Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 269/2018-T
Data da decisão: 2019-04-05  IRC  
Valor do pedido: € 8.720.786,64
Tema: IRC – Faturas Falsas – ónus da prova – Art. 23.º do CIRC.
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DECISÃO ARBITRAL

                                 

Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Prof. Doutor Paulo Jorge Nogueira da Costa e Dr. Luís Oliveira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 6 de agosto de 2018, acordam no seguinte:

 

 

  1. Relatório

 

A..., S.A., pessoa coletiva número..., com sede na Rua ..., n.º..., sala..., ...-... Porto, Lisboa, adiante designada por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com vista à declaração de ilegalidade, e consequente anulação, das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e juros compensatórios e moratórios inerentes, relativos aos exercícios de 2010, 2011, 2012 e 2013, que resultaram no valor global a pagar de € 8.720.786,64.

                                                                                      

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

 

Como fundamento do pedido anulatório, a Requerente alega os seguintes vícios, de ordem formal e material:

  1. Preterição de formalidades essenciais por ausência de fundamentação substantiva que indicie faturação falsa e consequente ilegal inversão do ónus da prova;
  2. Violação dos princípios da boa fé, da proporcionalidade e da justiça e da proibição do arbítrio;
  3. Erro sobre os pressupostos de facto e de direito;
  4. Inexistência de facto tributário.

 

            A título subsidiário e sem conceder, a Requerente considera ainda que, em caso de fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, as liquidações devem ser anuladas nos termos do artigo 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

            A Requerente juntou 16 (dezasseis) documentos e não requereu prova testemunhal.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT, em 1 de junho de 2018.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

            Em 16 de julho de 2018, foram as partes notificadas dessa designação, não tendo oposto recusa, nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 6 de agosto de 2018, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.

 

            Em 28 de setembro de 2018, a Requerida apresentou a sua resposta pugnando pela improcedência e consequente absolvição de todos os pedidos, com as legais consequências.

 

Para tanto, a Requerida salienta que as correções de IRC estão devidamente fundamentadas, de facto e de direito, no RIT, comprovando-se indícios de utilização de faturas falsas que não titulam operações reais e efetivas transações (aquisições) de bens.

 

Neste âmbito, sustenta que não lhe está vedada a utilização de todos os meios de prova, incluindo informações das entidades judiciárias, como as obtidas no processo de inquérito por fraude fiscal n.º .../12... T..., ou junto de outros serviços da AT e, bem assim, dos elementos recolhidos em diligências inspetivas realizadas ao emitente das faturas e a destinatários de faturas provenientes do mesmo emitente, nos termos dos artigos 13.º, alínea b), 29.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”).

 

A Requerida conclui que ficaram demonstrados fortes indícios de faturação falsa, capazes de abalar a presunção legal de veracidade constante do artigo 75.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), indícios que a Requerente não conseguiu contrariar, em virtude de as suas alegações não terem a mínima sustentação probatória.  Verificados os pressupostos legais que legitimam as correções à matéria tributável declarada por parte da AT, passou a incumbir à Requerente o ónus da prova da veracidade das operações (artigo 74.º da LGT), que esta, no entanto, não produziu, nem no âmbito da ação inspetiva, nem no da presente ação arbitral.

 

A Requerida arrolou duas testemunhas e, em 4 de outubro, procedeu à junção do processo administrativo (“PA”).

 

Por despacho de 8 de outubro de 2018, o Tribunal Arbitral determinou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, com inquirição das testemunhas indicadas pela Requerida. Em requerimento autónomo, a Requerente solicitou a apreciação da (in)utilidade da prova testemunhal, bem como da realização da reunião prevista no referido artigo, que o Tribunal manteve com fundamento no possível contributo para a descoberta da verdade material. 

 

Em 12 de novembro de 2018, realizou-se a referida reunião, na qual foram ouvidas as testemunhas da AT, B... e C... .

 

            O Tribunal notificou as partes para alegações escritas sucessivas, com fixação do prazo de 10 dias, e designou o dia 5 de fevereiro de 2019 como data limite para prolação da decisão arbitral, advertindo a Requerente para, até essa data, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e comunicar esse pagamento ao CAAD.

 

            Ambas as partes apresentaram alegações e mantiveram as posições dos articulados iniciais.

 

            A Requerente acrescentou que a AT, na Resposta, lançou mão de alegações e elementos novos, nunca antes informados ao contribuinte. Defende ter ficado assumido pela prova testemunhal que os operadores não declarantes apenas foram identificados pela AT por força das declarações fiscais da Requerente, pela sua atuação conforme e transparente, que evidenciou a alegada fraude. Alega que o facto de as testemunhas arroladas pela AT terem estado envolvidas na ação policial, levou-as a trair o princípio da imparcialidade e o da verdade material. Conclui que as compras estão devidamente documentadas, de acordo com o artigo 42.º, n.º 1, alínea g) do Código do IRC, e que a AT apenas coloca em causa o gasto com fundamento de “quem se apresentou à venda assumir identidade diferente da verdadeira”, ou seja, na interposição física e efetiva de pessoa, o que não constitui causa para a desconsideração do custo, por se tratar simplesmente do exercício de mandato sem representação.

 

            A Requerida contra-alegou reiterando a verificação dos fortes e fundados indícios de faturação falsa. Considera que as testemunhas corroboraram de forma objetiva os factos constantes do RIT e rejeita que a Resposta contenha elementos novos ou nova argumentação, pois limita-se a invocar a factualidade vertida no RIT.

 

* * *

 

            A Requerida suscitou, nesta sede, a intempestividade das alegações da Requerente, apresentadas em 26 de novembro de 2018, e solicita o seu desentranhamento, com base no artigo 139.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”). No entanto, esta posição não atende ao disposto no n.º 5 do mesmo preceito, segundo o qual é admitida a prática do ato processual dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, sem prejuízo das necessárias adaptações ao processo arbitral no que respeita ao pagamento da multa. Tendo a notificação para alegações ocorrido em 12 de novembro de 2018, com a fixação de um prazo de 10 dias, constata-se corresponder o dia 26 de novembro (segunda-feira) ao terceiro dia útil subsequente, pelo que o Tribunal indefere o pedido de desentranhamento.

 

* * *

 

            Por despacho de 28 de janeiro de 2019, à face da complexidade das questões suscitadas, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT. 

 

            Ambas as partes procederam à junção superveniente de documentos, designadamente a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 207/2018-T, referente à matéria de IVA, e as alegações do correspondente Recurso interposto pela Requerente para o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”).

 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

 

  1. Fundamentação

 

  1. Matéria de Facto

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

  1. A sociedade comercial A..., S.A., adiante também designada por “Requerente” ou “A...”, pessoa coletiva número..., foi constituída em 13 de outubro de 2009, na forma de sociedade por quotas, tendo sido transformada em sociedade anónima em 23 de setembro de 2010. Tem sede na Rua ..., n.º..., ...,...–... Porto, sendo o órgão periférico competente o Serviço de Finanças de Porto..., e a sua atividade é exercida na Rua ..., n.ºs ... a ..., também no Porto – cf. Relatório de Inspeção Tributária incluindo os respetivos anexos, também designado por “RIT”, constante do PA, e documento 2 (certidão permanente da A...) junto com o pedido de pronúncia arbitral (“ppa”).

 

  1. O objeto social da Requerente é a “reciclagem de metais preciosos, comércio de metais preciosos, comércio de pedras preciosas e comércio de bens em segunda mão”, tendo iniciado a respetiva atividade, para efeitos fiscais, em 1 de janeiro de 2010. Declarou, como atividade principal, a “obtenção e primeira transformação de metais preciosos” – CAE 24410 – e, como atividades secundárias, o “comércio a retalho de artigos em segunda mão em estabelecimento especializado” – CAE 47790 – e o “comércio a retalho de relógios e artigos de ourivesaria e joalharia em estabelecimento especializado” – CAE 47770 – cf. RIT e documento 2 (certidão permanente da A...) junto com o ppa.

 

  1. A Requerente possui contabilidade organizada, segundo o Sistema de Normalização Contabilística (“SNC”), e está enquadrada no regime geral de tributação em IRC – cf. RIT.

 

  1. A Requerente apresentou dentro do prazo legalmente previsto para o efeito as declarações periódicas de rendimentos modelo 22 referentes aos exercícios de 2010, 2011, 2012 e 2013 e, bem assim, as declarações anuais de informação empresarial simplificada (“IES”) relativas aos mesmos exercícios – cf. documentos 3 (modelos 22) e 4 (IES) juntos com o ppa e RIT.

 

  1. Entre os anos 2010 e 2013, a Requerente registou e declarou aquisições de bens, entre outros, aos seguintes fornecedores:
  1. D..., Lda. (“D...”)
  2. E... Unipessoal, Lda. (“E...”)
  3. F..., Lda. (“F...”)
  4.  G... Unipessoal, Lda. (“G...”)
  5. H...  (“H...”)
  6. I..., Lda. (“I...”)
  7. J... Unipessoal, Lda. (“J..., Lda”)
  8. K...

 

            – cf. RIT.

 

  1. No ano 2013, a Requerente contabilizou também suprimentos em espécie, de ouro fino, por parte de K..., L... e M...– cf. RIT.

 

  1. Entre os anos 2010 e 2013, os fornecedores D..., H... e J..., Lda não entregaram declarações fiscais, pelo que não reportaram quaisquer vendas realizadas à Requerente. Os demais fornecedores identificados na alínea E supra –F..., G... e I...– tendo apresentado declarações fiscais (ou algumas, como no caso da I...), não reportaram a realização de vendas à Requerente – cf. RIT. 

 

  1. As faturas pré-impressas que titulam as operações de venda de bens dos fornecedores D..., E..., F..., H... e G... à Requerente foram impressas na tipografia N... Lda., e encomendadas por O... (sócio-gerente da G...) ou por H..., sendo, em geral, entregues na ourivesaria deste localizada na rua da ..., em Lisboa – cf. RIT e depoimento das testemunhas. 

 

  1. Nos anos 2010 e 2011, a sociedade P... Lda. prestou serviços de afinação de metais preciosos à Requerente, nas importâncias de € 4.065,56 e de € 58.004,34 – cf. documento 16 junto com o ppa.

 

  1. Nos anos 2012 e 2013, a sociedade Q..., Unipessoal, Lda. prestou serviços de afinação de metais preciosos à Requerente, nos valores de € 231.285,86 e de € 167.371,08 – cf. documentos 14 e 15 juntos com o ppa.

 

  1. Os serviços de afinação eram prestados no âmbito da transformação e reciclagem do metal adquirido pela Requerente, sob a forma de “ouro cascalho” ou de “artefactos de ouro”, para ouro puro (“ouro fino”), com um toque (percentagem de ouro) de 999, que era subsequentemente fornecido aos seus clientes, maioritariamente localizados fora do mercado português, em especial na Bélgica (...) e em Itália (...), como ouro de investimento – cf. RIT e depoimento das testemunhas.

 

  1. Os clientes estrangeiros pagavam à Requerente unicamente por transferência bancária internacional – cf. documento 13 junto com o ppa.

 

  1. Em agosto e setembro de 2017, a AT deu início a um procedimento de inspeção à Requerente, com incidência nos anos 2010, 2011, 2012 e 2013, credenciado pelas ordens de serviço externas n.ºs OI2012..., OI2013..., OI2013..., OI2013..., OI2017..., OI2017... e OI2017..., de âmbito geral, com exceção do ano 2013, que abrange apenas o IRC e o Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) – cf. RIT.

 

  1. O procedimento inspetivo foi motivado pelas seguintes causas:
  1. Envolvimento do sujeito passivo no âmbito do processo de inquérito n.º .../12...T..., que correu termos no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (“DCIAP”) em Lisboa, e que terminou com despacho de acusação segundo o qual, nos anos 2010, 2011, 2012 e 2013, a Requerente “obteve vantagem patrimonial indevida, pela via da diminuição da matéria coletável de IRC e pela dedução indevida de IVA, em virtude de, entre outros gastos, ter contabilizado e considerado gasto para efeitos fiscais, faturas de compras que não correspondem a quaisquer transações”;
  2. Comunicação da DSIFAE, após ter sido identificado que a Requerente teve um aumento brutal das transmissões intracomunitárias e das exportações nos anos 2011 e 2012 e que existiam incongruências entre os valores inscritos na sua declaração anual e os constantes dos anexos O e P de terceiros, verificando-se divergências com vários fornecedores que não declararam as vendas efetuadas à Requerente;
  3. Integração no processo da Requerente de um evento criado pela Direção de Finanças de Setúbal, após constatação de que a sociedade R..., Unipessoal Lda. emitiu faturas de venda de ouro para a A..., em maio e junho de 2013, transmissões em que a obrigação de liquidação de IVA é da responsabilidade do adquirente, mas que a Requerente não fez constar dos seus anexos de fornecedores; e
  4. Pela análise dos pedidos de reembolso de IVA dos períodos de “2013 04, 2013 05, 2013 06, 2013 07, 2013 08 e 2013 09”,

– conforme enunciado no RIT.

 

  1. No âmbito desta ação de fiscalização efetuada à Requerente, a AT realizou diversas diligências externas, acompanhando a Polícia Judiciária em buscas, e recolheu documentos contabilísticos e extracontabilísticos, tendo a técnica da equipa de inspeção falado diretamente com diversos fornecedores da Requerente, como é o caso de J... e I...– cf. depoimento das testemunhas.

 

  1. Os processos de inquérito criminal que abrangeram a Requerente ou alguns dos seus fornecedores, designadamente o n.º.../12...T..., que correu no DIAP em Lisboa, de que foram extraídos elementos instrutórios para o procedimento inspetivo tributário em análise, foram desenvolvidos com equipas de investigação mistas, compostas por agentes Polícia Judiciária e funcionários da AT – cf. depoimento das testemunhas.

 

  1. De entre esses elementos instrutórios constam as seguintes declarações prestadas às autoridades – cf. PA:
    1. H...– sócio-gerente da E... e da F..., também com atividade em nome individual:

- conhece a Requerente e a empresa S... (T...) com as quais efetuou vendas de ouro/prata/cascalho;

- os clientes e fornecedores da E... são os mesmos de O... cuja identidade desconhece;

- O... propôs-lhe a criação da empresa E..., para ser gerida de facto por aquele e para faturar até € 100.000,00 ano, em contrapartida do pagamento da quantia mensal de € 500,00, que lhe transferia para a Ucrânia onde H... residiu entre finais de setembro de 2009 e 2011, tendo, para o efeito, assinado uma procuração conferindo poderes de faturação a O...;

- criou a F... por sua iniciativa, com o intuito de voltar para Portugal;

- em finais de 2011 foi contactado por um representante da Requerente a informá-lo que tinham faturas suas emitidas em data anteriores ao início da sua atividade. Por seu desconhecimento abordou O... que o informou ter mandado fazer uns livros de faturas da F..., para realizar as ditas faturas;

- as únicas faturas que emitiu em nome individual, perfazem cerca de € 15.000,00 em artefactos/prata cascalho, efetuadas no final de 2012 e entregues em Lisboa;

- nunca faturou à Requerente em nome da E... e da F..., presumindo que as faturas que existem foram efetuadas por O...;

  1. U...– sócio-gerente da J... Unipessoal, Lda.:

- foram emitidas faturas à Requerente em várias ocasiões em quase todos os dias entre julho e outubro de 2013, sempre nos escritórios da S... . O teor das faturas era indicado em conjunto pelo T... e pelo V..., data, montante e artefactos em ouro;

- o ouro a que se referem as faturas pertencia ao T... e ao V...;

- as faturas tinham IVA a 23% e depois de as emitir aguardava no escritório que o V... fosse ao escritório da Requerente de onde trazia o pagamento;

- no que se refere às faturas da S... não tinham IVA liquidado, mencionando “IVA bens em segunda mão”;

  1. W...– sócio-gerente da D... Unipessoal, Lda.:

- adquiriu as quotas desta sociedade há 20 anos, tendo apresentado a última fatura emitida pela sociedade em 29 de setembro de 2008;

- Em 2010/2011, iniciou uma colaboração com O... na abertura na loja daquele, recebendo em contrapartida o pagamento diário do almoço;

- gradualmente foi ficando na loja e recebia uma gratificação sem caráter de obrigatoriedade, que rondava os 75,00 € por semana;

- o volume de negócios de O... equivale aproximadamente a 1 kg de ouro de artefactos por mês (€ 30.000,00);

- não se lembra de O... vender ouro fino, nem de ter fundido ouro/artefactos;

- nunca efetuou qualquer negócio com a Requerente ou o seu sócio-gerente K... e X..., nem os conhece pessoalmente;

- confrontado com as faturas emitidas pela sua sociedade à Requerente, manifestou desconhecimento da sua verdadeira autoria, não correspondendo a qualquer transação comercial efetuada por si, não reconhece a sua letra, nem os intervenientes nas faturas;

- conhece a tipografia N..., Lda., relacionada com negócios efetuados com O..., a quem efetuava serviços pontuais, como o levantamento e entrega dos livros de faturas, contudo nunca pediu faturas nesta tipografia em nome da sua empresa (D...), nem se recorda de ter visto os livros encomendados por O... naquela tipografia;

 - confrontado com as quantidades de outro faturadas pela sua empresa diz nunca ter tais quantidades, quer na sua posse, quer de pessoas ligadas ao ouro que conhece, nomeadamente O...;

- diz conhecer H..., através de O..., a pedido de quem efetuou transferências através da ... em valores aproximados de € 100,00 a € 200,00;

  1. Y..., Proprietário da N..., Lda.:

- confirmou a elaboração de faturas para as empresas D..., E..., G..., H... e F...;

- O... era seu cliente habitual e as encomendas eram feitas por via de contacto telefónico e todo o material entregue na ourivesaria daquele, na Rua da ...;

- Relativamente a H..., foi o próprio que solicitou as suas faturas e as da F...;

  1. M...– procurador com poderes para representar a Z...:

- afirma que AA... é o responsável pela empresa Z... criada em finais de 2011, formalmente constituída por uma cidadã de nacionalidade brasileira, BB..., que conheceu e estava de viagem marcada para o Brasil, não tencionando regressar, e que, na sequência da constituição da sociedade lhe passou uma procuração. A referida cidadã recebeu a quantia de € 5.500,00 paga por AA...; 

- as faturas da empresa Z... foram-lhe entregues por AA... soltas, sem ordem seguida e de várias séries, num total de 400, com o intuito de realizar capital;

- entregou 100 destas faturas a CC... (da I...), que pagou por elas € 16.500,00, dos quais € 3.500,00 foram destinados ao advogado, Dr. DD... . As restantes 300 faturas foram vendidas ao Sr. ZZ... por € 45.000,00, que este não pagou; 

- a Z... nunca teve um local fixo de funcionamento, não vendeu nem comprou nenhum ouro a CC... (I...), ou a qualquer outra entidade;

- desconhece o volume de faturação anual da Z..., seus clientes, fornecedores e formas de pagamento.

 

  1. Os cheques emitidos pela Requerente para pagamento das faturas da I... eram normalmente levantados por CC..., que se deslocava ao banco acompanhado por funcionário(s) da Requerente, a quem entregava o dinheiro após levantamento “à boca do caixa”. Idêntico procedimento era adotado no que se refere aos cheques emitidos a J..., Lda., cujo sócio-gerente os levantava em regra acompanhado de um funcionário da empresa S...– cf. depoimento das testemunhas.

 

  1. Na sequência desta ação inspetiva, após ter sido notificada do Projeto de Relatório, relativamente ao qual exerceu o direito de audição, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária, incluindo anexos, no qual se determina, para além das correções de IVA que não são objeto da presente ação, os seguintes ajustamentos à matéria coletável de IRC da Requerente:
  1. 2010 – € 43.980,60
  2. 2010 – € 3.645.502,50
  3. 2010 – € 2.341.512,24
  4. 2010 – € 19.007.123,85 

            – cf. RIT.

 

  1. O Relatório de Inspeção que aqui se dá por integralmente reproduzido, foi sancionado por despacho do Diretor de Serviços, em 28 de dezembro de 2017, contendo os seguintes fundamentos:

D.4 – OBRIGAÇÕES DECLARATIVAS

 […]

D.4.2 – Em sede de IRC

Nas declarações de rendimentos Mod/22 destacam-se as seguintes rúbricas:

 

Ano

Volume de Negócios

(Vendas + P. Serviços)

Compras

Resultado

Líquido contabilístico

Lucro

Tributável

2010

26.698.362,02 €

26.175.783,10 €

167.146,96 €

239.031,22 €

2011

116.468.835,60 €

115.978.954,31 €

262.287,77 €

403.583,67 €

2012

232.468.556,57 €

230.154.601,75 €

742.610,05 €

1.046.842,41 €

2013

119.204.631,17 €

116.872.652,92 €

507.854,23 €

784.908,55 €

Conforme se pode verificar nos anos de 2011 e 2012, o valor das vendas declaradas cresceu exponencialmente, tendo sofrido uma forte quebra em 2013 quando comparado com 2012.

[…]

D.5.2 – Anexo P4

4 A lista de fornecedores é demasiado grande para incluir no relatório, por isso foram mencionados apenas os mais relevantes.

Nos anexos P entregues pela A..., foram indicados vários fornecedores, com o montante anual de operações efetuadas, superior a €25.000,00 (valor com IVA incluído), que foram investigados nos processos de inquéritos .../12... T..., ou .../12... T... e que passamos a discriminar:

 

Ano

NIF

Nome do Fornecedor

Valor em Compras

 

 

 

2010

...

X...

3.556.565,00 €

...

K...

1.569.207,00 €

...

V...

49.200,00 €

...

H...

66.290,00 €

...

G... UNIPESSOAL LDA

68.552,00 €

...

EE... LDA

3.980.820,00 €

...

FF... UNIPESSOAL LDA

273.497,00 €

Total

9.564.131,00 €

 

 

 

 

 

 

2011

...

GG...

2.105.664,00 €

...

X...

5.854.674,00 €

...

H...

1.387.397,00 €

...

HH...

1.441.204,00 €

...

G... UNIPESSOAL LDA

787.744,00 €

...

EE... LDA

14.530.367,00 €

...

E... UNIPESSOAL LDA

2.186.080,00 €

...

II... LDA

1.339.064,00 €

...

FF...UNIPESSOAL LDA

3.403.315,00 €

...

JJ... LDA

614.961,00 €

...

F... LDA

662.480,00 €

Total

34.312.950,00 €

 

 

 

 

 

 

 

 

2012

...

GG...

4.148.174,00 €

...

X...

1.390.205,00 €

...

KK...

551.374,00 €

...

R...

429.712,00 €

...

LL...

982.760,00 €

...

HH...

3.121.265,00 €

...

G... UNIPESSOAL LDA

2.412.440,00 €

...

I... LDA

4.914.698,00 €

...

EE... LDA

8.922.818,00 €

...

II... LDA

21.794.400,00 €

...

FF... UNIPESSOAL LDA

10.373.478,00 €

...

JJ... LDA

6.897.816,00 €

...

F... LDA

469.700,00 €

...

MM... UNIPESSOAL LDA

1.044.382,00 €

...

R... UNIPESSOAL LDA

158.106,00 €

...

NN... LDA

84.390,00 €

Total

67.695.718,00 €

 

 

 

 

 

 

 

 

2013

...

GG...

1.773.896,00 €

...

KK...

445.350,00 €

...

LL...

109.379,00 €

...

HH...

762.563,00 €

...

G... UNIPESSOAL LDA

237.450,00 €

...

I... LDA

17.427.318,00 €

...

J... UNIPESSOAL LDA

4.475.117,00 €

...

EE... LDA

1.651.262,00 €

...

II... LDA

5.481.635,00 €

...

FF... UNIPESSOAL LDA

4.289.903,00 €

...

JJ... LDA

3.462.097,00 €

...

OO...– UNIPESSOAL LDA

3.291.424,00 €

...

R... UNIPESSOAL LDA

621.331,00 €

...

NN... LDA

404.814,00 €

...

PP... UNIPESSOAL LDA

101.161,00 €

...

QQ... LDA

3.420.091,00 €

...

K...

48.855,00 €

Total

48.038.887,00 €

Verificou-se que os valores de compras mencionados pela A... não foram declarados por H..., F..., E... Unipessoal, Lda., V..., PP... Unipessoal Lda. e U... Unipessoal, Lda., tratando-se de entidades não declarantes, para efeitos fiscais.

Para além destas empresas, existem outras que, apesar de serem declarantes em termos fiscais, ou declaram valores de vendas para a A... substancialmente inferiores aos declarados por esta, como é o caso de GG... ou nem sequer mencionaram a A... nas suas declarações fiscais, como é o caso da G..., Lda, MM... Unipessoal, Lda. e PP... Unipessoal, Lda.

[…]

E – DILIGÊNCIAS EXTERNAS

Atendendo a que os elementos relevantes para efeitos de apuramento da situação tributária do sp foram apreendidos no âmbito do processo de inquérito n.º .../12...T..., que correu termos no Departamento Central de Investigação e Ação Penal – Lisboa, de que foi dado despacho de acusação, através dos ofícios n.º 2017... e 2017..., solicitaram estes Serviços ao Tribunal Judicial da Comarca de …, Instância Local Criminal, e Tribunal de …, no …, respetivamente, autorização para a sua consulta e análise, bem como dos restantes elementos integrantes do referido processo, considerados relevantes para efeitos de tributação dos exercícios em análise, bem como a extração de fotocópias dos documentos necessários para o efeito. A autorização solicitada foi concedida.

 

CAPÍTULO III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

A – ANÁLISE DA CONTABILIDADE DA A..., SA

A.1 – ATIVIDADE EXERCIDA

O sujeito passivo opera no mercado de compra e venda de metais preciosos, sendo as aquisições efetuadas essencialmente no mercado interno a empresas e/ou empresários em nome individual.

Entre os seus fornecedores encontram-se: X..., K..., EE..., Lda., GG..., KK..., LL..., HH..., H..., E... Lda., F... Lda., G... Lda., JJ..., MM... Lda., II... Lda., OO... Lda., U... Lda., I... e QQ..., que conforme se referiu no ponto D.5.2, foram investigados nos processos de Inquérito .../12... T..., ou .../12... T....

As vendas são efetuadas para o mercado interno e mercado intracomunitário.

O principal cliente no mercado interno é a empresa RR..., NIPC:..., que lhe adquiriu essencialmente ouro fino.

As transmissões intracomunitárias, inexistentes em 2010, assumem um peso relevante nos anos seguintes, representando 26%, 73% e 82% do total das vendas declaradas, nos anos de 2011, 2012 e 2013, respetivamente.

A.2 – COMPRAS SUPORTADAS POR FATURAS FALSAS

A A..., declarou ter efetuado compras às empresas, D... Sociedade Unipessoal, Lda., E... Unipessoal, Lda., F..., Lda., G... Unipessoal, Lda., H..., I..., Lda., J..., Lda., e K..., todas estas entidades fortemente indiciadas na emissão de faturação falsa, conforme consta do despacho de acusação do processo de inquérito n.º.../12...T..., e cuja caraterização passamos a apresentar.

A.2.1 –D..., Lda.

D...Lda. é uma sociedade unipessoal por quotas, que iniciou atividade em 1960-12-28 e cessou-a, para efeitos de IVA, em 2009-10-15. Esteve registada pelo exercício da atividade de "outro comércio por grosso de bens de consumo, não especificados", CAE 46494. Em sede de IVA estava enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral e em sede de IRC no regime simplificado de tributação até 2009-12-31, encontrando-se, a partir dessa data, no regime geral de tributação.

Tem morada fiscal na rua ..., n.º..., em Lisboa, desde a sua cessação de atividade. Até à cessação de atividade, a morada fiscal correspondeu à sede social na ..., n.º..., ..., em Lisboa.

Apresentou todas as declarações fiscais a que estava legalmente obrigada. Contudo, apenas declarou, no ano de 2008, um volume de negócios de €5.829,15, e nos anos de 2009 e 2010, um volume de negócios de €0,00.

Não obstante, nos anos de 2008 a 2010, existem entidades que declararam ter efetuado valores significativos de aquisições à sociedade D... Lda., entre as quais a A... que em 2010 declarou ter-lhe efetuado aquisições no valor de €21,372,00, apesar da D..., Lda. já não exercer efetivamente qualquer atividade desde o ano de 2008.

No que concerne à fatura que se encontra na contabilidade da A..., relacionada no ponto A.2.11 deste capítulo, verifica-se que foi emitida quando D... Lda. já tinha cessado a sua atividade e da observação da mesma conclui-se que pertence a um bloco de faturas requisitado na Tipografia "N... Lda.", encomendado por O...5 e entregue na ourivesaria deste localizada na rua da ..., em Lisboa. Retira-se também que, tal como outras faturas emitidas em nome da D... Lda., foi preenchida com caligrafia semelhante à de SS..., ex-mulher de O....

O pagamento desta fatura foi lançado contabilisticamente pela A... por contrapartida de "Caixa", tendo como documento de suporte um recibo. Da investigação efetuada no âmbito do processo de inquérito, não foi encontrado qualquer comprovativo do pagamento desta fatura, nem na contabilidade nem nas contas bancárias tituladas pela A..., nem nas contas bancárias tituladas ou co-tituladas por D... Lda. ou pelo seu sócio-gerente W... . Esta fatura foi, alegadamente, paga em numerário.

O sócio-gerente da D... Lda., W..., esclareceu, em auto de interrogatório de que se junta fotocópia em anexo 2, não conhecer K... nem a sociedade A..., e nunca ter efetuado qualquer negócio com estes.

O responsável da tipografia, Y..., esclareceu por sua vez, em auto de interrogatório de que se junta fotocópia em anexo 3, que estas foram encomendadas por O... e entregues na ourivesaria deste, localizada na rua da ..., em Lisboa.

Ficou assim comprovado que a fatura emitida em nome de D... Lda. para a A... não consubstancia uma transação real e efetiva entre aquelas duas entidades, tratando-se, por conseguinte, de faturação falsa.

A.2.2 –E...Unipessoal, Lda.

A E... Lda., com morada fiscal na avenida ..., n.º..., ..., em Lisboa, iniciou atividade em 2009-09-24, com a CAE principal – 46480 "comércio por grosso de relógios e artigos de ourivesaria e joalharia" e a CAE secundário – 47770 "comércio a retalho de relógios e artigos de ourivesaria e joalharia em estabelecimento especializado".

Ficou enquadrada, em sede de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral e, em sede de IRC, no regime geral de tributação.

A partir de 2011-01-01, passou a estar enquadrada em sede de IVA no regime normal de periodicidade mensal.

O seu único sócio é H..., a quem foram atribuídas as funções de gerência.

A E... Lda. apenas entregou a declaração de rendimentos de IRC do ano de 2009. A partir desse ano não entregou qualquer declaração de rendimentos de IRC.

Em sede de IVA apenas apresentou duas declarações referentes ao ano de 2009 e três relativamente ao ano de 2010. A partir do 3.º trimestre de 2010 (1009T), não entregou qualquer declaração periódica de IVA.

Não obstante, entre 2009 e 2012, existem diversas entidades, que declaram valores significativos de aquisições à E... Lda., valores que em nada se coadunam com a situação declarativa da E... Lda. Entre as entidades que declararam ter efetuado aquisições à E..., Lda, encontra-se a A..., que nos anos de 2010 e 2011 registou na sua contabilidade faturas emitidas em nome da E... Lda., cuja relação se apresenta no ponto A.2.11 deste capítulo, nos montantes de €22.608,60 e de €2.186.080,00, respetivamente.

No que concerne a funcionários, a E... Lda. não consta como entidade pagadora de rendimentos.

Os documentos de faturação da E... Lda. são pré-impressos, foram requisitados na tipografia "N...  Lda. e todos foram preenchidos com caligrafia semelhante à de O... .

Nos recibos que suportam o registo contabilístico dos pagamentos destas faturas consta a indicação que o pagamento foi em dinheiro. No entanto, em relação às duas faturas emitidas em 2010, ambas de valor pouco significativo quando comparadas com as emitidas em 2011, foram associados dois cheques de conta titulada pela A..., nos montantes de €9.232,00 e €13.375,00, que foram levantados à boca do caixa por O... .

Atente-se ao facto da fotocópia do segundo cheque constante da contabilidade da A... ter indicado à ordem de G... Lda., indicação que foi rasurada tendo sido aposto E... .

Também da análise às contas bancárias tituladas ou co tituladas por E... Lda. ou do seu sócio-gerente H..., não se detetou, no período em que foi emitida esta faturação, qualquer entrada com origem na A... .

Resulta do exposto, que a faturação emitida em nome da E... Lda. para a A... não consubstancia transações reais e efetivas entre aquelas duas entidades, tratando-se, por conseguinte, de faturação falsa.

A.2.3 – F..., Lda.

A F... Lda. com morada fiscal na Rua..., n.º..., em Lisboa, iniciou atividade de "comércio a retalho de relógios e artigos de ourivesaria em estabelecimento especializado", CAE 47770, em 2011-11-15.

Encontra-se enquadrada em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral, e em sede de IRC no regime geral de tributação.

Foi constituída com um capital social de €5.000,00 dividido em duas quotas, uma de €50,00 pertencente à E... Lda., e outra de €4.950,00 pertencente a H..., sendo este designado como gerente.

Nos anos de 2011 e de 2012, a F... Lda. cumpriu com as suas obrigações declarativas, tendo entregue as competentes declarações de rendimentos de IRC e declarações periódicas de IVA.

Da leitura àquelas declarações retiram-se as seguintes rubricas:

 

Ano

Volume de negócios

(Vendas + Prestação de Serviços)

Compras

Resultado líquido do exercício

Lucro tributável / Prejuízo fiscal

2011

15.154,00 €

22.205,70 €

271,43 €

315,61 €

2012

107.604,19 €

125.260,71 €

-9.640,72 €

-9.523,64 €

Indicou na declaração IES de 2012 ter como fornecedores e clientes os seguintes:

 

Ano

Cliente (NIF/Nome)

Valor em vendas

(IVA incluído se aplicável)

2012

...

E... UNIPESSOAL LDA

40.235,00 €

       

 

Ano

Cliente (NIF/Nome)

Valor em compras (IVA incluído se aplicável)

 

2012

...

TT... LDA

28.000,00 €

...

UU...– LDA

29.044,00 €

...

VV... UNIPESSOAL LDA

62.483,00 €

 

Total

119.527,00 €

Não obstante estes valores declarados, nos anos de 2011 e 2012, existem entidades que declararam ter efetuado aquisições à F... Lda., de valores muito superiores aos declarados pela F..., Lda.. Entre as entidades que declararam ter efetuado aquisições à F..., Lda, encontra-se a A..., que nos anos de 2011 e 2012 registou na sua contabilidade faturas emitidas em nome da F..., Lda., cuja relação se apresenta no ponto A.2.11 deste capítulo, nos montantes de €662.480,00 e de €469.700,00, respetivamente. Nenhuma das faturas contabilizadas pela A..., foi declarada pela F..., Lda., à Administração Fiscal.

Os documentos de faturação da F... Lda. são pré-impressos e também foram requisitados na tipografia "N...  Lda. e todos foram preenchidos com caligrafia semelhante à de O... .

Os pagamentos foram efetuados em numerário ou por cheque de conta titulada pela A... . As duas faturas com o valor total mais baixo (n.º 57 e n.º 58), foram pagas através de dois cheques nos montantes de €9.884,00 e €24.910,00, um levantado à "boca do caixa" por O... e o outro depositado em conta titulada pelo mesmo O... . Estes cheques foram-lhe endossados por H... .

A fatura n.º 61 tem aposta a indicação de ter sido paga pelos cheques n.º..., n.º ... e n.º..., no valor de €30.000,00 cada, no entanto, nesse período não foi descontado em nenhuma das contas bancárias da A... qualquer cheque com essas referências e montantes.

Do exposto, conclui-se que a faturação emitida em nome da F... Lda. para a A... não consubstancia transações reais e efetivas entre aquelas duas entidades, tratando-se, por conseguinte, de faturação falsa.

A.2.4 –G... Unipessoal, Lda.

Trata-se de uma sociedade por quotas, que tem como único sócio e gerente, O..., NIF... .

Na visão do contribuinte consta como morada fiscal da empresa à data de início da atividade, a rua ..., n.º..., ..., ..., tendo sido alterada em 2014-01-22, para a rua da ..., nº..., Lisboa6.

6 Que corresponde à morada da loja da G..., Lda, sita na rua ..., nº..., Lisboa.

Segundo o sistema informático da AT, iniciou em 1997-11-03, a atividade de Comércio a Retalho de relógios e artigos de ourivesaria e joalharia em estabelecimento especializado, CAE 47770.

Para efeitos de IVA foi enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral e para efeitos de IRC no regime geral.

Procedeu à entrega das declarações periódicas do IVA e do IRC, não apresentando omissões declarativas.

No ano de 2011, a A... registou nas suas compras duas faturas, relacionadas no ponto A.2.11 deste capítulo, emitidas pela sociedade G... Lda., referentes a ouro fino, no montante total de €332.542,50.

Nenhuma destas faturas foi reconhecida contabilisticamente pela G... Lda.

Na contabilidade da A..., os pagamentos destas compras foram lançados por contrapartida de "caixa” não estando associado qualquer comprovativo desse pagamento. Nem nas contas bancárias destes, nem nas contas bancárias da G... Lda. nem nas contas bancárias tituladas por O... se detetou qualquer movimento financeiro que se associasse a esta faturação.

Na contabilidade da G... Lda., neste exercício, não se detetou qualquer registo contabilístico de compra de ouro fino, nem de cascalho de ouro nem qualquer compra de ouro usado a particulares.

W..., colaborador de O..., disse em sede de interrogatório de que se junta fotocópia em anexo 2, que não se lembra de O... alguma vez ter vendido ouro fino nem de ter fundido ouro, sendo as vendas mensais de O... de cerca 1 Kg de artefactos de ouro.

Do exposto conclui-se que a faturação de ouro fino emitida em nome de G... Lda. para A... no ano de 2011 não consubstancia transações reais e efetivas entre aquelas entidades, tratando-se, por conseguinte, de faturação falsa.

A.2.5 – H...

H... tem residência fiscal na rua ..., n.º..., em Lisboa. Desde 2011-07-07 e até 2013-09-24, esteve inscrito para o exercício, em nome individual, da atividade de "comércio a retalho de relógios e artigos de ourivesaria e joalharia, em estabelecimento especializado", CAE 47770, apresentando como atividade secundária a de "consultores", CIRS 1320. Esteve ainda inscrito para o exercício de atividade em nome individual nos períodos de 2007-10-12 a 2009-01-28 e 2009-12-15 a 2009-12-31. Nesses períodos esteve enquadrado no regime normal trimestral para efeitos de IVA e regime simplificado para efeitos de IRS.

Em termos de relacionamentos com relevância fiscal, H... apresenta os seguintes:

 

Tipo de relação

NIF

Nome

Data de início

É sócio-gerente

...

F... LDA

15-12-2011

É sócio-gerente

...

E... UNIPESSOAL LDA

24-09-2009

No período compreendido entre 2008 e 2013, H... não entregou qualquer declaração periódica de IVA ou declaração de rendimentos de IRS, a que estava legalmente obrigado.

Não obstante estas omissões declarativas, existem entidades, que declararam ter efetuado valores significativos de aquisições a H..., nos anos de 2010 a 2012. Entre as entidades que declararam ter efetuado aquisições a H..., encontra-se a A..., que nos anos de 2010, 2011 e 2012 registou na sua contabilidade faturas emitidas em nome de H..., nos montantes de €66.290,00, €1.387.397,15, e de €4.101,16, respetivamente. Esta faturação respeita a cascalho de ouro e de prata, verificando-se que em 2011 duas faturas indicam tratar-se de ouro fino.

Não existe qualquer entidade a declarar ter efetuado qualquer venda a H... .

Os documentos de faturação de H... são pré impressos e também estes, foram requisitados na tipografia "N... Lda.

No entanto, as "Vendas a Dinheiro" referentes aos anos de 2012 distinguem-se das restantes por terem sido requisitadas apenas em setembro de 2012, e por terem um layout muito diferente do das primeiras.

Da visualização destas "Vendas a Dinheiro", conclui-se o seguinte:

  • As referentes aos anos de 2010 e 2011 foram preenchidas com caligrafia semelhante à de O...;
  • Enquanto, as respeitantes ao ano de 2012, foram preenchidas por H... .

Verifica-se também outra diferença: os valores faturados em 2012 são bem mais modestos que os faturados nos anos anteriores.

Em interrogatório de que se junta fotocópia em anexo 4, H..., afirmou que "as únicas faturas que emitiu à A..., em nome de H..., em nome individual, perfazem um valor de cerca de €15.000,00 em artefactos/prata cascalho, efetuadas no final de 2012, entregues na loja da ... em Lisboa.

No que respeita aos pagamentos, verificámos que os referentes a 2010 e 2011 são efetuados por numerário ou por cheques de conta bancária titulada pela A..., enquanto, os pagamentos concernentes à faturação emitida em 2012 são efetuados através de transferência bancária ordenada pela A... para conta titulada por H..., na instituição bancária ... .

Com exceção de três, o beneficiário dos referidos cheques foi O..., no montante total de €468.660,00. Alguns destes cheques foram-lhe endossados por H... . Os restantes três cheques, datados de setembro de 2011, com valor total de €119.979,00, foram levantados à "boca do caixa" por H... .

Constata-se que no caso de H..., os valores dos meios de pagamento são materialmente relevantes face ao total faturado, o que aponta para que O..., com a conivência de H..., também tenha utilizado esta entidade para encobrir transações de cascalho de ouro que efetivamente seriam suas.

Saliente-se o facto de alguns desses cheques, que a A... registou contabilisticamente como sendo para pagamento de compras que efetuou a H..., terem sido preenchidos à ordem de G... Lda..

Do exposto conclui-se que:

  • A faturação de cascalho de ouro e prata, emitida em nome de H... para a A..., foi, controlada de facto por O..., nos anos de 2010 e 2011.
  • As duas faturas que pretendem documentar aquisições de ouro fino e que se encontram relacionadas no ponto A.2.11 deste capítulo, não consubstanciam transações reais e efetivas, tratando-se, por conseguinte, de faturação falsa.

A.2.6 –I..., Lda. (I...)

A sociedade I..., Lda. tem morada fiscal na Rua..., ... e iniciou atividade em 2000-10-27. Está inscrita pela atividade "comércio por grosso de relógios e artigos de ourivesaria e joalharia" – CAE 46480.

Segundo as bases de dados da AT, tem como sócio gerente CC..., NIF..., e como sócia WW..., NIF... .

Nos anos de 2012 e 2013, procedeu à entrega das declarações periódicas de IVA a que estava legalmente obrigada, encontrando-se em situação de entrega de imposto no ano de 2012 mas de valor reduzido, e em situação de crédito de imposto em 2013 de valor consideravelmente superior.

No que respeita ao IRC, procedeu à entrega da declaração mod.22 e declaração anual de informação contabilística e fiscal do ano de 2012, encontrando-se em falta as declarações de 2013.

Na declaração anual de 2012, a empresa indicou clientes e fornecedores, com o montante anual das operações internas efetuadas superior a €25.000,00 (valor com IVA incluído). Da listagem de fornecedores, constam a A..., SA e a Z...- Unipessoal, Lda., NIPC..., figurando este último como principal fornecedor.

No que respeita a 2013, embora nem a I... nem a Z... tenham entregado a declaração anual, verificou-se na contabilidade da I..., que a Z... continua a figurar em 2013, como seu principal fornecedor e a A... como principal cliente.

Depois de analisadas as faturas de compra e de venda da I..., concluiu-se que, à exceção do ouro fino em 2012, toda a restante faturação da I... para a A..., está sustentada em faturação da sociedade Z... .

Apresenta-se nos quadros seguintes a faturação emitida pela I... para a A..., nos anos de 2012 e 2013.

Fornecimentos da I... à A..., constantes da contabilidade desta última:

Ano de 2012

Emitente

Utilizador

Descritivo

Qt.(gr.)

Valor s/IVA

IVA

Valor Total

I..., Lda.

A..., S.A.

Artefactos Ouro

4.102,00

116.907,00 €

26.888,61 €

143.795,61 €

I..., Lda.

A..., S.A.

Cascalho Platina

1.652,00

56.112,00 €

12.905,76 €

69.017,76 €

I..., Lda.

A..., S.A.

Prata Fina

2.267.746,00

1.612.793,24 €

370.942,45 €

1.983.735,69 €

I..., Lda.

A..., S.A.

Ouro fino

25.663,33

1.105.073,60 €

 

1.105.073,60 €

Totais

2.890.886,84 €

410.736,82 €

3.301.622,66 €

Ano de 2013

Emitente

Utilizador

Descritivo

Qt.(gr.)

Valor s/IVA

IVA

Valor Total

I..., Lda.

A..., S.A.

Artefacto Ouro c/Brilhantes

53,70

55.000,00 €

12.650,00 €

67.650,00 €

I..., Lda.

A..., S.A.

Artefactos Ouro

45.589,10

1.086.435,23 €

249.880,12 €

1.336.315,35 €

I..., Lda.

A..., S.A.

Cascalho ouro

114.502,30

2.572.115,66 €

583.401,72 €

3.155.517,38 €

I..., Lda.

A..., S.A.

Cascalho Platina

2.659,00

71.887,00 €

16.534,01 €

88.421,01 €

I..., Lda.

A..., S.A.

Kilates Brilhantes

231,50

162.831,56 €

37.451,26 €

200.282,82 €

I..., Lda.

A..., S.A.

Ouro 375

80,00

800,00 €

184,00 €

984,00 €

I..., Lda.

A..., S.A.

Ouro Fino

256.184,79

8.668.863,09 €

0,00 €

8.668.863,09 €

I..., Lda.

A..., S.A.

Ouro Sortido

306,00

8.353,80 €

1.921,37 €

10.275,17 €

I..., Lda.

A..., S.A.

Prata Fina

5.693.069,17

3.146.775,38 €

723.758,33 €

3.870.533,71 €

Totais

15.773.061,72 €

1.626.780,81 €

17.398.842,53 €

Uma vez que a faturação emitida para a A... tem como suporte a faturação da Z..., importa verificar qual a situação tributária desta, tendo-se verificado o seguinte;

  • Trata-se de uma sociedade constituída em 2012-03-12, e tem como única sócia e gerente BB..., NIF..., de nacionalidade brasileira;
  • Indicou como sede o .... n.º..., ...;
  • No mesmo dia de constituição da empresa e no mesmo cartório, BB... constituiu procurador da sociedade, M..., ao qual foram conferidos poderes para "... abrir contas em qualquer banco ou encerrar as mesmas, movimentar a débito ou a crédito quaisquer contas bancárias junto de quaisquer Bancos ou Casas Bancárias (...), requisitar e assinar cheques, pedir saldos de contas, podendo para o efeito movimentar quaisquer contas que a mandante possua nos referidos Bancos e de um modo geral praticar e assinar tudo o que necessário se torne para a boa execução do mandato", ou seja, uma procuração que confere poderes para agir em nome da sociedade, conforme procuração de que se junta fotocópia em anexo 5.
  • É uma empresa não declarante, para efeitos fiscais, pelo que os valores de compras e IVA dedutível mencionados pela I... não foram declarados pela Z... .
  • A atividade da Z... foi cessada oficiosamente pela AT, à data de 2013-12-20, pelo motivo de nunca ter exercido qualquer atividade, tendo a sede sido oficiosamente alterada para o domicílio fiscal da sócia gerente BB... .
  • Não existe qualquer empresa ou outra entidade a declarar ter efetuado qualquer venda/prestação de serviços à Z... .
  • Da análise às faturas emitidas pela Z... para a I..., detetaram-se várias irregularidades, que demonstram manipulação de faturação, nomeadamente:
  • Identificam-se pelo menos cinco tipos de caligrafia;
  • Faturas emitidas em data anterior à data da requisição na tipografia. Repare-se que na requisição consta a data de 2012-08-02, conforme fotocópia que se junta em anexo 6, nas faturas consta a data de 08/2012, conforme fotocópias de duas faturas que se juntam em anexo 7 a título de exemplo, e na fatura da tipografia consta a data de 17/09/2012, conforme fotocópia que se junta em anexo 8, existindo faturas emitidas com data de julho de 2012, conforme fotocópia das faturas nº 009-A, 0013-A, 0016-A e 0018-A, de que se junta fotocópia a título de exemplo, em anexo 9;
  • Identificaram-se diversas faturas, sem correspondência com o critério sequencial da numeração e respetiva cronologia. Indicam-se a título de exemplo, a fatura n.º 9-A com data de 12/07/2012 e fatura n.º 8-A, com data de 09/11/2012.
  • Contabilisticamente todos os pagamentos relacionados com os fornecimentos da Z..., se encontram registados por caixa, isto é, alegadamente pagos em numerário, procedimento usual, quando estamos perante operações inexistentes.
  • De referir que, estamos a falar de uma empresa que faturou mais de 30 milhões de euros só a favor da I.... Porém, da numerosa documentação bancária analisada no âmbito do processo de inquérito .../12... T..., não se detetaram quaisquer meios de pagamento associados a estas transações.
  • Em auto de interrogatório de que se junta fotocópia em anexo 10, XX... confirma que interveio na escritura de constituição da Z..., tendo BB... recebido uma contrapartida financeira, enquanto XX... pagou os encargos dessa mesma escritura. Acrescentou, ainda, que desconhece qualquer faturação da Z..., porquanto vendeu todas as faturas a CC... e ZZ... (sobrinho de CC...), faturas essas que lhe haviam sido previamente entregues por AA..., soltas, sem qualquer ordem sequencial e de várias séries, com o objetivo do arguido realizar capital.
  • No dia imediatamente a seguir à constituição da sociedade, BB... regressou ao Brasil.

As faturas da Z... para a I..., permitiram a esta última deduzir IVA em avultados montantes, tornando desta forma a I..., constantemente credora de IVA, apesar da Z... não entregar esse mesmo IVA nos cofres do Estado e as empresas situadas a jusante deduzirem o IVA constante de faturas emitidas pela I..., entre as quais a A... que solicitou reembolsos de IVA.

Do exposto, conclui-se que a Z... é uma sociedade inexistente, tratando-se de um mero negócio de venda de faturas, expediente criado para que a jusante outros operados possam encobrir diversos esquemas de fraude e inclusive solicitem elevados montantes de IVA ao Estado.

Ficou assim demonstrado que nunca a faturação da I... à A... poderia ser suportada com a faturação da Z..., tratando-se claramente de faturação falsa, pelo que, os montantes faturados pela I..., no ano de 2012, no montante total de €1.785.812,24 a que acresce IVA no montante total de €410.736,82 e no ano de 2013, no montante total de €15.773.061,72 a que acresce IVA no montante total de €1.625.780,81, não podem ser aceites para efeitos fiscais.

A.2.7 –U... Unipessoal, Lda.

A sociedade U..., Lda., tem sede na Rua do ..., n.º..., em ... e está inscrita pelo exercício da atividade de "fabricação de artigos de joalharia e outros artigos de ourivesaria" – CAE: 32122.

Desde o início da sua atividade em 2001-05-16 e até à presente data, esteve enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral e para efeitos de IRC, no regime geral de tributação.

Tem como único sócio e gerente AAA..., NIF ... .

Desde o ano de 2007 que não apresenta qualquer declaração relativa a IVA ou IRC, o mesmo acontecendo relativamente à declaração anual de informação contabilística e fiscal. No entanto, da consulta à base de dados da AT, verificou-se que existem empresas que declararam ser clientes da sociedade U..., Lda., entre as quais a A..., que em 2013 declarou ter-lhe efetuado aquisições no valor de €4.475.117,00. Analisada a faturação que suporta este valor, verifica-se que respeita a ouro cascalho 800 para reciclagem, em que foi liquidado IVA no valor de €836.810,28 que a U... não entregou e que a A... deduziu e solicitou reembolsos.

Não existem empresas a mencionar ter efetuado vendas a U..., Lda.

Na segurança social, não consta qualquer trabalhador inscrito ao serviço da empresa, nem a empresa apresentou quaisquer declarações de remuneração.

Acresce ainda que nesta faturação foram manipulados os preços unitários, de modo a que as faturas passassem a conter IVA, permitindo à A... deduzi-lo, ou seja, o preço unitário sem IVA é consideravelmente inferior à cotação do ouro no mercado internacional, só sendo superior ao valor de mercado se acrescermos o IVA ao preço unitário sem IVA. Desta forma o emitente da fatura recebe um valor superior, apropriando-se do respetivo IVA que não entrega nos cofres do Estado. Por seu turno, a A... para além de ganhar quota de mercado ao atrair mais fornecedores ainda solicita reembolsos ao Estado.

Acontece que no cascalho de ouro, a liquidação de IVA é devida pelo adquirente, devendo aplicar-se a regra de inversão do sujeito passivo7. No processo de inquérito onde foram recolhidos os dados ficou demonstrado que tanto a A...  como a U..., Lda, tinham conhecimento de que esta prática era ilegal, mas apesar disso usaram este expediente de que ambas beneficiaram em prejuízo do Estado.

7 Conforme vertido no processo 550/14 do Tribunal de Justiça Europeu.

Para além do comportamento descrito evidenciar que a faturação da U..., Lda. para a A... não corresponde a verdadeiras transações, o próprio sócio gerente reconheceu, em auto de interrogatório de que se junta fotocópia em anexo 11, que todas as faturas da U..., Lda. são falsas porquanto a sociedade nada vendeu.

Ficou assim demonstrado que toda a faturação de U..., Lda. para a A..., é na sua íntegra falsa, pelo que os montantes de €3.638.306,93 e €836.810,28, em sede de IRC e IVA, respetivamente, não podem ser aceites para efeitos fiscais.

A.2.8 – Vendas de K... como Particular

Encontram-se registadas na contabilidade da A..., vendas efetuadas por K:::, na qualidade de particular, nas seguintes quantidades e montantes:

 

Tipo documento

Data

Descrição

Qt. (gr.)

Valor total

DV 1

15-03-2011

3,01 kt Brilhante

 

32.000,00 €

Declaração de Venda

11-10-2011

Libras Ouro

80,00

22.400,00 €

Total/2011

80,00

54.400,00 €

FC 10

08-10-2012

Ouro Fino

2.000,00

86.000,00 €

FC 26

18-01-2013

Moedas Ouro

408,00

15.950,00 €

FC 27

30-01-2013

Moedas Prata

24.513,00

9.805,20 €

Total/2013

24.921,00

25.755,20

TOTAL

27.001,00

166.155,20

Junta-se em anexo 12, fotocópia dos documentos acima relacionados.

Para além das vendas à A..., figuram também na contabilidade de X... NIF ... (sogra de K... e cuja negócio ele também geria), compras a K... . Considerando as vendas para estas duas entidades, K... alegadamente vendeu 385.200,83 grs de metais preciosos e 383,51 quilates de brilhantes e diamantes, no valor de €966.688,73, na qualidade de particular, o que é completamente inverosímil. Não é credível que K... detenha no seu património pessoal uma quantidade tão elevada de pedras e metais preciosos que atinge um valor próximo do €1.000.000,00.

Acresce ainda, conforme melhor se expõe no ponto seguinte, que na contabilidade da A... foram contabilizadas duas declarações que pretendem comprovar que K... efetuou um empréstimo à A... através de entradas em espécie, neste caso, 20.000 grs de ouro fino, o que só vem reforçar a conclusão de que as vendas por este declaradas não podiam ter ocorrido.

No que respeita ao pagamento, as supostas vendas foram pagas através de cheque ou transferência bancária, conforme quadro seguinte:

 

Descrição Movimento

Data Mov.

Valor

Emitente

Beneficiário

Observações

Transferência interbancária

15-03-2011

32.000,00 €

A...

K...

 

Transferência interbancária

12-10-2011

22.400,00 €

A...

K...

 

Cheque Caixa

18-11-2013

15.950,00 €

A...

BBB...

Emitido à ordem de K... . Levantado ao balcão

Cheque Caixa

08-10-2012

86.000,00 €

A...

CCC...

Emitido à ordem de K... e endossado.

Cheque Caixa

30-01-2013

9.805,20 €

A...

K...

Emitido à ordem de K... Levantado ao balcão

No entanto, dos €166.155,20 pagos pela A..., verificou-se que €133.000,00 tiveram a CCC... como beneficiário final, quer através do endosso de cheques (caso do cheque de €86.000,00), quer através da emissão de cheques das contas de K... imediatamente após as transferências bancárias realizadas pela A... .

Quanto ao cheque de €15.950,00 emitido pela A... à ordem de K..., foi endossado por este a BBB..., funcionário da DDD... Unipessoal Lda.9, um dos fornecedores da A... . Assim, K... não foi o beneficiário deste cheque, mas sim um terceiro sem relação direta com este, pelo que só podemos concluir pela falsidade da transação.

9 A DDD... tem um sócio em comum com a empresa EEE..., SL

A conjugação de todos os factos recolhidos demonstra que as faturas de compra emitidas em nome de K... são documentos fictícios e que serviram para documentar transações simuladas que geraram um custo fictício na esfera da A... .

Estas aquisições a K... foram relevadas contabilisticamente como custo fiscal, tendo, por essa via, sido deduzidos em sede de IRC e influenciado o apuramento do lucro tributável, nos montantes que se discrimina no quadro subsequente:

 

ENTIDADE

2011

2012

2013

TOTAL

A...

54.400,00 €

86.000,00 €

25.755,20 €

166.155,20 €

 

 

A.2.9 – Suprimentos de K..., L... e M...

Também se apurou que, foram contabilizados pela A..., quatro documentos, de que se junta fotocópia em anexo 13, onde a empresa declara ter recebido empréstimos em ouro fino dos sócios-gerentes, K..., L... e M..., nas seguintes quantidades e montantes:

 

Acionista

Tipo documento

Data

Descrição

Qt. (gr.)

Pu

Valor Total

K...

Declaração

14-01-2013

Ouro Fino

10.000,00

40,00 €

400.000,00 €

K...

Declaração

08-10-2013

Ouro Fino

10.000,00

31,00 €

310.000,00 €

L...

Declaração

08-10-2013

Ouro Fino

5.000,00

33,00 €

165.000,00 €

M...

Declaração

08-10-2013

Ouro Fino

4.000,00

30,50 €

122.000,00 €

TOTAL

29.000,00

 

997.000,00 €

Estas declarações encontram-se assinadas pelas partes e supostamente atestam que os três acionistas efetuaram empréstimos à A... através de entradas em espécie, neste caso, um empréstimo realizado em ouro fino. Esta operação foi contabilizada como uma compra e consequentemente representa um custo suportado pela empresa, no ano de 2013.

Significa também que a A... assumiu uma dívida perante os seus acionistas, no valor de €997.000,00.

Daqui decorre que o ouro fino cedido por K... e L... faria parte do seu património particular, sendo, por isso, de acrescer às quantidades e valores de metais preciosos que foram mencionados nos pontos anteriores. Vejamos:

  • Na qualidade de particular, K... vendeu 385.200,83 grs. de metais preciosos e 383,51 quilates de brilhantes e diamantes pelo valor total de €966.688,73. Tendo em conta as quantidades de ouro fino alegadamente cedidas à A..., K... teve na sua posse 405.120,83 grs. de metais preciosos e 383,51 quilates de brilhantes e diamantes, num valor total de €1.676.688,73;
  • Na qualidade de particular, L... vendeu pelo menos 31.914,50 grs. de metais preciosos pelo valor total de €82.681,35. Acrescendo as quantidades de ouro fino alegadamente cedidas à A..., L... deteve pelo menos 36.914,50 grs. de metais preciosos, num valor total de €247.681,35;

No que concerne a M..., este cedeu 4 Kgs de ouro fino à  A... pelo valor de €122.000,00, quantidades e valores bastante significativos para serem detidos por um particular.

Se observarmos os valores declarados entre 1996 e 2013, para efeitos de IRS, verificamos quem M..., K... e L... não auferiram rendimentos bastantes que lhe permitam ter no seu património pessoal, as quantidades de ouro fino alegadamente emprestadas à A...:

 

Anos

L...

...

M...

...

K...

...

Total Geral

1996

 

 

6.983,17 €

6.983,17 €

1997

0,25 €

 

 

0,25 €

1999

 

 

3.633,24 €

3.633,24 €

2000

 

 

3.818,80 €

3.818,80 €

2002

 

 

712,00 €

712,00 €

2004

 

 

5.031,05 €

5.031,05 €

2005

7.500,00 €

 

5.245,80 €

12.745,80 €

2006

15.402,60 €

 

18.581,61 €

33.984,21 €

2007

5.642,00 €

4.171,05 €

4.265,60 €

14.078,65 €

2008

5.964,00 €

8.978,00 €

5.964,00 €

20.906,00 €

2009

16.300,00 €

19.800,00 €

25.697,68 €

61.797,68 €

2010

9.800,00 €

10.100,00 €

4.989,23 €

24.889,23 €

2011

14.000,00 €

14.000,00 €

11.879,18 €

39.879,18 €

2012

28.750,00 €

28.750,00 €

38.207,35 €

95.707,35 €

2013

35.000,00 €

35.000,00 €

13.172,88 €

83.172,88 €

Total Geral

138.358,85 €

120.799,05 €

148.181,59 €

407.339,49 €

Assim, é inverosímil que K..., L... e M... possuam no seu património pessoal uma quantidade tão elevada de pedras e metais preciosos que atinge um valor global superior a €2.000.000,00.

Atente-se às declarações emitidas pela A..., constatando-se que três delas estão datadas do dia 2013-10-08 e respeitam à cedência de ouro fino por parte de cada um dos três acionistas, mas a preços unitários completamente distintos. Ora, tendo a operação sido realizada no mesmo dia e estando em causa o mesmo bem, não se compreende a existência destas divergências tão significativas nos preços unitários que vão dos €30,50/gr. aos €33,00/gr.

Observe-se a cotação do ouro fino, no mercado internacional no mesmo dia:11

 

London Market Fixing

 

Data

Preço Grama

Preço Onça Troy

Onça Troy =

31,103477

AM

PM

AM

PM

08-10-2013

31.289

31.448

973.184

978.149

Tendo em conta as margens de comercialização que a A... tem de garantir para obter lucro, apenas a alegada cedência de M... a um preço unitário de €30.50/gr. proporciona a obtenção de alguma margem de lucro à A... . A cedência de L..., a ser real, resultaria claramente num prejuízo para a empresa.

Repare-se que nesse mesmo dia a A... está a efetuar marcações com o seu cliente FFF..., aos preços unitários de €31,17, €31,18 e €31,13.

Ora, a existência de divergências assinaláveis nos preços unitários praticados nos alegados suprimentos, operações que ocorrem no mesmo dia, aliado ao facto da A... com estas transações obter prejuízos leva-nos a concluir que esta operação não tem qualquer racionalidade económica.

De referir que se encontram arquivadas nas pastas da contabilidade declarações semelhantes que não chegaram a ser contabilizadas. Essas declarações são datadas de 08/07/2013 e nelas, L... e M... cedem 2.000,00 grs e 1.300,00 grs. de ouro fino, pelos valores de €62.000,00 e €40.300,00, respetivamente, estando devidamente assinadas pelas partes.

Esta situação demonstra claramente a facilidade de elaborar declarações que, neste caso, não foram contabilizadas, porque o motivo para a sua conceção deixou de existir.

Todos os factos anteriormente descritos só vêm corroborar as conclusões retiradas neste relatório referentes às vendas enquanto particular de K..., ou seja, também estas declarações foram forjadas com o propósito de gerar um custo fictício contabilizado pela empresa, com o propósito de empolar os custos e assim obter uma vantagem patrimonial.

Apesar de neste caso, não existir uma contrapartida financeira imediata, a empresa assumiu uma dívida perante os acionistas da qual terão de ser ressarcidos.

Assim, estamos perante custos fictícios que foram relevados contabilisticamente como custos fiscais, tendo, por essa via, sido deduzidos em sede de IRC e influenciado o apuramento do lucro tributável, no valor de €997.000,00.

A.2.10 – Conclusão

Em resumo, foram recolhidos fortes indícios que apontam para que a A..., nos anos de 2010 a 2012, tenha utilizado faturação emitida em nome de D... Lda., E... Lda., H..., F... Lda. e G... Lda., que não consubstancia transações reais e efetivas, entre estas entidades, sendo O... o responsável pela emissão deste "papel falso".

Para além disso, os factos anteriormente descritos demonstram também que H... é controlado por O..., servindo de "empresa de fachada" para emissão de faturas referentes a transações realizadas efetivamente por O... com a A... .

Os factos expostos demonstram também que, as vendas realizadas por K..., na qualidade de particular à A..., bem como os suprimentos efetuados por este, por L... e M..., são na verdade operações simuladas que tiveram como intento, gerar um custo fictício na empresa e desta forma, empolar os custos declarados e diminuir o resultado fiscal declarado.

Ficou também demonstrado que a I... é uma "empresa de passagem" e simultaneamente emitente de "papel falso", que juntamente com as entidades U..., Lda. e QQ... (a que nos referiremos no ponto A.3 deste capítulo), permitiram à A... solicitar elevadas quantias de IVA ao Estado, sem que esse mesmo IVA tenha sido entregue pelos emitentes nos cofres do Estado.

Tais condutas dolosas prejudicaram gravemente os cofres do Estado, conforme se passa a demonstrar.

A.2.11 – Apuramento do valor da faturação falsa

Nos quadros seguintes apresenta-se a discriminação das faturas que se demonstrou serem falsas.

 

 

Ano de 2010

Fornecedor

Doc

Data

Descrição

Qt. (gr.)

Pu

Valor Total

E... Lda

FT 75

29-03-2010

Cascalho Ouro

471,00

19,60

9.231,60 €

D...

FT 625

05-04-2010

Cascalho Ouro

1.071,30

----

21.372,00 €

E... Lda

FT 118

07-06-2010

Cascalho Ouro

546,00

24,50

13.377,00 €

TOTAL

 

 

43.980,60 €

Ano de 2011

Fornecedor

Doc

Data

Descrição

Qt. (gr.)

Pu

Valor Total

E... Lda

FT 17

14-09-2011

Ouro fino

5.000,00

42,30 €

211.500,00 €

[…]

 

 

 

 

 

 

 

H...

VD 198

21-09-2011

Ouro fino

5.000,00

42,20 €

211.000,00 €

H...

VD 53

10-10-2011

Ouro fino

5.000,00

38,80 €

199.000,00 €

TOTAL

 

 

3.645.502,50 €

A estas faturas/VD acrescem ainda as compras falsas a K..., no valor de € 54.400,00.

Ano de 2012

Fornecedor

Doc

Data

Descrição

Qt. (gr.)

Pu

Valor s/IVA

IVA

Valor Total

F... Lda

FR 81

05-01-2012

Ouro fino

5.000,00

39,50 €

197.500,00

0,00

197.500,00

[…]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

TOTAL

 

 

2.255.512,24

410.736,81

2.666.249,05

A estas faturas/VD acrescem ainda as compras falsas a K..., no valor de € 86.000,00.

Ano de 2013

Fornecedor

Doc

Data

Descrição

Qt. (gr.)

Pu

Valor s/IVA

IVA

Valor Total

J..., Lda

FT 310

31-07-2013

Cascalho Ouro

3.481,00

21,910

76.268,71

17.541,80

93.810,51

[…]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

TOTAL

 

 

19.411.368,65

 

 

A estas faturas/VD acrescem ainda as compras falsas a K..., que em 2013 ascenderam a € 25.755,20, e os suprimentos (realizados em espécie) de K..., L... e M... que totalizaram €997.000,00.

[…]

B – OMISSÃO DE COMPRAS

B.1 –II..., Lda., NIPC ...

Na análise efetuada à contabilidade da A..., concretamente, no que concerne à sua conta corrente com o fornecedor I..., Lda., doravante designado por I..., NIPC ..., constatou-se que os pagamentos das compras efetuadas pela A... à empresa I... são efetuados essencialmente por cheques da conta bancária n.º..., titulada pela A..., sediada no ..., existindo também pagamentos efetuados com cheques da conta n.º..., titulada pela A..., sediada no... .

Os cheques que a seguir se identificam e de que se junta fotocópia em anexo 15, apesar de preenchidos à ordem da empresa I..., foram endossados, e posteriormente levantados ao balcão pelo sócio gerente da II..., Lda., GGG... ou pelos funcionários/colaboradores da mesma, HHH..., III..., JJJ... e KKK... .

 

Data

N.º doc

Valor

Nome Beneficiário

08-10-2013

...

35.000,00 €

HHH...

16-10-2013

...

55.000,00 €

III...

17-10-2013

...

60.000,00 €

JJJ...

25-10-2013

...

29.000,00 €

III...

28-10-2013

...

20.000,00 €

GGG...

28-10-2013

...

20.000,00 €

GGG...

28-10-2013

...

30.000,00 €

GGG...

28-10-2013

...

30.000,00 €

III...

29-10-2013

...

30.000,00 €

JJJ...

29-10-2013

...

30.000,00 €

GGG...

01-11-2013

...

14.000,00 €

JJJ...

04-11-2013

...

50.000,00 €

JJJ...

05-11-2013

...

38.000,00 €

JJJ...

05-11-2013

...

65.000,00 €

GGG...

06-11-2013

...

24.000,00 €

GGG...

07-11-2013

...

20.000,00 €

JJJ...

07-11-2013

...

25.000,00 €

KKK...

07-11-2013

...

45.000,00 €

JJJ...

11-11-2013

...

32.000,00 €

GGG...

12-11-2013

...

30.000,00 €

GGG...

13-11-2013

...

30.000,00 €

GGG...

13-11-2013

...

30.000,00 €

GGG...

13-11-2013

...

30.000,00 €

GGG...

13-11-2013

...

30.000,00 €

GGG...

14-11-2013

...

30.000,00 €

JJJ...

14-11-2013

...

30.000,00 €

JJJ...

14-11-2013

...

30.000,00 €

JJJ...

14-11-2013

...

40.000,00 €

GGG...

18-11-2013

...

30.000,00 €

GGG...

18-11-2013

...

50.000,00 €

GGG...

19-11-2013

...

40.000,00 €

GGG...

19-11-2013

...

30.000,00 €

JJJ...

 

Total

1.082.000,00 €

 

 

Acontece que, no ano de 2013 não se encontrou qualquer faturação emitida pela II... Lda. para a sociedade I..., que pudessem justificar os valores recebidos. No entanto, a empresa I... efetuou pagamentos, através do endosso de cheques emitidos à sua ordem pela A..., que beneficiaram GGG... e os funcionários deste, no montante total de €1.082.000,00.

Estes factos demonstram que a empresa I... surge aqui como uma mera intermediária, isto é, uma "empresa de passagem", permitindo desta forma que a A... se distanciasse do seu efetivo fornecedor, que na realidade foi a II..., Lda., e não a I... .

No mesmo sentido apontam as declarações de ZZ..., que em auto de interrogatório de que se junta fotocópia em anexo 16, afirmou que nesse período recolheu ouro em Penafiel para ser entregue pelo CC... na A... e que a II... Lda. vendeu ouro e prata para a A..., através da empresa I..., num total de cerca de 8 a 10 kg por semana até a II... Lda. começar a vender para a empresa LLL... .

Estes factos indiciam fortemente a existência de vendas da II... Lda. para a empresa A... que não foram declaradas à Administração Fiscal.

B.2 –OO...- UNIPESSOAL, Lda., NIPC ...

Na análise efetuada à contabilidade da A..., concretamente, no que concerne à sua conta corrente com o fornecedor I..., constatou-se que os pagamentos das compras efetuadas pela A... à empresa I... são efetuados essencialmente por cheques da conta bancária n.º..., titulada pela A..., sediada no ... .

Os cheques que a seguir se identificam e de que se junta fotocópia em anexo 17, apesar de preenchidos à ordem da empresa I..., foram endossados, e posteriormente levantados ao balcão pelo sócio gerente da OO..., Lda., MMM... ou pelo funcionário desta, NNN... , que frequentemente efetuava levantamento de cheques da OO..., Lda.

 

Data

N.º doc

Valor

Nome Beneficiário

08-10-2013

...

20.000,00 €

NNN...

29-10-2013

...

30.000,00 €

NNN...

08-11-2013

...

30.000,00 €

MMM...

11-11-2013

...

90.000,00 €

MMM...

13-11-2013

...

25.000,00 €

MMM...

13-11-2013

...

30.000,00 €

MMM...

13-11-2013

...

30.000,00 €

MMM...

14-11-2013

...

30.000,00 €

MMM...

18-11-2013

...

30.000,00 €

MMM...

19-11-2013

7885467381

30.000,00 €

MMM...

 

Total

345.000,00 €

 

 

À semelhança do relatado no ponto anterior em relação à II..., Lda, também não se encontrou qualquer faturação emitida pela OO... Lda., para a sociedade I... no ano de 2013. No entanto, a empresa I... efetuou pagamentos, através do endosso de chegues emitidos à sua ordem, que beneficiaram MMM... e o seu funcionário, no montante total de € 345.000.00.

Estes factos demonstram que também aqui, a empresa I... surge como uma mera intermediária, isto, é uma "empresa de passagem", permitindo desta forma que a A... se distanciasse do seu efetivo fornecedor, que na realidade foi a OO..., Lda., e não a I... .

No mesmo sentido apontam as declarações de ZZ..., que em auto de interrogatório de que se junta fotocópia em anexo 16, afirmou que nesse período recolheu ouro em  ... para ser entregue pelo CC... na I... .

Estes factos indiciam fortemente a existência de vendas da OO... Lda. para a empresa A... que não foram declaradas e que deviam ser reveladas à Administração Fiscal.

C – CORREÇÕES A EFETUAR

C.1 - EM SEDE DE IRC

Tendo por base os valores declarados pela A... à Administração Fiscal, aos respetivos lucros tributáveis acresceram-se as faturações falsas emitidas em nome de D... Lda., E... Lda., F... Lda., G... Lda., H..., I..., J... Lda., as compras falsas a K... e os suprimentos de K..., L... e M..., e deduziram-se as compras omitidas à II... Lda. e à OO... Lda., resultando a matéria coletável corrigida, conforme quadro que a seguir se apresenta:

 

DESCRIÇÂO

2010

2011

2012

2013

Matéria coletável declarada

239.031,22

403.583,67

1.046.842,41

784.908,55

Faturação falsa de D...

21.372,00

----

----

----

Faturação falsa de E...

22.608,00

2.186.080,00

----

----

Faturação falsa de H...

----

410.000,00

----

----

Faturação falsa de F... LDA

----

662.480,00

469.700,00

----

Faturação falsa de G... LDA

----

332.542,50

----

----

Faturação falsa de I...

----

----

1.785.812,24

15.773.061,72

Faturação falsa de U...

----

----

----

3.638.306,93

Compras falsas a L...

----

54.400,00

86.000,00

25.755,20

Suprimentos

----

----

----

997.000,00

Omissão de Compras à II...

----

----

----

1.082.000,00

Omissão de Compras à OO...

----

 

 

345.000,00

Mat colet corrigida

283.011,82

4.049.086,17

3.388.354,65

19.792.032,40

Correção a efetuar à mat colet

43.980,60

3.645.502,50

2.341.512,24

19.007.123,85

C.2 - EM SEDE DE IVA

[…]

VIII - DIREITOS DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTOS

[…]

O direito de audição foi exercido em 2017-12-12 […]

Assim, considerando os argumentos invocados na petição, temos a referir o seguinte:

  1. Nos termos do n.º 7 do artigo 60.º da LGT, apenas são tidos obrigatoriamente em conta os factos novos suscitados pelo sujeito passivo no exercício do seu direito de audição;
  2. O sujeito passivo não invoca quaisquer factos novos, nem junta quaisquer elementos ou meios de prova suscetíveis de serem objeto de apreciação.
  3. No entanto, na observância do dever de fundamentação imposto pelo artigo 77.º da LGT, cumpre-nos comentar a petição apresentada, pelo que se passará de seguida à análise da factualidade controvertida.
  • Não lhe assiste qualquer razão quando afirma que o relatório enferma de premissas erradas, em virtude de ter desconsiderado as compras suportadas por faturas de D..., Lda., E... Unipessoal, Lda., F..., Lda. e G... Unipessoal, Lda., cuja prova produzida da sua falsidade diz ser frágil, desvalorizando os elementos de prova recolhidos no processo .../12...T... ao abrigo do qual o s.p. foi investigado, pois, contrariamente ao alegado, ficou claramente demonstrado no projeto de relatório, aquando da caracterização destas entidades, que se trata de faturação falsa, e como tal não pode ser aceite como custo nos termos do artigo 23º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).
  • Não pode pretender que lhe seja considerada real a fatura de D..., Lda., emitida com data em que este ia tinha cessado a atividade, informação a que a A... tinha acesso no Portal das Finanças.
  • As declarações de W..., sócio gerente da D..., Lda., também não deixam dúvidas, de que esta entidade nunca efetuou qualquer negócio com a A..., nem conhece K..., conforme referido no ponto A.2.1 do relatório.
  • Também não pode dizer que é frágil a prova produzida, quando se afirma que o responsável pela emissão deste papel falso é O..., pois tal resulta claramente dos elementos recolhidos na tipografia onde as faturas foram impressas, nomeadamente as declarações do sócio gerente da tipografia, N..., que declarou terem sido encomendadas por O... e que foram entregues na sua ourivesaria na Rua da ..., em Lisboa.
  • Também não é de desprezar a caligrafia com que foram impressas, que é semelhante à da ex-mulher de O... .
  • Contrariamente ao afirmado no direito de audição, não pode a A... dizer que negociava com as entidades que lhe apresentavam as faturas, e que desconhecia que aquelas entidades lhe apresentavam papel falso, pois nunca negociou com nenhum representante da D..., Lda., mas sim com O..., que facilmente podia confirmar que não tinha nenhuma ligação formal àquela. Também não foi identificado qualquer meio de pagamento, tendo sido relevado na contabilidade da A... como tendo sido efetuado em numerário.
  • Igual conclusão se retira das faturas da E... Unipessoal, Lda. e da F..., Lda., não só por apresentarem irregularidades na sua situação declarativa, como refere o direito de audição, mas também porque as faturas em causa foram encomendadas na tipografia por O..., preenchidas com caligrafia semelhante à deste, e foi este o beneficiário dos cheques emitidos para pagamento das mesmas, um dos quais foi mesmo emitido à sua ordem, tendo posteriormente sido rasurado e indicado o nome da empresa, conforme fotocópia do cheque constante da contabilidade da A... .
  • Também não pode nesta situação a A... vir alegar que negociou com a entidade que lhe entregou a mercadoria juntamente com a fatura, porquanto facilmente podia verificar que o responsável daquelas entidades era H... doravante identificado por H..., que declarou só ter efetuado negócios com a A... em finais de 2012, e enquanto empresário em nome individual, tendo-lhe transmitido nessa altura prata cascalho de valor diminuto, cerca de €15.000,00.
  • Embora no direito de audição a A... não conteste de forma direta a desconsideração das faturas de H... na qualidade de empresário em nome individual, como contesta a totalidade das correções efetuadas, também relativamente a estas mantemos as conclusões constantes no projeto de relatório, quando afirmamos que a faturação de cascalho de ouro e prata em nome de H..., em 2010 e 2011, foi controlada por O..., que utilizou esta entidade para encobrir transações de cascalho que efetivamente eram suas.
  • As aquisições de ouro fino documentadas com faturas desta entidade também não podem ser consideradas reais, não só por se ter comprovado que este pretenso fornecedor não adquiriu tal mercadoria, mas porque é o próprio H... a refutá-las e a A... não comprova a sua efetividade.
  • No que respeita à faturação de ouro fino emitida por O..., também mantemos a correção proposta no projeto de relatório, pois, embora no direito de audição se pretenda indicar como pressuposto desta correção o facto de O... lhe ter faturado ouro fino sem ter as compras correspondentes, referindo que tal resulta de um pressuposto gravíssimo, uma vez que a A... contratava com os fornecedores a possibilidade de entregarem ouro cascalho e faturarem ouro fino, não podendo por isso ser desconsideradas, segundo alega. Acontece que no período em que esta faturação foi emitida, ficou demonstrado que O... efetuou vendas efetivas de artefactos em ouro (cascalho) na quantidade de 1 Kg mensal, conforme confirmam as declarações do seu colaborador W... . Não podia assim ter vendido o ouro fino mencionado nas duas faturas contabilizadas pela A... em setembro e dezembro de 2011, que mencionam 5 Kg e 3 Kg, respetivamente.
  • Também não pode a A... pretender justificar esta incongruência com o alegado (venda de cascalho e fatura com a descrição de ouro fino), dada a obrigatoriedade de a descrição da fatura corresponder ao artigo efetivamente transmitido. Nunca se poderia admitir que a transmissão de cascalho fosse descrita como ouro fino, uma vez que não é conhecido o toque, dado essencial para a conversão de cascalho em fino.
  • No tocante às faturas de CC..., contrariamente ao alegado, não foi exclusivamente o facto do fornecedor deste ser não declarante que levou à sua desconsideração, mas sim, entre outros, o facto deste fornecedor nunca ter exercido qualquer atividade, conforme declarações do seu responsável M... . Este, para além de admitir que a Z... nunca exerceu qualquer atividade, confirmou que vendeu as faturas a CC... e ZZ... . Assim sendo, não podia a I... vender o que não tinha, tratando-se obviamente de papel falso, nem a A... demonstrou, como lhe competia, que a I... dispunha de ouro para lhe vender e que efetivamente lhe vendeu. Isto, a ser verdade, era facilmente comprovável, nomeadamente com as marcações efetuadas, documentos de transporte, meios de pagamento.
  • De referir ainda que ficou demonstrado no processo .../12...T... que K... exercia uma posição de domínio sobre CC..., exigindo deste todo o tipo de interesses para alimentar circuitos de faturação fictícios, deixando desta forma recair toda a responsabilidade sobre a I... . Este facto comprova-se com o acervo documental e verbal, nomeadamente inquirições e interrogatórios. Para tentar dar aparência real à faturação, a I... faz corresponder a estas falsas saídas para a A..., falsas entradas da Z... .
  • Desta forma, a desconsideração das faturas da I..., contrariamente ao afirmado no direito de audição, resulta da relação comercial com a A... e não exclusivamente do facto do fornecedor da I... ser não declarante, como afirmado.
  • Quanto às compras a K... na qualidade de particular, no direito de audição é referido que não é possível ao contribuinte apresentar defesa em virtude de, segundo alega, o projeto não fazer a destrinça sobre as vendas que este efetivamente fez à A... .
  • Contrariamente ao afirmado, no ponto A.2.8, figura um quadro com a indicação dessas quantidades, valores, tipo de documento, data e descrição, e foram anexados ao projeto de relatório fotocópia dos documentos. Desvaloriza também o circuito financeiro que lhe está associado, mantendo-se a posição contrária, pois os meios de pagamento são relevantes para aferir da legalidade/veracidade das transações.
  • Também é referido no direito de audição que é de extrema dificuldade para a A..., fazer o comentário à desconsideração dos suprimentos em virtude da análise destes ser superficial. Pretende, no entanto, justificar a existência dos mesmos com o não cumprimento das marcações pelos fornecedores e com a necessidade da A... cumprir com as marcações que efetuou com os seus clientes com base nas marcações não cumpridas pelos seus fornecedores, mas não demonstra nem identifica nenhuma dessas situações em concreto, pelo que também aqui não podemos aceitar o invocado, tanto mais que os rendimentos declarados desde 1996, conforme referido no ponto A.2.9, à luz das regras da experiência comum, do bom senso, de um homem médio, com mediana sagacidade, nunca lhe permitiriam dispor, no seu património, de tal quantidade de pedras e metais preciosos como os que alegadamente transmitiram no valor global superior a €2.000.000,00.
  • Não é de desprezar ainda o facto de na contabilidade da A... se encontrarem arquivadas declarações a pretender documentar suprimentos que não chegaram a ser contabilizadas, em que L... e M... cedem 2.000,00 grs e 1.200,00 grs de ouro fino, que estão devidamente assinadas pelas partes.
  • Esta situação contraria o alegado no ponto 43 do direito de audição, ao pretender justificar os suprimentos com o não cumprimento de marcações.
  • Ficou assim demonstrada a utilização de faturação falsa pela A..., situação de que tinha total conhecimento e, embora se reconheça que as compras consideradas são insuficientes para as vendas efetuadas e que na A... não nascem lingotes de ouro conforme referido no direito de audição, compete à A... demonstrar a origem do ouro vendido e não à AT, que demonstrou cabalmente que as entidades identificadas nas faturas nada venderam à A... . Mantemos assim as conclusões de que são reais as vendas e falsas as compras às entidades referenciadas, uma vez que não há direito à presunção de custos por parte do utilizador de faturação falsa, cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proc. 00308/11.0BEAVR.
  • Todavia no exercício do direito de audição a A... podia ter apresentado documentos comprovativos das compras aos verdadeiros fornecedores, o que não fez. Por este motivo é verdadeiramente irrelevante o argumento apresentado.
  • Quanto à omissão de compras à II... e à OO..., tendo-se apurado no âmbito do processo de inquérito que foram efetuados pagamentos a estas duas entidades e que não se encontrava qualquer faturação emitida pelas referidas empresas para a A..., foram consideradas compras no montante equivalente aos pagamentos efetuados.

[…]

  • Relativamente ainda ao alegado pelo s.p, no que respeita aos elementos recolhidos no processo .../12...T..., cumpre informar que em sede de procedimento inspetivo os elementos coligidos constituem prova bastante da existência de facto tributário, pelo que a tributação não depende do normal andamento do processo criminal.

Assim, face ao exposto, e não tendo o sujeito passivo apresentado novos elementos para além dos analisados no âmbito da ação inspetiva e que constam do projeto de relatório que lhe foi notificado, procede-se à elaboração do relatório em conformidade com o projeto de relatório.

[…]”.

 

  1. Em 30 de dezembro de 2017, a Requerente apresentou requerimento de processo especial de revitalização (“PER”), que foi admitido e autuado sob o n.º .../17...T8VNG e sujeito a publicação em 5 de fevereiro de 2018 – cf. documento 6 junto com o ppa.

 

  1. Subsequentemente, a Requerente foi notificada: 
  1. Das demonstrações de liquidação de IRC n.º 2018..., de 17 de janeiro de 2018, de juros compensatórios n.ºs 2018... e 2018..., de 19 de janeiro de 2018, e de acerto de contas n.º 2018..., também de 19 de janeiro, referentes ao ano 2010, das quais resultou o montante total a pagar de € 14.635,12, cuja data limite para pagamento foi fixada em 28 de fevereiro de 2018;
  2. Das demonstrações de liquidação de IRC n.º 2018..., de 17 de janeiro de 2018, de juros compensatórios n.º 2018..., de 22 de janeiro de 2018, e de acerto de contas n.º 2018..., também de 22 de janeiro, referentes ao ano 2011, das quais resultou o montante total a pagar de € 1.243.262,00, cuja data limite para pagamento foi fixada em 5 de março de 2018;
  3. Das demonstrações de liquidação de IRC n.º 2018..., de 17 de janeiro de 2018, de juros compensatórios e moratórios n.ºs 2018... e 2018... e 2018..., de 23 de janeiro de 2018, e de acerto de contas n.º 2018..., também de 23 de janeiro, referentes ao ano 2012, das quais resultou o montante total a pagar de € 800.235,10, cuja data limite para pagamento foi fixada em 5 de março de 2018;
  4. Das demonstrações de liquidação de IRC n.º 2018..., de 17 de janeiro de 2018, de juros compensatórios e moratórios n.ºs 2018... e 2018... e 2018..., de 25 de janeiro de 2018, e de acerto de contas n.º 2018..., também de 25 de janeiro, referentes ao ano 2013, das quais resultou o montante total a pagar de € 6.662.654,42, cuja data limite para pagamento foi fixada em 5 de março de 2018;

            – cf. documento 1 (demonstrações de liquidação e acerto de contas) junto com o ppa.

 

  1. No PER acima referido (processo n.º .../17.7T...VNG), a AT veio reclamar créditos no valor de € 9.134.943,44, no qual se incluem os atos de liquidação objeto do presente processo arbitral enumerados no ponto anterior – cf. documento 7 junto com o ppa.

 

  1. Em discordância com a correção à matéria coletável de IRC constante das liquidações de IRC e de juros compensatórios e moratórios supra identificadas, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 27 de maio de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo.

 

 

 

MOTIVAÇÃO

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se, essencialmente, nas posições assumidas pelas partes, na análise crítica da prova documental junta aos autos e, sempre que aplicável, nos depoimentos das duas testemunhas inquiridas,  B... e C..., ambos funcionários da AT, que revelaram o seu profundo conhecimento das circunstâncias factuais vertidas no RIT, tendo presenciado pessoalmente a recolha de informação realizada no decurso dos processos de inquérito, abrangendo as diligências e interrogatórios levados a efeito, e no caso de C..., no âmbito do procedimento inspetivo tributário.

 

Os depoimentos prestados pelas testemunhas foram objetivos, consistentes e revelaram conhecimento direto e minucioso dos factos relatados.

 

A primeira testemunha, em representação da AT, integra a equipa mista que realizou a investigação criminal que envolveu a Requerente e os seus fornecedores acima identificados e que culminou em despacho de acusação, sendo especialista no setor do ouro. Acompanhou as diligências da Polícia Judiciária e procedeu à análise documental dos elementos fiscalmente relevantes, designadamente as contabilidades das entidades envolvidas, coadjuvado por duas colegas da AT.

 

Corroborou os indícios que constam do RIT sobre a utilização de pessoas, como H... e U..., que estavam em dificuldades ou que eram indigentes e que davam acesso aos seus dados pessoais, mediante o pagamento de quantias por parte de O..., para serem constituídas sociedades das quais ficavam gerentes, que emitiam faturas de vendas de ouro e prata e pedras preciosas à Requerente e a outras entidades, sendo que eles e aquelas sociedades (veículos de emissão de “papel falso”) não tinham efetuado essas vendas, conforme descreveram nos interrogatórios da Polícia Judiciária e depois reiteraram em declarações prestadas ao Ministério Público. A mulher de O...,  SS..., afirmou em inquirição que era ela que preenchia algumas faturas, reconhecendo a sua letra.

 

Esta testemunha destacou também os procedimentos de pagamento associados àquelas faturas, quando não eram em numerário, mas por cheque e, portanto, rastreáveis. Ilustrou o caso de CC..., que ia banco levantar o cheque acompanhado por funcionários da Requerente que ficavam com o dinheiro após o levantamento, conforme instruções nesse sentido dadas por M... . Assim, na aparência era CC... que levantava o cheque, mas o beneficiário efetivo do dinheiro não era ele. Por outro lado, no caso de U... este ia levantar os cheques acompanhado de funcionário da empresa S..., constando de diversos manuscritos apreendidos que recebia um valor por cada grama de ouro faturado pela sua sociedade.

 

A segunda testemunha, técnica da inspeção tributária e autora do RIT, também participou na recolha de elementos e em diligências de busca, tendo, nesse âmbito, tido contacto pessoal com CC... e U... . Corroborou em detalhe a apreensão dos factos que resulta do RIT. 

 

A Requerente invoca que o facto de as testemunhas terem participado na ação policial as levou a trair o princípio da imparcialidade e o da verdade material, sem, contudo, apontar quaisquer circunstâncias concretas que suportem esta acusação que é insubsistente. 

 

       FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não se provou a alegação da Requerente de que as diligências externas da AT se limitaram à consulta e análise dos elementos do processo de inquérito, mas precisamente o contrário, tendo diversos funcionários da AT participado nas diligências da investigação criminal e acompanhado toda a fase de inquérito.

 

Não se provou que tivessem sido efetuadas as transações a que se referem as faturas emitidas pelas sociedades D... , F..., G..., J..., Lda e I..., neste último caso, com exceção daquelas que são mencionadas no RIT como “omissão de vendas” relativas às sociedades II..., Lda. e  OO..., Lda., nem as realizadas em nome individual por H... relativas a ouro fino e por K... . Ficou por provar ainda que a Requerente tivesse efetuado o pagamento das quantias faturadas e que a prática do mercado e do setor até 2012 fosse o pagamento “por caixa, dinheiro vivo”.

 

Não se provou que no quadro constante do ponto A.2.11 do RIT não constassem quaisquer faturas associadas ao fornecedor H... . Pelo contrário, estas faturas são expressamente enumeradas no Quadro relativo ao ano 2011, a páginas 37 do RIT, conforme fixado no probatório (ponto T).

 

De igual modo, não resultou provado que tenham sido realizados suprimentos em espécie, de ouro fino, por parte de K..., L... e M... .

 

Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

  1. Do Direito

 

2.1. Delimitação das Questões a Decidir

 

Está em discussão a correção à matéria coletável de IRC da Requerente, por indícios de faturação falsa, não tendo sido aceites pela AT, como gastos fiscalmente dedutíveis, os custos de aquisição de bens – metais e pedras preciosas – documentados nessas faturas e, bem assim, os associados a suprimentos em espécie da mesma natureza, ao abrigo do artigo 23.º do Código deste imposto.

 

São suscitados, neste âmbito, diversos vícios de que cumpre conhecer:

(a)     Falta de comprovação, por parte da AT, de indícios fundados de faturação falsa e de suprimentos falsos, com violação das regras do ónus da prova, e inexistência de facto tributário;

(b)     Violação dos princípios da boa fé, da imparcialidade, da proporcionalidade e do interesse público;

(c)     Falta de fundamentação; e

(d)     Erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

 

2.2.  Distribuição do Ónus da Prova. Inaplicabilidade do Artigo 100.º do CPPT

 

Como acima salientado, o fundamento dos atos tributários impugnados reside na indedutibilidade fiscal de gastos contabilizados pela Requerente, por indícios de falsidade. A AT entende que as faturas de suporte das aquisições de ouro, prata e pedras preciosas em causa são falsas, ou seja, que não titulam verdadeiras transações realizadas pelas entidades emitentes, na qualidade de fornecedores da Requerente e, em consequência, não satisfazem os critérios de dedutibilidade previstos no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, cuja redação à data dos factos dispunha nos seguintes termos:

 

“Artigo 23.º

Gastos

1 – Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora […]

 

Como corolário do princípio da legalidade administrativa e de acordo com as regras de repartição do ónus da prova constantes do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, em concretização do princípio geral consagrado no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, é à AT que cabe demonstrar a verificação dos pressupostos legais que legitimaram a sua atuação. Recaindo sobre o contribuinte, nesse caso, a comprovação da veracidade das operações em causa.

 

Neste sentido, refere Vieira de Andrade: "há-de caber, em princípio, à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados estes pressupostos" – “A Justiça Administrativa (Lições)”, 2ª. edição, p. 269.

 

Interessa, ainda, salientar que as declarações fiscais dos contribuintes, incluindo a contabilidade e respetivos elementos de suporte, beneficiam da presunção de veracidade e de boa fé que, porém, não se verifica quando revelarem “omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem” o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo – cf. artigo 75.º, n.ºs 1 e 2 da LGT.

 

Na situação em análise, a AT coligiu um conjunto de factos-índice, adiante analisados, que alicerçam a conclusão alcançada de que as entidades que emitiram as faturas não realizaram as operações nelas mencionadas, pelo que essa faturas documentam operações económicas que não são verdadeiras, porque não existem, ou pelo menos não existem nos precisos termos que aparentam.

 

Por outro lado, a Requerente discorda que os referidos factos-índice consubstanciem factualidade suscetível de comprovar que as faturas de custos são falsas, pois existem fluxos rastreáveis de pagamentos e aqueles factos indiciários não respeitam à sua esfera, nem foi pela AT alegado e demonstrado o seu envolvimento ou conhecimento da fraude fiscal. Desta forma, pugna pela inexistência de facto tributário, considerando que a AT não comprovou factos passíveis de abalar a presunção de veracidade que o artigo 75.º, n.º 1 da LGT estabelece relativamente às declarações dos contribuintes e aos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade.

 

Neste contexto, a possibilidade de desconsideração administrativa dos elementos declarados pelos contribuintes, nomeadamente no tocante à verificação das transações comerciais (e, sendo o caso, das respetivas bases tributáveis), decorre necessariamente de um juízo de valoração prévia acerca da congruência e suficiência dos elementos declarados.

 

A prova da existência do facto tributário utiliza uma técnica probatória assente na apreciação de indícios para a extrapolação de conclusões, em linha com a posição expressa por Saldanha Sanches – “A Quantificação da Obrigação Tributária”, Cadernos de CTF (173), CEF, 1995, p. 394 e ss.. Não pode aqui deixar de ser admitida a utilização de prova indireta para inverter o ónus da prova, até porque não é expectável que quem incumpre a obrigação de imposto ostente evidências diretas do inadimplemento.

 

Não é, desta forma, exigível que a AT faça prova direta havendo que recorrer à prova indireta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém diretamente, mas indiretamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” — cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Ato Tributário, p. 154.

 

Em concreto, “estando em causa indícios de faturação falsa, a AT não tem que provar a falsidade das faturas; basta-lhe demonstrar os indícios de falsidade e que estes são consistentes, sérios e reveladores de uma alta probabilidade de que as faturas são «falsas»“, conforme decorre da jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”).  Entre vários, podem ver-se os Acórdãos de 14 de fevereiro de 2019, proferido no processo n.º 509/09.0BELRA; de 06-12-2018, proferido no processo n.º 754/07.3B...; e de 07-06-2018, proferido no processo n.º 813/11.8 BELRA (09855/16). 

 

Por outro lado, também não é exigível prova da existência de acordo simulatório, no sentido em que se pronuncia a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA, designadamente nos processos n.º 01424/05.2BEVIS 0292/18 e n.º 1434/17, de 27 de fevereiro de 2019 e de 27 de junho de 2018[1], respetivamente.

 

Salienta o aresto primeiramente referido que: “[p]ara que a AT proceda à correção do lucro tributável por desconsideração dos custos suportados por faturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efetivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240.º do CC)”.

 

Neste âmbito, “[b]asta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar esses custos, factualidade essa que tem de ser suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito de deduzir os custos ao lucro tributável) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efetivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução”.

 

Acresce que a AT pode “lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes”, não prevendo a lei que os elementos a considerar tenham de advir do próprio contribuinte fiscalizado, tal como referido na decisão arbitral de 19 de novembro de 2018, proferida no processo n.º 207/2018-T, sobre a dedução do IVA por parte da Requerente, assente na mesma factualidade, e que doravante se acompanha. Aliás, se vigorasse tal restrição, a eficiência e operacionalidade do combate à fraude e evasão fiscal, essenciais à concretização do princípio da igualdade e da justiça, ficariam seriamente comprometidos, sem que em contrapartida se estivessem a salvaguardar ou tutelar interesses juridicamente relevantes.

 

De notar também que, ao contrário do invocado pela Requerente, não é aplicável à situação vertente a estatuição do artigo 100.º do CPPT, segundo o qual, em caso de “fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”.

 

A partir do momento em que opera a inversão do ónus da prova e que passa a impender sobre o contribuinte o encargo de comprovar a veracidade das operações materiais subjacentes, não basta que este suscite dúvidas para que a liquidação seja inválida, pois, como bem assinala a decisão arbitral do processo n.º 207/2018-T, “estando onerado com a prova da materialidade das operações, se persistir a dúvida, esta resolve-se contra a parte onerada com a prova”. 

 

É também esta a solução que preconiza Jorge Lopes de Sousa em anotação ao artigo 100.º do CPPT: “nos casos em que se verificar uma destas situações em que no procedimento tributário é atribuído o ónus da prova ao contribuinte, as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de, nos termos daquele n.º 1, justificarem a anulação do ato impugnado.” Acrescenta, neste contexto, que “o n.º 1 do art. 100.º do CPPT consubstancia uma norma de carácter geral de que resulta recair sobre a administração tributária o ónus da prova dos factos que relevem para quantificação da matéria tributável. Por isso, nas situações em que a lei, em normas especiais, impõe esse ónus ao contribuinte, fica afastada a aplicação daquela regra de carácter geral.”

 

            Atentas as considerações expostas, importa aferir se, na situação concreta, a AT satisfez o ónus de demonstração de factos indiciadores de divergência entre as faturas e a realidade subjacente e, em caso afirmativo, se, por seu turno, a Requerente logrou apresentar prova da materialidade das operações documentadas por aquelas faturas.

 

2.3.  Análise Concreta dos Indícios de Faturação Falsa e da Falsidade dos Suprimentos

 

            Síntese Descritiva

 

No âmbito da investigação desenvolvida nos processos de inquérito n.ºs .../12... T... e .../12.6...T... e do cruzamento de informação realizado pela AT, verificou-se que diversos fornecedores da Requerente não entregavam declarações fiscais, ou, nos casos em que o faziam, tinham omitido vendas que a Requerente, na qualidade de adquirente, tinha registado na sua contabilidade e reportado nas suas declarações.

 

            Alguns destes fornecedores, confrontados com as suspeitas da inexistência de tais operações, confirmaram, em declarações prestadas perante as autoridades, que as faturas em apreço não correspondiam a operações que tivessem efetivamente ocorrido.

 

Para além destas declarações, a AT recolheu um acervo de elementos que constam do RIT e respetivos anexos (ponto R do probatório), relativos à origem e emissão das faturas, à falta de estrutura e capacidade dos fornecedores para procederem aos alegados fornecimentos de ouro, prata e pedras preciosas na quantidade e qualidade em que o foram (designadamente, ouro puro) e aos procedimentos de pagamento.

 

Em termos sintéticos, no que se refere à sociedade D..., o seu sócio-gerente W... afirmou que não conhece a Requerente, nem o seu gerente K... e que nunca fez qualquer negócio com estes, pelo que é o próprio fornecedor a rejeitar de forma direta a autoria da fatura emitida. Adicionalmente, na data de emissão da fatura (2010), aquela sociedade já tinha cessado atividade, circunstância que é cognoscível através de acesso ao portal das finanças. A fatura em causa pertence a um bloco encomendado por O... e entregue na sua ourivesaria na Rua da ... pela mesma tipografia que forneceu diversos blocos de faturas a entidades que estão indiciadas por emissão de faturas falsas, todas encomendadas por O... e entregues no seu estabelecimento, correspondendo a caligrafia do seu preenchimento a SS..., ex-mulher daquele. O pagamento das faturas foi lançado por contrapartida de Caixa e alegadamente feito em numerário.

 

No que se refere à sociedade E..., cujo sócio-gerente é H..., foi constituída em setembro de 2009, tendo faturado, nos anos 2010 e 2011, mais de dois milhões e duzentos mil euros à Requerente, sem, contudo, ter entregue qualquer declaração de rendimentos de IRC. Para além de “não declarante”, não consta como entidade pagadora de rendimentos no que respeita a funcionários, não dispondo de qualquer estrutura/meios humanos. As faturas em apreço foram impressas na mesma tipografia que forneceu diversos blocos de faturas a O... respeitantes a entidades indiciadas por emissão de faturas falsas. A caligrafia de preenchimento das faturas corresponde à de O... e os recibos de suporte à contabilidade referem que o pagamento foi feito em dinheiro. Identificaram-se duas faturas de 2010, de valor reduzido, associadas a dois cheques da Requerente, levantados “à boca do caixa” por O... . Nas contas bancárias da E... ou do seu sócio-gerente H... não se detetou qualquer entrada de fundos com origem na Requerente. Acresce que em declarações prestadas no inquérito criminal, H... afirma que constituiu a sociedade E... a pedido de O..., para ser gerida de facto por este último e faturar até € 100.000,00 ano, para o que lhe passou uma procuração com poderes de faturação, ajustando, em contrapartida, o recebimento de uma remuneração mensal.

 

A sociedade F..., de igual modo detida por H..., entregou declarações fiscais, mas não reportou quaisquer vendas realizadas à Requerente, apesar desta ter registado, em 2011 e 2012, mais de um milhão e cem mil euros de compras àquela. De novo, as faturas utilizadas são pré-impressas na mesma tipografia que forneceu diversos blocos de faturas a O... respeitantes a entidades indiciadas por emissão de faturas falsas e preenchidas com caligrafia idêntica à deste. Os pagamentos foram feitos em numerário ou por cheque. Existem faturas com indicação de terem sido pagas por cheque, sem que nesse período, tenham sido descontados esses cheques. Em declarações prestadas por H... no processo criminal, este afirmou ter criado a F... por sua iniciativa, mas que não foi ele que faturou à Requerente, nem em nome da E..., nem no da F..., indicando ter sido O..., no último caso sem o seu conhecimento.

 

Quanto à G..., entregou declarações fiscais, mas não reportou a faturação realizada à Requerente em 2011, superior a 330.000 euros, relativa a “ouro fino”, sendo que o colaborador desta entidade afirma nunca ter visto O... vender ouro fino ou fundir ouro. Os pagamentos associados a estas faturas foram lançados por contrapartida de "caixa” não se tendo identificado qualquer movimento financeiro relacionado, nem nas contas bancárias da Requerente, nem nas contas bancárias da G... ou do seu sócio-gerente. Acresce que a contabilidade do fornecedor não evidencia em 2011 a compra de outro fino, nem de cascalho de ouro, nem qualquer compra de ouro usado a particulares.

 

Relativamente a H..., detentor e gerente da E... e da F..., a Requerente contabilizou diversas faturas emitidas a título individual por este fornecedor, que ascenderam aproximadamente a 1,5 milhões de euros. No entanto, o mesmo não entregou quaisquer declarações de rendimentos ou de IVA nos exercícios em análise, nem existe nenhuma entidade que tenha declarado ter-lhe vendido ouro (que ele subsequentemente tivesse revendido à Requerente). H... declina ter emitido as faturas em apreço, que são provenientes da mesma tipografia acima referida, com exceção de duas faturas de 2012 pagas por transferência bancária, no valor global de cerca de € 15.000,00. Estas últimas pertencem a um lote de faturas requisitadas em setembro de 2012, que se distinguem das demais, não só pela apresentação (“layout”), mas por terem sido preenchidas pelo próprio H..., conforme por este declarado no inquérito. As restantes faturas encontram-se preenchidas com caligrafia semelhante à de O... e o respetivo pagamento efetuado por numerário ou cheque. O beneficiário dos cheques, alguns endossados por O..., outros emitidos à ordem de G..., foi O..., com exceção de três levantados por H..., no valor global de € 119.979,00.

 

Atendendo ao facto de O... comercializar cascalho de ouro e prata e de ter sido o beneficiário efetivo de meios de pagamento materialmente relevantes, a AT considerou que estas transações lhe pertenciam, apesar de formalmente encobertas pela interposição de H..., e aceitou a dedutibilidade fiscal do respetivo gasto na esfera da Requerente. No entanto, no que se refere às transações de ouro puro, realizadas em 2011, no valor de € 410.000,00, inexistindo evidência de que O... tivesse meios para comercializar este tipo de ouro, foram as mesmas desconsideradas. 

 

Sobre a I..., a AT concluiu que, à exceção do ouro fino em 2012, toda a restante faturação da I... para a Requerente estava sustentada em faturação da sociedade Z..., principal fornecedor da I..., faturação esta que, todavia, não se afigura credível, pela conjugação dos fatores seguidamente enumerados (síntese extraída da decisão do processo arbitral n.º 207/2018-T):

 

  • “É uma empresa não declarante, para efeitos fiscais, pelo que os valores de compras e IVA dedutível mencionados pela I... não foram declarados pela Z... .
  • A atividade da Z... foi cessada oficiosamente pela AT, à data de 2013-12-20, pelo motivo de nunca ter exercido qualquer atividade, tendo a sede sido oficiosamente alterada para o domicílio fiscal da sócia gerente BB... .
  • Não existe qualquer empresa ou outra entidade a declarar ter efetuado qualquer venda/prestação de serviços à Z...;
  • Da análise às faturas emitidas pela Z... para a I..., detetaram-se várias irregularidades, que demonstram manipulação de faturação, nomeadamente faturas emitidas em data anterior à data da requisição na tipografia, diversas faturas, sem correspondência com o critério sequencial da numeração e respetiva cronologia;
  • Não há meios de pagamento associados às transações referidas nas faturas, no valor global de cerca de € 30.000.000,00;
  • Em declarações prestadas no inquérito criminal, o arguido XX..., que interveio na escritura de constituição da Z..., declarou que desconhece qualquer faturação da Z..., porquanto vendeu todas as faturas a CC... e ZZ... (sobrinho de CC...).”

Em 2013, a sociedade J..., Lda faturou à Requerente o valor expressivo de € 3.638.306,93, excluindo o IVA que foi indevidamente liquidado no montante de € 836.810,28, sem, contudo, ter apresentado qualquer declaração para efeitos fiscais, em IVA ou IRC, aliás, não o fazendo consecutivamente desde 2007. Acresce que não existem empresas que mencionem ter efetuado vendas no período em causa a J..., Lda, nem se constatam trabalhadores ao seu serviço, seja na segurança social (não foi feita qualquer inscrição nesse sentido), seja por via das declarações de remunerações (inexistentes). Por outro lado, o preço unitário de venda sem IVA é muito inferior à cotação do ouro no mercado internacional. Porém, se se acrescentar o IVA, o preço é superior ao desta cotação. O emitente da fatura acaba por receber um valor superior, pois apropria-se do IVA que não entrega nos cofres do Estado, e a Requerente solicita o reembolso desse IVA ao Estado, que fica lesado. O sócio-gerente U..., em declarações prestadas no inquérito criminal, reconheceu que todas as faturas são falsas porque nada vendeu e afirmou que desconhece a Requerente e os seus representantes, nunca tendo entrado nas instalações daquela. 

 

K... declarou vendas, a título particular, à Requerente, sociedade de que é sócio-gerente no valor de € 166.155,20. Esta importância, agregada às vendas declaradas para a atividade da sua sogra, perfaz um valor global de € 966.688,73. Se se somarem as 20.000,00 gramas de ouro fino que declarou a título de suprimentos a favor da Requerente, no montante de € 710.000,00, a quantia em questão aproxima-se de 1,7 milhões de euros, tendo a AT considerado não ser credível que aquele detivesse no seu património pessoal uma quantidade tão elevada de pedras e metais preciosos, atendendo, desde logo, ao desfasamento dos rendimentos declarados por K..., para efeitos de IRS, entre os anos 1996 e 2013, que se cifraram no total em € 148.181,59. 

 

Adicionalmente, os pagamentos realizados por cheque ou por transferência bancária a K... tiveram a CCC... como beneficiário final, por via do endosso de cheques (€86.000,00), ou da emissão de cheques imediatamente após as transferências bancárias realizadas pela Requerente. Um dos cheques, de € 15.950,00, emitido pela Requerente à ordem de K..., foi endossado por este a um funcionário da DDD... Unipessoal Lda., um dos fornecedores da Requerente, concluindo a AT que K... não foi o verdadeiro beneficiário deste cheque, mas sim um terceiro.

 

Por fim, no tocante aos suprimentos em espécie, de ouro fino, realizados por K..., L... e M..., constata-se que os mesmos não têm a mínima correspondência com o nível de rendimentos declarados por qualquer um deles nos últimos 17 anos. Assinalam-se, além do mais, divergências inexplicáveis nos preços unitários praticados nos suprimentos, três deles no mesmo dia, tendo o ouro cotação de referência no mercado internacional.

 

A Requerente tenta justificar que tal se ficou a dever a compromissos assumidos –“marcações” – mas não identificou nenhuma dessas situações concretas, nem carreou qualquer elemento de prova que corroborasse o alegado.

 

De referir ainda que foram encontradas arquivadas nas pastas da contabilidade outras declarações de suprimentos, pré-assinadas, que não foram usadas, fundando a suspeita de que se trataria de um expediente pronto a ser utilizado, caso se revelasse necessário ou conveniente.

 

            Apreciação

 

Relativamente às faturas das sociedades D..., E... e F..., assim como às de H... neste último caso, com exceção de duas faturas de 2012 cuja autoria este subscreve (perfazendo o valor residual de cerca de € 15.000.00), são os próprios fornecedores da Requerente, através dos sócios-gerentes que as representam, W... e H..., que afirmam a falsidade desses documentos, ou seja, confirmam que essas transações não se realizaram com aquelas entidades.

 

A AT conseguiu demonstrar indícios de que, notoriamente, aquelas sociedades e pessoas não dispunham de qualquer estrutura, designadamente de meios técnicos e humanos, que lhes permitissem fornecer, nalguns casos centenas de milhares e milhões de euros em ouro, prata e pedras preciosas. No caso da D..., tratava-se de uma entidade inativa, com a atividade formalmente cessada para efeitos de IVA, quanto à E... foi constituída ab initio com a finalidade de emitir faturas e a F... emitiu faturas antes sequer de ter atividade.

 

Aliado a este quadro existem fatores coadjuvantes, típicos de situações de faturação falsa, nomeadamente pagamentos em dinheiro de valores muito significativos (e a consequente movimentação de contas de caixa em numerário), bem como, no caso de cheques, o endosso sistemático pelos destinatários a terceiros, ou mesmo a emissão direta de cheques em nome de terceiros que não têm com as faturas qualquer relação aparente.

 

De acordo com o artigo 63.º-C da LGT, impunha-se à Requerente que os pagamentos de valor igual ou superior a 20 vezes a retribuição mensal mínima fossem efetuados através de meio de pagamento que permitisse a identificação do respetivo destinatário, designadamente transferência bancária, cheque nominativo ou débito direto (n.º 3). Obrigação acessória que, como se viu, a Requerente não cumpriu e à qual estava sujeita desde o momento em que iniciou a sua atividade, em 2009[2].

 

Assim, não foi em 2012, diversamente do que induz a Requerente, que passou a ser obrigatório fazer os pagamentos (e também recebimentos) da atividade empresarial desenvolvida por movimentação de contas bancárias. A Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, apenas veio fixar um novo limite de valor – € 1.000,00 – a partir do qual esse procedimento era obrigatório.

 

Não pode deixar de se destacar que a Requerente violou os seus deveres acessórios, sendo que algumas transações ascendiam a largas dezenas de milhares de euros, ou mesmo centenas, mal se compreendendo que fossem pagas, como refere a Requerente em “dinheiro vivo”, inviabilizando a monitorização dos fluxos financeiros.

 

De referir que a requisição, por parte de O..., de blocos de faturas respeitantes àquelas sociedades/entidades, suspeitas de serem “meros veículos de emissão de papel”, com as quais não tinha qualquer relação formal, mas que eram entregues à sua ordem, pela tipografia, na sua ourivesaria da Rua da ..., quase todas tendo sido preenchidas com caligrafia idêntica à de O... ou da sua ex-mulher, não sendo, por si só, determinante não deixa de completar e reforçar um quadro contextual desviante que, combinado com os demais factos-índice, se afigura idóneo para afastamento da presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, ao abrigo do artigo 75.º, n.º 2, alínea a) da LGT.

 

Com efeito, os putativos emitentes dessas mesmas faturas declinaram a autoria da sua emissão e validaram a impossibilidade ou inverosimilhança de fornecimentos daquela natureza (por exemplo, ouro fino) e quantidade, por parte das entidades em nome das quais as faturas foram emitidas.

 

Se é certo que estes factos não respeitam à Requerente, esta não estava em posição de os ignorar. Num meio restrito como é o do setor do ouro, em que o número de operadores “grossistas” é reduzido, sem prejuízo de um número mais elevado de fornecedores, e em face da longa experiência do sócio-gerente da Requerente nesta atividade, que diz desenvolver há 30 anos, causaria perplexidade e não se coadunaria com as regras de experiência comum, que o mesmo ignorasse que tais transações documentadas nas faturas não existiram como tal, ou pelo menos que não foram realizadas com quem as faturas atestam ter sido, pagando milhões de euros a estranhos e a desconhecidos de forma recorrente.

 

Acresce que, no caso de fornecimentos de ouro fino (puro), este produto reclama processos de transformação complexos e especializados, requerendo equipamento específico e dispendioso, dificilmente acessível a particulares ou a empresas sem estrutura financeira e meios adequados, para além de ter de ser desenvolvido por profissionais certificados.

 

Por outro lado, a AT, nas situações em que logrou identificar através do circuito de pagamentos os beneficiários efetivos das transações formalmente atribuídas a outros fornecedores, como sucedeu com diversas faturas emitidas em nome de H..., que reputou respeitantes à atividade de O... (a quem foram feitos os pagamentos), e apesar da divergência subjetiva de fornecedores, atendeu à materialidade e efetividade das transações e aceitou que fossem fiscalmente dedutíveis na esfera da Requerente. Exemplo equiparado sucedeu com algumas faturas da I..., a seguir referidas, tendo-se identificado que se reportavam a fornecimentos da II..., Lda., (“II...”) e da OO... Unipessoal, Lda. (“OO...”).

 

            Considerações semelhantes às supra expostas podem tecer-se a respeito de G..., relativamente a operações de venda não declaradas de “ouro fino”, produto que não comercializava e que tem as particularidades atrás assinaladas, ou de J... Lda que, para além de não declarante, não dispunha de qualquer estrutura, não existindo empresas que mencionassem ter-lhe efetuado vendas no período em causa, e liquidava IVA indevidamente em faturas de transmissões de ouro (cascalho) para reciclagem, que não comportavam esse imposto, sem, contudo, o entregar ao Estado (ao mesmo tempo que criava uma situação de reembolso na esfera da Requerente), perfazendo o total das operações (com IVA) um valor superior a 4 milhões de euros. De novo, e sem perder de vista que o objeto dos presente autos é o IRC, constitui um facto-índice não negligenciável que, sendo a Requerente controlada e gerida por uma pessoa com trinta anos de experiência no setor do ouro e diariamente confrontada com operações similares sem IVA, ignorasse, ou pelo menos não estranhasse, para valores desta grandeza, que se tratava de uma liquidação indevida desse imposto, ou que aquela sociedade não tinha estrutura que sustentasse tais operações. Sendo que o sócio-gerente, U..., declarou a falsidade dessas faturas, afirmando que “nada vendeu”.

 

            Por seu turno, a I..., que representa o caso mais representativo, também não dispunha de estrutura ou meios para realizar fornecimentos de quase 18 milhões de euros à Requerente (entre 2012 e 2013), sendo que, pelas razões acima elencadas, não é credível que tenha adquirido quaisquer mercadorias à Z..., resultando evidente que esta sociedade, principal “fornecedor” da I..., não tinha condições objetivas mínimas para realizar os referidos fornecimentos. Conforme salienta a decisão arbitral n.º 207/2018-T, “[o]s factos referidos, que não são contrariados por prova em contrário apresentada pela Requerente, apontam, sem dúvida razoável, no sentido de a faturação emitida em nome da Z... dever considerar-se falsa, pois não corresponde a operações por esta realizadas.”

 

            Sem prejuízo do exposto, nas situações em que a AT apreendeu terem existido transações, por evidência de interposição de outros fornecedores, acolheu a respetiva dedução fiscal para efeitos de IRC, como se constata do quadro do ponto C.1 do RIT, p. 64 (ponto T do probatório), subtraindo tais operações à matéria coletável de IRC da Requerente, relativas à II... e à OO... nas importâncias de € 1.082.000,00 e de € 345.000,00, respetivamente.

 

Quanto às demais faturas, que não se reportam a mercadorias fornecidas pela II... e pela OO..., está-se perante uma situação em que, de acordo com a jurisprudência do STA acima referenciada, a AT provou a factualidade que a levou a não aceitar a dedução do imposto, “suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte”. Os indícios obtidos apontam efetivamente no sentido de que as transações não se realizaram nos termos que resultam das faturas.

 

Idêntica conclusão é de retirar em relação à efetividade dos fornecimentos efetuados pelo sócio-gerente a título particular, aos suprimentos em espécie por si atribuídos à Requerente e, de igual modo, por L... e M..., atendendo às impressivas quantidades de metais preciosos e pedras preciosas em questão, inconciliáveis com os reduzidos rendimentos que foram ao longo dos anos declarados para efeitos de IRS e às divergências e demais indícios assinalados pela AT. 

 

Assim, a AT logrou demonstrar factos-índice de falta de veracidade das faturas de gastos e dos suprimentos declarados, cessando a presunção de veracidade das declarações do sujeito passivo, para efeitos do artigo 75.º, n.º 2, alínea a) da LGT.

 

            Nestes moldes, passou a recair sobre a Requerente o ónus de prova do direito que se arroga – o de exercer a dedução dos gastos para efeitos de IRC – com base na comprovação da materialidade das referidas operações.

 

No entanto, a Requerente não demonstrou factos comprovativos da materialidade das operações tituladas pelas faturas desconsideradas, cingindo-se à invocação de argumentos genéricos sobre a atividade por si desenvolvida. Argui, nomeadamente, a interposição física e efetiva de pessoas, ao abrigo do exercício de mandato sem representação, sem, porém, indicar quem seriam essas pessoas interpostas e em que circunstâncias tal interposição se verificou.

 

            Pelo exposto, não assiste razão à Requerente relativamente à suscitada a invalidade dos atos tributários com fundamento na violação das regras do ónus da prova (artigo 74.º da LGT) e da presunção de veracidade que assiste às declarações dos contribuintes, nos termos do artigo 75.º do mesmo diploma. A AT demonstrou os pressupostos da sua atuação, sem que a Requerente tivesse, por seu turno, comprovado a materialidade das faturas e suprimentos nos quais alicerça a pretensão de dedução fiscal dos gastos inerentes.

 

2.4.  Violação dos Princípios da Boa Fé, da Imparcialidade, da Proporcionalidade e do Interesse Público

 

A Requerente parte do pressuposto de que a atividade da AT se limitou à análise dos elementos do processo de inquérito obtidos pelas autoridades judiciárias, limitando-se a extrair a informação de outro procedimento inspetivo e que, por conseguinte, não desenvolveu uma verdadeira atividade instrutória no âmbito do procedimento tributário, na qual tivesse prosseguido o objetivo da verdade material e ponderado todos os interesses em causa.

 

No entanto, ficou claro que se trata de uma pré-compreensão da Requerente, sem correspondência com a realidade, pois a AT participou ativamente no processo de inquérito, participando nas diligências e apoiando as autoridades judiciárias na componente técnica. De igual forma, no procedimento tributário inspetivo, os técnicos da AT, incluindo os responsáveis pelo RIT, participaram em diversas diligências instrutórias, abrangendo, designadamente, buscas e o contacto pessoal e direto com alguns dos envolvidos.

 

Por outro lado, o princípio da imparcialidade, que implica a ponderação de todos os interesses em jogo, não tem campo de aplicação no domínio dos atos (estritamente) vinculados, de que os atos de liquidação de impostos constituem paradigma.

 

Sobre a proporcionalidade, a Requerente sustenta que a violação deste princípio decorre de no procedimento inspetivo “nenhuma questão, esclarecimento, visita ou elemento” ter sido solicitado ao contribuinte e de as conclusões apresentadas não resultarem “de testes ou verificações efetuadas pela AT junto ao contribuinte em concreto”

 

Todavia, como sufragado pela decisão arbitral do processo n.º 207/2018-T, que se acompanha, a Requerente foi oportunamente notificada para exercer o direito de audição, com a comunicação do correspondente projeto “pelo que teve oportunidade de saber antecipadamente da Autoridade Tributária e Aduaneira e os pontos que lhe convinha esclarecer. No que concerne ao facto de a Autoridade Tributária e Aduaneira ter baseado a sua posição em elementos extraídos de um processo de natureza criminal, trata-se de prova documental obtida com a idoneidade inerente a tal tipo de processos, que pode ser utilizada no procedimento tributário, em face da admissibilidade de qualquer meio de prova (artigo 72.º da LGT).”

 

Quanto à violação do princípio da verdade material alicerçada na alegação de que a Requerente não demonstrou que nos pagamentos por cheque nenhum deles retorna à Requerente, ficou provado precisamente o facto contrário, que, em alguns casos, os destinatários dos cheques eram acompanhados por funcionários da Requerente ao banco e, após o levantamento do dinheiro, este lhes era entregue.

 

Nestes termos, não se demonstra a violação dos princípios invocados pela Requerente, nem a infração ao disposto nos artigos 266.º, n.º 2 da Constituição, 55.º e 58.º da LGT e 46.º do CPPT.

 

2.5.  Vícios de Fundamentação Formal e Substantiva  

 

            Segundo a Requerente, a AT violou o dever de fundamentação, porquanto não explicita a “dualidade” de critério(s) subjacente(s) à aceitação, por parte da AT, de alguns custos, considerando outros como pagamentos de faturas falsas. Contudo, não pode este Tribunal concordar com esta asserção, pois as razões da distinção resultam da fundamentação do RIT e traduzem-se na existência de indícios de que as transações não se realizaram, nos casos em que considerou estar-se perante faturas falsas.

 

            Por outro lado, para além de constar do RIT a explicação percetível das razões pelas quais a AT aceitou os custos da II... e da OO... (e também, parcialmente, de H..., que considerou corresponderem a operações efetivas de O...), sempre se dirá que, tratando-se de decisões favoráveis ao contribuinte, a sua falta ou deficiente fundamentação, não comportaria desvalor invalidante.

 

Acresce referir que a fundamentação da AT é clara, suficiente e congruente, sendo percetível o iter cognoscitivo que conduziu àquela conclusão e não a outra, que a Requerente compreendeu, independentemente de com ela concordar, e contra a qual reagiu de forma especificada. 

 

Improcede pelas razões expostas a invocada preterição de vícios formais e de falta de fundamentação substantiva que a Requerente suportou nos artigos 268.º, n.º 3 da Constituição e 77.º da LGT.

 

2.6.  Ilegalidade por Erro nos Pressupostos de Facto

 

Na perspetiva da Requerente, a AT tem uma errada perceção da realidade pela AT, não a tendo validado junto do contribuinte, nem feito prova da atividade desenvolvida pela Requerente. Invoca o facto de os indícios de crime não estarem vertidos em sentença transitada.

 

Como atrás se assinalou, a prova usada pela AT foi produzida no processo de inquérito e, bem assim, no procedimento tributário, sendo que, em qualquer caso, o foi com a participação ativa de equipas de funcionários afetas ao processo e ao procedimento.

 

Neste âmbito, e para prossecução das suas atribuições legais, a AT pode recolher e utilizar todas as provas indiciárias, tenham sido por si diretamente obtidas, ou por outras entidades, incluindo as judiciárias. A obtenção de provas por essa via não merece qualquer descrédito, tendo os documentos valor autónomo no presente processo, idêntico ao que tinham no processo de inquérito criminal.

 

No tocante ao ónus da prova dos factos que legitimam a atuação da AT e à presunção de verdade e de boa fé das declarações do contribuinte e da sua contabilidade, remete-se para o que já foi acima exposto.

 

2.7.  Ilegalidade por Erro nos Pressupostos de Direito

 

            Conforme explicitado, a factualidade invocada e demonstrada pela AT é de ordem a afastar a presunção da veracidade das operações documentadas pelas faturas de gastos, nos moldes em que o foram, pelo que se inverteu o ónus da prova, que passou a impender sobre a Requerente. Para tanto, não é necessário alegar e comprovar o envolvimento ou conhecimento da Requerente na fraude fiscal.

 

Por banda da Requerente, não foi feita prova da materialidade das transações, pelo que, tratando-se de um ónus seu, a decisão deve ser-lhe necessariamente desfavorável.

 

Relativamente, aos argumentos referentes aos inventários (“stocks”) e imparidades, estes não constituem fundamento das correções controvertidas, nem foram objeto de análise da AT, encontrando-se fora do âmbito do thema decidendum

 

Por outro lado, a alegação de que sem as aquisições de mercadorias que foram desconsideradas como custo, não teria sido possível à Requerente realizar as vendas aos seus clientes, não foi firmada em factos concretos passíveis de alicerçar as premissas do raciocínio, designadamente no tocante a quantidades, valores e margens. 

 

Por fim, a Requerente invoca terem sido trazidos ao processo pela AT factos novos e questões novas, asserção que este Tribunal Arbitral não perfilha, porquanto a discussão da matéria de facto e jurídica se centrou apenas na factualidade e argumentação que constam do RIT e dos seus anexos, relativamente aos quais a Requerente se pronunciou previamente à sua consolidação, através do exercício do direito de audição previsto no artigo 60.º da LGT.

 

Isto, sem prejuízo da consideração, por este Tribunal, dos factos instrumentais e daqueles que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e que resultem da instrução da causa, designadamente da prova testemunhal produzida pela AT, desde que as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar, como resulta da lei processual.

 

* * *

 

            À face do exposto, os atos tributários de liquidação de IRC e de juros compensatórios e moratórios, de que a Requerente foi alvo relativamente aos exercícios de 2010, 2011, 2012 e 2013, não enfermam dos vícios suscitados, pelo que mantém a sua validade.

 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras. 

 

 

  1.  DECISÃO

 

            Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar totalmente improcedente o pedido de anulação dos atos tributários de liquidação de IRC e de juros compensatórios e moratórios supra identificados, com as legais consequências.

 

* * *

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 8.720.786,64, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

            Custas no montante de € 108.324,00, a cargo da Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Lisboa, 5 de abril de 2019

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT]

 

Os árbitros,

 

 

Alexandra Coelho Martins

 

 

 

Paulo Jorge Nogueira da Costa

 

 

 

Luís Oliveira

 



[1] Neste aresto são referidos diversos Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA com entendimento semelhante: “de 16 de março de 2016, rec. n.º 0400/15, de 19 de outubro de 2016, rec. n.º 511/15 e de 16 de novembro de 2016, rec. n.º 600/15 (para o IVA, os Acórdãos do Pleno de 17 de fevereiro de 2016, rec. n.º 0591/15 e de16 de março de 2016, rec. n.º 587/15).”

[2] A norma em causa foi aditada à LGT pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro.