Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 289/2018-T
Data da decisão: 2019-03-15  IRS  
Valor do pedido: € 845,28
Tema: Categoria E - Juros
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Decisão Arbitral

 

1. Relatório

Em 18-06-2018, A..., contribuinte n.º..., e B..., contribuinte n.º..., residentes na Travessa ..., ..., ..., ...-... Lisboa, doravante designados por Requerentes, submeteram ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista, de forma imediata, à declaração de ilegalidade do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa n.º ...2017..., e de forma mediata, à declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2013, no valor de total de 4.819,75 €.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD em 19-06-2018 e notificado à Requerida na mesma data.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º n.º 2 alínea a) do RJAT, foi designado como árbitro a Sra. Doutora Suzana Fernandes da Costa, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em 06-08-2018, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

Na mesma data foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 28-08-2018.

Em 04-09-2018, foi proferido despacho a ordenar a notificação da Requerida para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional e remeter ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta.

Em 02-10-2018, a Requerida apresentou a sua resposta e juntou aos autos o processo administrativo.

Em 11-10-2018, foi proferido despacho no sentido de notificar os Requerentes para, em 10 dias, se pronunciarem se estariam ou não de acordo com a dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT. Os Requerentes vieram aos autos, em 16-10-2019, informar que estavam de acordo com a dispensa da reunião.

Em 17-10-2018, foi proferido despacho a dispensar a reunião, tendo em conta a posição das partes, ao abrigo do disposto nos artigos 16º alínea c) e 19 do RJAT, e atendendo também aos princípios da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis. No mesmo despacho, foi ordenada a notificação das partes para, querendo, apresentarem alegações escritas. Designou-se ainda o dia 24-01-2019 para a prolação da decisão, e advertiu-se os Requerentes para juntarem aos autos, até essa data, o comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente.

Os Requerentes apresentaram alegações escritas em 02-11-2018, e a Requerida juntou as suas alegações em 19-11-2018.

Em 24-01-2019 foi proferido despacho a prorrogar a data para a prolação da decisão para o dia 20-02-2019, atenta a complexidade da questão e por não se encontrar concluída a análise da questão de fundo e jurisprudência existente.

Em 20-02-2019, foi proferido despacho a prorrogar para o dia 15-03-2019 a data para a emissão da decisão, tendo em conta que as férias judiciais ocorridas nestes autos são de 16 dias e que o prazo referido no n.º 1 do artigo 21º do RJAT termina em 28-02-2019.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).

O pedido arbitral é tempestivo, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro e do artigo 102º n.º 1 alínea a) do Código do Procedimento e do Processo Tributário.

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias.

2. Causa de pedir

Os Requerentes começam por referir que, não concordando com a liquidação de IRS do ano de 2013, apresentaram reclamação graciosa da referida liquidação, junto do Serviço de Finanças de Lisboa ... . Dita reclamação não foi objeto de qualquer decisão até à data de entrada do pedido arbitral.

Os Requerentes alegam que a AT corrigiu o rendimento tributável dos Requerentes, em relação ao ano de 2013, no valor de 15.483,00 €, valor esse discriminado dessa forma:

- Requerente B..., NIF...– valor da correção: 5.955,00€;

- dependente, NIF...– valor da correção: 9.528,00 €.

Os Requerentes referem que foram notificados do projeto das correções efetuadas, que exerceram o direito de audição, mas o mesmo não foi atendido pela AT.

Os Requerentes alegam que no ano de 2013, foram subscritos em nome da Requerente mulher e do seu dependente, C..., diversos títulos representativos de dívida (valores mobiliários), junto do D... AG, que é uma instituição de crédito com sede na Alemanha e que atuou como entidade de intermediação na compra e como agente pagados na colocação ao dispor dos rendimentos, sob a forma de juros.

Referem ainda que, aquando da subscrição dos títulos, o valor dos juros corridos até à data de aquisição foi pago pelos subscritores (Requerente e dependente) ao alienante, tendo a Requerente mulher pago o valor de 1.729,71 € e o seu dependente o valor de 995,91 €.

Os Requerentes fazem referência ao facto de em 2013, os aludidos títulos terem gerado rendimentos de capital, tendo sido pagos aos seus subscritores os seguintes valores: 5.955,00 € à Requerente mulher e 9.528,00 € ao seu dependente. Referem os Requerentes que estes valores correspondem à totalidade dos juros corridos após o último vencimento, compreendendo o período relativamente ao qual a Requerente mulher e o seu dependente não foram titulares dos valores mobiliários em questão.

Assim, de acordo com os Requerentes, eles apenas auferiram efetivamente os juros corridos após a aquisição dos títulos, na exata medida em que os juros corridos até à data da aquisição foram pagos aos titulares originários dos títulos.

Para os Requerentes, a correção efetuada pela AT não considera o pagamento do juro corrido aquando da aquisição dos valores mobiliários.

Os Requerentes juntaram ao pedido arbitral duas declarações da D..., referindo o valor dos juros debitados na compra dos valores mobiliários.

Na opinião dos Requerentes, a correção é excessiva, porque apenas deveria englobar os montantes auferidos pelos Requerentes a título de juro líquido, ou seja, a AT deveria tributar os juros recebidos deduzidos do valor do juro corrido pago ao alienante aquando da aquisição dos aludidos valores mobiliários.

Os Requerentes aludem ao facto destes rendimentos (juros) serem qualificados como rendimentos de capitais, nos termos do n.º 1 e alínea c) do n.º 2 do Código do IRS.

Os Requerentes mencionam que de acordo com a posição da AT descrita na informação prestada, o Código do IRS não prevê quaisquer deduções associadas aos rendimentos da categoria E. Mas, no entender dos Requerentes, não se trata de identificar uma norma que permita a dedutibilidade dos encargos suportados na aquisição dos títulos, mas sim de apurar o rendimento de juros efetivamente pago aos Requerentes durante o período relevante. E fazem alusão ao artigo 5º n.º 5 1ª parte, que refere que “para efeitos da alínea c) do n.º 2, compreendem-se nos rendimentos de capitais o quantitativo dos juros contáveis desde a data do último vencimento ou da emissão, primeira colocação ou endosso (…) até à data em que ocorra alguma transmissão dos respetivos títulos”.

No entendimento dos Requerentes, o rendimento só começou a gerar-se a partir do momento em que os valores mobiliários foram transmitidos, sendo que até essa altura os riscos e o benefício (juros) corriam por conta do transmitente dos títulos.

Em conclusão, os Requerentes pedem a anulação parcial da liquidação de IRS em causa, tendo em conta que a correção efetuada pela AT é excessiva e ilegal, devendo ser revogada e substituída por outra que se afigure conforme o quadro legal vigente e que considere os valores pagos aquando do endosso dos títulos.

Por fim, pedem os Requerentes o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios por ter ocorrido erro imputável aos serviços, nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária (LGT).

3. Resposta da Requerida

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta alegando a conformidade legal do ato tributário objeto do pedido arbitral.

A AT começa por referir que, por força da informação transmitida à AT, ao abrigo da Diretiva da Poupança (Diretiva n.º 2003/48/CE), pelas autoridades fiscais da Alemanha, verificou-se que no ano de 2013, a Requerente mulher auferiu o valor de 9.528,00 €, e o seu dependente auferiu o valor de 5.955,00 €, da entidade pagadora D... AG, valores esses que não constavam do anexo J da modelo 3 de IRS do aludido ano.

A AT refere, de seguida, que, perante tal informação, notificou os Requerentes para exercerem direto de audição prévia ou enviarem declaração de substituição, e manifestarem a intenção de deduzir à coleta o imposto suportado no estrangeiro, sob pena de ser emitida liquidação oficiosa de IRS.

A AT menciona que os Requerentes exerceram o direito de audição, confirmando que auferiram rendimentos de juros da entidade acima identificada, que concordavam com a correção da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS do ano de 2013, mas considerando que os valores a incluir seriam os dos juros líquidos.

A AT fundamenta a sua posição nos artigos 5º e 7º do Código do IRS e refere que este código não prevê qualquer tipo de deduções aos rendimentos da categoria E.

Para a Requerida, o ónus de comprovar e documentar as operações em causa cabe aos Requerentes, de acordo com o artigo 74º n.º 1 da LGT, tendo em conta que apresentam uma omissão da declaração de rendimentos modelo 3 de 2013, cessando a presunção de veracidade constante do artigo 75º n.º 1 da LGT.

Quanto à prova, a AT refere que as duas declarações juntas se encontram incompletas, por fazerem referência a uma listagem em anexo e que não foi junta, e por não evidenciarem que aqueles valores referem-se apenas e só aos depósitos de valores mobiliários que originaram os juros em questão.

Em relação à prova, a AT também alude ao facto dos Requerentes não juntarem qualquer extrato bancário que permitisse verificasse os valores referidos como sendo liquidados como juros corridos aquando da aquisição. Assim, para a AT, a prova carreada para o processo não é suficiente para contrariar a posição da AT.

Conclui a Requerida afirmando que as importâncias identificadas pelas autoridades fiscais da Alemanha, enquanto pagamento de juros efetuados em contas bancárias de que a Requerente mulher e o seu dependente são titulares, não foram objeto de declaração, para efeitos de IRS do ano de 2013, facto este aceite pelos Requerentes, os quais não teriam conseguido provar que as quantias pagas como juros corridos deveriam ser abatidos às importâncias comunicadas.

Quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios efetuado pelos Requerentes, a Requerida afirma que não se verificou qualquer erro imputável aos serviços, não devendo, por essa razão, ser a mesma condenada no pagamento dos aludidos juros indemnizatórios.

4. Matéria de facto

4. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental produzida e a posição das partes constante das peças processuais, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

  1. Em 2013, foram subscritos em nome da Requerente mulher e do seu dependente, C..., diversos títulos representativos de dívida (valores mobiliários) junto da D... AG, instituição de crédito com sede na Alemanha.
  2. Aquando da compra dos referidos títulos, em 2013, a instituição de crédito D... recebeu juros corridos no valor de 1.729,71 € no caso da Requerente mulher e de 995,91 € no caso do seu dependente, conforme declarações juntas como documento 12 junto ao pedido arbitral.
  3. Em 2013, a instituição de crédito D..., AG pagou, a título de juros vencidos, o valor de 5.955,00 € à Requerente mulher e o valor de 9.528,00 € ao seu dependente.
  4. Os Requerentes foram notificados do projeto de correção à sua declaração de rendimentos modelo 3 de IRS do ano de 2013, conforme documento 9 junto ao pedido arbitral.
  5. Os Requerentes exerceram direito de audição sobre o referido projeto de correção, conforme documento 10 junto ao pedido arbitral.
  6. Os Requerentes foram notificados da alteração da declaração de rendimentos modelo 3 do ano de 2013, conforme documentos 8 junto ao pedido arbitral.
  7. Os Requerentes foram, posteriormente, notificados da liquidação de IRS n.º 2017..., da demonstração de liquidação de juros n.º 2017 ... e da demonstração de acerto de contas n.º 2017..., do ano de 2017, conforme documentos 1 a 3 juntos ao pedido arbitral.
  8. A liquidação de IRS acima referida foi emitida tendo por base os rendimentos da categoria E (juros) obtidos pela Requerente mulher no valor de 5.955,00 €, e pelo seu dependente no valor de 9.528,00 €.
  9. Os Reclamantes apresentaram, em 22-11-2017, reclamação graciosa das liquidações supra referidas, conforme documentos 4 e 5 juntos ao pedido arbitral.
  10. Até à data de entrada do presente pedido arbitral, os Requerentes não tinham sido notificados de qualquer decisão que tenha recaído sobre a reclamação graciosa apresentada.
  11. Os Requerentes apresentaram o presente pedido pronúncia arbitral em 18-06-2018.

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

4.2. Factos não provados

Não ficaram provadas as concretas datas de transmissão dos títulos, nem que a instituição de crédito D... tenha pago, em 2013, à Requerente e ao seu dependente, apenas parte do valor dos juros vencidos comunicados ao abrigo da Diretiva n.º 2003/48/CE, e o valor dos juros pagos aquando da compra, que corresponde a 4.225,29 € (5.955,00 € - 1.729,71 €) no caso da Requerente mulher, e correspondente a 8.532,09 € (9.528,00 € - 995,91 €) no caso do dependente.

4.3. Fundamentação da matéria de facto provada:

A convicção do árbitro fundou-se nos documentos juntos aos autos pelo Requerente e na posição das partes demonstrada nas peças processuais produzidas.

5. Matéria de direito:

5.1. Objeto e âmbito do presente processo

A questão essencial de direito que se coloca neste processo é a de saber se ao valor dos juros auferidos pela Requerente mulher e pelo seu dependente, no ano de 2013, devem ou não ser deduzidos, para efeitos de tributação em sede de IRS, o valor dos juros corridos pagos aquando da aquisição dos títulos a que dizem respeito os juros obtidos.

Os juros auferidos relativos a valores mobiliários são qualificados como rendimentos de capitais, abrangidos pela categoria E de rendimentos.

O ato tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstrata e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal.

As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objetivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269).

Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efetuada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13).
Na construção do conceito de rendimento tributário o Código do IRS adota a conceção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do Código do IRS; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379).

Os juros auferidos relativos a valores mobiliários são qualificados como rendimentos de capitais, abrangidos pela categoria E de rendimentos.

Os próprios Requerentes referem, no seu pedido de pronúncia arbitral, que estão em causa rendimentos qualificados como sendo rendimentos de capitais, nos termos e para os efeitos do n.º 1 e na alínea c) do n.º 2 do artigo 5º do Código do IRS.

Com efeito, o artigo 5º n.º 1 e 2 alínea c) do Código do IRS, sob a epígrafe “Rendimentos da categoria E”, dispunha à data dos factos (2013), o seguinte:

“1 – Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem com da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.

2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:

c) Os juros, os prémios de amortização ou de reembolso e as outras formas de remuneração de títulos da dívida pública, obrigações, títulos de participação, certificados de consignação, obrigações de caixa ou outros títulos análogos, emitidos por entidades públicas ou privadas, e demais instrumentos de aplicação financeira, designadamente letras, livranças e outros títulos de crédito negociáveis, enquanto utilizados como tais”.

A definição de rendimentos de capitais constante do artigo 5º n.º 1 do Código do IRS traduz e incorpora uma regra de incidência tão ampla que é capaz de englobar qualquer situação, envolvendo valores mobiliários, que não seja tributada noutra das categorias de rendimentos em que opera o IRS (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.3410/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.7384/14; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.226 e seg.).

Por sua vez, o citado artigo 7º do Código do IRS define o momento da sujeição à tributação dos rendimentos de capitais, ou seja, define o momento em que o imposto se torna exigível, sendo que, no caso concreto, relevam os nºs.1 e 3, alínea a), 2), da norma em causa (cfr. José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.332 e seg.).

Os Requerentes referem que auferiram rendimentos de capital no valor de 5.955,00 € no caso da Requerente mulher e de 9.528,00 € no caso do seu dependente. Alegam os Requerentes que estes valores correspondem à totalidade dos juros corridos após o último vencimento, compreendendo o período relativamente ao qual a Requerente mulher e o seu dependente não foram titulares dos valores mobiliários em questão. Alegam ainda que, aquando da aquisição, procederam ao pagamento de juros ao alienante no valor de 1.729,71 € no caso da Requerente mulher e de 995,91€ no caso do seu dependente, juros esses que pretendem que sejam abatidos aos juros recebidos, para efeitos de determinação do rendimento coletável. No entanto, não provou qual o período em que supostamente os Requerentes não terão sido, em 2013, titulares dos valores mobiliários em questão, nem provam o que foi efetivamente pago pelo D... . Só provam o que por si foi pago ao D... em 2013, pela compra dos valores mobiliários.

Para sustentar a sua posição, a AT alega que o Código do IRS não prevê quaisquer tipos de deduções ao rendimento, como pretendem os Requerentes.

Os Requerentes juntam ao pedido arbitral duas declarações traduzidas do D..., para prova dos juros pagos aquando da aquisição dos títulos. No entanto, ditas declarações fazem referência a uma listagem de resultados anexa que não foi junta. Como alega a AT, as duas declarações juntas encontram-se incompletas, por fazerem referência a uma listagem em anexo e que não foi junta, e por não evidenciarem que aqueles valores referem-se apenas e só aos depósitos de valores mobiliários que originaram os juros em questão.

Caso da prova documental resultasse de forma clara que os Requerentes só receberam de juros a quantia correspondente à diferença entre o valor dos juros vencidos à data do recebimento e o valor dos juros pagos aquando da compra, poder-se-ia eventualmente decidir em sentido favorável à pretensão dos Requerentes.

Era necessário que os documentos bancários refletissem que a Requerente mulher e o seu dependente só teriam recebido a título de juros, as quantias líquidas invocadas.

No entanto, os Requerentes não juntaram qualquer documento que prove esse facto.

É referido, quer pelos Requerentes quer pela Requerida, que a correção foi efetuada com base na informação transmitida pelo D..., ao abrigo da Diretiva n.º 2003/14/CE.

Ora, o artigo 76º n.º 1 da LGT refere que “as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei”. E o n.º 4 do mesmo artigo impõe que “são abrangidas pelo n.º 1 as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado”.

Assim, fazem fé as informações prestadas por entidades estrangeiras, sem prejuízo de prova em contrário pelo sujeito passivo, prova essa que entendemos que não se encontra feita.

Por outro lado, os Requerentes referem o ano de 2013 como sendo o ano da compra dos valores mobiliários em questão. Mas não referem o dia nem o mês. Com efeito, os Requerentes não alegam em que período é que os valores mobiliários em questão foram detidos por quem os alienou.

Da mesma forma, caso estivéssemos perante um contrato de conta-corrente, poder-se-ia sujeitar a tributação apenas a diferença entre os juros pagos e os juros recebidos, de acordo com o artigo 5º n.º 2 alínea f) do Código do IRS. No entanto, como estamos perante juros enquadráveis na alínea c) do n.º 2 do artigo 5º do Código do IRS, e da prova produzida resulta que foram pagos, pela D..., os valores de 5.955,00 € à Requerente mulher e de 9.528,00 € ao seu dependente, é necessário concluir pela improcedência da pretensão dos Requerentes.

Nestes termos, deve ser mantida na ordem jurídica a liquidação de IRS n.º 2017..., a demonstração de liquidação de juros n.º 2017... e a demonstração de acerto de contas n.º 2017..., do ano de 2017.

6. Juros indemnizatórios

Os Requerentes pedem que seja condenada a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

Improcedendo a declaração de ilegalidade da liquidação em causa nos presentes autos, improcede também o pedido de condenação da AT no reembolso da quantia paga e no pagamento de juros indemnizatórios.

7. Decisão

Em face do exposto, determina-se:

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido formulado pelos Requerentes, mantendo na ordem jurídica a a liquidação de IRS n.º 2017..., a demonstração de liquidação de juros n.º 2017... e a demonstração de acerto de contas n.º 2017..., do ano de 2017.
  2. Julgar improcedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente o valor do imposto pago, do pagamento de juros indemnizatórios;
  3. Condenar os Requerentes no pagamento das custas do presente processo.

8. Valor do processo:

De acordo com o disposto no artigo 306º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 845,28€.

9. Custas:

Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 306 €, a cargo dos Requerentes, de acordo com o artigo 22º n.º 4 do RJAT.

Notifique.

Lisboa, 15 de março de 2019.

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, por mim revisto.

 

O árbitro singular

 

Suzana Fernandes da Costa