Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 393/2018-T
Data da decisão: 2019-02-20  IRC  
Valor do pedido: € 383.627,69
Tema: IRC – Tributações autónomas – Despesas não documentadas – Sucursal – Estabelecimento estável de sociedade não residente.
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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof.ª Doutora Suzana Fernandes da Costa e Dr. José Nunes Barata (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 24-10-2018, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A..., divorciado, NIF..., residente na  Rua   ...,  ...,  em  Esposende,  abrangido  pelo  Serviço de Finanças de Esposende, doravante abreviadamente designado por "Requerente", veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), na qualidade de revertido em execução fiscal, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, para pronúncia sobre a legalidade da  liquidação n.º 2015... de 18-11-2015, no valor de 383.627,69 euros, referente ao ano de 2012 e identificada como de dívida de IRC, Tributação Autónoma sobre despesas confidenciais, em que é sujeito passivo B... Sucursal em Portugal, que teve a sua residência fiscal na Rua ..., ..., ...-... ..., NIPC ....

O Requerente pretende ainda indemnização por garantia indevida.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 17-08-2018.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, os Árbitros que inicialmente foram designados pelo Conselho Deontológico comunicaram a aceitação do encargo, no prazo aplicável.

Em 04-10-2018 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 24-10-2018.

A Administração Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Em 10-01-2019, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações simultâneas.

As Partes apresentaram alegações.

            O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

 

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abrigo da ordem de serviço 2014..., efectuou uma inspecção à empresa B..., Sucursal em Portugal (doravante designada como “Sucursal”), com o NIPC...;
  2. Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

O sujeito passivo iniciou a atividade em 2006-05-05 e cessou, para efeitos de IVA, em 2014-03-31. Está enquadrado em sede de IRC no regime geral. Está coletado para a atividade principal de CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS (RESIDENCIAIS E NÃO RESIDENCIAIS) (CAE 41200), mas dedicava-se fundamentalmente a construção de pontes em betão em obras públicas.

De salientar que o sujeito passivo tem a natureza jurídica de ''representação permanente" pois trata-se de um estabelecimento estável em Portugal de uma empresa sediada em Espanha (com a denominação de D...).

Na base de dados da Autoridade Tributaria (AT) consta, nas relações inter-sujeito passivo, a seguinte informação:

No entanto, da análise da Certidão Permanente, conclui-se que os representantes em Portugal deste estabelecimento estável foram, sucessiva e alternadamente A..., NIF..., e C..., NIF ... (ANEXO l):

C... é  também,  e  sempre  foi,  o  Técnico  Oficiai de  Contas  (TOC) da B...- SUC. EM PORTUGAL.

Relativamente à empresa mãe espanhola (D... ...), foi encontrada a seguinte informação, no site www...es (ANEXO II):

- Até junho de 2012, como administrador único, o A...;

- A partir de junho de 2012 foi nomeado administrador de insolvência (Adm. Concurs.)E... .

De referir ainda que na empresa cessionária do estabelecimento estável em Portugal (F... S.A., NIPC...), os membros do conselho de administração, nomeados para o quadriénio de 2011-2014, são os mesmos A..., NIF ... e C..., NIF... .

A B...- SUC. EM PORTUGAL tem sede na RUA ...- ...- ... ..., morada coincidente com o domicílio fiscal do gabinete de contabilidade do TOC (G..., NIPC...), local onde foi realizada a análise externa. Desde a data de cessação de atividade para efeitos de IVA (2014-03-31) que consta no cadastro da AT também a morada ... ...- ... ..., para efeitos de correspondência, correspondente à morada do representante de cessação.

 

III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas ã matéria tributável

Da análise dos elementos da contabilidade do estabelecimento estável B...- SUC. EM PORTUGAL, ora efetuado ao abrigo da ordem de serviço supra identificada, conclui-se que apesar de o estabelecimento estável estar praticamente inativo desde 2012, o que levou à cessação da atividade para efeitos de IVA e trespasse do estabelecimento em 2014-03-31, tem em 2013-12-31 um saldo de caixa, a débito, de 557.225,11 EUR. Este era também o saldo inicial da conta, em 2013-01-01 (extrato da conta caixa de 2013 - ANEXO III). Questionado o TOC, este referiu verbalmente que ainda hoje (no decurso da ação inspetiva) este montante em caixa se mantém inalterado.

Na ação inspetiva, iniciada em 2012-09-18 e credenciada pela ordem de serviço n° OI2012..., levada a cabo para análise do reembolso de IVA de 2012/05, foi verificado que o saldo de caixa (conta 111) constante do balancete geral do mês de maio de 2012 apresentava um saldo devedor de 700.442,42 EUR.

Face à falta de credibilidade deste saldo, foi decidido proceder á contagem física do caixa, para a qual foi emitido o Despacho n° DI2012... com data de 2012-10-11.

Nas diligências efetuadas (informação e termo de ocorrência anexos - ANEXO IV), junto de C..., concluiu-se que não existia qualquer montante em caixa na sede do sujeito passivo tende A... apenas referido, nas instalações da empresa F... SA, ter na sua posse algum dinheiro que não conseguiu precisar o montante. Concluiu-se assim pela falta de credibilidade dos montantes registados em caixa.

Da análise dos movimentos registados em 2012 e 2013 na conta caixa (ANEXO III) conclui-se que o saldo da conta caixa foi maioritariamente formado pelo levantamento de cheques da conta da empresa, registados na contabilidade como entrados em caixa. Na contabilidade apenas constavam cópias simples destes cheques, sem identificação do respetivo destinatário dos mesmos. Foi confirmado o correspondente movimento através dos extratos bancários.

Foram analisados estes movimentos financeiros e, ao abrigo da autorização para derrogação do sigilo bancário, foram solicitadas cópias bancárias de todos os cheques comprovativos destes movimentos no sentido de se comprovar se os mesmos tinham efetivamente entrado em caixa (levantamentos para caixa) ou se se destinaram a pagamentos para um beneficiário identificável.

Relativamente aos seguintes cheques contabilizados como entrados em caixa em 2012, foi confirmado que efetivamente são cheques "ao portador" (ANEXO VI). A cópia bancária não tem qualquer destinatário identificado "à ordem" (isto é, estão "ao portador") e foram levantados ao balcão:

De salientar que o movimento dos cheques é aferido pela cópia bancária do verso dos mesmos. Este movimento nem sempre é muito explícito pois depende dos procedimentos bancários relativos ao respetivo registo podendo variar consoante o balcão onde os mesmos são efetuados.

Não obstante, no verso da maioria cheques estão identificadas as pessoas que efetuaram os levantamentos (H... e I...) as quais são funcionários da empresa F..., SA; NIPC ... (como referido anteriormente, os responsáveis pelas duas entidades B... - SUC. EM PORTUGAL e F... SA são coincidentes).

Alguns nomes constantes no verso dos cheques não são sequer identificáveis (ilegíveis).

Assim, conclui-se que efetivamente estes montantes foram levantados da conta bancária e entrados na conta “caixa” da B... - SUC. EM PORTUGAL, conforme registos contabilísticos efetuados.

No entanto, em outubro de 2012, aquando da contagem física do caixa constatou-se que a expressão nominal da conta "caixa" não tinha qualquer correspondência com a realidade (valor em caixa igual a zero).

Conclui-se assim, que o valor correspondente àqueles cheques ficou, sob o ponto de vista contabilístico: "parqueado" na conta "caixa" mas não residindo, na realidade, nela tiveram um destino objetivamente não identificável, o que pela sua obscuridade só pode ser tipificado como despesas não documentadas, com as necessárias consequências tributárias.

Não se vislumbra a necessidade de terem sido efetuados estes levantamentos da própria conta bancária do sujeito passivo para permanecerem intactos em caixa, pois o saldo da conta caixa mantém-se inalterado até final de 2013. Não é razoável que a empresa tenha estes montantes elevadíssimos em caixa: sem ser para fazer face a necessidades de tesouraria (pagamentos). O saldo mantém-se inalterado desde o finai de 2012 e o sujeito passivo está sem atividade e formalmente cessado desde 2014-03-31,

De salientar, analisando os extratos bancários e os elementos recolhidos junto das instituições financeiras, que entraram valores muito significativos na conta bancária da B...- SUC. EM PORTUGAL, em consequência da venda das participações que esta tinha na empresa J... SA (NIPC...) atualmente designada como F... S.A. Entre janeiro e maio de 2012, por conta da venda destas participações (extrato da conta 41111 - Participações de Capital -ANEXO V) entrou na conta bancária da B... -SUC. EM PORTUGAL o montante de 402.000,00 EUR

Tendo-se comprovado que em 2012-10-11, data posterior aos levantamentos para caixa, o saldo de caixa era inexistente, foi efetuada a análise dos movimentos desde essa data até 2012-12-31, para avaliar a aderência destes â realidade, tendo-se concluído que não há credibilidade quanto à correspondência destes lançamentos com a realidade pois foram registados com base em documentos internos, sem qualquer documento externo de suporte ou se revelam neutros em termos de justificação de saldos, conforme de seguida se discriminam.

O lançamento n° ... (com o descritivo "operações bancárias"), a crédito no montante de 7.889,31 EUR refere-se ao depósito de valores recebidos de clientes e anteriormente registados como entrados em caixa, no lançamento 110003, a débito no mesmo montante de 7.889,31 EUR. Estes dois lançamentos, a débito e crédito na conta caixa, pelo mesmo valor, anulam-se.

Os lançamentos n° 120001 (de 2012-12-05), 120002 e 120003 (de 2012-12-14}, diário 12, a crédito na conta "caixa", também não significam uma verdadeira saída de caixa, pois referem-se a despesas pagas pela empresa F... SA, cuja entrada em "caixa" é registada pelo mesmo montante, no lançamento 120001 (de 2012-12-14), diário 16. Estes lançamentos também se anulam (montante registado a débito igual ao montante registado a crédito).

O lançamento a crédito de 104.523,50 EUR registado na conta caixa, em 2012-12-01 foi efetuado por contrapartida da conta do fornecedor K..., conta 22111108 (ANEXO VII) foi solicitado o documento de suporte deste movimento contabilístico e a justificação para o mesmo, tendo sido justificado pelo TOC, que se tratou de pagamentos anteriores efetuados pela empresa mãe espanhola à também empresa mãe do fornecedor K... e que este movimento foi um "encontro de contas", não representando um efetivo pagamento ou saída de caixa nesta data, antes sim, um pagamento em data anterior. Para documentar esta situação foi, a título exemplificativo, apresentado o documento constante do anexo VII, referente a um pagamento efetuado em 2012-01-30, o que vem confirmar que este montante já não existia em caixa em outubro de 2012.

Os restantes lançamentos na conta caixa posteriores a 2012-10-11 referem-se a lançamentos de encontros de contas, sem qualquer documento externo de suporte. O montante mais elevado registado no lançamento 12003, de 2012-12-01, no montante de 19.200,00 EUR, a crédito na conta caixa, anula o saldo da conta do fornecedor L..., LDA (ANEXO VIII). Apesar de se tratar de um documento interno, foi solicitado ao fornecedor cópia da conta corrente desde 2012, no sentido de confirmar a veracidade do movimento financeiro O fornecedor não enviou qualquer extrato de conta corrente referindo que "não tem quaisquer operações comerciais entre a firma L..., Lda e B... Sucursal em Portugal e que "o último ano em que ocorreram operações comerciais entre as duas firmas, foi no ano 2010". Confirma-se assim que estes lançamentos não têm qualquer correspondência com a realidade dos movimentos financeiros ocorridos.

Assim, relativamente ao saldo em caixa em 2012-10-11, de 699.211,55 EUR, que se verificou por contagem física, ser inexistente, conclui-se tratar-se de montantes financeiros cuja origem é comprovada mas cuja aplicação não foi identificada quanto à sua natureza, origem ou finalidade, devendo como tal ser classificadas como não documentadas e, por isso, caem na alçada do art.° 88° n° 1 do Código do IRC.

Estas despesas não documentadas são tributadas autonomamente nos termos do n° 1 do art.° 88° do Código do IRC, à taxa de 50% pelo que, nos termos deste normativo, será acrescido o montante de 349.605,78 EUR, no campo 365, do quadro 10, da declaração de rendimentos Modelo 22, do ano de 2012, correspondente a 50% dos montantes registados em caixa em outubro de 2012 e que não se encontravam fisicamente em caixa, aquando da contagem física efetuada.

 

  1.  Na sequência da acção inspectiva, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação n.º 2015..., cujo teor se dá como reproduzido, no valor de €383.627,69 (€349.605,78 de tributações autónomas e €34.021,91 de juros compensatórios), em que é sujeito passivo a referida Sucursal (documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Em 17-05-2018, na execução fiscal n.º ...2016..., foi proferido despacho determinando a sua reversão contra o aqui Requerente, na qualidade de responsável subsidiário (documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. A referida Sucursal é uma representação permanente em Portugal da sociedade de nacionalidade espanhola, D..., que teve a sua sede na ... n°..., ... em ... (Valladolid), Espanha, aí com o número de contribuinte..., como resulta da certidão da CRC que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  4. A sociedade, D... foi declarada insolvente, por sentença de 4 de Maio de 2012, proferida pelo tribunal espanhol, ... Valladolid (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5.  A partir de Junho de 2012 foi nomeado administrador da insolvência E... (página 3 do Relatório da Inspecção Tributária);
  6. Em 30-04-2011, o estabelecimento da sociedade insolvente, o único estabelecimento da sociedade em Portugal, tinha sido, na sua integralidade, transmitido por trespasse à sociedade então conhecida como J..., SA (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  7. Em virtude do trespasse do estabelecimento a sociedade D..., de Espanha, passou a ser titular de acções do capital social da sociedade J..., SA, a trespassária;
  8. Em 2011, as acções referidas foram cedidas a terceiros, onerosamente, tendo entrado na conta bancária da B... SUC. EM PORTUGAL a quantia de 402 mil euros (página 6 do Relatório, último parágrafo), que foi depositada na conta da Sucursal (depoimento da testemunha C...);
  9. O que aliado a recebimentos diversos relativos à actividade desenvolvida em anos anteriores, nomeadamente recebimentos de clientes não incluídos no trespasse, permitiu à sociedade D... ter em meios líquidos em depósitos bancários e ainda em conta titulada pelo seu estabelecimento em Portugal, uma quantia de cerca de setecentos mil euros;
  10. As disponibilidades em bancos, no valor de 406.400 euros, foram objeto de diversos levantamentos, sempre por cheque emitido ao portador e levantados ao balcão em dinheiro, por H... e I..., não sendo identificáveis sendo alguns dos nomes de quem procedeu ao levantamentos (depoimentos das testemunhas C... e H...);
  11. Tais levantamentos em dinheiro foram registados na conta caixa, tendo sido traduzido num saldo desta em Maio de 2012 de setecentos mil e quatrocentos e quarenta e dois euros quarenta e dois cêntimos (depoimento da testemunha C...);
  12.  Em tal data tais valores não existiriam nos cofres da empresa em dinheiro, cheques ou outra qualquer realidade que permitisse a permanência de tal valor registado na conta Caixa;
  13.  Em 2012 a B... Sucursal em Portugal, já estava praticamente inactiva, o que levou à cessação da actividade para efeitos de IVA e trespasse do estabelecimento em 31-03-2014, mas tinha em 31-12-2013 um saldo de caixa, a débito, de € 557.225,11;
  14.  Em 11-10-2012, data posterior aos levantamentos, o saldo de caixa era inexistente;
  15. Foi o Requerente A... que decidiu mandar fazer os levantamentos do dinheiro depositado que levou para a empresa em Espanha, não efectuando transferências bancárias por a empresa-mãe D... SL estar em situação económica difícil e querer evitar que as quantias fossem retidas pelo banco, pois tinha descobertos bancários (depoimento da testemunha M...);
  16. O dinheiro foi recebido em Espanha e utilizado principalmente (cerca de 80%) para pagar ao pessoal da empresa em Espanha (depoimento da testemunha M...);
  17. Os pagamentos ao pessoal foram feitos antes da apresentação à insolvência  (depoimento da testemunha M...);
  18. A empresa em Espanha, na sequência da insolvência, ficou em dívida para com a Segurança Social e Administração Tributária espanhola; (depoimento da testemunha M...);
  19. Os pagamentos ficaram registados na sociedade espanhola (depoimento da testemunha M...);
  20. Na insolvência os trabalhadores reclamaram indemnizações (depoimento da testemunha M...);
  21.  O fornecedor K...  foi pago da importância de 104.523.50  euros  em Espanha  e  com  fundos  originários  da  sociedade  D... (página 7 do Relatório da Inspecção Tributária e depoimento da testemunha M...);
  22.  Após a insolvência foi o respectivo administrador que ficou a controlar a documentação da empresa; (depoimento da testemunha M...);
  23. O Requerente prestou garantia bancária para suspender a execução fiscal n.º ...2016..., instaurada para cobrança coerciva da liquidação n.º 2015... (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  24. Em 27-07-2018, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não se provou que a partir de 2012 tivesse existido alguma actividade da Sucursal geradora de rendimentos, tendo terminado os contratos que tinha no início desse ano (depoimento da testemunha C...).

Os factos foram dados como provados com base nos depoimentos das testemunhas e documentos juntos pelo Requerente e no processo administrativo.

Não se provou qual o destino que foi dado ao dinheiro levantado através de cheques da conta da Sucursal, que foi registado em caixa, mas não existente quando foi efectuada a inspecção, apenas se apurando que pelo menos parte dele foi enviado para a sociedade espanhola referida.

As testemunhas inquiridas aparentaram depor com isenção e, quanto aos factos acima referidos relativamente aos quais cada uma é indicada como meio de prova, com conhecimento directo dos factos.

 

 

3. Matéria de direito

 

A B... Sucursal em Portugal dispunha de uma instalação fixa em Portugal, através da qual era exercida uma actividade comercial e industrial, pelo que se integra no conceito de "estabelecimento estável", referido no art. 5.º do CIRC.

Foram efectuados levantamentos de quantias que estavam na conta bancária da Sucursal e não foram encontradas na titularidade desta as quantias correspondentes, nem foram apresentados documentos relativos ao destino que lhes foi dado, pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu ser de aplicar à Sucursal a tributação autónoma prevista no artigo 88.º, n.º 1, do CIRC.

Na sequência do não pagamento da tributação autónoma liquidada, foi instaurado processo de execução fiscal, em que foi decidida a reversão contra o aqui Requerente, que impugnou a liquidação da tributação autónoma.

 Não é questionado pelo Requerente que o estabelecimento estável de entidade não residente, que constitui a sucursal, esteja sujeito às tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC.

Não está em causa apreciar se estão reunidos os requisitos da reversão da execução, mas apenas saber se a liquidação enferma do vício que o Requerente lhe imputa.

O vício que o Requerente imputa à liquidação é, em suma, o de a tributação autónoma estar prevista para «despesas não documentadas» e de, no caso em apreço, as quantias levantadas do depósito bancário terem sido entregues à sociedade-mãe, pelo que não se está, no seu entendimento, perante «despesas», para efeitos do artigo 88.º, n.º 1, do CIRC.

O conceito de «despesas» utilizado no artigo 88.º, n.º 1, do CIRC, não é definido neste Código e não coincide com o de «gastos», definido no artigo 23.º do CIRC (que inclui, designadamente, «perdas» e «ajustamentos»), pelo que deverá ser atribuído àquela expressão o alcance que tem na linguagem comum, de saída de dinheiro do património de uma empresa.

Assim, as despesas não documentadas a que se refere o artigo 88.º, n.º 1, do CIRC reconduzem-se a saídas de meios financeiros do património da empresa sem um documento de suporte que permita determinar a natureza da despesa ou do beneficiário.

No âmbito das relações de uma sucursal com a respectiva empresa-mãe, a transferência de fundos de uma para a outra não representa, em termos económicos, uma despesa, pois não há uma saída de meios financeiros da empresa.

Na verdade, a sucursal que constitui um estabelecimento estável não constitui uma empresa autónoma em relação à empresa-mãe, sendo apenas autonomizada, para efeitos fiscais, com aplicação de um regime especial de tributação.

Os estabelecimentos estáveis de sociedades comerciais não residentes em Portugal  têm personalidade tributária, integrando-se no conceito de «património autónomo» para efeitos de direito tributário.

O alcance deste conceito de «património autónomo» para efeitos fiscais foi analisado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-05-2008, proferido no processo n.º 0200/08, em que se refere o seguinte: ( [1] )

 

  Porém, o alcance da atribuição da personalidade jurídica tributária é relevante exclusivamente para efeitos de tributação, para determinação das obrigações fiscais, não transformando as entidades sem personalidade jurídica em pessoas distintas, para efeitos das suas relações com os devedores.

  A atribuição de personalidade tributária a entidades sem personalidade jurídica, designadamente a estabelecimentos estáveis de não residentes em território português, constitui uma ficção, válida apenas para determinar a medida da tributação, justificada por razões de equidade na repartição interestadual de receitas fiscais, que se reconduz a que a entidade sem personalidade jurídica seja tratada como se fosse um ente distinto da pessoa singular ou colectiva que o cria, para efeitos da determinação da tributação que deve incidir sobre a sua actividade em Portugal.

  Isto é, a atribuição de personalidade tributária a entidades sem personalidade jurídica que não tenham sede ou direcção efectiva em território português tem em vista apenas determinar a «extensão da obrigação de imposto», na terminologia do art. 4.º, do CIRC, em cujo n.º 2 se refere que «as pessoas colectivas e outras entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos».

   Mas, a atribuição de personalidade tributária a um «estabelecimento estável» sem personalidade jurídica não tem quaisquer consequências a nível do património da sociedade-mãe, pois todos os bens que forem afectados à actividade desse estabelecimento estável, continuam a pertencer à sociedade que o criou.

(...)

  Quando se fala em «património autónomo» para efeitos de direito tributário, não é com o sentido que o conceito de património autónomo assume para efeitos do direito civil, que se traduz num regime especial de afectação de determinados bens ao pagamento de determinadas dívidas ( [2]).

  No âmbito do direito tributário, «o que imprime a separação ou autonomia, ao património em causa, não é a sua afectação especial, nem carácter separado da sua administração, nem a sua sujeição a um dado regime de responsabilidade por dívidas, mas o facto de a lei submeter uma massa de bens e direitos a um tratamento fiscal unitário». (...) «A autonomia patrimonial de Direito Tributário – e que é vulgarmente designada por “equiparação a empresa independente” – revela-se enquanto a lei submete a tributação independente os lucros que lhe são directamente imputáveis, ao invés de tributar a pessoa colectiva no seu conjunto ou de tributar analiticamente o residente no estrangeiro por cada um dos rendimentos isolados que auferir, através da retenção na fonte». ( [3] )

           «Todavia, entre nós, a autonomia patrimonial dos estabelecimentos não conduziu à atribuição de personalidade jurídica, para efeitos fiscais, de tal sorte que o contribuinte continua a ser o residente no estrangeiro, só que tributado no país em que a sucursal se situa através de uma metodologia idêntica à das pessoas colectivas aí residentes. Com efeito, o artigo 13.º, n.º 1, do CIRS, e o artigo 2.º do CIRC, consideram sujeito passivo do imposto, não o estabelecimento estável, em, si mesmo considerado, mas as pessoas singulares ou colectivas, residentes no estrangeiro, que sejam os seus titulares». ( [4] )

 

 

Assim, não poderão ser relevantes como «despesas» os fluxos financeiros ocorridos no âmbito patrimonial da sociedade não residente, designadamente entre a empresa-mãe a sua sucursal, que é estabelecimento estável, pois trata-se de fluxos no âmbito da mesma empresa, como defende o Requerente.

Na verdade, como diz o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão citado, «o contribuinte continua a ser o residente no estrangeiro, só que tributado no país em que a sucursal se situa através de uma metodologia idêntica à das pessoas colectivas aí residentes».

Mas, esta ficção de autonomia do estabelecimento estável em relação à empresa não residente só existe para efeitos da tributação com base no rendimento e no âmbito da determinação do lucro tributável, para que se prevê, nos artigos 55.º e 56.º do CIRC, um regime especial.

Com efeito, ressalta do artigo 4.º, n.ºs 2 e 3, do CIRC, que prevêem a «extensão da obrigação de imposto» a entidades não residentes em território português «apenas quanto aos rendimentos nele obtidos», considerando como tal «os imputáveis a estabelecimento estável aí situado», que não se estabelece uma generalizada equiparação do estabelecimento estável a uma entidade independente da empresa-mãe, designadamente para efeitos das tributações previstas no CIRC que não incidem sobre rendimentos, como é o caso da tributação autónoma prevista no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC.

Assim, estando não estando prevista tal ficção para feitos distintos da tributação de rendimentos, nomeadamente para efeitos de tributação com base em despesas, tem de se concluir os movimentos de dinheiro entre uma empresa não residente e o seu estabelecimento estável em Portugal são de considerar, fora do âmbito da tributação do rendimento, como realizados no âmbito da mesma empresa.

E, por isso, não implicando a transferência de fundos do estabelecimento estável para empresa-mãe uma saída de dinheiro da empresa, não se está perante «despesas», para efeitos do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, como defende o Requerente.

À luz deste entendimento, sem prejuízo da eventual relevância que a falta de documentação poderá ter no âmbito da aplicação do regime especial previsto nos artigos 55.º e 56.º do CIRC para determinação do lucro tributável do estabelecimento estável (questão que não é objecto deste processo), tem de se concluir que as transferências monetárias entre uma sucursal para a empresa-mãe não constituem «despesas», para efeitos da tributação autónoma prevista no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC.

No caso em apreço, a prova testemunhal produzida aponta manifestamente no sentido de que pelo menos a maior parte das quantias que não foram encontradas em caixa na Sucursal foram entregues à empresa-mãe e por esta utilizadas na sua actividade (inclusivamente para pagar ao fornecedor K..., como é reconhecido no Relatório da Inspecção Tributária).

No mínimo, em face da prova produzida teria de se ficar numa situação de dúvida quanto ao destino dessas quantias, que, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, tem de ser processualmente valorada a favor do contribuinte e não contra ele.

Pelo exposto, a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, por erro de interpretação do artigo 88.º, n.º 1, do CIRC, o que justifica a sua anulação artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

4. Indemnização por garantia indevida e juros indemnizatórios

 

O Requerente prestou garantia para suspender a execução fiscal instaurada para cobrança coerciva da quantia liquidada e «pede a condenação da AT no pagamento das despesas com a prestação da caução e juros indemnizatórios sobre tal valor pago e a pagar enquanto a caução vigorar, à taxa legal desde a data dos pagamentos até à data efetiva da indemnização, a calcular em execução de sentença».

 

4.1. Juros indemnizatórios

 

Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

Assim, o direito a juros indemnizatórios depende da existência de um pagamento indevido da dívida tributária que é objecto de impugnação.

Não se provou que o Requerente tivesse pago a «divida tributária» em causa, pelo que improcede o pedido de juros indemnizatórios.

 

4.2. Indemnização por garantia indevida

 

O artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

            1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

            2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

            3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

            4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, é manifesto que o erro subjacente à liquidação impugnada é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois a liquidação foi da sua iniciativa e o Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.

Por isso, o Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante exacto da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão, de harmonia com o preceituado no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à ilegalidade da liquidação n.º 2015... de 18-11-2015 e anulá-la;
  2. Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido;
  3. Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão pela garantia prestada para suspender a execução fiscal instaurada para cobrança coerciva da quantia liquidada.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 383.627,69.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 6.426,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 20-02-2019

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(Suzana Fernandes da Costa)

 

 

 

 

 

(José Nunes Barata)



[1] No mesmo sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24-9-2008, processo n.º 0199/08.

[2] Segundo MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral do Direito Civil, volume I, páginas 218-219, património autónomo é o «conjunto patrimonial a que a ordem jurídica dá um tratamento especial, distinto do restante património do titular, sob o ponto de vista da responsabilidade por dívidas».

[3] ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional, 2.ª edição, página 326.

[4] Autor e Obra Citados