Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 204/2018-T
Data da decisão: 2019-03-04  IVA  
Valor do pedido: € 543.430,77
Tema: Cessão de exploração. Transmissão de bens para fora da comunidade. Taxa reduzida. Isenção.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

1. A..., S.A., com o número de identificação de pessoa coletiva ... e sede em  ... ...-... ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos tributários de liquidação adicional de IVA referentes aos anos de 2015, 2016 e 2017, no montante global de € 543.430,77, requerendo ainda a condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

                               A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à avicultura na vertente da produção de ovos para incubação e pintos do dia.

 

Na sequência de dois pedidos de reembolso do IVA, efetuados nas declarações periódicas respeitantes aos meses de novembro de 2016 e junho de 2017, foram desencadeadas ações inspetivas tributárias que determinaram a liquidação adicional de IVA por via das correções introduzidas nos reembolsos solicitados.

 

                               Os reembolsos tinham origem em exportações de bens efetuadas para entidades sediadas em países terceiros, que estão isentas de IVA nos termos da alínea a) do artigo 14.º do Código do IVA, e na cedência mensal de núcleos avícolas para exploração, que se decompõe na locação das instalações e dos equipamentos para desenvolvimento das atividades de recria ou de reprodução, que está sujeita a taxa reduzida de IVA, à luz do disposto na alínea e) da verba 4.2 da Lista I anexa ao Código do IVA.

 

As correções identificadas nos relatórios de inspeção tiveram por base a circunstância de não terem sido apresentados os documentos aduaneiros tidos internamente como adequados para efeitos de reconhecimento do direito à isenção, no que se refere às exportações para países fora da Comunidade Europeia, e por se ter entendido que a cedência de exploração dos núcleos avícolas não pode ser qualificada como locação para fins agrícolas mas como uma cessão de exploração que não está coberta pelo regime de taxa reduzida.

 

                               A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) configurou o contrato de cessão de exploração como um contrato de locação de estabelecimento comercial, isto é, um contrato pelo qual uma parte transfere para outra, temporariamente e mediante retribuição, o gozo e fruição da sua exploração comercial. Quando é certo que a Requerente apenas transferiu, temporária e onerosamente, a favor da cessionária os direitos a utilizar os pavilhões avícolas, assim como os equipamentos que neles se encontrem afetos à exploração avícola e nenhum qualquer outro fator de produção, e, nesse sentido, através do referido contrato apenas transferiu duas componentes suscetíveis de integrar um estabelecimento comercial: as instalações físicas (pavilhões) e os equipamentos existentes no seu interior.

 

                                Não podendo configurar-se a situação do caso como a transmissão de uma unidade comercial ou de um todo indissociável, haverá de aplicar-se a taxa reduzida relativa às prestações de serviços que contribuem para a produção agrícola e silvícola, a que se refere a  verba 4.2 e entre as quais se encontra prestação de serviços decorrente do contrato de “locação, para fins agrícolas, dos meios normalmente utilizados nas explorações agrícolas e silvícolas”.

 

No que se refere às exportações para países terceiros, as correções baseiam-se na ausência de documentos aduaneiros que pudessem suportar a transmissões de bens nos termos do disposto no artigo 29.º, n.º 8, do Código do IVA. Ora, a Requerente solicitou, junto da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, os certificados de origem dos bens e, junto da Direção Geral de Alimentação e Veterinária, os certificados veterinários obrigatórios para permitir a entrada dos ovos para incubação em território da República do ... e do Reino de ..., tendo sido emitidas as correspondentes Declarações de Expedição Internacional.

 

                               As transmissões dos bens foram efetivamente realizadas, tiveram como origem Portugal e como destinos finais a República do ... e o Reino de ... .

 

                               Conclui no sentido de que devem ser anuladas as correções de imposto constantes dos Relatórios de Inspeção Tributária, por errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjetiva do imposto.

 

A AT, na sua resposta, sustenta que o contrato pelo qual a Requerente cedeu, temporária e onerosamente, o gozo e exploração das instalações avícolas, incluindo a totalidade dos equipamentos existentes no seu interior, corresponde não a um contrato de locação mas a um contrato de cessão de exploração, que se não enquadra na alínea e) da verba 4.2 da Lista I anexa ao Código do IVA, e que, como tal, constitui uma prestação de serviços, nos termos das disposições conjugadas do artigos 1.º, n.º 1, alínea a), e 4.º, n.º 1, do Código do IVA, sujeita à liquidação de IVA à taxa normal, segundo  o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º.

Segundo alega, não está em causa o mero arrendamento agrícola pelo qual o locador transfere para o locatário o direito de gozo de um prédio, mas a cessão de exploração pela qual o detentor do estabelecimento transfere para o cessionário o gozo e fruição de uma unidade comercial, não podendo deixar de reconhecer-se que a locação, para fins agrícolas, dos meios normalmente utilizados nas explorações agrícolas ou silvícolas poderá englobar o arrendamento, o usufruto, ou até o gozo temporário das alfaias, utensílios, e equipamentos ou quaisquer outros instrumentos habitualmente usados nas explorações agrícolas ou silvícolas mas não a própria locação de um terreno agrícola ou silvícola. 

 

 No que se refere às transmissões de bens expedidos para fora da Comunidade Europeia, que se encontrem isentas de IVA nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do Código, devem ser comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados, como prevê o n.º 8 do artigo 29.º, sendo que, nos termos do subsequente n.º 9, a falta dos documentos comprovativos determina a obrigação para o transmitente dos bens ou prestador dos serviços de liquidar o imposto correspondente.

 

Ora, a Requerente apenas apresentou os certificados de origem da Câmara do Comércio e Indústria Portuguesa e dos certificados veterinários da Direção Geral de Alimentação e Veterinária, ou seja, os documentos que acompanham as exportações, mas que não são idóneos para comprovar a efetiva receção dos bens nos países destinatários. Sendo que de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 161.º, n.º 1, do Código Aduaneiro Comunitário e 786.º, n.º 1, das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário, a expedição de mercadorias comunitárias para um destino fora do território aduaneiro da Comunidade está sujeito a um regime aduaneiro específico, que pressupõe, nomeadamente, a declaração de exportação feita em nome do sujeito passivo, a quem deve ser entregue o exemplar com a certificação de saída.

 

Devendo entender-se que os documentos alfandegários apropriados destinados a comprovar as transmissões de bens isentas corresponde ao Documento Administrativo Único, que incumbia à Requerente apresentar para beneficiar da isenção de imposto.

 

Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e fixado prazo para a apresentação de alegações escritas facultativas.

 

As partes não alegaram.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.ºda Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 4 de julho de 2018.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não invocadas exceções.

 

Por despacho de 4 de janeiro de 2018 foi determinado a prorrogação do prazo para a prolação da decisão arbitral, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

3. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.

 

A)           A A..., S.A. celebrou um contrato de cessão de exploração com B..., Lda., pelo qual transfere, temporária e onerosamente, a favor da segunda outorgante o gozo e exploração das instalações avícolas identificadas nas alíneas a) a m) da cláusula primeira do contrato, incluindo a totalidade dos equipamentos existentes no interior das mesmas, mediante o pagamento mensal de um valor determinado em função do número de aves alojadas, no início de cada banda, em cada um dos pavilhões que integram os vários núcleos avícolas. As partes contratantes podem ainda acordar que, mediante negociação específica, no decurso da criação de cada bando, o fornecimento dos bens (designadamente rações) e a prestação dos serviços (apanha, acompanhamento técnico, etc.) (doc. n.º 28);

B)           A Requerente efetuou exportações de ovos para incubação para o ... e..., através das faturas n.ºs 2208000553, de 4 de maio de 2017, no montante de € 71.280,00, 2208000555, de 8 de maio de 2017, no montante de € 61.560,00, 208000287, de 17 de maio de 2016, no montante de € 45.100,05, e 2208000293, de 23 de maio de 2016, no montante de  € 23.749,95, que constam dos documentos n.ºs 29, 34, 39 e 45 juntos ao pedido;

C)           Por cada uma das transmissões de bens foram emitidos pela Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa os certificados de origem da mercadoria (documentos n.ºs 30, 35, 40 e 46) e pela Direção Geral de Alimentação e Veterinária os certificados sanitários de exportação de Portugal para os países de destino (documentos n.ºs 31, 41, 47 e 51);

D)           Foram emitidas as Declarações de Expedição Internacional, que identificam o meio de transporte utilizado, a entidade transportadora, o expedidor e o destinatário (documentos n.os 32, 36, 42 e 48);

E)            Foram ainda preenchidos os documentos de acompanhamento de exportação (documentos n.os 33, 37, 43 e 49);

F)            Os documentos de exportação modelo DU relativos às exportações tituladas pelas faturas n.ºs 208000287, de 17 de maio de 2016, e 2208000293, de 23 de maio de 2016, que constam dos documentos n.ºs 34 e 39, em que o destinatário é a C..., S.A., com sede em ..., têm visto da Alfândega de ... (documentos n.ºs 38 e 44);

G)           A Requerente efetuou exportações de ovos para incubação para ..., através da fatura n.º 2208000357, de 15 de julho de 2016, no montante de € 39.314,00;

H)           Pela transmissão de bens referida na alínea anterior foi emitida pela Direção Geral de Alimentação e Veterinária o certificado sanitário de exportação de Portugal para o país de destino (documento n.º 51) e o documento de acompanhamento de exportação (documento n.º 52);

I)             A Requerente foi sujeita a procedimento inspetivo credenciado pela ordem de serviço OI2017..., em vista à análise da situação tributária em sede de IVA decorrente do pedido de reembolso efetuado na declaração periódica de novembro de 2016, no montante de € 1.343.870,67;

J)            No Relatório de Inspeção Tributária referente aos exercícios de 2015 e 2016, entendeu-se que a cedência de exploração mensal para produção de galinhas reprodutoras nos núcleos de recria corporiza uma cessão de exploração, que constitui uma prestação de serviços, nos termos dos artigos 1º, n.º 1, alínea a), e 4.º, n.º 1, do CIVA, sujeita à liquidação de IVA à taxa normal, tendo apurado correções aritméticas no montante de € 218.246,32, para o ano de 2015, e € 210.393,95 para o ano de 2016;

K)           Ainda segundo o Relatório de Inspeção Tributária referente aos exercícios de 2015 e 2016, as transmissões de bens expedidos para fora da Comunidade que se encontrem isentas de IVA, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do Código, devem ser comprovadas por “Certificação de saída para o expedidor/exportador”, o que não se verificou em relação às exportações tituladas pelas faturas n.ºs 2208000287, de 17 de maio de 2016, no montante de €45.100,05, e 2208000293, de 23 de maio de 2016, no montante de  € 23.749,95, e 2208000357, de 15 de julho de 2016, no montante de € 39.314,00, o que determinou o apuramento de imposto a liquidar no total de €6.489,84;

L)            A Requerente foi sujeita a procedimento inspetivo credenciado pela ordem de serviço OI2017..., em vista à análise da situação tributária em sede de IVA decorrente do pedido de reembolso efetuado na declaração periódica de novembro de 2016, no montante de € 1.343.870,67; 

M)          No Relatório de Inspeção Tributária referente ao exercício de 2017, entendeu-se que a cedência de exploração mensal para produção de galinhas reprodutoras nos núcleos de recria corporiza uma cessão de exploração, que não se enquadra no regime de taxa reduzida da alínea e) da verba 4.2 da Lista I anexa ao Código do IVA e constitui uma prestação de serviços sujeita à liquidação de IVA à taxa normal, tendo-se apurado imposto em falta no montante de € 98.913,60;

N)           No Relatório de Inspeção Tributária referente ao exercício de 2017, as transmissões de bens expedidos para fora da Comunidade que se encontrem isentas de IVA, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do Código, devem ser comprovadas por “Certificação de saída para o expedidor/exportador”, o que não se verificou em relação às exportações tituladas pelas faturas n.ºs 2208000553, de 4 de maio de 2017, no montante de € 71.280,00, e 2208000555, de 8 de maio de 2017, no montante de € 61.560,00, o que determinou o apuramento de imposto a liquidar no total de € 7.970,40;

O)           Dá-se como reproduzido o teor do documento n.º 28 junto ao pedido arbitral.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela AT com a resposta.

 

                Matéria de direito

 

                5. Discute-se a questão de saber se a cedência a terceiro da exploração de instalações avícolas, incluindo a totalidade dos equipamentos nelas existentes, se enquadra na previsão da alínea e) da verba 4.2 da Lista I anexa ao Código do IVA, para efeito de ser incluída entre os bens ou serviços submetidos a taxa reduzida. E num segundo momento, se os documentos alfandegários que são exigidos para a transmissão de bens para países fora da Comunidade, isentas de imposto, podem ser constituídos pelos certificados de origem dos bens emitidos pela Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa e pelos certificados sanitários de exportação de Portugal para os países de destino emitidos pela Direção Geral de Alimentação e Veterinária.

 

Cessão de exploração

 

6. O artigo 18.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA estabelece para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a taxa de 6%. Por outro lado, a verba 4.2 dessa Lista I, na sua alínea e), enumera entre os bens e serviços sujeitos a taxa reduzida a “locação, para fins agrícolas, dos meios normalmente utilizados nas explorações agrícolas e silvícolas”.

 

A Requerente defende que a cedência do direito de utilização dos pavilhões avícolas e dos equipamentos que neles se encontrem afetos à exploração avícola não corresponde a uma cessão de exploração de estabelecimento comercial, mas a uma locação, para fins agrícolas, dos meios normalmente utilizados nas explorações agrícolas, que, como tal, se encontraria abrangida pela alínea e) da verba 4.2 da Lista I anexa ao Código de IVA e sujeita à taxa reduzida a que se refere o falado artigo 18.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA.

 

Em contraposição, a AT sustenta que a relação jurídica estabelecida entre as partes não pode ser tida como um contrato de locação, mas a um contrato de cessão de exploração, que se não enquadra na alínea e) da verba 4.2 da Lista I anexa ao Código do IVA, e, como tal, constitui uma prestação de serviços que, nos termos gerais, se encontra sujeita à liquidação de IVA à taxa normal.

 

Não pode deixar de reconhecer-se que o traço característico da cessão de exploração se traduz, não na cedência de fruição do imóvel e do gozo do mobiliário ou do recheio que nele se encontre, mas na cedência temporária do estabelecimento como um todo, como uma universalidade, como uma unidade económica mais ou menos complexa. E, nesse sentido, na transmissão efetuada pelo cedente vai incluído todo o somatório de elementos materiais e imateriais que integram a organização da empresa, desde os móveis e imóveis até à clientela e os contratos com o pessoal e as entidades financeiras (PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. II, 2.ª edição, Coimbra, pág. 491).

 

A cessão de exploração pressupõe, portanto, a transmissão da generalidade dos meios empresariais pertencentes ao cedente que integram o estabelecimento comercial e, assim, todos os elementos com valor económico que pertencem à empresa, não podendo incidir apenas sobre elementos singulares que integram o estabelecimento (COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, vol. I, 2.ª edição, Coimbra, págs. 290-292).

 

No caso, a Requerente celebrou um contrato, denominado como cessão de exploração, pelo qual se limita a transferir, temporária e onerosamente, a favor do cessionário o gozo e exploração de certas instalações avícolas, que se encontram  identificadas no clausulado contratual, incluindo a totalidade dos equipamentos nelas existentes, mas que não corresponde  a uma cessão de exploração de estabelecimento comercial em sentido próprio, visto que não está em causa a transmissão do estabelecimento como uma unidade mas apenas a transmissão de algumas das instalações empresariais que integram o estabelecimento. Nesse sentido aponta ainda a circunstância de a retribuição ter sido fixada, não por referência ao estabelecimento como uma unidade jurídica e económica, mas antes pelo pagamento mensal de um valor determinado em função do número de aves alojadas em cada um dos pavilhões que foi objeto de cedência.

 

O contrato celebrado entre as partes corresponde, nestes termos, a um contrato de locação, pelo qual o locatário adquire o uso e fruição da coisa locada e que poderá definir-se como arrendamento caso se entenda que incide sobre partes integrantes de prédios rústicos. Não se trata, em todo o caso, de um arrendamento rural, isto é, de um arrendamento, total ou parcial, de prédio rústico para fins agrícolas, pecuários ou florestais, ou outras atividades de produção de bens ou serviços associados à agricultura, à pecuária ou à floresta. Não há aí a locação de um prédio rústico, mesmo que parcial, mas a locação de instalações e equipamentos que se destinam ao fim produtivo específico de recria de aves e que adquirem autonomia económica em relação aos prédios rústicos em que se inserem.

 

Não há nenhum motivo para considerar, neste contexto, que não estamos perante uma locação e que não se trata de uma locação, para fins agrícolas, dos meios normalmente utilizados nas explorações agrícolas. 

 

A locação preenche, por conseguinte, o requisito a que se refere a alínea e) da verba 4.2 da Lista I anexa ao Código do IVA, pelo que o pedido arbitral se mostra ser nesta parte procedente.

 

Documentos alfandegários apropriados à exportação de bens para países fora da comunidade

 

7. Referindo-se a isenções nas exportações, operações similares e transportes internacionais, o artigo 14.º do Código do IVA, no seu n.º 1, alínea a), considera isentas do imposto “as transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste”. 

 

                               O artigo 29.º estabelece, entretanto, obrigações acessórias para os contribuintes, entre as quais a que resulta do n.º 8, que assim dispõe: 

 

As transmissões de bens e as prestações de serviços isentas ao abrigo das alíneas a) a j), p) e q) do n.º 1 do artigo 14.º e das alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 15.º devem ser comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados ou, não havendo obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, de declarações emitidas pelo adquirente dos bens ou utilizador dos serviços, indicando o destino que lhes irá ser dado. 

 

O subsequente n.º 9 acrescenta que “a falta dos documentos comprovativos referidos no número anterior determina a obrigação para o transmitente dos bens ou prestador dos serviços de liquidar o imposto correspondente.”.

 

Face ainda ao disposto no artigo 74.º da Lei Geral Tributária, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”. Estando em causa a aplicação de uma norma de isenção de imposto e recaindo especialmente sobre o transmitente dos bens a obrigação de comprovar, através de documentos alfandegários apropriados, a transmissão de bens que se considera isenta, parece claro que é ao sujeito passivo que cabe o ónus da prova dos factos de que depende a atribuição da isenção tributária. 

 

Preliminarmente, importa ainda definir o conceito de documentos alfandegários apropriados a que se refere o artigo 29.º, n.º 8, do Código do IVA. Haverá de considerar-se que estamos perante um conceito indeterminado cuja concretização não depende de um juízo valorativo ou de prognose que confira à AT uma margem de livre apreciação administrativa. Tratar-se-á de um conceito que pode ser determinado de modo intra-

-sistemático através de operações de interpretação jurídica e que tem essencialmente o sentido de norma remissiva para outros lugares do sistema (cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3.ª edição, pág. 190).

 

Na vigência do atual Código Aduaneiro da União, aprovado pelo Regulamento EU 952/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013, o destino aduaneiro das mercadorias é atribuído através do documento administrativo único (DAU)  a que se refere o artigo 2.º, § 5, do Anexo B ao Regulamento Delegado EU 2015/2446 da Comissão, de 28 de julho de 2015, e cujo modelo de formulário consta do título III. O DAU pode ser apresentado às autoridades aduaneiras pelo importador ou pelo seu representante, por via eletrónica, ou mediante entrega direta nos locais da estância aduaneira.

 

No regime precedente, a circular n.º 8/2015, da Divisão dos Serviços de Regulação Aduaneira e da Divisão dos Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado, visando esclarecer o regime do artigo 788.º das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário de 1992, veio estabelecer que a comprovação das transmissões isentas de IVA, nos termos do artigo 29.º, n.º 8, do Código, era efetuada através de certificação de saída para o expedidor/exportador. O modelo de certificação de saída a que se referia a circular constava, por sua vez, do anexo 3 ao ofício circulado n.º 15327/2015. Esse mesmo ofício explicita que a autorização de saída e a certificação de saída têm efeitos distintos: a autorização de saída tem como efeito autorizar a realização da operação de exportação quando ela se processe por transmissão eletrónica de dados através do Sistema de Tratamento Automático da Declaração Aduaneira de Exportação (STADA), sendo substituída pelo Documento de Acompanhamento da Exportação nos restantes casos; a certificação de saída tem como efeito confirmar a saída das mercadorias do território aduaneiro da União.         

 

No caso vertente, o que se constata é que Requerente apresentou as faturas das operações de exportação, os certificados de origem da mercadoria e os certificados sanitários de exportação de Portugal para os países de destino, bem como as declarações de expedição internacional, que identificam o meio de transporte utilizado e os documentos de acompanhamento de exportação. Em dois casos, os documentos de exportação contêm o carimbo da Alfândega. Não está, no entanto, feita a prova da certificação de saída, seja através do modelo que constava do anexo 3 ao Ofício Circulado n.º 15327/2015, seja através do documento administrativo único.

 

Como é sabido, os Regulamentos a que se refere o artigo 288.º do Tratado da União Europeia são obrigatórios e gozam de aplicabilidade direta, o que significa que a sua disciplina se incorpora automaticamente na ordem jurídica interna independentemente de qualquer mecanismo de receção no ordenamento nacional. E nesse sentido aponta o disposto no artigo 8.º, n.º 3, da Constituição, que determina que as normas emitidas por organizações internacionais de que o Estado Português seja parte vigoram diretamente na ordem interna, vinculando o Estado e os cidadãos, independentemente de qualquer ato de aprovação ou ratificação. E, assim sendo, os Regulamentos da União Europeia, sendo vinculativos e produzindo efeitos diretos, geram direitos e obrigações na esfera jurídica dos destinatários.

 

Certo é que a Requerente juntou documentos indiciários de que as exportações tiveram lugar. Não pode concluir-se, no entanto - contrariamente ao que vem afirmado no acórdão proferido no Processo n.º 88/2017-T -, que pode ser dada como provada a transmissão de bens para os efeitos do artigo 29.º, n.º 8, do Código do IVA, com base no princípio da livre apreciação das provas. Este princípio, com assento no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, permite que o juiz torne como provado um facto, com base na sua íntima convicção gerada em face do material probatório trazido ao processo. Mas como logo acrescenta essa disposição, “a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.

 

No caso dos autos, como se deixou esclarecido, a comprovação da transmissão de bens, para efeito de isenção de imposto, terá de feita através dos documentos alfandegários apropriados. Numa interpretação sistemática e que tenha em conta a teleologia da norma, documentos alfandegários apropriados não podem ser tidos como sendo quaisquer documentos alfandegários ou quaisquer documentos que revelem indiciariamente, sob a livre apreciação do juiz, que foi efetuada a transmissão. Tratando-se de um conceito jurídico indeterminado não poderá ser preenchido através de um juízo valorativo de livre apreciação da AT ou do julgador, mas unicamente por via da interpretação da lei.

 

O conceito indeterminado é aqui utilizado como um instrumento técnico-legislativo destinado a efetuar uma remissão intra-sistemática. Isto é, trata-se de uma norma que, não regulando diretamente a questão de direito, manda aplicar outras normas do sistema jurídico, contidas no mesmo ou noutro diploma legal, em que a questão se encontre estatuída (cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1993, pág. 105). E a integração do conceito terá, nesses termos, de ser efetuada por via dos dispositivos que definem o procedimento aduaneiro de exportação de bens para fora da comunidade, que, como ficou dito, se reconduz ao chamado documento administrativo único, a que corresponde ao modelo de certificação de saída de mercadorias, que, de resto, a própria AT especificou, através de circular, como sendo o documento que poderá comprovar a exportação de mercadorias para efeito de isenção de IVA.

 

Deste modo, não sendo possível dar como assente que a Requerente comprovou através do documento alfandegário apropriado a saída das mercadorias para país fora da Comunidade, não pode considerar-se aplicável a isenção a que se refere o artigo 29.º, n.º 8, do Código do IVA, havendo lugar à liquidação do correspondente imposto nos termos do subsequente n.º 9.

 

O pedido arbitral mostra-se, pois, ser improcedente nesta parte.  

 

Juros indemnizatórios

 

8. A Requerente pede ainda a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de retenção na fonte, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT), relativamente aos atos tributários que são objeto de anulação.

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide:

a)            Julgar parcialmente procedente o pedido arbitral e anular os atos tributários que determinaram correções nos montantes de € 218.246,32, € 210.393,95 e € 98.913,60, respetivamente, para os anos de 2015, 2016 e 2017;

b)           Julgar improcedente o pedido arbitral no que se refere aos restantes atos tributários que foram objeto de impugnação;

c)            Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios em relação aos atos tributários que foram objeto de anulação. 

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 543.430,77, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 8.262,00, que fica a cargo da Requerente e Requerida, na proporção de 1/36 avos.

 

Notifique.

 

Lisboa, 4 de março de 2019

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

Rita Guerra Alves

 

O Árbitro vogal

Hélder Filipe Faustino