Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 251/2018-T
Data da decisão: 2019-03-13  IVA  
Valor do pedido: € 585.836,52
Tema: Inversão do sujeito passivo; Construção de parque fotovoltaico.
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), A. Sérgio de Matos e Alexandre Andrade, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 18 de Maio de 2018, A..., S.A., NIPC..., com sede na Rua ..., ...(...), ...-... .., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado n.º 2018..., no valor de €543.931,45 e da liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de €41.905,07 e respectivos acertos de contas, referentes ao período 201511.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, erro nos pressupostos de facto e de direito, por entender que lhe deve ser reconhecida a possibilidade de aplicação do regime de inversão do sujeito passivo, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA.

 

3.            No dia 21-05-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 10-07-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 30-07-2018.

 

7.            No dia 01-10-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            No dia 13-12-2018, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foi inquirida a testemunha, no acto, apresentada pela Requerente.

 

9.            Foi igualmente prorrogado o prazo a que alude o art.º 21.º/1 do RJAT.

 

10.          Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

11.          Foi indicado que decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1, prorrogado.

 

12.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, 5.º e 6.º, n.º 2/a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente é uma sociedade comercial que, no âmbito da sua actividade, é proprietária de uma mini hidroeléctrica, denominada de “...”, sito no concelho do..., através da qual exerce a sua actividade de produção e venda de electricidade.

2-            A Requerente iniciou a sua actividade em 02-01-2008, tendo ficado enquadrada no CAE – 35111 – produção de electricidade de origem hídrica.

3-            A Requerente está, e estava em 2015, enquadrada, em sede de IVA, no regime normal com periodicidade mensal.

4-            A Requerente decidiu fazer um investimento para aumentar a capacidade de produção de energia eléctrica, facto que foi realizado através da aquisição das quotas da B..., Unipessoal Lda. (doravante, B...), a qual, no momento da aquisição, possuía um projecto aprovado para a construção de um Parque Fotovoltaico.

5-            O Alvará de Licença de Construção emitido pelo Município de ... à B..., através do qual foi licenciada a construção do Parque, teve dois aditamentos e no seu segundo aditamento de 28-05-2014 foi determinado, como prazo de validade da licença para a dita construção, o prazo de 18 meses, com início em 28-05-2014 e termo em 19-11-2015.

6-            A B... encontrava-se enquadrada como sujeito passivo que pratica operações que conferem o direito à dedução.

7-            A construção de um parque solar implica operações que incluem o modelamento do terreno, abertura de valas, colocação de cabos eléctricos, construção de sapatas em betão, instalação de painéis e seguidores solares e a sua fixação ao solo, construção de edifícios de controlo, construção de edificações técnicas, e instalação de vedações fixas ao solo.

8-            Aquando das negociações iniciais, a B... era uma empresa desprovida de qualquer activo relevante, motivo pelo qual não conseguia obter financiamento e a aprovação de garantias bancárias necessárias.

9-            A Requerente, como detentora de 100% das quotas da B... e tendo disponibilidade financeira e as características necessárias para solicitar financiamento à banca e prestar as garantias necessárias, entendeu contratar a construção do parque fotovoltaico diretamente com os seus fornecedores, pelo que foi subcontratada pela B... para a prestação do serviço de construção do Parque Fotovoltaico.

10-         A Requerente celebrou com a B... um contrato de prestação de serviços para a construção do parque, no âmbito do qual tinha a obrigação de concertar com os diferentes fornecedores de forma a proceder à construção do parque fotovoltaico.

11-         Numa primeira fase, foi entendimento de ambas as sociedades que a construção do parque passaria exclusivamente pelos fornecimentos de uma única entidade, a C..., S.A. (doravante, C...).

12-         Em 18-03-2014, a Requerente celebrou um contrato de EPC (Engineering, Procurement, Construction) com a C... .

13-         Este tipo de contrato é conhecido como turn-key, o que significa que o contratado deve entregar a obra totalmente pronta (chave na mão).

14-         Do referido contrato consta o seguinte:

1.            “A primeira contratante (Requerente), pretende instalar uma central fotovoltaica de alta Concentração na região de ..., Portugal e cuja localização, características e condições de acesso foram devidamente transmitidas à Segunda Contratante que declara deles ter conhecimento;

2.            A Segunda Contratante é uma sociedade que se dedica ao desenvolvimento, fabrico, instalação, operação e manutenção de Sistemas Fotovoltaicos de Alta Concentração, vulgarmente conhecidos por CPV, com recurso a tecnologia própria denominada MagSun;

3.            A Primeira Contratante pretende adjudicar à Segunda Contratante um contrato na modalidade “Chave na Mão (turn key), incluindo o fornecimento do equipamento electroprodutor bem como os restantes trabalhos e fornecimentos necessários ao completo funcionamento da Central Fotovoltaica de Alta Concentração”.

15-         Este contrato compreende um Auto de Recepção Provisória, ou seja, designa o documento a emitir pelo Promotor, ou pelo Representante do Promotor, e a entregar ao fornecedor, certificando que a Central CPV foi comissionada e que esteve em funcionamento normal durante um período de 15 dias (período experimental).

16-         A obrigação contratual de entregar um parque fotovoltaico que já estivesse a laborar não era exclusivamente da Requerente, mas também da sua subcontratada através do contrato EPC. 

17-         No decurso da construção do parque, a C... começou a apresentar vários problemas de liquidez e falta de pagamento aos respectivos fornecedores.

18-         A Requerente viu-se na obrigação de fazer a aquisição de alguns bens directamente aos fornecedores da própria C... .

19-         Desta forma, a Requerente garantia que os pagamentos realizados eram canalizados para a entrega de bens necessários à finalização da construção do parque e não a outras dívidas da C... .

20-         Todos os custos com a infra-estruturação necessária ao desenvolvimento do Parque Solar, assim como os serviços inerentes, foram suportados diretamente pela Requerente, tendo sido emitidas e pagas facturas emitidas pelas seguintes sociedades:

             C…, Lda. – NIF: …

             D..., Lda. – NIF: ...

             E..., Lda. – NIF: ...

             F…, Lda – NIF: …

             G..., S.A. – NIF: ...

             H..., Lda. – NIF: ...

             I..., S.A. – NIF: ...

21-         J..., S.A. – NIF: ...

22-         Apesar do contracto EPC com a C... ser de €2.715.000,00, a C... acabou por facturar apenas €2.174.000,00.

23-         Por incumprimento do contracto EPC, a Requerente aplicou multas contratuais à C..., no valor de €543.000,00, dos quais apenas conseguiu receber €230.000,00.

24-         Previamente à entrega à B..., o parque esteve em testes de verificação para efeitos de comissionamento e entrega, de modo a certificar que a obra a realizar estava conforme as especificações.

25-         A Requerente não vendeu qualquer electricidade produzida pelo parque.

26-         Em 27-11-2015, após a obra estar concluída, foi emitida a factura n.º 2/2015 pela Requerente.

27-         A B... procedeu à autoliquidação do imposto devido pelo serviço adquirido.

28-         A Requerente foi objecto de um procedimento de inspecção externo, credenciado pelas ordens de serviço n.º OI2017... e OI2017... .

29-         A Requerente foi notificada nos termos dos artigos 60.º da LGT e RCPIT, através do ofício n.º..., datado de 16-11-2017, não tendo exercido direito de audição.

30-         Do Relatório Final de Inspecção, constava o seguinte:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

31-         Na sequência da referida inspecção, foi a Requerente notificada da liquidação adicional de IVA n.º 2018..., da liquidação de juros compensatórios n.º 2018 ... e respectivos acertos de contas.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e testemunhal, e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

                A questão em causa nos presentes autos prende-se com apurar se a Requerente prestou um serviço qualificável como de Construção Civil à B... o Unipessoal, Lda, para efeitos do regime de inversão do Sujeito Passivo em sede de IVA, ou se, como sustenta a Requerida, vendeu o Parque Solar já depois de construído e pronto a produzir.

                A matéria em questão, e no que respeita aos serviços de construção civil, está prevista no Código do IVA aplicável (versão 2015), nomeadamente, na alínea j) do n.º 1 do art.º 2.º do CIVA, que dispõe que:

“1 - São sujeitos passivos do imposto:(...)

j) As pessoas singulares ou colectivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada.”.

                O que está em causa, portanto, é verificar se a operação em questão nos presentes autos de processo arbitral se reconduz à prestação de serviços construção civil, nos termos da norma transcrita, ou se, antes, se tratou de uma transmissão de bens, tal como prevista no art.º 3.º/1 do mesmo Código, que refere que:

“Considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.”.

                Vejamos, então.

 

*

A matéria em questão foi já objecto de vários ofícios-circulados da AT, sendo, desde logo, de atentar no ofício circulado n.º 30101, de 2007-05-24, no qual, para além do mais se pode ler que:

“1.3. Noção de serviços de construção civil

A norma em causa é abrangente, no sentido de nela serem incluídos todos os serviços de construção civil, independentemente de os mesmos fazerem ou não parte do conceito de empreitadas ou subempreitadas a que se referem os artigos 1207.º e 1213.º do Código Civil.

A referência, no articulado, a serviços em “regime de empreitada ou subempreitada” é meramente indicativa e não restritiva.

Consideram-se serviços de construção civil todos os que tenham por objecto a realização de uma obra, englobando todo o conjunto de actos que sejam necessários à sua concretização.

Por outro lado, deve entender-se por obra todo o trabalho de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza, restauro e demolição de bens imóveis, bem como qualquer outro trabalho que envolva processo construtivo, seja de natureza pública ou privada.”.

                Mais adiante, no mesmo ofício, pode ainda ler-se que:

“Sempre que, no âmbito de uma obra, o prestador factura serviços de construção propriamente dita ou quaisquer outros com ela relacionados e necessários à sua realização, (v.g. aluguer ou colocação de andaimes, aluguer de gruas e de outros bens, serviços de limpeza, sinalização, fiscalização, remoção de entulhos, serviços de projectistas ou de arquitectura, etc), bem como materiais ou outros bens, entende-se que o valor global de factura, independentemente de haver ou não discriminação dos vários itens e da facturação ser conjunta ou separada, é abrangido pela regra de inversão de sujeito passivo.”

                Face a estes critérios, não se vê como se possa concluir de outra forma que não a de que está em causa, no caso, a prestação de serviços de empreitada em bem imóveis.

                Efectivamente, aquilo a que a Requerente se obrigou contratualmente, e aquilo que prestou e foi facturado, foi a construção de um parque fotovoltaico, que, conforme resulta dos factos dados como provados, e está sustentado na facturação recolhida e apreciada em sede do procedimento inspectivo, inclui vários serviços de construção civil, como sejam o modelamento do terreno, abertura de valas, colocação de cabos eléctricos, construção de sapatas em betão, instalação de painéis e seguidores solares e a sua fixação ao solo, construção de edifícios de controlo, construção de edificações técnicas, e instalação de vedações fixas ao solo.

                E, ainda que tenha sido necessária a realização de outros serviços, bem como como a aquisição de materiais ou outros bens, nada se apura no sentido de não terem sido, todos ou parte deles, relacionados ou necessários à realização da obra a que a Requerente se obrigou.

                Daí que, em obediência à doutrina por si própria fixada, deveria a AT ter qualificado a operação em causa como uma prestação de serviços de construção civil, para efeitos de inversão do sujeito passivo em sede de IVA.

                Acresce que se julga sem qualquer fundamento, o entendimento da referida autoridade, segundo o qual se teria verificado uma transmissão de bens, nos termos definidos no Código do IVA, consistente na venda de um parque fotovoltaico.

                Com efeito, e como se viu, uma transmissão de bens, na acepção referida, implica a “transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.”.

                Ora, no caso e desde logo, o bem corpóreo sempre se teria de considerar um bem imóvel, dado que um parque fotovoltaico não tem, enquanto tal, uma existência separada do imóvel onde se integra, sendo que não se apura que tal imóvel fosse pertença da Requerente, pelo contrário, verificando-se que o alvará de construção foi emitido em nome da B... e que não foi outorgada escritura pública, ou qualquer outro acto apto a transferir a propriedade de um bem imóvel, da Requerente para a B... .

                Não se colocam igualmente dúvidas que estamos perante um contrato de empreitada.

Efectivamente, como tem sido pacífico doutrinal e jurisprudencialmente, “O que individualiza os contratos de empreitada do âmbito da figura mais vasta dos contratos de prestação de serviço é o de que o resultado a que se obriga o empreiteiro é o de realização de uma obra – art.º 1207º do C. Civil –, devendo esta traduzir-se por uma alteração física de coisa corpórea.” .

Assim:

“II - Embora o elemento típico nuclear do contrato de empreitada consista na realização de uma obra (artigo 1207.º), enquanto o objecto essencial da compra e venda reside na transmissão de um direito, de propriedade ou de outra natureza, o acento tónico da distinção entre as duas espécies, maxime nos casos em que os materiais são fornecidos pelo empreiteiro - os Werklieferugsverträge autonomizados na dogmática alemã -, vem sintetizado pela doutrina e jurisprudência comparada nos tópicos seguintes:

a) prevalência da obrigação de dare, ou da obrigação de facere, tratando-se naquele caso de compra e venda e neste de empreitada;

b) na empreitada, ao invés da venda, a prestação dos materiais constitui um simples meio para a produção da obra, e o trabalho o escopo essencial do negócio;

c) além disso, na empreitada o bem produzido representa um quid novi relativamente» à produção originária do empreiteiro, implicando a introdução nesta de modificações substanciais concernentes à forma, à medida, à qualidade do objecto fornecido;

III - Acima, porém, de qualquer factor objectivo, o elemento preponderante de distinção é sempre constituído pela vontade dos contraentes, havendo a categorização jurídica do negócio de resultar, em larga medida, do que tiver sido pretendido pelas partes, que não terão deixado em qualquer caso de configurar na sua mente um dos contratos em causa e o seu regime.” .

                Deste modo, e à luz de tais critérios, não poderá ser qualificável de outra forma a operação realizada pela Requerente e em causa nos autos.

Num contrato de empreitada executado sobre bens imóveis a transferência da propriedade dos materiais e demais componentes que integram aquela, transferem-se para o dono do imóvel, logo que incorporados naquele, conforme decorre do disposto no art.º 1212.º/2 do Código Civil, que dispõe que “No caso de empreitada de construção de imóveis, sendo o solo ou a superfície pertença do dono da obra, a coisa é propriedade deste, ainda que seja o empreiteiro quem fornece os materiais; estes consideram-se adquiridos pelo dono da obra à medida que vão sendo incorporados no solo”.

Pelo exposto, “Estando em causa obra executada em imóvel sendo o solo ou superfície pertença do dono de obra, nos termos do artigo 1212º n.º 2 do CC consideram-se adquiridos pelo dono de obra os materiais fornecidos e nela incorporados.” .

Daí que não seja possível afirmar que apenas no final da obra tenha ocorrido uma transferência, em bloco e enquanto coisa acabada, do parque fotovoltaico da Requerente para a B..., uma vez que o resultado material dos serviços incorporado no imóvel, foi sendo adquirido por esta última, à medida que aquele foi sendo incorporado no solo, e não, como assumiu a AT, apenas no final.

De resto, em várias situações análogas, em que a finalidade do contrato é a obtenção de uma instalação acabada, e pronta a funcionar, tem sido considerado que se mantém a natureza do contrato de empreitada, não se estando perante uma compra e venda.

Neste sentido, por exemplo, pode ver-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-02-2018, proferido no processo 989/15.5T8PTL.G1 (sistema de aquecimento, arrefecimento e climatização central denominado ‘AVAC’), ou o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05-07-2000, proferido no processo 1546/2000 (posto de combustível em terreno propriedade do dono da obra).

Também a AT, na informação vinculativa emanada do processo n.º 14000 , considerou que a execução de um furo artesiano de captação de água se enquadra no regime de inversão do sujeito passivo em IVA, quando a aquisição dos correspondentes serviços não estiver directamente relacionada com a atividade não sujeita.

                A nível da jurisprudência arbitral tributária, pode consultar-se a sentença proferida no processo arbitral n.º 457/2017T, do CAAD , onde a AT sustentou, e foi-lhe dada razão, que a aquisição e instalação de “um sistema de extracção de ar para uma área de aproximadamente 2.550 m2, composto por 6 unidades de extração dimensionadas cada uma para um fluxo máximo de ar de 47.520m3/h, o que foi acompanhado pelo fornecimento e instalação de espirodutos de várias dimensões para dutos de extração, bem como de grades de alumínio anodizado, num total de 60 grelhas.”, se qualificava como a aquisição de serviços de construção civil, para efeitos de inversão do sujeito passivo em sede de IVA, considerando-se ali que não podia “um sistema desta dimensão, ser qualificado como móvel e de fácil deslocação, bastando ter-se presente ser necessária a intervenção de dois técnicos durante 20 dias, para a sua instalação”, raciocínio que, por maioria de razão, é transponível para o presente caso.

                Não obstam às conclusões tiradas, as circunstâncias, apontadas no RIT de a factura ter sido emitida após a conclusão da obra, de ter sido necessária a intervenção de várias empresas, tratando-se, ambas elas, de circunstâncias normais em contratos de empreitada, onde há subcontratação.

                De igual modo, não descaracteriza o contrato em causa, a circunstância de, aquando da facturação, o parque fotovoltaico estar construído e pronto a produzir, desde logo porquanto essa era, justamente, a finalidade do contrato, como é normal e acontece, por exemplo, nas situações atrás referidas de instalação de sistemas AVAC, de um posto de abastecimento de combustível, de um furo artesiano ou de um sistema de extracção de ar, quando não se prova, como também se referiu, que o parque fotovoltaico em questão não haja sido construído em imóvel cuja propriedade ou superfície fosse da B... .

                De resto, a este respeito, não pode deixar de notar-se a, pelo menos aparente, contradição da argumentação da Requerida, que ao mesmo tempo que afirma que se está perante uma “alienação, isolada, de um activo fixo tangível, pronto e em funcionamento”, afirma igualmente que “a transacção em causa também não configura uma transferência de unidade pronta a laborar”.

                Diga-se, por fim, que não tem qualquer sustentação a alegação da Requerida, em sede arbitral, de que foi vendido “o activo fixo tangível, constituído pelo “Parque Solar...”, situado no concelho de...”, desde logo porquanto tal fundamento não consta do RIT, por um lado, e depois porque não existe qualquer elemento de prova nos autos que demonstre que o parque em questão estivesse integrado no activo fixo tangível da Requerente.

                Deste modo, e pelo quanto se expôs, haverá que concluir que enferma o acto de liquidação de IVA objecto da presente acção arbitral de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, devendo, como tal, ser anulado, devendo, consequentemente, ser anulada a liquidação dos correspondentes juros compensatórios, e procedendo nessa medida o pedido arbitral formulado pela Requerente.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Anular o acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado n.º 2018..., no valor de €543.931,45 e de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de €41.905,07 e respectivos acertos de contas, referentes ao período 201511.

b)           Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 585.836,52, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 8.874,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 13 de Março de 2019

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Sérgio de Matos)

 

O Árbitro Vogal

(Alexandre Andrade)