Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 243/2018-T
Data da decisão: 2019-02-28  IRS  
Valor do pedido: € 6.856,76
Tema: Retenções na fonte – ajudas de custo
Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

1. Relatório

Em 10-05-2018, a sociedade anónima A..., S.A, pessoa coletiva n.º..., com sede na Avenida ..., ..., ...–..., ...-... ..., doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2017 ... e de juros compensatórios n.ºs 2018 ... e 2018 ..., referentes ao período de tributação de 2015, no montante total de 6.856,76€.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD em 11-05-2018 e notificado à Requerida na mesma data.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º n.º 2 alínea a) do RJAT, foi designado como árbitro a Sra. Doutora Suzana Fernandes da Costa, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em 28-06-2018, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

Na mesma data foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 18-07-2018.

Na mesma data, foi proferido despacho a ordenar a notificação da Requerida para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional e remeter ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta.

Em 01-10-2018, a Requerida apresentou a sua resposta, e em 09-10-2018 juntou aos autos o processo administrativo.

Em 02-01-2019, foi proferido despacho a agendar para o dia 11-01-2019, pelas 14:30 horas, a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, a inquirição da testemunha arrolada pela Requerente e a apresentação de alegações orais.

No dia 11-01-2019, pelas 14:30 horas, teve lugar a reunião do tribunal arbitral em que estiveram presentes o Ex.mo Dr. B..., a Ex.ma Dra. C... e o Ex.mo Dr. D..., na qualidade de mandatários da Requerente, e a Ex.ma Dra. E..., jurista em representação da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Foi inquirida a testemunha indicada pela Requerente, F... .

A representante da Requerida declarou prescindir da inquirição da testemunha G..., por si arrolada.

O Tribunal notificou as partes para, de modo simultâneo, apresentarem alegações escritas no prazo de 20 dias.

O Tribunal solicitou às partes o envio das peças produzidas em formato word, designou o dia 12-02-2019 para a prolação da decisão arbitral, e advertiu a Requerente para até àquela data, juntar aos autos o comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente.

Ambas as partes juntaram as suas alegações em 01-02-2019.

A Requerente juntou aos autos o comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente em 05-02-2019.

Em 12-02-2019, foi proferido despacho a prorrogar a decisão para o dia 28-02-2019, tendo em contas que as férias judiciais são de 60 dias e que o prazo referido no n.º 1 do artigo citado termina em 16-03-2019.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).

O pedido arbitral é tempestivo, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro e do artigo 102º n.º 1 alínea a) do Código do Procedimento e do Processo Tributário.

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias.

 

2. Causa de pedir

Em síntese, a Requerente começa por referir que foi objeto de uma ação de inspeção tributária de âmbito geral sobre o período de tributação de 2015, e que foram efetuadas correções relativamente a ajudas de custo pagas por deslocações para o estrangeiro e em território nacional, no valor total de 16.768,55€.

Quanto às ajudas de custo por deslocações ao estrangeiro, a Requerente refere que não consegue compreender os fundamentos de facto e de direito com que a AT apurou um montante sujeito a IRS de 14.087,59 €.

Alega a Requerente que a AT não solicitou qualquer documentação ou esclarecimentos relativos a deslocações ocorridas em 2014 (e pagas em 2015).

No entendimento da Requerente, o único documento invocado pela AT para as correções efetuadas foi o “documento contabilístico 207004, registado em 2015/07/31, Folha de Despesa ... 2015”. No entender da Requerente, a folha de despesa analisada pela AT diz respeito exclusivamente aos dias 04.06.2015 e 05.06.2015, sendo que ficará por explicar em que documentos se terá baseado a AT para aplicar o limite de 50% às ajudas de custo com os seguintes dias de regresso: 10.04.2014, 29.09.2014, 17.06.2015, 11.09.2015 e 18.11.2015. Conclui a Requerente que a AT se limitou a presumir que a realidade espelhada pelo documento junto como documento n.º 6 é replicável para todas as deslocações.

Quanto às deslocações ao estrangeiro, alega a Requerente, que a AT, aplicando um método presuntivo decidiu que a Requerente pagou aos administradores por deslocações ao estrangeiro rendimentos sujeitos a tributação em sede de IRS, por, alegadamente, ter sempre suportado cumulativamente os custos com a ajuda de custo diária e o fornecimento de uma ou ambas as refeições diárias, o que não corresponde à realidade.

A Requerente afirma que, como enunciou a AT, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 192/95, de 28 de julho, o pessoal que se desloque ao estrangeiro tem direito, em alternativa, ao abono da ajuda de custo diária ou ao alojamento em estabelecimento hoteleiro. E, ainda, nos termos do n.º 5 do mesmo preceito legal, a ajuda de custo será deduzida de 30/prct., por cada refeição, caso na deslocação se inclua o fornecimento de uma ou de ambas as refeições diárias.

Ora, entende a Requerente, que em momento algum do relatório de inspeção, a AT logrou demonstrar que, como afirma, foram excedidos os limites legais ou não observados os pressupostos da atribuição das ajudas de custo mencionadas.

A Requerente também alega que os serviços de inspeção inventam um cálculo para apurar a diferença sujeita a IRS que não encontra qualquer correspondência legal.

No entendimento da Requerente, a inspeção tributária apurou a diferença sujeita a IRS através da subtração da ajuda de custo paga o montante que corresponde, nos termos do artigo 2.º, n.º 5 do Decreto-lei 192/95 ao montante mínimo da ajuda de custo (correspondente a 20% de 100,24 por dia) e somar o valor do subsídio de refeição não deduzido.

Para a Requerente, o que dispõe o n.º 5 do artigo 2.º do Decreto-lei n.º 192/95 é que por cada refeição o montante da ajuda de custo será deduzido de 30%, sendo que, em qualquer caso, nunca a ajuda de custo poderá ser inferior a 20% do montante previsto na tabela em vigor (leia-se, € 100,24 por dia).

A Requerente alega que a correção efetuada é ilegal, por assentar em pressupostos de facto e de direito errados e, em consequência, deve ser anulada a liquidação de retenções na fonte de IRS correspondente.

A Requerente alega ainda que se presumem verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, de acordo com o artigo 75º da Lei Geral Tributária (LGT). Afirma também a Requerente que caso cesse esta presunção de veracidade, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, de acordo com o artigo 74º da LGT.

Assim, para a Requerente, cabia à AT primeiramente provar a existência dos factos constitutivos do seu direito a tributar (ou seja, evidenciar a existência de omissões, erros, inexatidões nas declarações fiscais e na contabilidade ou indícios do que estas não refletem a realidade, com consequências na liquidação e cobrança de imposto), e ao contribuinte posteriormente demonstrar os factos relevantes para efeitos de apuramento da matéria coletável (e impeditivos do direito de tributação da AT).

No entanto, entende a Requerente que a AT determinou, com base numa análise superficial e de mera estimativa aos documentos disponíveis na contabilidade da ora Requerente a sujeição a IRS das quantias pagas aos administradores, sem demonstrar o concreto preenchimento dos pressupostos dessa tributação.

Para a Requerente, a AT tem o dever de averiguação da verdade material, de acordo com o artigo 58º da LGT, e não apresentou os devidos elementos, documentos ou provas de que a Requerente suportou, nas situações referidas no relatório de inspeção, encargos com o alojamento e as refeições das deslocações realizadas ao estrangeiro, de forma cumulativa com o pagamento das ajudas de custo (e, por isso, esses montantes excederam os limites legais).

A Requerente refere também que a AT não apresentou também elementos, documentos ou provas de que a Requerente pagou, nas situações referidas no relatório de inspeção, o valor completo da ajuda de custo diária por deslocações no território nacional, sem ter em consideração os contornos concretos das deslocações (designadamente se a deslocação era por dias sucessivos ou deslocações diárias, os dias e horas de regresso e se tinha assumido também a despesa com alguma das refeições dos administradores).

Por estas razões, entende a Requerente que a AT violou o disposto no artigo 75.º, n.º 1, da LGT, e, consequentemente, também o disposto nos artigos 2.º, n.º 3, alínea d) do Código do IRS e o artigo 104.º, da n.º 2, da CRP.

De onde conclui a Requerente que terá havido violação dos princípios da verdade material e do inquisitório.

Por fim, a Requerente pede a condenação da AT no reembolso do imposto pago, assim como o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da LGT uma vez que se verificou um erro imputável aos serviços.

 

3. Resposta da Requerida

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta alegando a conformidade legal dos atos tributários objeto do pedido arbitral.

A Requerida começa por referir que a Requerente pagou, em 2015, aos seus administradores, quer por deslocações em território nacional, quer por deslocações ao estrangeiro, 16.768,44 € a título de ajudas de custo registadas nas contas 63205 – custos com o pessoal – ajudas de custo.

A AT refere que, de acordo com esclarecimentos prestados por H... e F..., e confirmados pela análise aos documentos de suporte dos registos contabilísticos, a Requerente tem como política suportar os encargos com o alojamento e as refeições das deslocações realizadas no estrangeiro, devido ao elevado nível de vida existente nos países para os quais o pessoal é deslocado, como é o caso dos EUA.  A AT refere ainda que os referidos gastos foram relevados na conta 6251 – deslocações, estadas e transportes – deslocações e estadas, que em 2014 ascendeu a 28.114,24 € e em 2015 a 62.180,92 €. E concluiu que a Requerente pagou aos administradores por deslocações ao estrangeiro rendimentos sujeitos a tributação em sede de IRS, uma vez que estes excederam os limites legais, não tendo inclusive, em alguns casos, sido observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado.

Relativamente às ajudas de custo pagas por deslocações no território nacional, a AT alega que a Requerente pagou sempre o valor completo da ajuda de custo diária, sem ter tido em consideração se a deslocação era por dias sucessivos ou deslocações diárias, os dias de regresso e as horas em que esse regresso ocorria, e/ou se tinha assumido também a despesas com algum almoço e/ou jantar dos administradores.

Para a AT, os limites legais de abono de ajuda de custo, dos seguintes dias, seriam:

- 2015/06/05 (H...) – dia de regresso ocorrido após as 20 horas mas com o encargo de almoço suportado pela entidade (documento contabilístico 207004, registado em 2015/07/31, “Folha de Despesa ... 2015”, item 2 com a seguinte descrição: Data: 05-jun; Descrição “Almoço LX”; Valor: 29,70€) – 25%;

- 2014/04/10; 2014/09/29; 2015/06/17; 2015/09/11; 2015/11/18 (H...) e 2015/04/10; 2015/09/29 (I...) – dia de regresso ocorrido após as 20 horas – 50%; 2015/06/04 (H...) – dia de partida em deslocação por dias sucessivos, ocorrida antes das 13 horas, mas com o encargo do jantar suportado pela entidade (documento contabilístico 207004, registado em 2015/07/31, “Folha de Despesa ... 2015”, item 1 com a seguinte descrição: Data: 04-jun; Descrição “Jantar Lx”; Valor: 109,40€) – 75%;

Assim, concluiu a AT que os valores sujeitos a IRS e não isentos, por deslocações em território nacional em 2015, são os seguintes:

Na posição da AT, os rendimentos sujeitos a IRS e não isentos, pelo pagamento de ajudas de custo por deslocações em território nacional ou ao estrangeiro, acima dos limites fixados para os funcionários do Estado, não foram tidos em linha de conta pela empresa, para efeitos de determinação da taxa de retenção na fonte a aplicar em cada processamento de salários e para cada funcionário abrangido pelas referidas compensações, pelo que, não procedeu à referida retenção dos montantes de imposto, devidos por lei, incluindo a resultante da aplicação da sobretaxa de 3,5%, conforme consta do art.º 191º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro (OE 2015).

Refere ainda a AT que a Requerente não fez constar o valor anual pago relativo a essas mesmas remunerações na declaração de comunicação de rendimentos e retenções, prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 119º do CIRS, e, por consequência, os trabalhadores não mencionaram essas remunerações na declaração anual de rendimentos prevista no artigo 57º do CIRS.

Para a AT, a Requerente estava obrigada a reter o imposto no momento do seu pagamento ou colocação à disposição dos respetivos titulares.

No entendimento da AT, os montantes de impostos devidos, não retidos e não entregues nos cofres do estado, no valor de 6.722,00 €, foram exigidos à Requerente na qualidade de substituto tributário, por se verificar a responsabilidade solidária prevista no n.º 4 do art.º 103.º do Código do IRS.

A AT alega ainda que as conclusões dos serviços de inspeção tributária, refletidas no relatório de inspeção e que originaram as liquidações impugnadas, tiveram por base a análise dos registos na contabilidade, os documentos de suporte aos registos contabilísticos, tais como mapas de deslocações, extratos de cartões de crédito usados pelos administradores, faturas de hotéis, documentos internos, para além dos esclarecimentos prestados por H... e F..., sendo estes, pessoas com conhecimentos bastantes sobre a gestão da Requerente, uma vez que exerceram, as funções, respetivamente do Presidente do Conselho da administração e de Diretor Financeiro e Administrativo.

Refere a AT que dessa análise documental, constatou-se que o pagamento do valor da ajuda de custo pela sua totalidade era efetuado a H... e I..., administradores da Requerente, pois as deslocações ao estrangeiro realizadas pelos funcionários J... e K..., foram pagas ao valor mínimo de ajuda de custo admitida por lei, nos termos do n.º 5 do art.º 2.º do decreto- lei n.º 192/95, de 28 de Julho com as alterações introduzidas pelo Decreto- lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro.

Sobre os esclarecimentos prestados pelos representantes da Requerente e sobre o facto de não terem sido analisados documentos referentes ao ano de 2014, a AT alega que num dos pedidos de elucidação sobre o pagamento de ajudas de custo, onde se incluiu também, explicação sobre o facto destas ultrapassarem os limites legais, foram apresentadas, por F..., as faturas FA 2014/1 e FA2014/2, ambas de 30/07/2014, como forma de justificar a sua atribuição, sendo sempre mencionado que a Requerente suportava, para além das referidas ajudas, o valor das refeições e estadia.

Quanto à prova testemunhal, a AT alegou que a Requerente não demonstrou a necessidade de produção de prova testemunhal, nem os factos que pretenderia provar com a mesma, e pediu que a mesma fosse dispensada. À cautela, caso assim se não considere, indica como testemunha o Inspetor Tributário G..., a exercer funções na Direção de Finanças do Porto.

 

4. Matéria de facto

4. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental produzida e a posição das partes constante das peças processuais, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

  1. A Requerente foi objeto de uma ação de inspeção tributária de âmbito geral sobre o período de tributação de 2015.
  2. A Requerente foi notificada do projeto de relatório de inspeção, através do ofício n.º 2017... de 20-11-2017, conforme documento 1 junto ao pedido arbitral.
  3. A Requerente exerceu o direito de audição sobre o projeto de relatório de inspeção, em 11-12-2017, conforme documento 2 junto ao pedido arbitral.
  4. Em 27-12-2017, a Requerente foi notificada do relatório de inspeção tributária, conforme documento 3 junto ao pedido arbitral.
  5. Consta do referido relatório de inspeção que:

“Da análise aos gastos com o pessoal verificou-se que o sujeito passivo pagou em 2015, aos seguintes administradores, quer por deslocações em território nacional (Lisboa), quer por deslocações ao estrangeiro (EUA (Houston, Nova Orleães e Austin), Escócia (Aberdeen) e Reino Unido (Londres)), €16.768,44 a título de ajudas de custo, registadas nas contas da contabilidade 63205 - Gastos com o Pessoal - Ajudas de Custo (18.218,07€):                                                         

 

DESLOCAÇÕES PARA O ESTRANGEIRO

 

Idfentlflcaçfio do administrador/funcionário

NIF

Nome

Cargo

nov

dez

Total

...

H...

CEO

6.315,12

1.102,64

7.417,76

...

I...

CTO

8.119,44

400,96

8.520,40

 

Totais

 

14.434,56

1.503,60

15.938,16

Quadro 1

DESLOCAÇÕES EM PORTUGAL

Idfentlflcaçâo do administrador/ funcionário

NIF

Nome

Cargo

nov

dez

Total

...

H...

CEO

276,76

345,95

622,71

...

I...

CTO

0,00

207,57

207,57

 

Totais

 

276,76

553,52

830,28

 

Quadro 2                                 

 

 

 

De acordo com a alínea d) do n.° 3 e n.° 14.° do art.°2.0 do CIRS, "as ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício", consideram-se rendimentos do trabalho dependente, e como tal sujeitas a retenção na fonte, definindo-se "limites legais" como os anualmente previstos para os servidores do Estado.

Começando por analisar as ajudas de custo pagas por deslocações ao estrangeiro (quadro 1), diz o artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 106/98, de 24 de abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 137/2010, de 28 de dezembro e pelas Leis n.° 64-B/2011, de 30 de dezembro, 66-B/2012, de 31 de dezembro e 82-B/2014, de 31 de dezembro, que quando deslocados ao estrangeiro e no estrangeiro os trabalhadores têm direito a ajudas de custo sendo as mesmas reguladas por diploma próprio, conforme reza o artigo 15 ° do mesmo diploma, sendo o Decreto-Lei n.° 192/95, de 28 de julho com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 137/2010, de 28 de dezembro, o regulador da atribuição de ajudas de custo por deslocações ao estrangeiro e no estrangeiro.

Assim, dos atos de inspeção, constatou-se que:              

■ As ajudas de custo pagas em novembro e dezembro referem-se, na sua maioria, a deslocações ocorridas em 2014, conforme quadro abaixo:

Mês de pagamento da ajuda de custo

I...

Mês de pagamento da ajuda de custo

H...

Mês

deslocação

N.9 Dias

Total do Boletim

Mês

deslocação

N.s Dias

Total do Boletim

novembro

fev-14

13

1303,12

novembro

fev-14

13

1303,12

mar-14

6

601,44

mar-14

6

601,44

mai-14

7

701,68

abr-14

4

400,96

nov-14

3

300,72

mai-14

7

701,68

jan-15

10

1002,4

jun-14

9

902,16

abr-15

12

1202,88

jul-14

21

2105,04

Desp. S/ mapa

30

3007,2

nov-14

3

300,72

Total novembro

81

8119,44

Total novembro

63

6315,12

dezembro

Desp. S/ mapa

4

400,96

dezembro

jan-15

8

801,92

abr-15

3

300,72

Total dezembro

4

400,96

Total dezembro

11

1102,64

Total do Ano

85

8520,4

Total do Ano

74

7417,76

 

 

 

 

  • Não existe qualquer boletim de itinerário, apresentado por I..., a justificar o pagamento de 34 dias de deslocação ao estrangeiro num total de €3.408,16, pelo que este valor foi considerado na sua totalidade para efeitos de retenção na fonte, por não respeitar os pressupostos de atribuição aos funcionários do estado;
  • De acordo com esclarecimentos prestados por H... e F..., e confirmados pela análise aos documentos de suporte dos registos contabilísticos, a empresa tem como política suportar os encargos com o alojamento e as refeições das deslocações realizadas ao estrangeiro, devido ao elevado nível de vida existente nos países, para os quais o pessoal é deslocado, como é o caso dos Estados Unidos da América. Os referidos gastos foram relevados na conta SNC 6251 - Deslocações, estadas e transportes - Deslocações e Estadas, que em 2014 ascendeu a 28.114,24€ e em 2015 a 62.180,92€.

Posto isto, de acordo com as alíneas a) e b) do n.° 1 e n.° 5 do art.° 2.° do Decreto-Lei n.° 192/95, de 28 de julho com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 137/2010, de 28 de dezembro, o pessoal deslocado no estrangeiro, “tem direito, em alternativa e de acordo com a sua vontade”:

  • Ou ao "abono da ajuda de custo diária, em todos os dias da deslocação, de acordo com a tabela em vigor”, ou;
  • Ao “Alojamento em estabelecimento hoteleiro de três estrelas, ou equivalente, acrescido do montante correspondente a 70/prct. da ajuda de custo diária, em todos os dias da deslocação, nos termos da tabela em vigor.”

No entanto, “no caso de na deslocação se incluir o fornecimento de uma ou de ambas as refeições diárias, a ajuda de custo será deduzida de 30/prct. por cada uma, não podendo a ajuda de custo a abonar ser de valor inferior a 20/prct. do montante previsto na tabela em vigor."

Para além disto, e de acordo com o art.° 37.° do Decreto-Lei n.° 106/98, de 24 de abril, "o quantitativo correspondente ao abono diário do subsídio de refeição é deduzido nas ajudas de custo, quando as despesas sujeitas a compensação incluírem o custo do almoço.”

Assim, analisados os documentos apresentados, à luz da legislação vertida acima, verificou-se que o sujeito passivo pagou aos administradores por deslocações ao estrangeiro rendimentos sujeitos a tributação em sede de IRS, uma vez que estes excederam os limites legais, não tendo inclusive, em alguns casos sido observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado, conforme quadro resumido apresentado abaixo (vd. anexo 1 - Ajudas de Custo por Deslocação ao Estrangeiro Pagas Acima do Limite Legal).

Identificação do administrador/ funcionário

Ajudas de custo pagas em 2016 por deslocações ao estrangeiro (1)

Limites Legais (20%x100,24) <2)

Subsídio de Refeição não deduzido (3)

Diferença sujeita a 1RS (4)*(1)- (2)+<3)

NIF

Nome

Cargo

Total

Total

Total

...

I...

CTO

6.112,24

1.022,55

273,20

4,362,89

...

I...

CTO

3.408,18

0,00

 

3.408,16

...

H...

CEO

7.417,76

1.483,70

382,48

6.316,54

 

16.938,16

2.506,25

655,68

14.087,59

 

 

 

Relativamente às ajudas de custo pagas por deslocações no território nacional, estas destinam-se a compensar o trabalhador das despesas por si suportadas com refeições (almoço e jantar) e alojamento, estando as condições de atribuição definidas nos art.°8 8.° e 37.° do Decreto- Lei n.° 106/98, de 24 de Abril, estipulando os mesmos:

  • Nas deslocações diárias abonam-se:
  1. 25% da ajuda de custo diária, se a deslocação abranger, ainda que parcialmente, o período entre as 13 a as 14 horas;
  2. 25% da ajuda de custo diária, se a deslocação abranger, ainda que parcialmente, o período entre as 20 a as 21 horas;
  3. 50% da ajuda de custo diária se a deslocação implicar alojamento.
  • Nas deslocações por dias sucessivos abonam-se:
  1. Dia da partida:
  • Até às 13 horas - 100%
  • Depois das 13 horas até às 21 horas - 75%
  • Depois das 21 horas - 50%
  1. Dia de regresso:
  • Até às 13 horas - 0%
  • Depois das 13 horas até às 20 horas - 25%
  • Depois das 20 horas - 50%
  1. Nos restantes dias -100%.
  • O quantitativo correspondente ao abono diário do subsídio de refeição é deduzido nas ajudas de custo, quando as despesas sujeitas a compensação incluírem o custo do almoço.

Assim, da análise aos documentos que suportam o referido gasto, concluiu-se que a entidade pagou sempre o valor completo da ajuda de custo diária, sem ter tido em consideração se a deslocação era por dias sucessivos ou deslocações diárias, os dias de regresso e as horas em que esse regresso ocorria, e/ou se tinha assumido também a despesa com algum almoço e/ou jantar dos administradores. Assim os limites legais, de abono de custo, dos seguintes dias seriam:

  1. 2015/06/05 (H...) - dia de regresso ocorrido após as 20 horas mas com o encargo de almoço suportado pela entidade (documento contabilístico 207004, registado em 2015/07/31, "Folha de Despesa ...2015", item 2 com a seguinte descrição: Data: 05-jun; Descrição “Almoço LX"; Valor: 29,70€) - 25%;
  2. 2014/04/10; 2014/09/29; 2015/06/17; 2015/09/11; 2015/11/18 (H...) e 2015/04/10; 2015/09/29 (I...) - dia de regresso ocorrido após as 20 horas - 50%;
  3. 2015/06/04 (H...) - dia de partida em deslocação por dias sucessivos, ocorrida antes das 13 horas, mas com o encargo do jantar suportado pela entidade (documento contabilístico 207004, registado em 2015/07/31, “Folha de Despesa ... 2015”, item 1 com a seguinte descrição: Data: 04-jun; Descrição “Jantar Lx"; Valor: 109,40€) - 75%;

Logo, serão estes, de forma resumida, os valores sujeitos a IRS e não isentos, por deslocações em território nacional (vd. anexo 2 - Ajudas de Custo por Deslocação em Território Nacional pagas Acima dos Limites Legais):

Identificação do administrador funcionário

Ajudas de custo pagas em 2015 por deslocações em PT (1)

 

Limites legais Ajudas de custo

Custo aceites a 100% (2)

 

Limites Legais-Ajudas de Custo aceites em

75% (3)

 

Limites Legais-Ajudas de Custo aceites em 50% (4)

 

Limites Legais-Ajudas de Custo aceites em 25%

n

 

Subsídio de Refeição no deduzido W

 

Diferença sujeita a IRS

 

NIF

Nome

Cargo

Total

Total

Total

Total

Total

Total

...

H...

CEO

622,71

136,35

61,89€

173,00

17,30

61,47

303,61

...

I...

CTO

207,57

69,19

 

69,2

 

20,49

59,67

 

830,28

207,57

51,89

242,2

17,30

31,96

393,28

 

 

 

Assim, os rendimentos sujeitos a IRS e não isentos, pelo pagamento de ajudas de custo, por deslocações em território nacional ou ao estrangeiro, acima dos limites fixados para os funcionários do Estado, não foram tidos em linha de conta pela empresa, para efeitos de determinação da taxa de retenção na fonte a aplicar em cada processamento de salários e para cada funcionário abrangido pelas referidas compensações, pelo que, não procedeu à referida retenção dos montantes de imposto, devidos por lei, incluindo a resultante da aplicação da sobretaxa de 3,5%, conforme consta do art.° 191° da Lei n.° 82-B/2014, de 31 de dezembro (OE 2015).

De igual modo, não fez constar o valor anual pago relativo a essas mesmas remunerações na declaração de comunicação de rendimentos e retenções, prevista na alínea b) do n° 1 do artigo 119° do CIRS, e, por consequência, os trabalhadores não mencionaram essas remunerações na declaração anual de rendimentos prevista no artigo 57° do CIRS.

De acordo com o artigo 99° do mesmo diploma legai, as entidades devedoras de rendimentos de trabalho dependente são obrigadas a reter o imposto no momento do seu pagamento ou colocação à disposição dos respetivos titulares. Assim, os montantes de imposto devidos, não retidos e não entregues nos cofres do Estado vão ser exigidos à empresa na qualidade de substituto tributário, por se verificar a responsabilidade solidária prevista no n° 4 do artigo 103° do CIRS, segundo o qual:

“Tratando-se de rendimentos sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos respetivos beneficiários, o substituto assume responsabilidade solidária pelo imposto não retido”.

Deste modo, o montante de imposto anual em falta ascende a €6.722, incidente sobre os montantes mensais pagos a título de ajudas de custo, a seguir discriminados (vd. Anexo 3 - Cálculo da Retenção na Fonte em Falta por Mês e por Funcionário):

 

Mês

Ajudas de Custo consideradas rendimento para efeitos de IRS

IRS em Falta

Sobretaxa IRS em Falta

Retenção na fonte em feita por mês

Novembro

12.874,16

5.866,00

197,00

6.062,00

dezembro

1.606,71

633,00

27,00

660,00

Total

14.480,87

6.498,00

224,00

6.722,00

 

 

 

…”

  1. A Requerente procedeu ao pagamento a título de ajudas de custo em 2015 dos seguintes valores:

- a H...,  deslocação de 04-06-2015 a 05-06-2015, a Lisboa, com regresso ocorrido pelas 23 horas e com o encargo do almoço suportado pela entidade patronal, no valor de 138,38 € (2 X 69,19 €);

- a H..., deslocação a Lisboa em 17-06-2015, com regresso ocorrido pelas 23 horas, no valor de 69,19 €;

- a H..., deslocação a Lisboa em 18-11-2015, com regresso ocorrido pelas 23 horas, no valor de 69,19 €;

- a I..., deslocação a Lisboa em 29-09-2014, com regresso ocorrido pelas 23 horas, no valor de 69,19 €;

- a I..., deslocação a Lisboa de 09-04-2014 a 10-04-2014, com regresso ocorrido pelas 23 horas, no valor de 138,38 € (2 X 69,19 €).

7. nos dias 2014/04/10; 2014/09/29; 2015/06/17; 2015/09/11; 2015/11/18 (H...) e 2015/04/10; 2015/09/29 (I...) os trabalhadores regressaram depois das 20 horas, mas aa ajudas de custo foram pagas pela Requerida por inteiro.

 

  1. A Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2017 ... e de juros compensatórios n.ºs 2018 ... e 2018 ..., do ano de 2015, no montante total de 6.856,76 €, com data limite de pagamento de 09-02-2018, conforme documento 4 junto ao pedido arbitral.
  2. A Requerente procedeu ao pagamento do imposto, em 15-02-2018, conforme documento 5 junto ao pedido arbitral.
  3. Em 10-05-2019, a Requerente apresentou o presente pedido arbitral.

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

4.2. Factos não provados

Não se verificaram quaisquer factos dados como não provados.

 

4.3. Fundamentação da matéria de facto provada:

A convicção do árbitro fundou-se nos documentos juntos aos autos pela Requerente, no processo administrativo (no relatório de inspeção, documentos anexos e mapas juntos com o direito de audição), na prova testemunhal e na posição das partes.

 

5. Matéria de direito:

5.1. Objeto e âmbito do presente processo

A questão essencial de direito que se coloca neste processo é a de saber se os rendimentos pagos a título de ajudas de custo por deslocações ao estrageiro e em território nacional, excederam ou não os limites fixados para os funcionários do Estado, e se as liquidações efetuadas estão ou não inquinadas por vício de fundamentação.

Ajudas de custo por deslocações ao estrangeiro

O artigo 2º n.º 3 alínea d) do Código do IRS refere que se consideram rendimento do trabalho dependente: “d) as ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviços da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado e as verbas para despesas de deslocação., viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício”.

O n.º 14 do mesmo artigo 2º do Código do IRS refere que “os limites legais previstos neste artigo serão os anualmente fixados para os servidores do Estado”.

Esta remissão do Código do IRS para o regime de ajudas de custo pagas aos servidores do Estado visa fixar os limites quantitativos diários considerados razoáveis pelo legislador para uma compensação de despesas com deslocações efetivamente realizadas, ao serviço de entidades públicas ou privadas.

Quanto às ajudas de custo por deslocações ao estrangeiro, estabelece o artigo 1º do Decreto-Lei n.º 106/98 de 24-04, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 137/2010 de 28-12 e pela Lei n.º 64-B/2011 de 30-12 e pela Lei n.º 66-B/2012 de 31-12 e Lei n.º 82-B/2014 de 31-12, que quando deslocados ao estrangeiro e no estrangeiro os trabalhadores têm direito a ajudas de custo, sendo as mesmas reguladas por diploma próprio, conforme o artigo 15 do mesmo diploma.

O diploma que disciplina o abono de ajudas de custo por deslocação em serviço ao estrangeiro é o Decreto-Lei n.º 192/95 de 28-07, atualizado pelo Decreto-Lei n.º 137/2010 de 28-12.

O artigo 2º n.º 1 e n.º 5 do referido Decreto-Lei n.º 192/95 de 28-07 estabelece que:

“1. O pessoal que se desloque ao estrangeiro e no estrangeiro, por motivo de serviço público, tem direito, em alternativa e de acordo com a sua vontade, a uma das seguintes prestações:

  1. Abono da ajuda de custo diária, em todos os dias da deslocação, de acordo com a tabela em vigor;
  2. Alojamento em estabelecimento hoteleiro de três estrelas, ou equivalente, acrescido do montante correspondente a 70/prct. da ajuda de custo diária, em todos os dias da deslocação, nos termos da tabela em vigor.

5. No caso de na deslocação se incluir o fornecimento de uma ou de ambas as refeições diárias, a ajuda de custo será reduzida de 30/prct. por cada uma, não podendo a ajuda de custo a abonar ser de valor inferior a 20/prct. do montante previsto na tabela em vigor”.

O artigo 37º do Decreto-Lei n.º 106/98 de 24-04 refere que “o quantitativo correspondente ao abono diário do subsídio de refeição é deduzido nas ajudas de custo, quando as despesas sujeitas a compensação incluírem o custo do almoço”.

O valor das ajudas de custo pagas pela Requerente por deslocações ao estrangeiro, no ano de 2015, totaliza o valor de 15.983,16 €

A AT alega que a Requerente tem como política suportar os encargos com o alojamento e as refeições das deslocações realizadas ao estrangeiro, e que os referidos gastos foram revelados na conta 6251 – deslocações, estadas e transportes - Deslocações e estadas, que em 2014 ascenderam a 28.114,24 € e em 2015 ascenderam a 62.180,92 €.

Por essa razão, entende a AT que o valor das ajudas de custo pagas não sujeitas a IRS não pode ultrapassar o valor de 20% do valor atribuído aos servidores do Estado e terá que ser deduzido a esse valor o valor do subsídio de alimentação, sendo que a parte paga que ultrapassou esse limite está sujeita a IRS, e consequentemente, a retenção na fonte.

Nos termos do artigo 75º da LGT, as declarações dos contribuintes presumem-se verdadeiras e de boa fé. Assim, as declarações dos contribuintes têm especial valor probatório.

Por outro lado, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, tal como impõe o artigo 74º n.º 1 da LGT.

Tal como refere o acórdão arbitral do processo n.º 155/2018-T, “não pode deixar de se ter presente as regras do direito probatório material que resultam dos artigos 74.º e 75.º da LGT”.

Cabe à Administração Tributária a prova de factos constitutivos da existência do excesso dos limites aplicáveis às ajudas de custo (artigo 74.º, n.º 1 da LGT).  Entendemos que, nos presentes autos, essa prova a cargo da AT foi feita.

Com efeito o anexo ao relatório de inspeção evidencia quer a legislação que serviu de base às correções (referida também no relatório) quer os documentos que serviram de base aos cálculos feitos pela AT: os mapas de ajudas de custo e os recibos de vencimento constantes da contabilidade da Requerida.

A AT junta, no processo administrativo, os documentos 7 e 8 que correspondem a duas faturas de 2014, faturas FA 2014/1 e FA 2014/2, ambas de 30-07-2014, emitidas pela Requerente a uma sociedade dos EUA, com a descrição “onsite visit and consulting”.

Quanto a estas deslocações, a testemunha fez referência à política da empresa em matéria de despesas mas não contrariou de forma convincente o referido nos documentos supra mencionados, constantes da contabilidade da empresa.

Assim, entendemos que o relatório de inspeção e as subsequentes liquidações de retenção na fonte de IRS, se encontram devidamente fundamentados, quer facto quer de direito, nos termos do art.º 77.º LGT.

 

Ajudas de custo por deslocações no território nacional

Relativamente às ajudas de custo por deslocações no território nacional, as mesmas destinam-se a compensar o trabalhador das despesas por si suportadas com refeições e alojamento.

O artigo 8º do Decreto-Lei n.º 106/98 de 24-04 estabelece que:

“1 – O abono da ajuda de custo corresponde ao pagamento de uma parte da importância diária que estiver fixada ou da sua totalidade, conforme o disposto nos números seguintes.

2 – Nas deslocações diárias, abonam-se as seguintes percentagens da ajuda de custo diária:

  1. Se a deslocação abranger, ainda que parcialmente, o período compreendido entre as 13 e as 14 horas – 25%;
  2. Se a deslocação abranger, ainda que parcialmente, o período compreendido entre as 20 e as 21 horas – 25%;
  3. Se a deslocação implicar alojamento – 50%.

3 – As despesas de alojamento só são consideradas nas deslocações diárias que se não prolonguem para o dia seguinte, quando o funcionário não dispuser de transportes coletivos regulares que lhe permitam regressar à sua residência até às 22 horas.

4 – Nas deslocações por dias sucessivos abonam-se as seguintes percentagens da ajuda de custo diário:

  1. dia da partida:

Horas da partida                               Percentagem  

Até às 13 horas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100

Depois das 13 até às 21 horas . . . . . . . . . . .. . . . . 75

Depois das 21 horas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50

  1. Dia de regresso:

Horas de chegada                              Percentagem

Até às 13 horas .................................................... 0

Depois das 13 até às 20 horas . . . . . . . . . . . . . . . 25

Depois das 20 horas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50

  1. restantes dias – 100%.

5 – Atendendo a que as percentagens referidas nos n.º 2 e 4 correspondem ao pagamento de uma ou duas refeições e alojamento, não haverá lugar aos respetivos abonos quando a correspondente prestação seja fornecida em espécie”.

O artigo 38º do mesmo diploma refere que “o quantitativo correspondente ao abono diário do subsídio de refeição é deduzido nas ajudas de custo, quando as despesas sujeitas a compensação incluírem o custo do almoço”.

Quanto a estas deslocações em território nacional, a AT alega que a Requerente pagou sempre o valor completo da ajuda de custo, que é de 69,19 €, sem ter tido em consideração se a deslocação era por dias sucessivos ou deslocações diárias, os dias de regresso e as horas em que esse regresso ocorria, e/ou se tinha assumido também a despesa com algum almoço e/ou jantar dos administradores.

O valor das ajudas de custo pagas por deslocações em Portugal totalizou o valor de 830,28 €, em 2015.

Vejamos:

  1. Correções nos dias em que há despesas de jantar suportadas pela Requerente

A Requerente refere que o único documento invocado pela AT para sustentar esta correção foi o documento contabilístico 207004, registado em 2015/07/31, “Folha de Despesa ... 2015”, sendo que o referido documento contém a tabela abaixo e uma fatura de almoço do dia 05.06.2015:

No entender da Requerente, a folha de despesa analisada pela AT diz respeito exclusivamente aos dias 04.06.2015 e 05.06.2015.

Ora, relativamente a esses dias as correções foram bem feitas pela AT, na medida em que não pode a empresa Requerida pagar ajudas de custo por inteiro e suportar despesas com refeição

- quanto ao dia 04/06/2015, dia incluído no mapa de deslocações do mês de Junho/2015, apresentado por H..., trata-se de uma deslocação por dias sucessivos (04/06 e 05/06), sendo este o dia de partida ocorrida antes das 13 horas, que de acordo com o art.º 8.º do decreto- lei n.º 106/98, de 24 de Abril confere um montante de ajuda de custo a 100%. No entanto como a entidade suportou o encargo do jantar (documento contabilístico 207004, registado em 31/07/2015, “ Folha de Despesa ... 2015”, item 1 com a seguinte descrição: Data: 04- jun; Descrição “Jantar LX”, Valor: 109,40€), o valor da ajuda de custo a considerar é de 75% do valor, nos termos do art.º 8.º, conjugado com o art.º 37.º do Decreto- Lei n.º 106/98, de 24 de Abril.

- no que se refere ao 05/06/2015, dia incluído no mapa de deslocações do mês de junho/2015, apresentado por H...- Trata-se de uma deslocação, também ela por dia sucessivos (04/06 a 05/06), sendo este o dia de regresso, ocorrido após as 20 horas, que conferiria uma ajuda (cf. Documento contabilístico 207004, registado em 31/07/2015, “Folha de Despesa ... 2015”, item 2 com a seguinte descrição: Data: 05-jun; Descrição “Almoço LX”; Valor 29,70€), pelo que nesta situação a ajuda de custo é reduzida para 25%, nos termos do art.º 8.º, conjugado com o art.º 37.º do Decreto- Lei n.º 106/98, de 24 de Abril.

Quanto aos dois dias em que há evidência de jantar ou almoço, entendemos que é correta a correção efetuada pela AT.

Quanto ao depoimento da testemunha, o mesmo não contrariou o alegado no relatório de inspeção.

 

  1. Correções relativas a deslocações por dias sucessivos e regressos após 20 horas

Segundo a Requerida terá ficado por explicar em que documentos se terá baseado a AT para aplicar o limite de 50% às ajudas de custo dos outros dias em que houve correção.

Será o caso da correção feita I... da deslocação a Lisboa de 09-04-2014 a 10-04-2014, com regresso ocorrido pelas 23 horas, em que o valor pago pela Requerida foi de 138,38 € (2 X 69,19 €).

Da análise do relatório e documentos anexos verifica-se que a correção foi feita tendo por base os mapas de ajudas de custo disponibilizados pela Requerida, mapas esses que evidenciam que as deslocações foram feitas por dias sucessivos, já que contém as datas da ida e do regresso do trabalhador.

O mesmo se passa com as correções aos pagamentos feitos nos dias em que trabalhadores voltaram depois das 20 horas, factos que constam dos mapas de ajudas de custo. Essa correção foi feita nos dias:

2014/04/10; 2014/09/29; 2015/06/17; 2015/09/11; 2015/11/18 (H...) e 2015/04/10; 2015/09/29 (I...)

A lei estabelece um limite máximo legal em função da hora de saída e da hora de regresso do trabalhador, tal como acima analisamos.

Assim, andou bem a AT ao alegar que a Requerente procedeu ao pagamento de ajudas de custo de valor superior em relação ao limite legal. De facto, a Requerente pagou sempre, nas deslocações em território nacional, o valor máximo de 69,19 €, sem ter em conta se a deslocação era por dias sucessivos, a que horas foi o regresso, se houve pagamento de refeições ou não.

Como se diz no acórdão do STA proferido no processo 0901/14 de 28 de janeiro de 2015, “recai sobre a Administração Tributária o ónus de prova de o valor das ajudas de custo exceder os limites legais” e essa prova, a nosso ver, foi feita.

 

6. Juros indemnizatórios

 

A Requerente pede ainda que seja condenada a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até o termo do prazo previsto para execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

Já nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” mais não é do que o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

O artigo 43.º n.º 1 da LGT estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

No caso em apreço, improcedendo o pedido de anulação das liquidações objeto dos presentes autos, tem também que improceder o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

7. Decisão

Em face do exposto, determina-se:

  1. Julgar improcedente o pedido formulado pelos Requerentes, mantendo na ordem jurídica a liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2017 ... e de juros compensatórios n.ºs 2018... e 2018...;
  2. Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios;
  3. Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.

 

8. Valor do processo:

De acordo com o disposto no artigo 306º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 6.856,76 €.

 

9. Custas:

Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 612,00 €, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22º n.º 4 do RJAT.

Notifique.

Lisboa, 28 de fevereiro de 2019.

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, por mim revisto.

O árbitro singular

 

Suzana Fernandes da Costa