Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 509/2018-T
Data da decisão: 2019-02-19  IVA  
Valor do pedido: € 308.108,71
Tema: IVA – Prazo de exercício de Direito à dedução. Redébito de despesas. Requisitos formais de facturas. Princípios da neutralidade e proporcionalidade
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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

            Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos outos Árbitros), Dr. Isaque Marcos Lameiras Ramos e Dr. Emanuel Augusto Vidal Lima, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 26-12-2018, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

            A... S.A., sociedade com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ..., com sede em ..., ..., ... n.º..., ...-..., ... (doravante designada como "Requerente"), apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante "RJAT"), tendo em vista a pronúncia arbitral sobre a decisão final de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativas aos  os períodos de Janeiro, Abril e Maio de 2013, totalizando um valor de € 308.108,71, que se identificam nos quadros que seguem:

 

 

Período

Liquidação de IVA

Data da

liquidação

Data do Acerto de Contas

Motivo

Montante

Apurado(€)

2013/01

2016 ...

07/07/2016

11/07/2016

Correção oficiosa

83.297,50

2013/04

2016 ...

07/07/2016

11/07/2016

Correção oficiosa

15.519,88

2013/05

2016 ...

07/07/2016

11/07/2016

87.º CIVA (processamento de declaração corretiva) Rectificação das declarações e liquidações

adicionais

168.410,74

Total

267.228,12

Demonstração de Acerto de Contas n.º

Período

Natureza

Montante Apurado (€)

2016 ...

01.04.2013 a 30.04.2013

Juros compensatórios

1.882,79

2016 ...

01.04.2013 a

30.04.2013

Juros compensatórios/ moratórios

28.052,74

2016 ...

01.01.2013 a 31.01.2013

Juros compensatórios

10.945,06

Total

40.880,59

                 

 

            A Requerente pede ainda indemnização por garantia indevida.     

            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA em 12-10-2018.

Os signatários comunicaram a aceitação do exercício das funções no prazo aplicável.

Em 05-12-2018, as Partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo manifestado vontade de recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 26-12-2018.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 05-02-2019 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre decidir.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma filial da empresa "B..., S.A." (NIF ES...), com sede em Madrid, empresa mãe do Grupo C... e que é detentora da totalidade do seu capital social;
  2. A Requerente tem como objeto social a prestação de serviços nas áreas dos sistemas de informação e projetos de engenharia e desenvolvimento, manutenção e suporte de aplicações informáticas, soluções de gestão empresarial, sua correspondente implementação, e prossegue as actividades económicas (“CAE”) de consultoria informática como atividade principal (62020), e a programação informática como atividade secundária (062010).
  3. A ora Requerente iniciou a sua actividade em Portugal em 04-10-2002, estando enquadrada no regime normal de sujeição a IVA, com periodicidade mensal;
  4. A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente ao abrigo da Ordem de Serviço n.º Ol2015...;
  5.  Nessa inspeção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 4 junto pela Requerente cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais, o seguinte:

III.2.1. Acordo de revogação E...

No âmbito do acordo de revogação do contrato de prestação de bens e serviços entre a A... e o E..., analisado anteriormente (item III.1.2.) e em resultado do cruzamento das declarações periódicas de IVA submetidas pelo sujeito passivo, referentes ao período de imposto compreendido no âmbito temporal do presente procedimento inspetivo com os respetivos registos contabilísticos (contas 243 - IVA) do período, verificou-se que o sujeito passivo procedeu à dedução do IVA constante das faturas emitidas pelo E... relativas à venda das licenças e equipamentos no âmbito do projeto "CAH".

Conforme vimos, os bens não foram relevados contabilisticamente pelo sujeito passivo, desconhecendo-se o seu destino.

A disciplina subjacente ao exercício do direito à dedução do IVA suportado pelos sujeitos passivos do imposto encontra-se prevista nos artigos 19.º e 20.º do CIVA, daí resultando que, para que o imposto suportado nas aquisições de bens e serviços seja dedutível, estas devem ter uma relação direta e imediata com as operações a jusante que conferem esse direito.

Como regra geral, é dedutível, com exceção das situações enunciadas no artigo 21.º do CIVA, todo o imposto suportado em bens e serviços adquiridos para o exercício de uma atividade económica referida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, desde que respeite a transmissões de bens e prestações de serviços que confiram o direito a dedução nos termos do artigo 20.º do CIVA, incluindo as que, embora enquadradas no âmbito das atividades económicas referidas no artigo 2.º do CIVA, não são localizadas no território nacional, por força das regras de localização constantes do artigo 6.º, sendo, todavia, qualificadas como operações que conferem direito a dedução pela alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do mesmo diploma.

Assim, para que a dedução do imposto seja possível, é necessário que as aquisições de bens ou serviços sejam feitas com vista à realização de operações tributáveis, conforme disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA, ou de operações que gozam de isenção completa, tais como as exportações, as operações assimiladas a exportações, operações efetuadas no estrangeiro que seriam tributáveis como se fossem realizadas em território nacional, algumas operações ligadas a importações e a regimes aduaneiros suspensivos (de acordo com a alínea b) da mesma disposição legal) e ainda as transmissões intracomunitárias de bens para outros Estados membros da União Europeia, previstas no n.º 2 do artigo 19.º do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI).

Não dão, pois, lugar à dedução as aquisições feitas no âmbito de atividades fora do campo de aplicação do imposto, ou fora do conceito de atividade económica (atividades não sujeitas), nem as que se destinem por exemplo, às operações isentas nos termos do artigo 9.º (isenções simples ou incompletas), ou quando efetuadas no âmbito do Regime Especial de Isenção previsto no artigo 53.º e seguintes.

Nesta matéria, relembra-se que o CIVA resulta da transposição, para a ordem jurídica interna, de diversas Diretivas Comunitárias relativas à harmonização das legislações dos Estados Membros respeitantes aos impostos sobre o valor acrescentado, devendo a interpretação da lei interna ser, neste domínio, convergente com os princípios e regras postulados na respetiva disciplina comunitária.

Assim, no que respeita ao direito de dedução, a Jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidade Europeias (TJCE) vem afirmando que "para que o IVA seja dedutível, as operações efetuadas a montante devem ter uma relação direta e imediata com as operações a jusante com direito a dedução. Assim, o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efetuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução." (Acórdão do TJCE, de 29 de outubro de 2009, processo n.º C-29/08).

No caso em apreciação e atendendo a que os bens não se encontram relevados na contabilidade do sujeito passivo, desconhece-se o destino dos mesmos, não tendo sido comprovado que se destinaram à realização de operações tributáveis.

Face ao exposto, procede-se à correção do IVA deduzido no campo 24 da declaração periódica relativa ao mês de abril de 2013, no montante de € 183.930,62, conforme a seguir se discrimina:

 

III.2.2. Faturas emitidas pelo fornecedor D...

Em resultado da amostragem efetuada às contas de IVA, detetou-se a dedução de imposto respeitante ás faturas emitidas pelo fornecedor "D...", NIF..., emitidas em 2010 e 2011, na declaração periódica do mês de janeiro de 2013.

O montante do IVA deduzido ascende a € 83.297,50, conforme quadro seguinte:

Inquirido o contabilista certificado do sujeito passivo, o mesmo informou que o respetivo gasto não se encontra reconhecido contabilisticamente no período em análise (facto que se confirmou), mas em períodos anteriores, tendo a empresa em 2013 procedido ao pagamento das faturas e, por conseguinte, à dedução do IVA constante das mesmas na declaração periódica correspondente ao mês em que ocorreu o pagamento - janeiro de 2013.

De acordo com a regra estabelecida no artigo 22.º, n.º 1, do CIVA, a dedução de imposto deverá ser efetuada na declaração do período em que se tiver verificado a receção das faturas ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação, admitindo-se, no entanto, a possibilidade de correções previstas no artigo 78.º do mesmo diploma, nas situações nele descritas.

No mesmo artigo são previstas situações em que se admite a possibilidade da dedução de imposto ser efetuada em períodos distintos, designadamente quando a receção dos documentos que suportam a dedução ocorrer em período de declaração diferente daquele em que ocorreu a emissão (nos termos do disposto no n.º 3), ou quando o imposto a deduzir supere o montante devido peias operações tributáveis do mesmo período (de acordo com o n.º 4 da mesma disposição).

Assim, da leitura àquele normativo, infere-se que a dedução do imposto não pode ser efetuada em qualquer momento, à escolha do sujeito passivo, sendo o alcance útil das normas referidas que indicam os momentos adequados para a dedução precisamente o de excluir que esta se possa fazer em momentos diferentes, quando tal não esteja especialmente previsto.

O mesmo dispõe o direito comunitário, que tem primazia sobre o direito interno, desde que não sejam violados os princípios fundamentais do Estado de direito democrático (conforme estabelece o artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa - CRP), nomeadamente a Sexta Diretiva do Conselho sobre IVA -Diretiva n.º 2006/112/CE, de 2006/11/28, que nos seus artigos 179.º e 180.º, estabelece que:

"O sujeito passivo efetua a dedução subtraindo do montante total do imposto devido relativamente ao período de tributação o montante do IVA em relação ao qual, durante o mesmo período, surgiu e é exercido o direito à dedução, por força do artigo 178.º", sendo que "os Estados membros podem autorizar o sujeito passivo a proceder a deduções que não tenham sido efetuadas em conformidade com os artigos 178.º e 179.º."

Daqui se conclui que a dedução de imposto apenas pode efetuar-se fora dos momentos considerados adequados em condições que forem fixadas, o que afasta a viabilidade da atribuição ao sujeito passivo do direito de fazer a dedução quando entender, dentro do prazo máximo legalmente admissível.

No mesmo sentido, aponta o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 0966/10, de 2011/05/18 ao referir que "o n.º 2 do artigo 92º do CIVA, ao estabelecer que o direito à dedução só poderá ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, não tem o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento dentro desse período para efetuar a dedução, mas sim de fixar um limite máximo que não pode ser excedido, mesmo nos casos em que a dedução pode efetuar em momentos diferentes dos indicados naquele artigo 22º. Acrescenta ainda que "para além do artigo 71º, n.º 6, do CIVA, não existe qualquer disposição legal que se possa interpretar como permitindo ao sujeito passivo o exercício do direito à dedução em momento posterior aos que resultam deste artigo 22º, nos casos em que, por lapso efetuado na sua contabilidade, só detete que tinha direito à dedução em momento posterior aquele em que o devia efetuar."

Ora, no caso em apreciação, não existiu lapso na contabilidade, porquanto as faturas se encontram contabilizadas em contas de clientes, tendo o respetivo gasto sido reconhecido anteriormente (conforme informado pelo sujeito passivo). Aliás, em resultado da circularização efetuada ao fornecedor "D...", motivada pelas divergências detetadas no cruzamento dos anexos recapitulativos de clientes e fornecedores (anexos O/P), o mesmo informou que "(...) o único movimento que ocorreu nesse período (2013) foi um recebimento de duas faturas datadas de 2010 e 2011."

Face ao exposto, não será de aceitar a dedução do IVA na declaração periódica respeitante ao mês de janeiro de 2013 do montante de € 83.297,50.

(...)

IX.2. – Audição prévia

(...)

- Correções em sede de IVA respeitantes ao Acordo de revogação E...

Na sua explanação, o sujeito passivo expõe a sua discordância face à correção efetuada, afirmando, tal como já o havia feito anteriormente, que "em consequência do acordo e em face da devolução dos bens a Requerente promoveu a prática de operações tributáveis, nomeadamente, de uma operação de redébito a qual constitui nos termos do Código do IVA uma operação tributável sujeita a IVA."

Tal operação de redébito foi consubstanciada na fatura n.º 13120042 emitida à B..., SA, com sede em Espanha, no montante de €4.688.981,00 e, de acordo com o sujeito passivo, "(...) visou titular o redébito das despesas e prejuízos incorridos pela ora Requerente com a execução e posterior revogação do Projeto CAH para a B..., SA (entidade que geria a relação global com a G...)."

No entanto e conforme vimos, a fatura emitida pelo sujeito passivo tem a seguinte descrição genérica: "serviço na gestão global da parceria G... no âmbito do projeto E...", ou seja, consubstancia uma prestação de serviços que não se encontra detalhada e que não é clara quanto ao tipo de serviço que foi executado.

Além disso, tratando-se de um redébito, tal como o sujeito passivo quer fazer crer, deveria fazer menção desse facto, tal como em várias faturas que se detetaram na contabilidade no decurso dos atos inspetivos.

Ao não mencionar nem identificar o redébito de despesas, leva-nos a crer que se trata da faturação de uma prestação de serviços intragrupo normal e inserida no âmbito da atividade do sujeito passivo, tal como é prática na empresa e se verifica em vários documentos emitidos.

Com efeito, cabe ao sujeito passivo comprovar, nos termos do artigo 74.º da LGT, que o montante faturado respeita ao débito das despesas incorridas no âmbito do projeto CAH – E... e que incluem "a totalidade dos custos incorridos com o projeto CAH, incluindo todos os custos decorrentes do acordo de revogação", o que não sucedeu.

O sujeito passivo argumenta que a sociedade espanhola "B..., SA", geria a relação global com a parceria G... . Contudo, quer dos elementos consultados no decurso dos atos de inspeção, quer dos documentos agora apresentados e que fazem parte integrante do direito de audição prévia (incluídos nos anexos 15, 16, 17, 18, 19 e 20 da petição), verificou-se que os contactos, acordos, contratos, ordens de encomenda no âmbito do projeto CAH -E..., foram celebrados entre o sujeito passivo (A...) e a G... Portugal, não se vislumbrando qualquer intervenção da empresa espanhola ao longo do processo.

Reforça-se o já referido anteriormente, de que conforme se retira do dossier de preços de transferência, a A... atua como um fornecedor de serviços de risco pleno, assumindo a responsabilidade total e os riscos associados com os projetos em curso.

Face ao exposto e não tendo o sujeito passivo apresentado elementos que contrariem as correções propostas no item III.2.1 do presente relatório, consideramos que as mesmas são de manter.

 

- Correções em sede de IVA respeitantes ao fornecedor D...

Neste âmbito, o sujeito passivo defende que, embora tenha suportado o IVA inicialmente, procedeu à dedução do mesmo somente em 2013, ou seja, "dentro do prazo de caducidade para efeitos de IVA."

De acordo com o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul (processo n.º 05273/12, de 22 de janeiro de 2015, mencionado pela A..., o sujeito passivo adquire o direito à dedução do IVA suportado na aquisição de bens e/ou serviços "(...) a partir do momento em que os fornecedores lhe faturam o preço dos bens ou serviços."

Mas o próprio Acórdão sublinha ainda que "Daí que, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do mesmo artigo 22.º, e em obediência a um princípio de dedução imediata, em cada período de liquidação (mensal ou trimestral), a dedução do imposto suportado deva ser efetuada na declaração do sujeito passivo adquirente, do próprio período ou do período imediatamente posterior de imposto àquele em que se tiver verificada a receção dos documentos que o conferem, nomeadamente faturas, documentos equivalentes ou recibo do pagamento de IVA que faz parte das declarações de importação."

A jurisprudência acrescenta ainda, conforme já se viu, que as normas constantes do CIVA, nomeadamente o disposto no artigo 98.º do CIVA, pretendem delimitar o momento em que a dedução do imposto pode ser efetuado pelo sujeito passivo e impedir que possa ser efetuado em momentos diferentes dos que se encontrem legalmente previstos, não deixando o momento à escolha do sujeito passivo.

Na sua explanação, o sujeito passivo vem aduzir os argumentos contidos no parágrafo 319.º, que passamos a transcrever:

A este propósito, e com especial relevância para o caso em apreço, note-se a recente decisão da Autoridade Tributária, pelo Secretário da Direção de Gestão do IVA em delegação do Diretor Geral, de 4 de março de 2016, relativa ao Processo 9860 em que a propósito da não contabilização de faturas de 2012 por um determinado sujeito passivo que as pretendia incluir nas declarações periódicas de IVA de 2013 e 2014, decidiu que:

• 10. Deste modo, se o imposto tiver incidido sobre bens ou serviços adquiridos para a realização de operações tributáveis, em consonância com o que dispõe o artigo 20.º do CIVA, e o imposto não esteja relacionado com despesas mencionadas no n.º 1 do artigo 21.º do CIVA, o adquirente pode exercer o direito à dedução (...) podendo tal direito ser exercido até ao decurso do prazo que se refere o n.º 2 do artigo 98.º do CIVA;

• 11. Assim, se de facto a Requerente, no ano de 2012, não exerceu o direito à dedução do imposto (...) nada obsta a que possa exercer tal direito tendo em conta os condicionalismos estabelecidos nos artigos 19º a 21.º do CIVA e o prazo previsto no n.º 2 do artigo 98.º do mesmo diploma."

A decisão a que o sujeito passivo faz referência é a Informação Vinculativa emitida no âmbito do Processo n.º 9860, emitida por despacho do Subdiretor Geral do IVA de 2016/03/04, sob a epígrafe: "Direito à dedução - momento em que nasce o direito". A mesma só vem confirmar o que já se encontra fundamentado no presente relatório de inspeção, senão vejamos.

Nela se prevê que a dedução do IVA mencionado em faturas ainda não registadas deve ser efetuada nos termos do artigo 22.º do CIVA, desde que dentro do prazo previsto no n.º 2 do artigo 98.º do mesmo diploma (4 anos), conforme esclarece o n.º 8 do Ofício Circulado n.º 30082, de 2005/11/17, da DSIVA.

E mais, nos pontos 10 e 11 da referida Informação Vinculativa, aliás, transcritos pelo sujeito passivo na sua petição, embora que de forma incompleta, se pode ler (correspondendo a parte sublinhada à parte omitida pelo sujeito passivo):

- "•10. Deste modo, se o imposto tiver incidido sobre bens ou serviços adquiridos para a realização de operações tributáveis, em consonância com o que dispõe o artigo 20º do CIVA, e o imposto não esteja relacionado com despesas mencionadas no n.º 1 do artigo 21º do CIVA, o adquirente pode exercer o direito à dedução do imposto mencionado em faturas ainda não contabilizadas/registadas, podendo tal direito ser exercido até ao decurso do prazo que se refere o n.º 2 do artigo 98º do CIVA;

11. Assim, se de facto a Requerente, no ano de 2012, não exerceu o direito à dedução do imposto, dado que as faturas não estavam contabilizadas, nada obsta a que possa exercer tal direito tendo em conta os condicionalismos estabelecidos nos artigos 19º a 21º do CIVA e o prazo previsto no n.º 2 do artigo 98.º do mesmo diploma."

Ou seja, existe um facto primordial que consiste em saber se as faturas se encontram ou não registadas/contabilizadas. E, conforme já ficou demonstrado anteriormente, resulta claro que as faturas emitidas pelo fornecedor D... foram contabilizadas peio sujeito passivo em períodos anteriores a 2013.

Face ao exposto e atendendo aos elementos factuais e fundamentos aqui apresentados, consideramos que as correções propostas no ponto III.2.2. se devem manter.

 

  1. Na sequência da inspecção a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios:

  1. A Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações referidas;
  2. A reclamação graciosa correu termos sob o n.º ...2017... e foi indeferida por despacho de 28-06-2018, proferido pelo Senhor Director de Finanças Adjunto da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, que manifesta concordância com uma informação que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

II - DESCRIÇÃO DOS FACTOS

1 - Conforme relatório a fls. 189 a 211 do processo, as correções em sede de IVA que são objeto de reclamação resultaram de uma ação inspetiva à sociedade reclamante, relativa ao exercício de 2013 (Ordem de Serviço nº OI2015...) e consistiram no seguinte, que se passa a sintetizar (pontos 2 e 3 - indicam-se os montantes das correções):

2 - Acordo de revogação E... (€ 183.930.62):

Valor do IVA contido nas duas faturas abaixo identificadas, emitidas pela Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – E..., cuja dedução pela ora reclamante na declaração periódica do mês de abril/2013 foi considerada indevida porque os bens não se encontram relevados na sua contabilidade e desconhece-se o destino dos mesmos, não tendo sido comprovado que se destinaram à realização de operações tributáveis.

No ponto III.2.1 do relatório é referido que a disciplina subjacente ao exercício do direito à dedução do IVA suportado pelos sujeitos passivos do imposto encontra-se prevista nos artigos 19º e 20º do CIVA, daí resultando que, para que o imposto suportado nas aquisições de bens e serviços seja dedutível, estas devem ter uma relação direta e imediata com as operações a jusante que conferem esse direito.

É também feita remissão para o ponto lll.1.2-"Acordo de revogação E..." do relatório, que versa sobre uma correção em sede de IRC que tem por base, entre outros, o valor das mesmas faturas e onde consta que, na sequência da revogação do contrato celebrado entre a ora reclamante e o E... para a realização do projeto CAH (Sistema de Clientes, Contas, AforroNet e Homebanking do E...) e conforme previsto no Acordo de Revogação e Declaração de Quitação, nomeadamente a sua cláusula 4ª (cf. fl. 144), o E... emitiu as duas faturas à reclamante (cópias das faturas nas fls. 221 e 222).

O montante dessas faturas foi incluído pela ora reclamante no valor de € 1.617.237,00 inscrito no campo 704-"Variações patrimoniais negativas não refletidas no resultado líquido" da sua declaração de rendimentos mod. 22 relativa ao período de 2013, por motivo da contabilização em c/ 561-"Resultados exercícios anteriores" (quadro-resumo na página 21 do relatório - fl. cf. 198) e não foi considerado como dedutível no cálculo do lucro tributável, sobretudo, também, porque não foi comprovado o destino atribuído aos bens em causa, e não foi possível determinar, se os mesmos se destinaram a venda, a afetação ao uso da empresa ou a fins alheios à mesma.

Nesse ponto III.1.2 do relatório é ainda referido o seguinte:

a. Da análise à contabilidade do sujeito passivo, verificou-se que a entrada dos bens não se encontra refletida contabilisticamente. No decurso da inspeção, o contabilista certificado do sujeito passivo informou que os bens não foram reconhecidos contabilisticamente, por motivos de obsolescência dos mesmos, sendo demasiado específicos para reutilização futura, não tendo sido objeto de abate.

b. Por sua vez, o procurador do sujeito passivo declarou que "As licenças não são transacionáveis, não são vendidas e não têm qualquer utilidade. No que concerne aos equipamentos ou máquinas encontram-se arrumados por se tratarem de bens parametrizados para a solução do projeto. A empresa entende que, por se tratarem de bens não transacionáveis e sem utilidade para a empresa (...) não foram refletidos contabilisticamente".

c. Quanto à alegação do sujeito passivo (ora reclamante), em audição prévia das conclusões do relatório, de que emitiu uma fatura à B..., SA (sociedade de direito espanhol) no valor de € 4.688.981,00 (fl. 223-verso), correspondente ao valor da totalidade dos custos incorridos pelo projeto E..., incluindo os derivados com a celebração do acordo de revogação, valor contabilizado na conta 711 e sujeito a tributação em sede de IRC, é referido no relatório que essa fatura tem como descritivo "Serviço na gestão global da parceria G... no âmbito do projeto E...", uma descrição genérica, que não permite concluir que se tratou do redébito das despesas efetuadas no âmbito do Acordo de Revogação do E... .

d. Quanto à alegação, também em audição prévia das conclusões do relatório, de que o licenciamento de software transmitido não foi reconhecido contabilisticamente, por não ter utilidade nem valor comercial, porque, embora válido, estava licenciado especificamente ao utilizador final E..., é feita, no relatório, remissão para a declaração do E... que faz parte do Acordo de Revogação e Declaração de Quitação (fls. 142 a 145), segundo a qual são cedidas à ora reclamante todas as licenças transmissíveis.

 

3 - Faturas emitidas pelo fornecedor D... (€ 83.297,50):

Valor do IVA contido nas duas faturas abaixo identificadas, emitidas pelo fornecedor D..., com NIF ..., cuja dedução pela ora reclamante na declaração periódica do mês de janeiro/2013 foi considerada indevida por ter sido efetuada no período do pagamento das faturas e não no período em que se verificou a receção das faturas, conforme previsto no art. 22º do CIVA, não se verificando também as situações em que se admite a possibilidade da dedução de imposto ser efetuada em períodos distintos (nºs 3 e 4 do art. 22º ou correções previstas no artº 78º do CIVA).

(cf. anexos 18 e 19 ao relatório, fls. 242 a 246, e anexos 25 a 30 à audição prévia das conclusões do relatório, fls. 266 a 277)

É também referido no relatório o seguinte:

a. O gasto documentado pelas faturas não se encontra reconhecido no período de 2013, mas, segundo informação do contabilista certificado, foi-o em exercício anterior.

b. A dedução de imposto apenas pode efetuar-se fora dos momentos considerados adequados em condições que forem fixadas, o que afasta a viabilidade da atribuição ao sujeito passivo do direito de fazer a dedução quando entender, dentro do prazo máximo legalmente admissível, o que tem apoio na jurisprudência (mencionada no relatório).

c. Não é aplicável, no caso em apreciação, o disposto no nº 6 do artº 78º do CIVA, dado que não existiu lapso na contabilidade. As faturas encontram-se contabilizadas em contas de clientes, tendo o respetivo gasto sido reconhecido anteriormente (conforme informado pelo sujeito passivo).

d. O Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul (procº nº 05273/12, de 22-01-2015 sublinha que "Daí que, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do mesmo artigo 22º, e em obediência a um princípio de dedução imediata, em cada período de liquidação (mensal ou trimestral), a dedução do imposto suportado deva ser efetuada na declaração do sujeito passivo adquirente, do próprio período ou do período imediatamente posterior de imposto àquele em que se tiver verificada a receção dos documentos que o conferem, nomeadamente faturas, documentos equivalentes ou recibo do pagamento de IVA que faz parte das declarações de importação."

e. Dado que as faturas emitidas pelo fornecedor D... foram contabilizadas pelo sujeito passivo em períodos anteriores a 2013, não se aplica o entendimento expresso na Informação Vinculativa, invocada pelo sujeito passivo, "Direito à dedução - momento em que nasce o direito", Processo nº 9860, com despacho do Subdiretor Geral do IVA de 04-03-2016, de que a dedução do IVA mencionado em faturas ainda não registadas deve ser efetuada nos termos do artº 22º do CIVA, desde que dentro do prazo previsto no nº 2 do artº 98º do mesmo diploma (4 anos), conforme esclarece o nº 8 do Ofício Circulado nº 30082, de 17-11-2005 da DSIVA.

4 - Com a reclamação são apresentados os documentos nºs 1 a 12 (cf. fls. 19 a 161 e o ponto I-2 acima).

 

III - ANÁLISE DO PEDIDO

1 - A reclamante tem legitimidade (art. 9º do Código de Procedimento e Processo Tributário) e o pedido é legal (art. 68º do CPPT) e foi apresentado em tempo, dentro do prazo de 120 dias a que se refere o nº 1 do art. 70" do CPPT (data limite de pagamento do valor liquidado, 08-09-2016, fls. 179 a 187; reclamação apresentada em 06-01-2017).

Para efeitos do disposto nos arts. 68º nº 2 e 111º nº 3, ambos do CPPT, verificou-se, por consulta ao Sistema Informático, que até à presente data não foi apresentada impugnação judicial com o objeto da reclamação em análise.

 

2 - Acordo de revogação E...:

Conforme referido acima no ponto II-2, foi considerada indevida a dedução do IVA contido nas duas faturas aí identificadas porque os bens não se encontravam relevados na contabilidade do sujeito passivo, ora reclamante, e por não ter sido comprovado que se destinaram à realização de operações tributáveis.

Além disso, tendo o sujeito passivo alegado, na fase da audição prévia das conclusões do relatório que foi emitida para a B..., SA (Espanha), pelo valor de € 4.688.981,00, uma fatura que incluiu os custos incorridos pelo projeto E..., refere-se no relatório que a mesma tem como descritivo "Serviço na gestão global da parceria G... no âmbito do projeto E... ", concluindo-se que não se trata de um redébito dos custos incorridos no âmbito do Acordo de Revogação do E... .

Quanto ao facto de os bens não terem sido registados na contabilidade, alega a reclamante que os bens não tinham qualquer valor, por serem intransmissíveis do ponto de vista contratual.

Analisado o conteúdo dos acordos celebrados entre a G... e a ora reclamante verifica-se que os mesmos prevêem a possibilidade da distribuição dos produtos da G... aos clientes da reclamante, como utilizadores finais (como o foram, de resto, ao E...), e que apenas a estes é vedada a possibilidade de fazer a redistribuição a terceiros (cf. anexo 26 da audição prévia na ação de inspeção "Acordo de Distribuição de Programas "Full Use" - fls. 256 a 261 dos presentes autos).

Por outro lado, quanto à alegação de que os custos suportados com o Acordo de Revogação do E..., incluindo o valor debitado pelo E... nas duas faturas aqui em questão, foram, por sua vez debitados à B..., SA pelo valor de € 4.688.981,00, são juntos dois e-mails e mapas denominados "Gestión de Proyectos - Ficha económica Resumen" (anexos à reclamação nºs 8 e 9 - fls. 137 a 145) destinados a demonstrar que aquele valor correspondia ao somatório dos valores mensais considerados pela empresa nos referidos mapas.

Independentemente da questão de saber qual a origem destes mapas ou se incluem valores reais, previsionais ou ambos, é de referir que os mesmos não fazem qualquer menção ao valor do Acordo de Revogação (€ 3.000.000,00 - cf. cláusulas 2ª e 3ª do acordo - fls. 143 e 144), valor este que inclui o das faturas acima identificadas (cf. nº 2 da cláusula 3ª).

A reclamante não alega que os bens e direitos mencionados nas faturas em questão foram transmitidos à B... (Espanha) ou a qualquer outra entidade. Alega que não foi atribuído qualquer valor a esses bens e direitos e que os mesmos não foram reconhecidos na contabilidade por esse motivo.

Não há, assim, razão para concluir que o imposto objeto de reclamação incidiu sobre bens ou serviços adquiridos para a realização de operações tributáveis (ou de operações efetuadas no estrangeiro que seriam tributáveis se efetuadas no território nacional), pelo que é de manter a correção ao objeto de reclamação.

 

3 - Faturas emitidas pelo fornecedor D...:

Conforme referido acima no ponto II-3, a correção teve por fundamento o facto de que a dedução do IVA das faturas foi efetuada na declaração periódica do mês em que ocorreu o seu pagamento, janeiro/2013, quando as faturas já tinham sido rececionadas pela empresa e contabilizadas em períodos anteriores a 2013, conforme informação do contabilista certificado.

A reclamante alega que as faturas, embora emitidas em 2010 e 2011, só foram rececionadas em janeiro de 2013 por haver um diferendo com o fornecedor quanto à entrega, só tendo a ordem de compra sido emitida em 08-01-2013. Junta os documentos nºs 11 e 12 (fls. 157 a 161) e faz também referência a documentos apresentados antes (docºs nºs 25 a 30 anexos à audição prévia - fls. 266 a 277).

Com efeito, nesses documentos consta a contabilização de ambas as faturas em 14-01-2013.

Quanto à informação do contabilista certificado, mencionada no relatório, de que o gasto relativo ao montante das faturas foi contabilizado em períodos anteriores a 2013, informa-se no ponto 27º da reclamação que em períodos anteriores ao dessa contabilização foi efetuada a contabilização do respetivo gasto como acréscimo de custos ou provisão, sem que, no entanto, sejam juntos quaisquer documentos dessa contabilização ocorrida em períodos anteriores.

Consultados os documentos contabilísticos apresentados (fls. 160 e 161), consta aí o registo como uma provisão. O parágrafo 8 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro 21 define uma provisão como um passivo de tempestividade ou quantia incerta.

Essa contabilização parece justificada pelo diferendo com o fornecedor.

No entanto, tal não significa que a empresa não tivesse já recebido as faturas anteriormente a 2013, tendo então efetuado a sua contabilização como uma provisão.

Embora o artº 7º do CIVA determine que a exigibilidade do imposto tem lugar quando os bens são postos à disposição do adquirente, nos casos em que há lugar a emissão de fatura, o artº 8º do mesmo código fixa o momento dessa exigibilidade no termo do prazo para a emissão da fatura ou, se ocorrer antes, no momento da emissão.

Em conformidade com essa norma, o imposto liquidado na fatura é dedutível pelo adquirente no período em que tem lugar a receção da fatura ou no seguinte (sem prejuízo de retificação posterior - artº 22º do CIVA).

Não parece, assim, haver razão para alterar a correção objeto de reclamação.

4 - Dado que, conforme acima exposto nos pontos 2 e 3, não assiste razão à reclamante, propõe-se o indeferimento do pedido, mantendo-se as liquidações objeto de reclamação.

Acrescenta-se, ainda, que, por não se verificarem in casu os pressupostos do nº 1 do artº 43º da LGT, não assiste à reclamante o direito a juros indemnizatórios.

 

 

  1. A Requerente celebrou com o E... (NIF...), em 14-09-2010, um contrato de prestação de serviços referente a uma solução aplicacional e dos bens e serviços necessários à parametrização, desenvolvimento aplicacional adicional, migração de dados e respetiva implementação do Sistema de Clientes, Contas, AforroNet e Homebanking do E... (doravante "Projeto CAH"), e em 22.08.2011, no âmbito do primeiro, novo contrato de prestação de serviços;
  2. 0 Projeto CAH apresentava características específicas vocacionadas para as necessidades de uma entidade como o E..., o que justificou a aquisição de hardware específico, programas informáticos customizados e respetivas licenças junto da entidade G...;
  3. Durante o decorrer da execução do contrato, o E... incorreu em diversos custos referentes à implementação das referidas soluções, nomeadamente na aquisição de diversos bens informáticos, assim como diversas licenças de utilização de software, serviços de assistência de pós-venda e despesas de manutenção e suporte técnico;
  4. Por impossibilidades técnicas e atrasos na execução do Projeto CAH, não imputáveis à Requerente, não lhe foi possível entregar a solução aplicacional solicitada pelo E..., no prazo contratualmente previsto;
  5. Em consequência, foi firmado em 12-04-2013 entre a Requerente e o E..., um acordo de revogação e declaração de quitação (amigável), que consta do documento n.º 8 junto pela Requerente, cujo teor se dá como reproduzido e em que se refere, além do mais, o seguinte:

CLÁUSULA 2ª

(Penalidade Contratual)

A A... pagará ao E..., a título da penalidade prevista no art.º 4º, n.º 2 do Contrato, a quantia de EUR 623.681,40 (seiscentos e vinte e três mil, seiscentos e oitenta e um euros e quarenta cêntimos).

CLÁUSULA 3ª

(Devolução e Compensação Pecuniária)

1. A A... devolverá ao E... o montante do preço do Contrato que lhe havia sido pago, num total de EUR 1.154.243,41 (um milhão, cento e cinquenta e quatro mil, duzentos e quarenta e três euros e quarenta e um cêntimos; valor com IVA incluído), emitindo para o efeito uma nota de crédito.

2. A A... reembolsará ainda o E... das despesas que este teve em sede do cumprimento do Contrato na aquisição de hardware, software e serviços num montante de EUR 1.222.075,19 (um milhão, duzentos e vinte e dois mil, setenta e cinco euros e dezanove cêntimos; valor com IVA incluído).

3. Os pagamentos a realizar pela A... nos termos do número anterior são feitos contra a apresentação de fatura pelo E... sujeita a IVA.

CLÁUSULA 4ª

(Entrega de equipamentos e transferência de licenças)

1. Para os efeitos do número dois e três da cláusula anterior, o E... entregará à A... os equipamentos, licenças de software, faturas e garantias correspondentes.

2. O E... compromete-se a transmitir à A... todas as licenças transmissíveis identificadas na Declaração em anexo, obrigando-se a não utilizar as restantes licenças que sejam intransmissíveis.

 

  1. Na sequência do acordo, a Requerente emitiu a factura/recibo cuja cópia consta do documento n.º 9, cujo teor se dá como reproduzido;
  2. Na sequência do acordo, o E... emitiu as facturas cujas cópias contam do documento n.º 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos:

- n.º S1130000536, no valor de € 559.864,64 (incluindo IVA de € 104.690,14), com a descrição «Licenciamento software G... adquirido no âmbito do projecto CAH»;

- n.º S1130000537, no valor de € 238.446,20 (incluindo IVA de € 44.587,50), com a descrição «Serviços prestados pelo E... durante a execução do projecto CAH»;

- n.º S1130000538, no valor de € 423.764,35 (incluindo IVA de € 79.240,49) com a descrição «Equipamentos HP Adquiridos no âmbito do projecto CAH, segundo relação de equipamentos em anexo»;

 

  1. Os equipamentos/hardware (i.e., para a solução integrada e aplicacional Flexcube) foram parametrizados para uma entidade com as características específicas do E... (financeira e seguradora);
  2. O Projeto CAH (com entidade pública) foi um projeto específico;
  3. As licenças de utilização do software utilizado em sede deste projeto eram pessoais e intransmissíveis (além de customizadas para efeitos da actividade desenvolvida pelo E... e em relação aos equipamentos adquiridos para efeitos do mesmo);
  4. A Requerente não reflectiu contabilisticamente os equipamentos recebidos do E..., por obsolescência destes e entender ser ilegal a utilização do hardware não licenciado;
  5. A Requerente emitiu à B..., SA (NIF ES...), a factura no valor de € 4.688.891, que consta do documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, com a descrição “Serviço na Gestão Global da parceria G... no âmbito do projeto E...”;
  6. A Requerente enviou os emails cujas cópias constam do documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, dirigidos à B..., SA, referindo a facturação do valor de € 4.688.891 relativo aos prejuízos suportados pela Requerente com a revogação do contrato com o E... («Como resultado del acuerdo firmado para la revocación del contrato com E..., el resultado final de la operación e cierre de los proyectos representará una perjuicio para A... de 4.688.981 €. En este sentido y en el ámbito de las negociaciones globales con el proveedor G… A…, SA procederá a facturar dentro del año 2013 el valor anteriormente comentado de 4.688.981 € a B…, SA»);
  7. A referida factura emitida à B..., SA foi contabilizada na conta 711 e foi relevante para tributação da Requerente em IRC;
  8. O valor da factura emitida à B..., SA foi incluído na declaração recapitulativa referente ao período 2013/12 (NIF ES...) (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  9. Os bens adquiridos pela Requerente no âmbito do acordo com o F... encontravam-se armazenados no local da actividade da Requerente (artigo 61.º do pedido de pronúncia arbitral e documento n.º 17);
  10. No âmbito do Projeto SIGAP, celebrado entre a ora Requerente e o F... (doravante “F..."), a Requerente veio a celebrar um contrato com a D... (NIF...) no sentido de adquirir 50 módulos de recolha de dados biométricos, os quais seriam directamente entregues pela D... ao F...;
  11. No âmbito desse contrato, a D... emitiu as facturas n.ºs 1000091 e 1100085, datadas de 15-12-2010 e 14-12-2011, nos valores de € 229.068,13 e € 232.854,38 (IVA incluído), respectivamente (documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido):

  1.  Após a entrega dos primeiros 25 módulos, verificou-se um diferendo entre a ora Requerente e a D... face ao facto dos 25 últimos módulos deverem permanecer nas instalações desta última, por tempo indefinido até que houvesse acordo com o cliente final (F...) para que os mesmos 25 módulos fossem entregues;
  2. A ordem de compra e de receção dos 50 módulos de recolha de dados biométricos só foi autorizada pelo Diretor da Área Funcional de compras da ora Requerente em 08-01-2013 (Documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral e data da assinatura electrónica);
  3. O IVA indicado nas facturas emitidas pela D..., no valor total de € 83.297,51 foi deduzido pela Requerente no período de Janeiro de 2013;
  4. A Requerente provisionou, em termos contabilísticos (enquanto acréscimos de custos com fornecedores), o custo das faturas emitidas pela D... em contas de IVA dedutível (243200008, 2432000022, 2432000037 e 2432000044) (documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5.  Num extracto emitido pela D... em 02-03-2016 refere-se que as facturas emitidas pela D... n.ºs 1000091 e 1100085 (num total de 461.922,51€) foram pagas em 14-01-2013 (documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  6. A Requerente prestou garantia bancária para suspender o processo de execução fiscal n.º ...2016... instaurado para cobrança coerciva das quantias liquidadas (artigo 130.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionado);
  7. Em 11-10-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base em afirmações da Requerente não questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira e nos documentos juntos pela Requerente.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou processo administrativo.

Na apreciação de direito, indicam-se as razões por que merecem credibilidade as afirmações da Requerente, quanto aos factos que foram dados como provados.

 

3. Matéria de direito

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente em que, além do mais, considerou indevida a dedução de IVA incluído em duas facturas emitidas pelo E... e em duas facturas emitidas pela D... .

A Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação que foi efetuada na sequência da inspeção, mas foi indeferida.

A decisão da reclamação graciosa contém a fundamentação da posição final da Autoridade Tributária e Aduaneira que sustenta a liquidação, pelo que é a ela que se deve atender na apreciação da legalidade da liquidação.

 

3.1. Facturas emitidas pelo E...

 

 A Autoridade Tributária e Aduaneira considerou indevida a dedução do IVA contido nas facturas emitidas pelo E... «porque os bens não se encontram relevados na sua contabilidade e desconhece-se o destino dos mesmos, não tendo sido comprovado que se destinaram à realização de operações tributáveis».

No exercício do direito de audição prévia sobre o projecto de Relatório da Inspecção Tributária, a Requerente invocou, em suma:

– que a entrada dos bens não foi reflectida contabilisticamente «por motivos de obsolescência dos mesmos, sendo demasiado específicos para reutilização futura»;

– que o licenciamento de software transmitido não foi reconhecido contabilisticamente por não ter utilidade nem valor comercial, porque, embora válido, estava licenciado especificamente ao utilizador final E...;

– que emitiu uma fatura à B..., SA, no valor de € 4.688.981,00, correspondente ao valor da totalidade dos custos incorridos pelo projeto E..., incluindo os derivados com a celebração do acordo de revogação, factura essa que tem como descritivo "Serviço na gestão global da parceria G... no âmbito do projeto E... ".

 

3.1.1. Falta de registo

 

No que concerne ao não registo dos bens na contabilidade da Requerente, o seu contabilista certificado explicou que foi motivado pela obsolescência e especificidade dos bens parametrizados para o referido projecto do E..., que os tornavam inadequados para reutilização futura.

Não há razões para pôr em dúvida estas afirmações, desde logo porque é crível que os software e equipamentos informáticos se tornem obsoletos rapidamente, como é usual, e não foi questionado que se trate de software e equipamento específico, para utilização pelo E... . ( [1] )

O facto de os acordos celebrados entre a G... e a Requerente preverem a possibilidade da distribuição dos produtos aos clientes da Requerente, como utilizadores finais (como o foram, de resto, ao E...), e apenas a estes estar vedada a possibilidade de fazer a redistribuição a terceiros não implica que fosse possível encontrar interessados na aquisição de material informático e software que já nem o próprio E... estava interessado em utilizar, como se infere do acordo de revogação, apesar se tratar de material e software especificamente preparado para as suas necessidades.

 De resto, o facto de os equipamentos estarem «arrumados» nas instalações da Requerente, sem utilização, o que foi informado à inspecção e que a Autoridade Tributária e Aduaneira teve oportunidade de confirmar, aponta no sentido de serem verdadeiras as informações do contabilista certificado, desde logo por não ser normal que uma empresa que visa obter lucros mantivesse em seu poder, sem utilização, equipamentos informáticos se deles pudesse obter rendimentos. A fotografia junta pela Requerente como documento n.º 17, cuja falsidade não é invocada, permite confirmar as afirmações do contabilista certificado.

Por sua vez, quanto ao software, a Requerente manifesta o entendimento de que era intransmissível para outros possíveis clientes e fundamenta a sua posição, nos artigos 70.º a 72.º do pedido de pronúncia arbitral, não havendo no processo elementos que permitam contrariar o seu entendimento.

De qualquer forma, tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira, no decurso do  procedimento de inspecção, tido conhecimento de que os equipamentos estavam nas instalações da Requerente, se tinha dúvidas quanto à possibilidade de utilização e que tal era relevante para efeitos de tributação, deveria ter procedido ao seu exame, no cumprimento da imposição legal de «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material» (artigo 58.º da LGT).

Não há, assim, fundamento para duvidar que os bens adquiridos permaneciam na titularidade da Requerente e não foram registados contabilisticamente e utilizados pelas razões invocadas pela Requerente.

 

3.1.2. Redébito à B..., S.A.

 

A Requerente emitiu uma factura à B..., SA (sociedade de direito espanhol) no valor de € 4.688.981,00 (documento n.º 12), invocando-se na inspecção que «este valor correspondente ao valor da totalidade dos custos incorridos pelo projeto E..., incluindo os derivados com a celebração do acordo de revogação, valor contabilizado na conta 711 e sujeito a tributação em sede de IRC».

A Autoridade Tributária e Aduaneira invocou, no Relatório da Inspecção Tributária, que «essa fatura tem como descritivo "Serviço na gestão global da parceria G... no âmbito do projeto E... ", uma descrição genérica, que não permite concluir que se tratou do redébito das despesas efetuadas no âmbito do Acordo de Revogação do E...».

A alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA exige a indicação da «quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados» e a fórmula usada é genérica, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, não permitindo apurar quais os serviços a que se refere, inclusivamente o referido redébitos das despesas.

No entanto, a mera constatação da insuficiência da descrição para identificar todos os serviços facturados não implica que possa ser recusado o direito à dedução.

Na verdade, é hoje pacífico que o TJUE tem vindo a flexibilizar e relativizar os requisitos de forma para o exercício do direito à dedução e a função assumida pelas facturas neste contexto sublinhando antes a necessidade de fazer prevalecer a substância das operações sobre eventuais vícios da factura, desde que tal não implique risco de fraude. Como refere o Advogado Geral nas Conclusões apresentadas no processo C-280/10 (§68.º), com abundantes referências Jurisprudenciais: “o objetivo desta abordagem é o de garantir o direito à dedução a qualquer sujeito passivo que tenha suportado o pagamento do imposto. Ao acrescentar dificuldades excessivas no momento da emissão e apresentação de uma fatura, um Estado‑Membro corre o risco de obstruir, ou inclusive de impossibilitar, o exercício da dedução, consequência que se opõe frontalmente aos objetivos perseguidos pela Diretiva 2006/112. Assim, a jurisprudência do Tribunal de Justiça desenvolveu uma variante do princípio da proporcionalidade para este género de casos, e afirmou reiteradamente que «as formalidades assim estabelecidas pelo Estado‑Membro em causa e que devem ser respeitadas pelo sujeito passivo para poder exercer o direito a dedução do IVA não podem ultrapassar o estritamente necessário para controlar a aplicação correta do procedimento de autoliquidação”.

Nesta senda, e como entendeu o TJUE, no acórdão de 15-09-2016, proferido no processo n.º C-516/14, «o artigo 178.º, alínea a), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.º, n.ºs 6 e 7, desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos».

No caso em apreço, fazendo-se, na descrição da factura referência, à parceria com a G... e ao projecto E... e não sendo aventado que a Requerente no ano de 2013 (a factura tem a data de 12-12-2013) tivesse outra parceria com a G... relacionada com outro projecto com o E..., há fortes razões para crer que a factura se refere ao projecto em causa e englobe as despesas com este suportadas pela Requerente, inclusivamente as derivadas do acordo de revogação.

Por outro lado, a tese da Requerente de que o valor que foi pago ao E... na sequência do acordo de revogação foi redebitado à B..., SA (NIF ES...) é corroborada pelos emails que constam do documento n.º 11 (cuja falsidade não é invocada nem demonstrada), em que se refere que se facturam os prejuízos que resultaram do acordo de revogação: «Como resultado del acuerdo firmado para la revocación del contrato com E..., el resultado final de la operación e cierre de los proyectos representará una perjuicio para A... de 4.688.981 €. En este sentido y en el ámbito de las negociaciones globales con el proveedor G… A…, SA procederá a facturar dentro del año 2013 el valor anteriormente comentado de 4.688.981 € a B…, SA». O facto de ser anexado a esse email o contrato de revogação não deixa dúvidas razoáveis de que o valor facturado inclui os encargos dele resultantes.

Assim, é de concluir que há elementos suficientes para concluir que ocorreu o redébito pela Requerente do que pagou ao E... e que o que despendeu foi incluído no valor facturado à B..., SA.

Neste contexto, à face da referida jurisprudência do TJUE, a insuficiência do descritivo da factura não legitima a recusa do direito à dedução quanto às despesas que se conclui terem sido redebitadas.

O redébito da despesa com a aquisição de bens é de considerar uma prestação de serviços sujeita a IVA, quando é a despesa redebitada se insere no âmbito da incidência do IVA e não está isenta ( [2] ), à face do conceito residual de prestação de serviços que consta do artigo 4.º, n.º 1, do CIVA, em que se consideram como «prestações de serviços» todas as operações onerosas que não sejam «transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens».

É este, aliás, o entendimento que vem aplicando a Autoridade Tributária e Aduaneira, como se vê pelas decisões administrativas referidas pela Requerente. ( [3] )

No caso concreto, o valor foi redebitado à B..., SA, que é um sujeito passivo espanhol. Ora, esta operação, como se trata de uma prestação de serviços (B2B), é localizada no território onde o sujeito passivo adquirente tem a sua sede. Como o adquirente tem a sede em Espanha, a operação não se considera localizada em Portugal [cf. CIVA: artigo 6.º, n.º 6, a)] mas sim em Espanha, pelo que a A... facturou o referido valor sem IVA. Mas, este regime em nada altera o direito à dedução da empresa portuguesa visto que, de acordo com o disposto no artigo 20.º, n.º 1, b), II), do CIVA, a aludida operação, apesar de não sujeita, não prejudica o direito à dedução do IVA suportado a montante pela empresa portuguesa.

Assim, apesar de os bens adquiridos não terem sido retransmitidos para a B..., SA, o mero redébito da despesa com a sua aquisição pela Requerente no âmbito da revogação do contrato com o E..., constitui uma prestação de serviços não sujeita a IVA, de acordo com o disposto no artigo 6.º, n.º 6, alínea a), a contrario, do CIVA (sujeito passivo adquirente não sedeado em Portugal), pelo que o direito à dedução do imposto que incidiu sobre os bens adquiridos é assegurado pelos artigos 19.º, n.º 1, alínea a), e  20.º, n.º 1, alínea b) , II),  do CIVA. ( [4] )

Pelo exposto, a correcção efectuada quanto a esta questão enferma de vício de violação de lei, que, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, justifica a anulação das liquidações de IVA e juros compensatórios relativas aos períodos de 2013/04 e 2013/05, que se basearam naquela correcção.

 

 

 

3.2. Faturas emitidas pelo fornecedor D...

3.2.1. Posições das Partes

 

A empresa D..., fornecedor da Requerente, emitiu em 15-12-2010 e 14-12-2011 duas facturas, com os n.ºs 1000091 e 1100085, respectivamente, em que foi liquidado IVA nos valores de € 39.755,63 e € 43.541,88, que a Requerente pagou.

O gasto a que se reportam as facturas foi registado antes do ano de 2013, como uma provisão, devido a um diferendo com o fornecedor, mas ambas as facturas apenas foram contabilizadas em 14-01-2014, e, no entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, «essa contabilização parece justificada pelo diferendo com o fornecedor» (como se refere na decisão da reclamação graciosa).

No entanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, que

– esta contabilização (justificada) «não significa que a empresa não tivesse já recebido as faturas anteriormente a 2013, tendo então efetuado a sua contabilização como uma provisão»;

– nos casos em que há lugar a emissão de fatura, o artigo 8.º do CIVA fixa o momento da exigibilidade do imposto no termo do prazo para a emissão da factura ou, se ocorrer antes, no momento da emissão;

– em conformidade com essa norma, o imposto liquidado na fatura é dedutível pelo adquirente no período em que tem lugar a receção da factura ou no seguinte (sem prejuízo de retificação posterior - artº 22º do CIVA).

 

A Requerente defende, em suma, o seguinte:

 

– a entrega de bens por parte da D... só se pode considerar como concluída em 12-01-2013, pois apenas nessa data se verificou a aceitação da totalidade do contrato pela ora Requerente, com a consequente possibilidade da D... proceder à colocação à disposição e transporte até ao cliente final dos bens tal como acordado;

– a alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do IVA, estabelece que «o imposto é devido e torna-se exigível, nas transmissões de bens, no momento em que os bens são postos à disposição do adquirente»;

– a dedução do IVA não foi efectuada antes de janeiro de 2013 pela razão de que a Requerente e a D... não tinham ainda encerrado os termos em que a totalidade da transacção (compra da totalidade dos módulos, transporte e bem colocados à disposição no cliente final) estaria concluída;

– mesmo o imposto devido não estava ainda definido na sua totalidade, pelo que, até prudentemente - não antecipando uma dedução que poderia não se revelar devida - não procedeu a ora Requerente à dedução da totalidade de um imposto, tendo por base, determinados bens e respetiva base tributável não inteiramente determinada;

–  não pode prevalecer um entendimento não contextualizado tendo por base o disposto nos artigos 7.º e 8.º do Código do IVA, na medida em que, mesmo nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 36.º do Código do IVA, os 5 dias úteis para efeitos de emissão legal de fatura, em prazo, devem ser contados a partir do «momento em que o imposto é devido nos termos do artigo 7.º»;

– se não havia certezas quando à data efectiva do fornecimento da totalidade dos bens, logo, da data da sua colocação à disposição (artigo 7.º do Código do IVA), não pode a exigibilidade do imposto ser pautada pelo prazo legal de emissão de factura (artigo 8.º do Código do IVA), o que apenas pode conduzir à conclusão de que não deveriam ter sido emitidas tais facturas pelo fornecedor naqueles momentos;

– se a Autoridade Tributária aceita como válidas as faturas com base nas quais é liquidado IVA ao Estado, também terá de aceitá-las como válidas para efeitos do exercício do direito à dedução do IVA;

– estão reunidos os requisitos substantivos do exercício do direito à dedução, pelo que este não pode ser recusado, à face dos princípios da neutralidade, da efectividade e da proporcionalidade, impostos pela Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, pelo artigo 266.º, n.º 2, da CRP e pelo artigo 55.º da LGT.

 

 

 3.2.2. Apreciação da questão

 

Não é objecto de controvérsia que estão reunidos em relação à Requerente os requisitos substantivos do exercício do direito à dedução, sendo a correcção efectuada com base no entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de que, nos casos em que há lugar a emissão de factura, o artigo 8.º do CIVA fixa o momento da exigibilidade do imposto no termo do prazo para a emissão da factura ou, se ocorrer antes, no momento da emissão e em conformidade com essa norma, o imposto liquidado na factura é dedutível pelo adquirente no período em que tem lugar a recepção da factura ou no seguinte (sem prejuízo de rectificação posterior, nos termos do artigo 22.º do CIVA).

O artigo 179.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelece que «o sujeito passivo efectua a dedução subtraindo do montante total do imposto devido relativamente ao período de tributação o montante do IVA em relação ao qual, durante o mesmo período, surgiu e é exercido o direito à dedução por força do disposto no artigo 178.º».

No entanto, o artigo 180.º do mesmo diploma estabelece que «os Estados-Membros podem autorizar o sujeito passivo a proceder a deduções que não tenham sido efectuadas em conformidade com os artigos 178.º e 179.º».

Assim, embora a regra seja a de que a dedução deve ser efectuada no período em que surgiu, os Estados-Membros podem autorizar a que dedução se faça noutros períodos.

À face da redacção do artigo 22.º, n.º 2, do CIVA, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 166/94, de 9 de Junho, não se previa a possibilidade de dedução em período posterior  àquele em que se verificasse a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação:

 

«Sem prejuízo da possibilidade de correcção prevista no artigo 71.º, a dedução deverá ser efectuada na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação» (redacção do Decreto-Lei n.º 166/94, de 9 de Junho).

 

Considerando esta redacção de 1994, não havia qualquer suporte legal para afirmar que, fora dos casos previstos em normas especiais, o sujeito passivo de IVA pudesse exercer o direito à dedução em declarações de períodos posteriores.

Foi aplicando esta redacção que foi proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 18-05-2011, no processo 0966/10, o acórdão citado pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sua resposta em que se entendeu que «em regra, estabelecida no art. 22.º, n.º 1, do CIVA, a dedução de imposto deverá ser efectuada na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação, admitindo-se, no entanto, a possibilidade de correcções previstas no art. 71.º».

No entanto, com redacção dada àquele n.º 2 do artigo 22.º pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro), passou a estabelecer-se o seguinte: «Sem prejuízo do disposto no artigo 71.º, a dedução deverá ser efectuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação».

Assim, a partir desta redacção de 2003, deixou de exigir-se que a dedução fosse efectuada na declaração do período em que nasce o direito a dedução, admitindo-se que ela seja efectuada em período posterior, sem se prever outro limite que não seja o geral que consta do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, em que se estabelece que «sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente».

Esta possibilidade de dedução do IVA em declaração de período posterior àquele em que nasce o direito à dedução tem cobertura no referido artigo 180.º da Directiva n.º 2006/112/CE, que estabelece que «os Estados-Membros podem autorizar o sujeito passivo a proceder a deduções que não tenham sido efectuadas em conformidade com os artigos 178.º e 179.º».

A jurisprudência do TJUE vem, desde há muito, esclarecendo que, salvo em situações muito particulares, está vedado aos Estados imporem limites temporais ao direito à dedução do imposto suportado que  tornem, na prática impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito a dedução – cfr. neste sentido, por exemplo, o Acórdão do TJUE datado de 28-07-2016 proferido no  processo C‑332/15, § 38.º e o acórdão de 8-5-2008, proferido nos processos C‑95/07 e C‑96/07, § 46.º. Mais, de acordo com o TJUE, não só não há obstáculo a que a dedução se faça em período posterior àquele em que nasce o direito à dedução, como essa possibilidade até é imposta pelos princípios da neutralidade, efectividade e proporcionalidade, sem prejuízo de um limite máximo, imposto pelas exigências de segurança jurídica, idêntico ao previsto nos direitos nacionais para situações semelhantes.

Na verdade, no acórdão de 21-03-2018, proferido no processo n.º C-533/16, o TJUE entendeu o seguinte:

42        Quanto às modalidades de exercício do direito à dedução do IVA, equiparáveis a requisitos ou condições de natureza formal, o artigo 178.º, alínea a), da Diretiva 2006/112 prevê que o sujeito passivo deve possuir uma fatura emitida em conformidade com os seus artigos 220.º a 236.º e 238.º a 240.º (acórdão de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C-101/16, EU:C:2017:775, n.º 40).

43        Resulta do exposto que, como referiu o advogado-geral no n.º 58 das suas conclusões, embora, por força do artigo 167.º da Diretiva 2006/112, o direito à dedução do IVA se constitua no momento em que o imposto se torna exigível, o exercício desse direito só é possível, em princípio, de acordo com o artigo 178.º dessa diretiva, a partir do momento em que o sujeito passivo está na posse de uma fatura (v., neste sentido, acórdão de 15 de setembro de 2016, Senatex, C-518/14, EU:C:2016:691, n.º 35 e jurisprudência aí referida).

44        Conforme resulta da redação dos artigos 167.º e 179.º, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112, o direito à dedução do IVA é exercido, em princípio, durante o mesmo período em que se constituiu, ou seja, no momento em que o imposto se torna exigível.

45        Não obstante, por força dos artigos 180.º e 182.º desta diretiva, o sujeito passivo pode ser autorizado a proceder à dedução do IVA mesmo que não tenha exercido o seu direito durante o período em que esse direito se constituiu, sem prejuízo, porém, da observância das condições e regras fixadas pelas regulamentações nacionais (acórdão de 28 de julho de 2016, Astone, C-332/15, EU:C:2016:614, n.º 32 e jurisprudência aí referida).

46        Contudo, a possibilidade de exercício do direito à dedução do IVA sem limite de tempo iria contra o princípio da segurança jurídica, que exige que a situação fiscal do sujeito passivo, tendo em conta os seus direitos e obrigações face à Administração Fiscal, não seja suscetível de ser indefinidamente posta em causa (acórdão de 28 de julho de 2016, Astone, C-332/15, EU:C:2016:614, n.º 33 e jurisprudência aí referida).

47        O Tribunal de Justiça já decidiu que não se pode considerar que um prazo de preclusão cujo termo tem por consequência punir o contribuinte não suficientemente diligente que não reclamou a dedução do IVA a montante, fazendo-lhe perder o direito a essa dedução, é incompatível com o regime fixado pela Diretiva 2006/112, desde que, por um lado, se aplique de igual modo aos direitos análogos em matéria fiscal que se baseiam no direito interno e aos que se baseiam no direito da União (princípio da equivalência) e, por outro, não impossibilite ou dificulte excessivamente, na prática, o exercício do direito à dedução do IVA (princípio da efetividade) (v., neste sentido, acórdão de 28 de julho de 2016, Astone, C-332/15, EU:C:2016:614, n.ºs 34 e 35 e jurisprudência aí referida).

48        Além disso, nos termos do artigo 273.º da Diretiva 2006/112, os Estados-Membros podem prever outras obrigações que entendam necessárias para assegurar a cobrança exata do IVA e evitar a fraude. Com efeito, o combate à fraude, à evasão fiscal e aos eventuais abusos fiscais é um objetivo reconhecido e encorajado por essa diretiva. Todavia, as medidas que os Estados-Membros têm a faculdade de adotar ao abrigo do artigo 273.º desta mesma diretiva não devem ir além do necessário para atingir esses objetivos. Não podem, portanto, ser utilizadas de forma a pôr sistematicamente em causa o direito à dedução do IVA nem, por conseguinte, a neutralidade do IVA (v., neste sentido, acórdão de 28 de julho de 2016, Astone, C-332/15, EU:C:2016:614, n.ºs 49 e 50 e jurisprudência aí referida).

 

            À face desta jurisprudência, tem de se concluir que não será compatível com os princípios referidos o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de que o direito a dedução tem de ser exercido no período em que se gera o direito ou no período imediato, pois o limite aceitável para tal exercício será o previsto para os «direitos análogos em matéria fiscal que se baseiam no direito interno», como resulta dos transcritos §§  45, 46 e 47.

            Isto é, o entendimento correcto será o que resulta dos teor literal dos referidos artigos 22.º, n.º 2, e 98.º, n.º 2, do CIVA que o direito à dedução pode ser exercido em períodos posteriores àquele em que se gera sem prejuízo de limitações especiais e, na falta delas, do prazo geral de 4 anos, idêntico ao prazo geral para exercício de direitos tributários perante a Administração Tributária (artigo 78.º, n.º 1, da LGT).

            Ainda mais recentemente, esta jurisprudência do TJUE foi reafirmada no acórdão de 26-04-2018, proferido no processo n.º C-81/17, em que se entendeu o seguinte:

 

33      Como o Tribunal de Justiça sublinhou reiteradamente, o direito a dedução previsto nos artigos 167.º e seguintes da Diretiva IVA faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Em especial, esse direito é imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações efetuadas a montante (v., designadamente, Acórdãos de 21 de junho de 2012, Mahagében e Dávid, C‑80/11 e C‑142/11, EU:C:2012:373, n.º 38, e de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C‑101/16, EU:C:2017:775, n.º 36).

34      O regime das deduções visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante a neutralidade no que se refere à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os seus objetivos ou resultados, na condição de essas atividades estarem elas próprias sujeitas a IVA (v., designadamente, Acórdãos de 21 de junho de 2012, Mahagében e Dávid, C‑80/11 e C‑142/11, EU:C:2012:373, n.º 39, e de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C‑101/16, EU:C:2017:775, n.º 37).

(...)

36      Importa recordar a este respeito que, nos termos dos artigos 167.º e 179.º, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA, o direito a dedução é exercido, em princípio, durante o período em que se constituiu, ou seja, no momento em que o imposto se torna exigível.

37      No entanto, por força dos artigos 180.º e 182.º desta diretiva, o sujeito passivo pode ser autorizado a proceder à dedução mesmo que não tenha exercido o seu direito durante o período em que esse direito se constituiu, sem prejuízo da observância das condições e regras fixadas pelas regulamentações nacionais (v. Acórdão de 12 de julho de 2012, EMS‑Bulgaria Transport, C‑284/11, EU:C:2012:458, n.º 46 e jurisprudência aí referida).

38      A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a possibilidade de exercer o direito a dedução sem limites temporais contraria o princípio da segurança jurídica, que exige que a situação fiscal do sujeito passivo, atentos os seus direitos e obrigações face à Administração Fiscal, não seja indefinidamente suscetível de ser posta em causa. Assim, um prazo de caducidade cujo termo conduz a penalizar o contribuinte não suficientemente diligente, que não reclamou a dedução do IVA a montante, fazendo‑lhe perder o direito a dedução, não pode considerar‑se incompatível com o regime fixado pela Diretiva IVA, desde que, por um lado, esse prazo se aplique de igual modo aos direitos análogos em matéria fiscal que se baseiam no direito interno e aos que se baseiam no direito da União (princípio da equivalência) e, por outro, não torne impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício do direito a dedução (princípio da efetividade) (v., neste sentido, Acórdão de 12 de julho de 2012, EMS‑Bulgaria Transport, C‑284/11, EU:C:2012:458, n.ºs 48, 49 e jurisprudência aí referida).

(...)

43      Além disso, os princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade igualmente se opõem a uma legislação como a que está em causa no processo principal.

44      Segundo jurisprudência constante, o princípio da neutralidade do IVA exige que a dedução desse imposto a montante seja concedida se os requisitos de fundo estiverem preenchidos, ainda que alguns requisitos de forma sejam omitidos pelos sujeitos passivos (v., neste sentido, Acórdão de 28 de julho de 2016, Astone, C‑332/15, EU:C:2016:614, n.º 45).

45      Todavia, no processo principal, é precisamente a preterição de requisitos formais previstos na lei nacional em causa que tem como consequência a recusa da dedução do IVA à Zabrus, embora esta tenha pedido a retificação das suas declarações a fim de demonstrar que os requisitos de fundo para beneficiar da dedução dos dois montantes em causa estavam preenchidos.

46      A não observância de requisitos formais que podem ser sanados não é suscetível de pôr em causa o bom funcionamento do sistema do IVA.

47      Assim, por aplicação de uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, uma parte do IVA ficará definitivamente a cargo do sujeito passivo, o que é contrário à jurisprudência citada no n.º 34 do presente acórdão.

48      No que se refere ao princípio da proporcionalidade, é certo que o legislador nacional tem a possibilidade de dotar os deveres formais dos sujeitos passivos de sanções suscetíveis de incentivá‑los a cumprir esses deveres, com vista a assegurar o bom funcionamento do sistema do IVA.

49      Assim, uma sanção pecuniária administrativa seria suscetível de ser aplicada a um sujeito passivo negligente, que retificasse a sua declaração de IVA baseando‑se em documentos que justificassem o seu direito a dedução de IVA que já tivesse na sua posse no momento em que apresentou a sua declaração do imposto, ou após a descoberta de um erro de registo que modificasse o montante do IVA a reembolsar.

50      Contudo, os Estados‑Membros devem, em conformidade com o princípio da proporcionalidade, recorrer a meios que, embora permitam atingir eficazmente o objetivo prosseguido pela lei nacional, afetem menos os princípios da legislação da União, como o princípio fundamental do direito à dedução do IVA (Acórdão de 10 de julho de 2008, Sosnowska, C‑25/07, EU:C:2008:395, n.º 23).

51      Destarte, numa situação como a que está em causa no processo principal, e tendo em conta o lugar preponderante que ocupa o direito a dedução no sistema comum do IVA, uma sanção que consiste na recusa absoluta do direito a dedução é desproporcionada no caso de não estar provado que tenha existido qualquer fraude ou prejuízo para o orçamento do Estado (Acórdão de 12 de julho de 2012, EMS‑Bulgaria Transport, C‑284/11, EU:C:2012:458, n.º 70 e jurisprudência aí referida).

52      Ora, nenhum elemento dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça indicia um risco de fraude ou de prejuízo para o orçamento do Estado.

 

Esta jurisprudência sobre os princípios da efectividade, da neutralidade e da proporcionalidade tem plena aplicação na situação em apreço, em que não está em causa a verificação dos requisitos substancias do direito à dedução, não há quaisquer indícios de fraude ou prejuízo para o Estado derivado do não exercício do direito à dedução nos anos de 2010 e 2011 e não foi excedido o prazo normal previsto no direito interno como limite para tal exercício, que exprime a perspectiva do legislador nacional sobre as exigências de segurança jurídica.

Assim, à luz desta jurisprudência sobre o alcance do princípio da proporcionalidade, o não exercício do direito à dedução no período em que deveria ter ocorrido poderia justificar a aplicação de sanções à Requerente, mas não podia justificar a recusa do exercício de tal direito.

Como defende a Requerente, este princípio da proporcionalidade é também um dos princípios a que deve obedecer a globalidade da actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira, por força do preceituado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT.

Por força desse princípio, «as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar» (artigo 7.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo de 2015, equivalente ao artigo 6.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo de 1991).

No caso em apreço, estando verificados os requisitos substantivos do exercício do direito à dedução e não havendo quaisquer indícios de fraude ou de prejuízo para o Estado derivada da dedução ter sido efectuada em 2013 e não em 2010 e 2011 (em que foram emitidas as facturas pela D...), não se pode justificar a privação do exercício do direito a dedução, pois não foi excedido o prazo máximo geral previsto para o exercício de direitos dos contribuintes perante a Administração Tributária (artigos 98.º, n.º 2, do CIVA e 78.º, n.º 1, da LGT).

Aliás, a própria Autoridade Tributária e Aduaneira, no n.º 8 do Ofício Circulado n.º 30082, de 2005/11/17, da DSIVA e na Informação Vinculativa n.º 9860, invocados pela Requerente ao exercer o direito de audição, aceita a possibilidade de dedução no prazo de 4 anos previsto no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, relativamente a facturas que já estavam em poder do sujeito passivo, mas não estavam registadas.

Na verdade, apesar de as facturas terem sido emitidas e terem sido recebidas pela Requerente antes de 2013, o que levou à constituição de uma provisão, por existir um diferendo com o fornecedor, a contabilização das facturas apenas ocorreu em 14-01-2013, pois antes de 2013 foi efectuada a contabilização do gasto, como provisão, sem quaisquer documentos, como a própria Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece na decisão da reclamação graciosa, considerando justificada esta contabilização:

Quanto à informação do contabilista certificado, mencionada no relatório, de que o gasto relativo ao montante das faturas foi contabilizado em períodos anteriores a 2013, informa-se no ponto 27º da reclamação que em períodos anteriores ao dessa contabilização foi efetuada a contabilização do respetivo gasto como acréscimo de custos ou provisão, sem que, no entanto, sejam juntos quaisquer documentos dessa contabilização ocorrida em períodos anteriores.

Consultados os documentos contabilísticos apresentados (fls. 160 e 161), consta aí o registo como uma provisão. O parágrafo 8 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro 21 define uma provisão como um passivo de tempestividade ou quantia incerta.

Essa contabilização parece justificada pelo diferendo com o fornecedor.

No entanto, tal não significa que a empresa não tivesse já recebido as faturas anteriormente a 2013, tendo então efetuado a sua contabilização como uma provisão.

 

Esta situação em que as facturas já se encontravam em poder do sujeito passivo mas, justificadamente, não estavam registadas, é essencialmente a que se prevê na Informação Vinculativa emitida no Processo n.º 9860, emitida por despacho do Subdiretor Geral do IVA de 2016/03/04, invocada pela Requerente ao exercer o direito de audição, em que se refere nos pontos 10 e 11:

10. Deste modo, se o imposto tiver incidido sobre bens ou serviços adquiridos para a realização de operações tributáveis, em consonância com o que dispõe o artigo 20º do CIVA, e o imposto não esteja relacionado com despesas mencionadas no n.º 1 do artigo 21º do CIVA, o adquirente pode exercer o direito à dedução do imposto mencionado em faturas ainda não contabilizadas/registadas, podendo tal direito ser exercido até ao decurso do prazo que se refere o n.º 2 do artigo 98º do CIVA;

11. Assim, se de facto a Requerente, no ano de 2012, não exerceu o direito à dedução do imposto, dado que as faturas não estavam contabilizadas, nada obsta a que possa exercer tal direito tendo em conta os condicionalismos estabelecidos nos artigos 19º a 21º do CIVA e o prazo previsto no n.º 2 do artigo 98.º do mesmo diploma."

 

No caso apreciado nesta Informação Vinculativa, estava-se perante facturas emitidas, que não foram registadas e não serviram de base ao exercício do direito a dedução quando foram recebidas, o que é essencialmente o que sucede no caso em apreço.

Pelo exposto, a correcção efectuada relativamente às facturas emitidas pela D... enferma de vício de violação de lei, que justifica sua anulação nos termos artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

3.3. Liquidações de juros compensatórios e moratórios

 

As liquidações de juros compensatórios e moratórios têm por pressupostos as liquidações de IVA, pelo que enfermam dos mesmos vícios.

 

3.4. Questões de conhecimento prejudicado

 

Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com os fundamentos referidos, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente aos actos impugnados [artigos 130.º e 608.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

 

4. Indemnização por garantia indevida

 

            A Requerente prestou garantia bancária para suspender o processo de execução n.º ...2016... instaurado para cobrança coerciva das quantias liquidadas (artigo 130.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira) e pede

O artigo 171.º do CPPT estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 52.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

            1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

            2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

            3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

            4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, os erros subjacentes às liquidações de impugnadas são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois elas foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.

            Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão [artigos 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acorda este Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Declarar ilegais e anular as liquidações de IVA n.ºs 2016..., 2016... e 2016 ... e as liquidações de juros compensatórios e moratórios n.ºs 2016..., 2016... e 2016...;
  3. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar a Requerente a indemnização por garantia indevida que for apurada em execução do presente acórdão.

 

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 308.108,71.

 

Lisboa, 19-02-2019

 

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(Isaque Marcos Lameiras Ramos)

 

 

(Emanuel Augusto Vidal Lima)

 

 



[1] Como se conforma pelo facto de para os computadores e programas de computadores estar prevista uma taxa de amortização de 33,33% nos códigos 2240 e e 2440 da Tabela II anexa ao Decreto Regulamentar n.º 25/2019, de 14 de Setembro.

Entre a data da aquisição (14-10-2010) e a data do acordo de revogação (12-04-2013) decorreram cerca de dois anos e meio, pelo que não se afigura inverosímil que a Requerente não tivesse equacionado a possibilidade de utilizar os equipamentos, presumivelmente perto do fim de vida útil, bem como software que foi preparado para específica utilização do E... (uma solução aplicacional e bens «necessários à parametrização, desenvolvimento aplicacional adicional, migração de dados e respetiva implementação do Sistema de Clientes, Contas, AforroNet e Homebanking do  E...», segundo se refere no acordo).

 

[2] E será sujeita a IVA na falta de norma especial que afaste esse regime, como é a alínea c) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA, que exclui do valor tributável «as quantias pagas em nome e por conta do adquirente dos bens ou do destinatário dos serviços, registadas pelo sujeito passivo em contas de terceiros apropriadas», o que não sucede no caso em apreço.

[3] Como, por exemplo, a Informação Vinculativa n.º 1163, de 02-11-2010, publicitada em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informacoes_vinculativas/despesa/civa/Documents/INFORMA%C3%87%C3%83O.1163.pdf:

 

«18. No direito nacional, de acordo o disposto no nº 1 do artº 4º do CIVA, o conceito de prestação de serviços tem um carácter residual, abrangendo todas as operações decorrentes da actividade económica do sujeito passivo que não sejam definidas como transmissões de bens, importação de bens ou aquisições intracomunitárias. Daqui resulta que a noção de prestação de serviços abrange, regra geral, os débitos relativos ao reembolso de despesas.

19. De acordo com a alínea c) do nº 6 do artº 16º do CIVA, são excluídas do valor tributável "as quantias pagas em nome e por conta do adquirente dos bens ou destinatário dos serviços, registados em contas de terceiros apropriadas." Fora destas circunstâncias, o débito de quaisquer encargos suportados e, não obstante esse débito corresponder a um mero reembolso, dá lugar a liquidação de IVA, por se considerar uma prestação de serviços face ao disposto no artº 4º do CIVA.

20. Havendo liquidação do imposto, tem vindo a ser entendimento destes Serviços, que o enquadramento do respectivo débito deve ser o seguinte:

- Se for efectuado sem qualquer discriminação a respectiva tributação é feita à taxa normal.

- Se o débito for efectuado de forma discriminada, segundo a natureza de cada um dos componentes da despesa, há lugar a tributação, à taxa a que nos termos do artº 18º, nº 1, do CIVA, corresponder a cada uma das componentes debitadas.

21. No entanto, no caso de se tratar de operações isentas, nomeadamente ao abrigo do artº 9º do CIVA e se o débito for de igual valor ao que foi debitado pelo fornecedor/prestador, o respectivo débito dessas despesas beneficia, igualmente, da referida isenção».

[4] Como também tem entendido a Autoridade Tributária e Aduaneira, designadamente na Informação Vinculativa n.º 6022, de 05-02-2014, disponível em

http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informacoes_vinculativas/despesa/civa/Documents/INFORMACAO_6022.pdf:

 

«26. Em sede de IVA, apenas o débito das quantias pagas em nome e por conta do adquirente dos bens ou do destinatário dos serviços, registadas pelo contribuinte em contas de terceiros apropriadas, não serão passíveis de tributação em IVA, sendo para o efeito, necessário que as faturas tenham sido originariamente emitidas em nome do adquirente ou destinatários e contabilizadas em contas de terceiros apropriadas, de acordo com a al. c) do nº6 do art.16º do CIVA.

27. Fora destas circunstâncias, no débito de despesas incorridas em nome próprio, mas por conta de outrem, o reembolso da despesa, configura uma prestação de serviços, face ao disposto no art.4º do CIVA, podendo, por sua vez, o prestador, com base em documentos passados em seu próprio nome, exercer o direito à dedução do IVA neles contido, nos termos dos art.19º a 21º do CIVA.

28. O débito de despesas incorridas em nome próprio, ainda que por conta de outrem, embora constitua uma prestação de serviços, segue o regime aplicável às operações sobre as quais recai o débito (desde que não haja a inclusão de "margem"), isto é, o IVA deve ser aplicado de acordo com a natureza da despesa que se debita.