é alegadamente a afetação dos prédios em causa à data do facto tributário. Sem prejuízo de se considerar que o presente Tribunal não tem competência para dirimir estas questões, por máxima cautela e dever de representação, impugna-se desde já que os prédios inscritos na matriz predial urbana sob os artigos ... e ..., da freguesia do ... concelho de Grândola, à data do facto tributário, isto é, em 01-01-2017,tenham outro destino que não a habitação. A impugnação judicial prevista no artigo 134.º do CPPT não é passível de substituição pela impugnação arbitral prevista no RJAT, dado que, enquanto naquela o acto a sindicar se situa no indeferimento de um ato administrativo-tributário que não comporta a apreciação a legalidade de uma liquidação, nos termos do disposto no artigo 2.º do RJAT, o Centro de Arbitragem Administrativa é competente para apreciar, restritivamente, a legalidade de atos de liquidação e/ou de atos de fixação da matéria tributável que não deem lugar ao pagamento de imposto.

A interpretação normativa experimentada pela Requerente, colide com as competências atribuídas ao CAAD nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT e do artigo 2.º da citada Portaria, é inconstitucional por violação do artigo 212.º, n.º 3 da CRP e bem assim por violação do princípio do livre acesso aos tribunais, na vertente do direito ao duplo grau de jurisdição.

O princípio constitucional da igualdade, a que estão vinculadas as autoridades administrativas, tem de ser aplicado sem quaisquer especificidades. Princípio que se concretiza e possui diversas dimensões, como sejam: (i) a proibição do arbítrio, (ii) a proibição da discriminação e (iii) a obrigação de diferenciação.

Não é sindicável a bondade da medida legislativa e o seu alcance, cingindo-se a sua apreciação à vertente da sua conformação com o texto constitucional e os princípios aí consagrados.

Por outro lado, importa relevar que a capacidade contributiva para além do rendimento e da utilização de bens também se exprime, nos termos da lei, através da titularidade de património.

Assinalando a a teleologia do imposto, interpreta-se, face ao já exposto, que este visa, primeiramente, atingir uma parcela do património dos respectivos sujeitos passivos, incidindo sobre os bens imóveis constitutivos de um património, reconhecível juridicamente como capital de uma determinada entidade (singular ou colectiva), independentemente de o mesmo estar afecto a qualquer processo produtivo ou gerador de rendimentos.

Porém, o legislador optou no n.º 2 daquele preceito por uma delimitação negativa da incidência, excluindo do AIMI imóveis que, pela sua potencial afectação, podem ser economicamente reconhecidos como factores de produção, a título de capital, ou seja, como bens intermediários que, conjugados com os demais factores de produção, produzem novas utilidades –bens económicos que satisfazem necessidades.

Para o efeito, recorreu a um critério que convoca a estrutura de tipologias de prédio urbano previstas no artigo 6.º do Código do IMI e que opera através da subtracção ao AIMI dos prédios urbanos que, fruto do licenciamento de utilização declarado pelos municípios ou, na sua falta, do respectivo destino normal, são reconduzidos às tipologias das alíneas b) e d) do n.º 1 daquele preceito. Logo, o universo de prédios urbanos sujeitos ao AIMI é apurado por recurso às restantes duas tipologias constantes do n.º 1 do artigo 6.º, ie, prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção.

O imposto em sindicância não visa uma tributação genérica do património. Em causa está apenas um imposto parcelar sobre determinadas manifestações de capacidade contributiva.

Estando em causa a consagração de uma tributação parcelar do património total dos contribuintes, julga-se não ser normativamente adequado proceder a uma comparação entre o valor global do património de outros contribuintes.

O AIMI respeita uma tributação parcelar do património sem visar especificamente empresas, pois compreende toda a espécie de sujeitos passivos que sejam titulares dos direitos reais enunciados sobre os prédios em causa, independentemente de assumirem carácter empresarial ou não, abrangendo, assim, para além de sociedades, fundações, associações, pessoas singulares. Sendo, assim, inviável convocar, em atenção ao âmbito de aplicação da norma em apreciação, princípios de vocação estritamente empresarial, pois a tributação dirige-se ao património e não a quem o detém.

Contrariamente ao que pretende a Requerente, entende-se que não é possível configurar a inconstitucionalidade de uma norma fiscal com base simplesmente em que a mesma possui influência significativa nas decisões económicas dos contribuintes -por natureza, isso é um efeito típico das regras fiscais.

Defende a Requerente que os prédios em causa são o fruto da sua actividade, mas tais terrenos não se reconduzem a meros direitos de construção, de coisas futuras, e tal como os demais prédios urbanos com afectação habitacional, são bens autónomos, que têm sempre valor económico intrínseco e, normalmente, cotação no mercado imobiliário, i.e., podem ser vendidos, trocados, dados como garantia de obrigações. Diferentemente, os imóveis excluídos da sujeição ao AIMI, nos termos do n.º 2 do art.º 135.º-B do CIMI, é que desempenham uma função instrumental às actividades económicas industriais, comerciais ou de serviços, na medida em que constituem edificações que servem de suporte ao funcionamento das referidas actividades, e não são por si mesmos geradores de rendimentos.

Quanto ao facto de os prédios não terem pretensamente afectação habitacional, recorda que das fichas de avaliação dos dois prédios em causa nos autos resulta que a sua inscrição na matriz data de 1935, tendo ambos sido avaliados de acordo com as regras do Código do IMI em 19-07-2012 (avaliação geral). Assim sendo, a 01-01-2017, data do facto tributário para efeitos de AIMI, a afetação era, tal como declarado desde início pela ora Requerente, habitacional.

No que respeita à alegada futura afectação potencial dos prédios, na data da tributação em AIMI dos prédios em questão, só cabe atender à própria realidade do prédio construído, tal como o mesmo é legalmente caracterizado, e tendo em conta a espécie constante da matriz e não uma edificação ou uma afetação futura, com a consequente alteração de espécie de prédio urbano que venha a surgir subsequentemente, pois tal, verdadeiramente, são meras abstracções virtuais de situações não constituídas nem jurídica, nem factualmente.

Conclui a requerida pela legalidade do acto de liquidação de contestado pela Requerente que deverá, assim, ser mantido.

 

6. Por despacho de 08-01-2019, foi dispensada a reunião do artigo 18º do RJAT, bem como, com a anuência das partes, a apresentação de alegações.

 

 

II – Saneamento

 

8.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

8.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), sendo admitida a coligação de autores requerida, por estar em causa a apreciação das mesmas circunstâncias de facto e a interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (art. 3º, n.º 1 do RJAT).

8.3. O processo não enferma de nulidades.

8.4. A cumulação de pedidos é legal, face ao mesmo art. 3º, n.º 1.

8.4. Não foram suscitadas excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa, com excepção de eventual incompetência do Tribunal a que adiante se fará breve referência.

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO

 

III.1. Matéria de facto

 

Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos – tendo presente que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado (cfr.artºs. 596.º, nº.1 e 607º, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT) - consideram-se, com relevo para apreciação e decisão das questões suscitadas, os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade que desenvolve a sua actividade no sector imobiliário;
  2. A Requerente é proprietária dos prédios urbanos inscritos na matriz da freguesia de..., sob os artigos ... e ...;
  3. Tais prédios estão inscritos na matriz com afectação a “habitação”;
  4. A Requerente foi notificada pela AT da liquidação de AIMI, relativamente aos prédios acima identificados, referente ao ano de 2017, com o n.º 2017-...;
  5. A Requerente apresentou reclamação graciosa daquela liquidação a qual foi instaurada sob o n.º ...2018...;
  6. Na aludida reclamação graciosa foi proferido despacho de indeferimento que foi notificado à Requerente, na pessoa do seu mandatário, em 13-04-2018;
  7. Os impostos liquidados foram pagos pela Requerente.

 

Fundamentação da matéria de facto:

 

A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida, bem como do processo administrativo junto aos autos.

 

9.3. Não foi provado que os prédios sejam afectos a serviços.

 

 

III.2. Matéria de Direito

 

Conforme resulta do pedido arbitral, a Requerente manifesta a sua inconformidade com o acto de liquidação impugnado, por entender, em suma, que, sendo os prédios objecto do pedido arbitral afectos a turismo e não a habitação, estariam excluídos do âmbito de sujeição do AIMI, instituído pelo art. 135º-B do Código do IMI.

Por outro lado, sustenta que está em causa um imposto sobre a fortuna imobiliária, pelo que os prédios afectos a uma actividade económica, e que são detidos para a sua prossecução, não estarão àquele sujeitos, como sucede no caso.

De qualquer forma, defende que tal tributação padece de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e capacidade contributiva.

 

Vejamos então:

 

AFECTAÇÃO DOS PRÉDIOS

 

De acordo com a inscrição matricial urbana da freguesia de ..., do concelho de Grândola, os prédios aí inscritos sob os artigos ... e ... (anteriormente sob os artigos ... e ...), tinham, à data a que se reporta a liquidação contestada, a afectação de “habitação”.

 

Afectação que é definida pelo artigo 6º do CIMI que estabelece o seguinte:

1 - Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.

4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.

 

Foi com base nessa afectação que a liquidação do AIMI foi efectuada.

 

E, diga-se desde, já, que só esses elementos seriam susceptíveis de determinar e fundamentar a liquidação do imposto.

 

De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 12º do CIMI, “as matrizes prediais são registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios, a localização e o seu valor patrimonial tributário, a identidade dos proprietários e, sendo caso disso, dos usufrutuários e superficiários”.

 

Sendo que o valor patrimonial tributário, determinado nos termos do disposto nos art. 38º e sgs. do mesmo código, é fixado tendo como pressuposto, desde logo, a caracterização e qualificação do prédio. Quer dizer, a liquidação do imposto é calculada partindo do valor patrimonial tributário que foi fixado tendo por base a caracterização que o prédio tem na matriz. No caso, “prédio afecto a habitação”.

 

Se a Requerente entende que já não é essa a caracterização adequada para os prédios de que é proprietária, deverá promover a sua alteração, nos termos do disposto art. 13º do CIMI, o qual determina que a actualização da matriz é efectuada com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo, no prazo de 60 dias contados a partir da ocorrência de qualquer dos factos previstos nas várias alíneas, entre elas, a b):

- “Verificar-se um evento suscetível de determinar uma alteração da classificação de um prédio”.

 

Ou, então, a não concordar com a avaliação efectuada, por discordar, designadamente, da classificação dada ao prédio, socorrer-se dos meios contenciosos – administrativos e judicias – ao seu dispor, previstos nos art. 130º do CIMI e 134º, n.º 3 do CPPT.

 

No caso, o que está em causa é a apreciação do acto de liquidação do AIMI, tout court. E é indiscutível que do ponto de vista da classificação dos prédios nada há a apontar e, em abono da verdade, também nenhum pedido no sentido de alteração da afectação dos mesmos é formulado pela Requerente (de qualquer modo, diga-se que também não se alcançaria dos doc. 4 e 5 juntos pela Requerente – a descrição de projecto e o Regulamento de Plano de Pormenor -a inclusão efectiva dos prédios em causa naquele Plano de Pormenor).

 

No pedido arbitral é contestado um acto de liquidação de AIMI, enquadrado no tipo de pretensão que, de acordo com o RJAT e a Portaria nº 112-A/2011, de 12 de Março, está enquadrada na jurisdição arbitral e cuja apreciação não é excluída por aquela Portaria. O sujeito passivo tem o direito de imputar ao acto de liquidação as ilegalidades que entenda, mesmo que se venha a considerar não ter razão, e o Tribunal Arbitral é manifestamente competente para apreciar se elas afectam ou não a liquidação.

 

Face ao que, e tendo presente o que anteriormente se expôs, nada há a apreciar nesse âmbito, não se colocando, sequer a questão da inidoneidade do meio processual nem de incompetência do tribunal.

 

DA TRIBUTAÇÃO EM AIMI DE PRÉDIOS AFECTOS A ACTIVIDADES COMERCIAIS

 

A Lei 42/2016, de 28 de Dezembro aditou ao CIMI, entre outros, o art. 135º-A que estabelece: “são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou colectivas que sejam proprietários, usufrutuários ou supercifiários de prédios urbanos situados no território português”.

 

Por seu turno, o artigo seguinte – 135º-B – determina:

“1. O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.

2 – São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6º deste Código”.

 

Como a Requerente alega, este regime exclui da incidência do AIMI «os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros” nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º (…)» do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), pelo que apenas são abrangidos os prédios urbanos afectos a fins habitacionais e os terrenos para construção, tal como definidos naquele artigo 6.º.

 

No caso, como já se viu, estão em causa prédios urbanos afectos a fins habitacionais pelo que é indiscutível que se incluem na incidência objectiva do imposto, uma vez que, pelo menos à letra da lei, não estamos no âmbito da sua exclusão.

 

Todavia, da apontada delimitação negativa de incidência, a Requerente extrai a conclusão de que se pretendeu criar um imposto sobre a fortuna imobiliária, em que os prédios urbanos afectos às actividades económicas não estarão sujeitos a tributação em AIMI. Sustenta que o AIMI, como imposto complementar ao IMI, tem em vista a tributação da acumulação de património habitacional de muito elevado valor (fazendo paralelismo com a tributação com a anterior tributação em imposto do selo, através da verba 28).

 

 

Pois bem. Como diz Baptista Machado – Introdução ao Direito e Discurso Legitimador -: na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento” (pag. 182).

 

Ora, a literalidade dos artigos 135º-A, n.º 1 e 135º-B, n.º 1 e 2 do CIMI é clara e não parece prestar-se a dúvidas interpretativas. Como se diz no Acórdão Arbitral n.º 664/2017-T, de 26-06-2018:

- “A exclusão do imposto abrange, por conseguinte, os prédios classificados como comerciais, industriais ou para serviços, entendendo-se como tais os edifícios ou construções licenciados para esses efeitos ou que tenham como destino normal cada um destes fins. Abarca, para além disso, a espécie residual referida na alínea d) do n.º 1 desse artigo 6.º, aí se incluindo os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem prédios rústicos e ainda os edifícios e construções que se não enquadrem em qualquer das anteriores classificações.

O âmbito de incidência objetiva, por efeito da remissão para aquele artigo 6.º, ficou assim definido não só por referência a uma certa espécie de prédios urbanos, mas também por referência ao procedimento administrativo através do qual foi efetuada a classificação ou, na falta de licença, à normal destinação desses prédios para os fins comerciais, industriais e serviços ou outros.

É verdade que a preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento”.

 

Sendo certo que a exclusão da incidência do AIMI não foi feita tendo em vista a eventual actividade a que os prédios estão afectos, mas apenas teve por base os tipos de prédios indicados no art. 6º do CIMI, sem qualquer alusão à afectação ou ao funcionamento de empresas.

 

Aliás, como é dito no Acórdão Arbitral n.º 675/2017-T, de …..:

- “Se tivesse sido mantida, na redação final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afetos ao funcionamento das pessoas coletivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afetação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa.

Tendo sido suprimida essa alusão à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos ao funcionamento das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI”.

 

Não tem, pois, razão a Requerente quando alega que terá sido intenção do legislador pretender excluir do âmbito de incidência do imposto os prédios afectos a actividades económicas, a pretexto de que o objetivo prosseguido seria não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que possuem imóveis por efeito do seu objecto social.

 

Tendo presente o vertido no Relatório do Orçamento para 2017, podemos concluir que não se pretendeu com o AIMI onerar a tributação de imóveis de luxo, como se visava primacialmente com a verba 28.1 da TGIS, pois o património imobiliário de valor avultado pode ser constituído por uma pluralidade de imóveis de reduzido valor. Ter-se-á tido antes em vista criar mais uma via de subsidiação do sistema de segurança social, que é uma das incumbências constitucionais do Estado.

 

O facto de a Requerente deter os imóveis no âmbito da sua actividade económica não afasta, pois, a incidência do AIMI.

 

DA INCONSTITUCIONALIDADE DO AIMI

 

Pretende ainda a Requerente que sejam desaplicadas as normas em causa invocando a inconstitucionalidade do regime de tributação do AIMI, por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e capacidade contributiva.

 

Diga-se antes de, mais que, cabendo, como cabe, aos Tribunais a apreciação da (in)constitucionalidade, não pode a administração tributária, que se encontra na dependência hierárquica do executivo, substituir-se aos tribunais, e sindicar a constitucionalidade das leis que lhe cumpre aplicar.

 

Invoca a Requerente que será violador do princípio da igualdade, na vertente da capacidade contributiva, o art. 135º-A do CIMI ao fazer uma tributação indiscriminada de todos os prédios, defendendo que os que estão afectos a actividades económicas se encontram necessariamente excluídos dessa tributação.

 

O que é rejeitado pela Requerida, sustentando que o julgamento de inconstitucionalidade do AIMI com base na violação do princípio da igualdade parte de premissas que se baseiam numa comparação entre situações incomparáveis.

 

Como se diz no Acórdão Arbitral n.º 664/2017-T, o Tribunal Constitucional tem sublinhado, um dos objectivos essenciais constitucionalmente definidos do sistema fiscal, a par da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, é o da repartição justa dos rendimentos e da riqueza, como se depreende do artigo 103.º, n.º 1, da Constituição”.

 

Temos por assente neste âmbito que a liberdade de que goza o legislador exige que o princípio da capacidade contributiva disponha de alguma flexibilidade e possa ceder, até certo limite, perante outros propósitos do Estado.

 

Daí que quando uma situação aparente ou tendencialmente igual é tratada de forma aparentemente diferente, só se pode falar em desigualdade fiscal se não houver razões atendíveis que tenham conduzido o legislador a fazer as opções que fez. Ou seja, o que está constitucionalmente vedado ao legislador é o puro arbítrio, o que não sucederá quando tenha em vista a prossecução de objectivos a que atribui maior valor – como é o paradigmático caso dos benefícios fiscais, em que o legislador prefere abrir mão da receita fiscal para atingir outros objectivos.

 

É, aliás, dentro desse espírito que o legislador, no que ao caso importa, apenas pretende tributar os prédios classificados como habitacionais, abstendo-se de fazer incidir AIMI sobre os demais. Quer dizer, tomou uma medida de distinção do que é desigual, fazendo uma opção cuja justificação parece clara: não aumentar a carga fiscal sobre os sectores produtivos, visando as tão propaladas necessidades de investimento e de crescimento económico.

 

Diremos, por outro lado, que os prédios destinados à habitação constituem bens de fruição, deles se podendo dizer que a sua acumulação ou elevado valor, revelarão um maior índice de fortuna e, como tal, de maior capacidade contributiva.

 

Pelo que, ainda que a capacidade contributiva revelada possa ser igual, não se vislumbra violação do princípio da igualdade, atenta a razoabilidade da distinção e os fins visados.

 

Defende, contudo, a Requerente a circunstância de os imóveis em causa fazerem parte integrante da sua atividade comercial por ser esse o seu objecto social, pelo que carece de fundamento e, pelo contrário, seria violador do princípio da igualdade, fazer incidir sobre tais imóveis o AIMI, por comparação com as demais entidades, não imobiliárias, proprietárias de imóveis.

 

Como, do mesmo modo, refere aquele Acórdão Arbitral: “A titularidade de um património imobiliário, para efeitos de venda e transformação, em vista à obtenção de resultados económicos, não deixa de constituir um activo patrimonial que é revelador de uma acrescida capacidade contributiva, que vai além do imposto que incide sobre o lucro tributável em razão da actividade económica desenvolvida. O que está em causa, por conseguinte, não é a tributação do rendimento real auferido por essas entidades através da actividade desenvolvida, mas a capacidade contributiva complementar que decorre da titularidade do património e que por si só pode facilitar a angariação de crédito ou o reforço da sua posição negocial na celebração de contratos”.

 

Acresce que a capacidade contributiva das pessoas colectivas empresariais, relevante para a aferição da aplicação do princípio da igualdade tributária, não é evidenciada apenas pelos rendimentos, designadamente pelos resultados da actividade a que se destinam os imóveis. Na verdade, «o património proporciona ao seu titular uma capacidade contributiva especial, vantagens que pela sua natureza escapam ao imposto sobre os rendimentos pessoais: assim, a titularidade do património facilita a angariação de crédito, reforça a posição negocial do seu titular na celebração de contratos vários, torna mais fácil multiplicar a riqueza permitindo-lhe arriscar aí onde em princípio não o faria. Nesta óptica, o imposto sobre o património é visto como algo mais do que um prolongamento do imposto sobre os rendimentos pessoais - não se trata de sobrecarregar aqui rendimentos que já lhe estão sujeitos mas de atingir manifestações de capacidade contributiva que na verdade lhe escapam” (Sérgio Vasques, Capacidade Contributiva, Rendimento e Património, em Fiscalidade, n.º 23, página 36).

 

Por outro lado, e como acima também já se aflorou, “não sendo objectivo legislativo a tributação da habitação de luxo mas sim obter mais um meio de financiamento da Segurança Social, em sintonia com a opção política de diversificação, através de «um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema»” (página 57 do relatório do Orçamento do Estado para 2017), é em função destes objectivos que há que apreciar se ocorre violação do princípio da proporcionalidade” (Acórdão Arbitral n.º 420/2018-T, de 15-01-2019).

 

Desta perspectiva, afigura-se que esta nova tributação não é incompaginável com o princípio da proporcionalidade, pois é adequada ao fim em vista (propicia o aumento de receitas que se pretende obter), é necessária (à face da opção legislativa de aumentar as receitas da Segurança Social com diversificação de fontes) e não é ultrapassada uma medida razoável, designadamente quanto às pessoas colectivas, pois as taxas do novo imposto não são elevadas (e são menores para as pessoas coletivas do que para as pessoas singulares, nos termos do artigo 135.º-F), o imposto pago é dedutível a matéria tributável de IRC (artigo 135.º-J), são deduzidos valores consideráveis ao valor tributável (artigo 135.º-C) e não está demonstrado, nem há razão para crer, que os montantes arrecadados ultrapassem o que é necessário para a finalidade de reforçar a sustentabilidade e estabilidade da Segurança Social” (idem).

 

Na mesma linha, concluímos que não se afigura, pois, ocorrer qualquer inconstitucionalidade, não merecendo o acto de liquidação contestado qualquer censura.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado, absolvendo a Requerida de todos os pedidos.
  2. Condenar a Requerentes nas custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 1.029,68 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 306,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Lisboa, 23 de Março de 2019

 

O Árbitro

 

 

 

(António Alberto Franco)