Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 221/2018-T
Data da decisão: 2019-03-08  IRC  
Valor do pedido: € 40.877,22
Tema: Tributação Autónoma – PEC.
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Acórdão Arbitral

 

O Juíz singular, Ana Teixeira de Sousa, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, acorda o seguinte: 

 

I– RELATÓRIO 

1. A..., S.A. (doravante, “Impugnante”), com o número único de matrícula e de identificação fiscal..., com sede na..., ...-... ..., notificada do indeferimento do Recurso Hierárquico n.º ...2016..., relativo às autoliquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) dos exercícios fiscais de 2013 e 2014, nos termos das quais se apurou imposto a pagar nos valores de 17.862,09€ e 23.015,13 € respetivamente , vem, nos termos do artigo 2.º n.º 1 alínea a), artigo 5.º n.º 2  alínea a), artigo 6.º n.º 1 e artigo 10.º n.º 2 todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), constante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, requerer a constituição de tribunal arbitral.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 07-05-2018.

3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou o árbitro, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4. Em 20-06-2018 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico

5. O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 11-07-2018, em conformidade com o previsto nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), 5º, 6º, n.º 1, e 11º, n.º 1 do RJAT (com a redacção introduzida pelo art. 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro).

6. A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

7. Por despacho de 11-12-2018 dispensou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidiu-se que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas, tendo sido o przo inicial prorrogado nos termos do artigo 21º do RJAT.

8. A Requerente apresentou alegações em 07-01-2019 e a Requerida em 22-01-2019.

9. Nessa medida, o objeto do presente pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral é a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico pela AT, no âmbito do qual se solicitou a anulação das autoliquidações de IRC n.ºs 2014... e 2015..., relativas aos exercícios fiscais de 2013 e 2014 respectivamente.

 

10. Conforme referido, a Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade dos atos de autoliquidação de IRC n.ºs 2014... e 2015..., referentes a 2013 e 2014 respectivamente, no âmbito dos quais se apurou imposto a pagar nos valores de 17.862,09 € (2013) e 23.015,13 € (2014) e, em consequência, sejam os mesmos anulados, nos termos do artigo 2.º n.º 1 alínea a) do RJAT.

 

11. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente invoca, essencialmente, em seu favor, que:

  1. Nos termos do artigo 90.º n.º 2 alínea d) do CIRC, “ao montante apurado nos termos do número anterior [coleta de IRC] são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada: d) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º”;
  2. Prevê, portanto, o CIRC que a dedução referente ao PEC deve ser efetuada até à concorrência da coleta de IRC apurada no período de tributação relevante;
  3. Com a entrada em vigor, a 1 de janeiro de 2014, do artigo 23.º-A n.º 1 do CIRC, de acordo com o qual “Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC, incluindo as tributações autónomas (…)”, parece à Impugnante inegável e ultrapassada a questão da qualificação das tributações autónomas como IRC;
  4. A atual norma vem resolver a questão da dedutibilidade fiscal das tributações autónomas, isto porque o artigo 45.º n.º 1 alínea a) do CIRC (em vigor até 31 de dezembro de 2013) não as mencionava expressamente;
  5. O artigo 45.º n.º 1 alínea a) do CIRC estabelecia que “Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros;”;
  6. Conforme se pode verificar pela nova redação, agora constante do artigo 23.º n.º 1 alínea a) do CIRC, estabelece-se de forma inequívoca que a tributação autónoma é IRC e, como tal, é considerada um gasto não dedutível para efeitos fiscais;
  7. Se o referido artigo 45.º n.º 1 alínea a) do CIRC não fazia referência expressa à tributação autónoma, no sentido de a incluir no IRC, o que de acordo com as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis acima referidos não era por si só obstáculo para qualifica-la como IRC, o artigo 23.º - A n.º 1 alínea c) do CIRC vem expressamente inclui-la no IRC, havendo atualmente uma correspondência da letra da lei com o pensamento do legislador que sempre pretendeu aplicar à tributação autónoma a totalidade do regime do IRC;
  8. O facto de existir no regime do IRC algumas regras específicas para as tributações autónomas, como sucede no artigo 88.º do CIRC, no qual se estabelece a base de incidência e taxas aplicáveis à tributação autónoma, não pode ser utilizado para se defender que as tributações autónomas não qualificam de IRC, na medida em que elas derivam do facto de o próprio regime do IRC, que é um imposto de formação sucessiva, incluir elementos de obrigação única que é precisamente o caso das tributações autónomas;
  9. Por este motivo, e por aplicação das regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, forçoso é concluir que sempre foi intenção do legislador qualificar as tributações autónomas como IRC (isto é, ela própria é IRC), intenção esta, no presente, literalmente consagrada no artigo 23.º- A n.º 1 alínea a) do CIRC;
  10. Ora, qualificando as tributações autónomas como IRC, parte do valor dos PEC efetuados pela Impugnante deveria ter sido deduzido à coleta de IRC apurada, nos termos do artigo 90.º n.º 1 do CIRC, nos exercícios fiscais de 2013 e 2014, nos valores de 17.862,09 € e 23.015,13 € respetivamente (a qual respeitou exclusivamente aos valores apurados e pagos a título de tributação autónoma);
  11. O PEC qualifica como um verdadeiro imposto por conta do IRC devido a final. Apesar de este tipo de pagamento por conta ter sido considerado, inicialmente, uma “coleta mínima”, somente com a reforma do IRC operada em 2000-2001, o seu reembolso foi impedido /restringido.Com efeito, com a posterior reforma do IRC de 2013, em vigor desde 2014, a possibilidade de reembolso do PEC, no final do período de reporte, deixou de depender da solicitação, pelo sujeito passivo, de uma inspeção tributária;
  12. Tanto a possibilidade de reembolso (exceto em 2001 e 2002), como a possibilidade de dedução dos PEC à coleta do IRC, sempre existiram. Na verdade, os montantes dos PEC são sempre recuperados por um sujeito passivo diligente e cumpridor da lei, pelo que nunca estaremos perante imposto devido a final, e sim perante um verdadeiro imposto por conta do IRC devido a final. Pelo que, apesar de ser considerar que o PEC, à semelhança das tributações autónomas, constitui um desvio ao princípio da tributação pelo rendimento real, na verdade, caso a empresa esteja em situação de prejuízo fiscal esta poderá vir a recuperar os valores de PEC;
  13. Ora, qualificando como um imposto por conta do IRC devido a final, não restam dúvidas que o mesmo poderá ser deduzido ao IRC, o qual inclui as tributações autónomas.

 

12. Conclui a Requerente solicitando:

  1. a anulação do acto de indeferimento expresso do recurso hierárquico, bem como das autoliquidações de IRC n.ºs 2014... e 2015... referentes aos exercícios fiscais de 2013 e 2014, por ter sido negada a dedução do PEC à colecta de IRC, a qual deverá incluir os valores de 17.862,09 € (2013) e 23.015,13 € (2014) relativos a tributação autónoma, incumprindo-se assim com o disposto no artigo 90.º n.º 2 alínea d) do CIRC;
  2. a condenação da AT ao reembolso dos montantes de 17.862,09 € (2013) e 23.015,13 € (2014), referentes a tributação autónoma paga, com fundamento de que tais valores integram a colecta de IRC, à qual deveria ter sido deduzida PEC em igual montante;
  3. a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios à ora Impugnante, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.

 

13. Nos termos da notificação, para o efeito, a AT apresentou a sua Resposta, acompanhada do Processo Administrativo, sustentando a total improcedência do pedido da Requerente, arguindo em seu favor, entre o mais, o especifico entendimento plasmado nas Decisões Arbitrais proferidas nos processos arbitrais nºs 113/2015-T, 79/2014-T, 95/2014-T, 603/2014-T, 697/2014-T deste CAAD. Alega, fundamentalmente, o seguinte:

  1.  “(…)  o caracter autónomo destas tributações, decorrente da especial configuração dada aos aspectos material e temporal dos factos geradores, impõe, em determinados domínios, o afastamento ou uma adaptação das regras gerais de aplicação do IRC.” (cfr. artigo 14.º da Contestação);
  2. “Na realidade, a integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspectos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respectivas colectas, por força de obedecerem a regras diferentes.” (cfr. artigo 15.º da Contestação);
  3. “(…) não há uma liquidação única de IRC, mas, antes dois apuramentos; Isto é, dois cálculos distintos que, embora processados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo código, são efectuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou no 88.º do CIRC, às respectivas matérias colectáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias.” (cfr. artigos 17.º e 18.º da Contestação);
  4. “(…) a liquidação das tributações autónomas é efectuada com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto: (1) num caso a liquidação opera, mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código e (2) no outro caso, são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma.” (cfr. artigo 29.º da Contestação);
  5. “Na sequência da integração das tributações autónomas no Código do IRC, através da Lei n.º 30-G/2010, de 29/12, o legislador parece não ter sentido a necessidade de explicitar, de forma abrangente – i.e. em todos os normativos onde se manifestam – as consequências da coexistência de duas formas de imposição dentro do sistema do IRC, limitando-se a acautelar as situações em que a isenção do IRC não se projectava nas tributações autónomas.” (cfr. artigo 30.º da Contestação);
  6. “Tal traduziu-se no aditamento efectuado à redacção do art.º 12.º do CIRC no sentido de clarificar, com carácter interpretativo, que as sociedades e outras entidades abrangidas pelo regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, excepto quanto às tributações autónomas. A par disso, foi ainda estabelecido (cfr. o então n.º 6 do art.º 109.º do CIRC, actual art.º 117.º) que a obrigação de apresentar a declaração periódica de rendimentos abrange as entidades isentas de IRC, quando estejam sujeitas a tributação autónoma.” (cfr. artigos 31.º e 32.º da Contestação);
  7. “(…) para a base de cálculo dos pagamentos por conta apenas é considerada o IRC apurado com base na matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III e as taxas do art.º 87.º do respectivo Código. Como, de resto, é entendimento perfilhado pela AT e acolhido pacificamente pela doutrina e pelos contribuintes em geral.” (cfr. artigos 36.º e 37.º da Contestação);
  8. “(…) faça-se notar que o traço comum a todas as realidades reflectidas nas deduções referidas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC reside no facto de respeitarem a rendimentos ou gastos incorporados na matéria colectável determinada com base no lucro do sujeito passivo ou pagamentos antecipados do imposto, sendo, por isso, inteiramente alheios às realidades que integram os factos geradores das tributações autónomas.” (cfr. artigo 45.º da Contestação);
  9. “(…) a posição defendida pela AT tem um apoio explícito no disposto no n.º 5 do art.º 90.º do CIRC – através do qual o legislador fornece uma indicação clara de que o montante do imposto liquidado, ao qual são efectuadas as deduções referidas no n.º 2 do mesmo artigo, não inclui o montante correspondente às tributações autónomas –, ao estatuir que as deduções que são imputadas aos sócios ou membros de entidades abrangidas pelo regime da transparência fiscal estabelecido no art.º6.º (entidades que estão sujeitas ao pagamento das tributações autónomas, por força do art.º12.º) são «deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo». Dado que o comando deste normativo se dirige aos sócios ou membros de entidades transparentes – os quais, no processo de apuramento do respectivo lucro tributável, devem integrar no mesmo os valores (relativos ao lucro tributável/prejuízo fiscal ou à matéria colectável, consoante o caso) que lhe são imputados – o que o legislador indica, de forma inteiramente clara, é que as deduções previstas no n.º2 do art.º90.º do CIRC, que igualmente são imputadas aos sócios ou membros, devem ser efectuadas ao montante do imposto apurado com base na matéria colectável em que esteja reflectida a imputação prevista no art.º 6.º do CIRC.” (cfr. artigos 50.º e 51.º da Contestação);
  10. “Ora, se é este o procedimento a adoptar pelos sujeitos do IRC que são sócios ou membros de entidades transparentes, relativamente às deduções respeitantes à entidade transparente na qual participam, seria de todo incongruente, para além de não ter qualquer apoio na lei, defender a tese de que, para as deduções referidas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, que directamente respeitam a esses sujeitos passivos, as mesmas poderiam ser efectuadas ao montante apurado com as tributações autónomas.” (cfr. artigo 53.º da Contestação);
  11. “(…) a interpretação do n.º 2 do art.º 90.º em coerência com a natureza e conteúdo das deduções previstas nas suas alíneas, entre as quais figura o PEC, deve ser feita à luz dos objectivos gerais do IRC que se reconduzem, na sua essência, à tributação do rendimento das pessoas colectivas, determinado em conformidade com as regras do capítulo III do respectivo código. Sendo, por isso, manifestamente destituída de qualquer base a pretensão da ora Requerente de dedução do montante suportado em sede de pagamento especial por conta à colecta produzida pelas tributações autónomas.” (cfr. artigos 68.º e 69.º da Contestação);
  12. “A Requerida não desconhece o acórdão do Tribunal Constitucional citado pela Requerente [acórdão n.º 267/2017, de 31 de maio de 2017], todavia, o mesmo não tem força obrigatória geral, nem a AT concorda com o teor da decisão. Acresce que, em bom rigor, o art.º artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, inserido pela da LOE2016, que foi declarado inconstitucional naquele acórdão, não é necessário à resolução deste dissídio, É, aliás, dispensável.” (cfr. artigos 74.º e 75.º da Contestação);
  13. “(…) para que a AT incorra no dever de pagamento de juros indemnizatórios, que se verifique uma qualquer ilegalidade que denote o carácter indevido da prestação tributária à luz das normas substantivas, ilegalidade essa que terá de ser necessariamente imputável a erro dos serviços. Ora, a liquidação em causa não provém de qualquer erro dos Serviços mas decorre directamente da aplicação da lei. A AT limitou-se, portanto, a aplicar as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impunham face à ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes à correcção efectuada, pelo que deverá ser, também, julgada improcedente a impugnação quanto aos juros peticionados.” (cfr. artigos 100.º, 101.º e 102.º da Contestação).

 

Conclui a Requerida pela total improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, com as legais consequências.

 

II- SANEAMENTO

 a) O Tribunal é competente.

 b) As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e beneficiam de legitimidade processual, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artº 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, assim como nº5 dos art.s 22º da LGT , 70º, nº1 e 99º do CPPT.

 c) A AT procedeu à designação dos seus Representantes nos autos e o Requerente juntou procuração, encontrando-se, assim, as Partes, devidamente representadas.

 d) O processo não enferma de nulidades.

e) Não foram suscitadas questões, prévias ou subsequentes, prejudiciais ou de excepção, que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.  

 

III. MÉRITO 

III.1. MATÉRIA DE FACTO 

1§. FACTOS PROVADOS 

No que diz respeito à factualidade com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. Da prova produzida nos presentes autos, quer por aceitação das partes, quer por via documental (prova carreada pela Requerente e constante do Processo Administrativo Tributário), entende o Tribunal que deverá ser assente a seguinte matéria de facto:

 

  1. A Requerente é uma pessoa coletiva de direito português constituída sob a forma de sociedade anónima, com o número único de matrícula e de identificação fiscal..., e tem como objeto social a importação e distribuição de frutas em Portugal;
  2. Nos exercícios fiscais de 2013 e 2014, a Requerente procedeu à autoliquidação do IRC, tendo apresentado para o efeito as respetivas declarações Modelo 22, em 30 de maio de 2014 e 28 de maio de 2015 respetivamente, nas quais apurou prejuízo fiscal (anexos 5 e 6 ao Documento II);
  3. A Requerente incorreu em gastos sujeitos a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º do Código do IRC (“CIRC”), nos valores de 17.862,09 € e 23.015,13 €, os quais foram incluídos nas Modelos 22 de 2013 e 2014 respetivamente, gerando, portanto, imposto a pagar naqueles valores (anexos 5 e 6 ao Documento II);
  4. O pagamento das autoliquidações de IRC n.ºs 2014... e 2015..., referentes aos exercícios fiscais de 2013 e 2014 respetivamente, foi efetuado pela Impugnante (anexos 7 e 8 ao Documento II);
  5. Encontrando-se em situação de prejuízo fiscal desde exercícios fiscais anteriores, a Requerente efetuou Pagamentos Especiais por Conta (“PEC”) de IRC no montante de 70.000 € no exercício fiscal de 2013 e no mesmo montante para o exercício fiscal de 2014 (anexos 9 a 12 do Documento II);
  6. O sistema informático da AT, através do qual se procede obrigatoriamente à entrega da declaração Modelo 22, não permitiu à Requerente deduzir os valores dos PEC aos valores de tributação autónoma apurados nos exercícios fiscais de 2013 e 2014, os quais correspondiam à coleta de IRC desses mesmos exercícios;
  7. Em 28 de Março de 2016, a Requerente apresentou reclamação graciosa das autoliquidações de IRC de 2013 e 2014, junto da AT com fundamento em vício de violação de lei (anexo 1 ao Documento II);
  8. Nos termos dessa Reclamação Graciosa a AT reconhece que a Requerente fez a entrega da declaração modelo 22 de IRC do ano de 2013 em 30/05/2014 e a declaração referente ao ano de 2014 foi entregue em 28/05/2015;
  9. Os valores declarados e contantes das declarações modelos 22 de IRC foram os seguintes:

 

 

2013

2014

R.L. Período

2.074.468,90)

2.488.974,63)

Prejuízo fiscal

(1.205.733,67)

(2.403.696,74)

Prejuízo fiscais dedutíveis

7.267.601,99

8.473.335,66

PEC

220.252,00

0,00

Tributação autónoma

17.862,06

23.015,13

Retenção fonte

1,13

2,29

A pagar

17.861,96

23.012,84

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os valores pagos de PEC foram os seguintes:

PEC 2010

10.252,00

14/01/2011

1ºPEC 2011

35.000,00

31/03/2011

2ºPEC 2011

35.000,00

25/10/2011

1ºPEC 2012

35.000,00

24/03/2012

2ºPEC 2012

35.000,00

30/10/2012

1ºPEC 2013

35.000,00

07/03/2013

2ºPEC 2013

35.000,00

31/10/2013

1ºPEC 2014

35.000,00

21/03/2014

2ºPEC 2014

35.000,00

03/11/2014

 

  1. O valor de PEC declarado na modelo 22 de IRC de 2013 corresponde ao pagamento de todos os PEC (s) dos anos de 2010 e 2013; embora tenha pago PEC no ano de 2014, não o declarou na modelo 22 de IRC do ano respectivo;
  2. Foi apresentada Reclamação Graciosa, solicitando aquela dedutibilidade.
  3. Do indeferimento tácito deste procedimento, a Requerente enviou petição de Recurso Hierárquico no sentido de ver satisfeita a sua pretensão;
  4. Em 27-09-2016 (ofício nº... de 26-09-2016) chegou à DSIRC o citado Recurso Hierárquico para efeitos de informação, proveniente da Direcção de Finanças de Lisboa;
  5. Na proposta de indeferimento da Reclamação Graciosa consideraram os Serviços que:
  6. uma coisa é considerar-se que os PECs são IRC e não dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, outra coisa serão as regras da sua dedução à colecta de IRC;

A lei é clara (nº2 do artigo 90º do CIRC) quando determina que ao montante da colecta de IRC calculada com base na matéria colectável, sejam abatidas, pela ordem indicada, as deduções correspondentes à dupla tributação internacional, a benefícios fiscais, ao pagamento especial por conta e a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

Ora, as tributações autónomas, estando funcionalmente  imbricadas no IRC, são imposto que incide sobre determinadas despesas ou gastos; o legislador mais não quis que prevenir uma utilização abusiva de determinadas despesas e distribuição de dividendos em fraude às normas que visam atingir a capacidade contributiva revelada pelo rendimento real.

Se o legislador pretendesse que os benefícios fiscais e montante no saldo dos PECs fossem, também, deduzidos ao valor das tributações autónomas, com certeza que esse facto teria sido comtemplado na lei, nomeadamente com uma redação do artigo 90º do CIRC diferente da que se encontra em vigor.

Se se permitisse a dedução do PEC à colecta resultante da tributação autónoma, gorar-se-iam os propósitos do sistema em que a norma do nº2 do artigo 93º do CIRC se insere, pois o valor do pagamento especial por conta seria afecto à extinção da dívida do contribuinte resultante das tributações autónomas. Na prática, a possibilidade da dedução do PEC às tributações autónomas implicaria que um contribuinte que se encontrasse permanentemente em situação de prejuízo, nenhum imposto sobre o seu rendimento teria que suportar, além de que as tributações autónomas perderiam o seu atributo de caracter anti abuso.

  1. A recorrente, na sua petição de recurso hierárquico, vem discordar do indeferimento tácito ad reclamação graciosa.
  2. Considera que o montante pago a título de tributações autónomas configura IRC, devendo ser considerado como colecta desse imposto para efeitos de cômputo do limite das deduções previstas no artigo 90º do CIRC.
    Acrescenta que o entendimento por si defendido tem sido sancionado pelo Tribunal Constitucional e pelo Centro de Arbitragem Administrativa, conforme decisões que refere.

Dessa forma, resultaria o direito ao reembolso de imposto no montante de 40.875,80€.

Requer ainda o pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal.

  1. A AT, na apreciação do Recurso Hierárquico conclui o seguinte:
  2. Ainda que as tributações autónomas tenham a mesma natureza de IRC, não significa que possam ser elegíveis como deduções não era aceite face ao caracter antiabuso destas tributações, as quais visam desincentivar o recurso ao tipo de despesas que tributam. Através da dedução ao lucro tributável, seria  eliminado o fundamento da existência das tributações autónomas.

A actual redação da alínea a) do nº1 do artigo 23ºA do CIRC, expressamente refere que não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável: “o IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre lucros”.

O legislador tomou posição quanto a esta questão, não só no que respeita à não consideração das tributações autónomas comos gastos, mas também no que se refere à sua natureza jurídico-tributária.

Por outro lado, face à muita doutrina e jurisprudência existente, havia a necessidade de esclarecer que as tributações autónomas não podem ser consideradas gastos.

É inegável que as tributações autónomas tributam despesa e não rendimento, sendo impostos que penalizam determinados encargos incorridos pelas empresas.
As tributações autónomas incidem sobre a despesa, constituindo cada acto de despesa um facto tributário autónomo a que o contribuinte fica sujeito, independentemente de ter ou não rendimento tributável em sede de IRC no final do período tributário respectivo.

Assim o julgou o Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão 0281/2011 de 06-07-2011 e Acórdão 0830/2011 de 21-03-2012) entendendo que a cada acto de despesa deve ser aplicada a taxa em vigor na data da sua realização.

O tribunal Constitucional veio a pronunciar-se sobre a questão das tributações autónomas em sede de recurso para o Plenário, nos termos do nº1 do artigo 79ºD da respectiva Lei, fixando jurisprudência, face à divergência entre dois acórdãos do mesmo Tribunal que decidiram de forma divergente.

Apesar de fazer referência à diferença existente entre a tributação dos rendimentos em sede de IRS ou de IRC (em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano) e a tributação autónoma (em que se tributa a despesa efectuada, em si mesma considerada, independentemente do IRC que é devido em cada período de tributação), o Tribunal Constitucional não deixa de chamar a atenção para a circunstância de os impostos sobre o rendimento contemplarem elementos de obrigação única (como as taxas liberatórias do IRS ou as taxas de tributação autónoma do IRC).

No final do Acórdão é possível ler-se: “…a existência do imposto em análise (tributação autónoma) em cada influi no montante do IRC, actuando de forma perfeitamente autónoma relativamente a este, pelo que o seu funcionamento deve ser encarado somente segundo os elementos que o caracterizam”.

As particularidades e dificuldades do regime das tributações autónomas foram bem patenteadas nas diferentes posições defendidas nos citados Acórdãos do TC e do CAAD, acrescendo que o Acórdão do TC é resultado de um recurso para o Plenário solicitando a fixação de jurisprudência face à divergência entre dois acórdãos do mesmo Tribunal que decidiram de forma divergente quanto a este assunto.

Por isso, nos parece que, não obstante revestiram a mesma natureza do IRC, as regras aplicáveis às tributações autónomas não devem ser contrárias ao espirito que as determinou. E, por forma a respeitar esse desígnio que as consagrou, é necessário avaliar a intenção do legislador tendo em consideração todos os factores.

Contrariamente ao disposto no artigo 12º e na alínea a) do nº1 do artigo 23ºA do CIRC, nos nºs 1 e 2 do artigo 90º não há qualquer referência a tributações autónomas, o que face à natureza dual do sistema, pode levantar dúvidas quanto à consideração do valor das tributações autónomas para efeito das referidas deduções.

Nesse sentido, parece-nos que seria contrário ao espírito do sistema, permitir que por força das deduções a que se refere o nº2 do artigo 90º do CIRC, fosse retirado às tributações autónomas esse caracter anti-abuso que presidiu à sua implementação no sistema do IRC.

Assim, não devem as tributações ser consideradas para efeitos das deduções referidas no nº2 do artigo 90º do CIRC.

 

2.º § FACTOS NÃO PROVADOS

Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

3.º § FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e que constam também do processo administrativo.

Quanto aos factos relativos ao sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira e inviabilidade de deduzir os montantes de PEC à colecta derivada de tributações autónomas a própria Autoridade Tributária e Aduaneira confirma que assim é.

Não é controvertida a matéria de facto.

III.2 – MATÉRIA DE DIREITO

A questão que é objecto do processo é a de saber se o pagamento dos PEC de 2013 e 2014 pode ser deduzido às quantias devidas a título de tributações autónomas, liquidadas e qualificadas como IRC, dos respectivos exercícios fiscais.

 

2.1. A qualificação das tributações autónomas como IRC

Antes de prosseguirmos demos um passo atrás e relembremos que os inúmeros processos que têm chegado aos tribunais, solicitando a decisão sobre a dedução à colecta, especificamente colecta da tributação autónoma em sede de IRC, dos valores previstos no nº 2 do artigo 90ºdo CIRC , são em certa medida uma decorrência lógica das dúvidas do intérprete acerca da possibilidade legal de deduzir as próprias tributações autónomas ao IRC, que estiveram na génese de abundante jurisprudência arbitral e judicial que abordou e decidiu em múltiplos acórdãos se e em que medida as tributações autónomas deveriam ou não ser qualificadas como IRC para efeitos da aplicação da alínea a) do nº 1 do artigo 45º do CIRC.

A dúvida acerca da dedutibilidade das tributações autónomas no âmbito da anterior redação do Código do IRC surgiu em consequência da margem interpretativa criada pela conjugação de duas normas: por um lado, o princípio geral de dedutibilidade de encargos comprovadamente indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente, os de natureza fiscal e parafiscal, que resultava do artigo 23.º, n.º 1, alínea f), do Código do IRC e, por outro lado, a regra de não dedutibilidade prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do mesmo Código, nos termos da qual não eram dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável o IRC e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros.

Em concreto, as dúvidas surgiram porque a norma prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC (com a redação em vigor em 2010) não mencionava expressamente as tributações autónomas e porque o princípio geral em sede de IRC era o da dedutibilidade de encargos indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Assim, face a um princípio geral de dedutibilidade de encargos e à ausência de referência expressa às tributações autónomas, a dúvida surge sobre se o legislador quis incluí-las ou não na exceção de não dedutibilidade prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º. 

As dúvidas surgidas a propósito da dedutibilidade das tributações autónomas em sede de IRC foram, portanto, perfeitamente justificáveis face à incerteza criada pelo elemento literal das normas enunciadas e sobre a própria natureza técnica do tipo de imposto que é a tributação autónoma, a qual, não tem as características típicas de um imposto como o IRC.

As tributações autónomas foram introduzidas no ordenamento jurídico português através do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, que previu a tributação autónoma, à taxa de 10%, das despesas confidenciais, tendo-se posterior e progressivamente avançado para tributar autonomamente um conjunto tão distinto de realidades como despesas de representação, encargos com viaturas, indemnizações e remunerações variáveis de mebros de órgãos estatutários.

Como observa CASALTA NABAIS, as taxas de tributação em apreço começaram por se reportar a situações de elevado risco de fraude e evasões fiscais. Contudo, com o «andar do tempo, a função dessas tributações autónomas, que entretanto se diversificaram

extraordinariamente e aumentaram de valor, alterou-se profundamente passando a ser progressivamente a de obter (mais) receitas fiscais, assumindo-se, assim, como efetivos impostos sobre a despesa, se bem que enxertados, em termos totalmente anómalos, na tributação do rendimento das empresas» (cfr. Autor cit., “Investir e tributar no atual sistema fiscal português” in O Memorando da Troika e as Empresas, Almedina, Coimbra, 2012, p. 27).

Actualmente, as tributações autónomas encontram-se vertidas no artigo 88.º do CIRC.

Aquele artigo tem vindo a sofrer várias alterações, por força da relevância nesta figura, porquanto se trata, por um lado, de uma norma com carácter antiabusivo, por outro, a receita arrecada com esta figura é cada vez mais significativa e relevante para a consolidação das contas públicas, como melhor se detalhará. Com efeito, a figura das tributações autónomas tem sido instrumentalizada para a prossecução de objectivos diversos, que abarcam desde o originário propósito de evitar práticas de evasão e de fraude –, através de despesas confidenciais ou não documentadas, ou de pagamentos a entidades localizadas em jurisdições com regimes fiscais privilegiados, à substituição da tributação das vantagens acessórias sob a forma de despesas de representação ou de atribuição de viaturas aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais, na esfera dos respectivos beneficiários –, até à finalidade de prevenir o fenómeno designado por “lavagem de dividendos” ou de onerar, por via fiscal, o pagamento de rendimentos considerados excessivos ( in  “As Tributações Autónomas em IRC (artigo 88.º do Código do IRC): o sentido, alcance da ratio e os (diversos) efeitos no apuramento do lucro tributável das sociedades de Nuno Miguel Santos Vieira,  Dissertação apresentada no Instituto Superior de Gestão para obtenção do Grau de Mestre em Gestão Fiscal).

Não obstante as dificuldades conceptuais de qualificar esta tributação e a sua relação e integração com o IRC, acabou por se tornar pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC.

Veja-se, por exemplo, a conclusão do processo n.º 209/2013 – T, em que entendeu entendeu o CAAD que “(…) o regime legal das tributações autónomas em questão apenas faz sentido no contexto da tributação em sede de IRC.”, acrescentando ainda que “A sua existência, o seu propósito, a sua explicação, no fundo, a sua juridicidade, apenas é compreensível e aceitável no quadro do regime legal do IRC.”.

Ainda no mesmo acórdão, o CAAD menciona que “(…) as tributações autónomas ora em análise, pertencem, sistematicamente ao IRC (…)”, e que “(…) na perspetiva do legislador, as tributações autónomas integrarão, efetiva e inequivocamente o regime do IRC, sendo devida a título deste imposto (…)”.

Veja-se igualmente o Acórdão do STA no processo 0146/16 datado de  09/27/2017:

Desde logo, porque, apesar de, como deixámos dito, as tributações autónomas constituírem uma imposição tributária distinta do IRC, a verdade é que, pelo menos desde 1 de Janeiro de 2001, com a entrada em vigor da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro – que, nos seus próprios termos, reforma a tributação do rendimento e adopta medidas destinadas a combater a evasão e fraude fiscais, alterando, para além do mais, o CIRC –, sempre as tributações autónomas foram incluídas neste Código. Ou seja, formalmente, sempre as tributações autónomas foram tratadas no âmbito do IRC, dentro do Código que regula este imposto, sendo liquidadas simultaneamente com este.

Essa situação, por si só, poderá ter convencido o legislador da desnecessidade de consagrar expressamente na alínea a) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC as tributações autónomas (A inclusão das tributações autónomas nesse conceito de IRC, aliás, nunca foi objecto de controvérsia até que a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, na esteira do mencionado voto de vencido lavrado no acórdão n.º 18/2011 do Tribunal Constitucional, veio salientar a natureza distinta das tributações autónomas relativamente ao IRS.).

A este respeito veja-se também, entre outras, o disposto nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 79/2014-T e 95/2014-T onde se dispõe que: ”não desconhece o tribunal a problematização acerca da natureza e características das tributações autónomas, quando postas em confronto com o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas. Mas a verdade é que, se o sentido desejado pelo legislador fosse dissidente de as não incluir na referida alínea a) a tanto teria provido. O que efectivamente não fez, assimilando as tributações autónomas com o imposto sobre o rendimento das pessoas para efeitos de procedimento e forma de liquidação e regras de pagamento (artigos 89º e seguintes e 104º do CIRC). E, se efectivamente não constituindo as tributações autónomas IRC em sentido estrito, a este se encontram imbricadas, devendo conter-se e para a questão que subjaz, nos “outros impostos” de que nos dá conta a parte final da alínea a) do nº 1 do artigo 45º do CIRC

Em face do exposto, a questão da dedutibilidade das TA ao lucro tributável ficou então sanada: - nos períodos de tributação até 2013, pela jurisprudência, na medida em que a posição dominante concluiu no sentido da não dedutibilidade das TA à colecta do IRC; - a partir de 2014, por via legislativa, em incluir as TA na alínea a) do n.º 1 do art. 23.º-A do CIRC.

De facto, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.

Desta forma, pese embora o esforço assinalável e fundado que alguns encetaram, deixam de ser actualmente antolhadas razões para inverter a Jurisprudência quase unânime dos Tribunais Arbitrais constituídos no âmbito do CAAD e dos Tribunais Judiciais sobre esta matéria da dedutibilidade ou não dedutibilidade das tributações autónomas para efeitos de IRC pelo que se adere a esta tese.

 

2.2 Aplicabilidade dos artigos 89.º e 90.º do CIRC ao cálculo das tributações autónomas

Os artigos 89.º e 90.º do CIRC estabelecem o seguinte, na redacção vigente até 31.12.2013 e na redacção posterior dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, vigente durante o ano de 2014:

Artigo 89.º

Competência para a liquidação

 

A liquidação do IRC é efectuada:

a) Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º;

b) Pela Direcção-Geral dos Impostos, nos restantes casos.

 

Artigo 90.º

Procedimento e forma de liquidação

 

1 - A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

2 – Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação internacional;

b) A relativa a benefícios fiscais;

c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

d) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

3 – (Revogado pela da Lei n.º 3-B/2010)

4 - Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efectuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.

5 - As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.

6 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

7 – Das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.

8 - Relativamente aos sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado de determinação da matéria coletável, ao montante apurado nos termos do n.º 1 apenas são de efectuar as deduções previstas nas alíneas a) e e) do n.º 2 ( redacção vigente a partir de 01.01.2014).

9 - Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a) a d) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.( redacção vigente a partir de 01.01.2014)

10 - Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efetuadas nos termos dos n.ºs 2 a 4 (anterior nº 8).

11 - Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efetuadas anualmente liquidações com base na matéria coletável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria coletável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.

Os referidos artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas as declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas.

Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).

Seguindo a interpretação defendida no processo nº 59/2017-T:

Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.

Assim, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.

Mas, as formas de liquidação que se prevêem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.

No entanto, a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).

Aliás, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º. ( [1] )

De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária autoliquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efectuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente. ( [2] )

Aliás, se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que não haveria qualquer norma que previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».

Refira-se ainda a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, independentemente de ser ou não verdadeiramente interpretativa, em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores».

Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.º) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à Administração Tributária, nos termos do artigo 89.º, é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no n.º 1 do artigo 90.º, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidação cabe à Administração Tributária e Aduaneira, com «base os elementos de que a administração fiscal disponha», que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a Autoridade Tributária e Aduaneira dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos.

Por isso, quer antes quer depois da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável à liquidação de tributações autónomas.

 

2.3 Do Pagamento Especial por Conta

            Caracteriza-se a figura do PEC recorrendo ao estudo publicado por José João de Avillez Ogando “A constitucionalidade do Regime do Pagamento Especial por Conta – com a as alterações introduzidas pela Lei nº32-B/2002, de 30 de Dezembro” publicada na Revista da Ordem dos Advogados, ano 2002, ano 62 – vol. iii.

Assim, apreende-se que também no caso dos PEC, não só as razões que estão na génese da sua criação e objectivos têm variado como também a sua natureza de instrumento de combate à fraude e evasão fiscal, de garantia de colecta mínima ou de mecanismo de antecipação do IRC devido pelo exercício anual tem variado.

O pagamento especial por conta foi introduzido entre nós pelo Decreto-Lei n.° 44/98 de 3 de Marco e consiste num pagamento por conta do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que se vier a liquidar, a efectuar durante o ano a que respeitam os rendimentos objecto de tributação, tendo por medida os rendimentos do ano anterior, configurando-se ainda como sendo um pagamento especial, ou seja, com a finalidade de assegurar a favor do Estado um quantitativo de imposto calculado em função da colecta expectável por empresas que observam rácios de rentabilidade considerados normais. 

Trata-se assim de um adiantamento obrigatoriamente feito ao Estado por pessoas colectivas que exerçam a título principal uma actividade comercial, industrial ou agrícola, bem como pelas não residentes com estabelecimento estável em território português, desde que em qualquer caso não estejam abrangidas pelo regime simplificado de tributação do rendimento. 

A génese e o desenvolvimento desta figura, que pretende ser uma forma de pagamento do imposto apurado a final, esteve envolta em polémica porquanto as suas características apontavam para a instituição de uma colecta mínima das empresas, como forma de dotar o Estado de um mecanismo adicional de combate às práticas de evasão fiscal, essencialmente materializadas em sede de IRC pela ocultação de rendimentos e ou da empolação de custos. Com a sua introdução no ordenamento jurídico-tributário português pretendeu o Legislador combater as graves distorções em matéria de equidade e justiça tributária, enquanto se aumentava a eficácia económica do Estado. 

Nos termos do preâmbulo do citado Decreto-Lei — que curiosamente inicia com a proclamação “o presente diploma reduz a taxa do IRC em 2 pontos…” — uma das virtualidades do pagamento especial por conta consiste no facto de permitir aproximar o momento da produção do rendimentos da sua tributação, o que também não deixa de ser curioso, já que na altura de efectuar este pagamento, em Março, ainda não estão decorridos três quartos do período de tributação, sendo isso sim, uma forma de tributação das empresas à cabeça, cobrada antes mesmo da formação dos elementos sobre os quais será apurada a matéria colectável que eventualmente se venha a verificar. 

Nestes termos, o regime do pagamento especial por conta tal como se encontrava concebido inicialmente, apontava pelo menos formalmente para um verdadeiro pagamento por conta do imposto devido a final, uma vez que a lei previa a possibilidade de solicitar a sua restituição, sempre que a colecta efectivamente apurada fosse insuficiente para a integral absorção do montante entregue em excesso.

Com a entrada em vigor da Lei n.° 30-G/2000 de 29 de Dezembro, estendeu-se o período de dedução à colecta até ao quarto exercício seguinte, tendo-se prejudicado a configuração original do pagamento especial por conta como um pagamento por conta, com a redução da possibilidade de reembolso do montante não absorvido pela colecta de anos posteriores, limitada apenas a situações de cessação de actividade. Neste caso, o sujeito passivo podia unicamente reaver o montante em excesso dos pagamentos especiais por conta efectuados nos três anos anteriores à cessação, mediante requerimento a apresentar nos 90 dias seguintes ao da cessação da actividade.

Assim, a reforma então introduzida e que vigorou entre nós durante os exercícios de 2001 e 2002, permitiu que—fora das situações de cessação da actividade — a única forma de recuperação de pagamento especial por conta pago em excesso seria a da dedução à colecta do próprio exercício e até ao quarto exercício seguinte, o que não deixa de se tratar de uma vantagem meramente aparente, já que apesar de o contribuinte passar a poder imputar o pagamento especial por conta em quatro exercícios, a verdade é que em cada um deles realizará entregas substanciais de pagamento especial por conta, que serão igualmente associadas às colectas dos exercícios a que digam respeito(1). 

De um pagamento por conta, o pagamento especial por conta configurado desta forma apresentava-se como uma verdadeira colecta mínima, desconsiderando o princípio constitucional da tributação das empresas fundamentalmente com base no lucro real obtido, penalizando essencialmente as empresas que apresentassem reduzidos ou nulos resultados fiscais. 

Posteriormente a estas alterações o artigo aplicável ao PEC foi sofrendo diversas alterações legislativas, nomeadamente no que toca à possibilidade de reembolso, que voltou a ser consagrada, sujeita a diversas condições, nomeadamente dever de ser justificado através de confirmação da insuficiência de colecta, feita mediante acção de inspecção realizada a requerimento do contribuinte nos 90 dias seguintes ao termo do prazo para apresentação da declaração periódica de rendimentos relativa ao mesmo exercício.

            A redacção do artigo 93º do CIRC, após a entrada em vigor da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que republicou o CIRC, é a seguinte:

Artigo 93.º

Pagamento especial por conta

1 - A dedução a que se refere a alínea d) do n.º 2 do artigo 90.º é efetuada ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao 6.º período de tributação seguinte, depois de efetuadas as deduções referidas nas alíneas a) a c) do n.º 2 e com observância do n.º 9, ambos do artigo 90.º

2 - Em caso de cessação de atividade no próprio período de tributação ou até ao 6.º período de tributação posterior àquele a que o pagamento especial por conta respeita, a parte que não possa ter sido deduzida nos termos do número anterior, quando existir, é reembolsada mediante requerimento do sujeito passivo, dirigido ao chefe do serviço de finanças da área da sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em que estiver centralizada a contabilidade, apresentado no prazo de 90 dias a contar da data da cessação da atividade.

3 - Os sujeitos passivos podem ainda, sem prejuízo do disposto no n.º 1, ser reembolsados da parte que não foi deduzida ao abrigo do mesmo preceito no final do período aí estabelecido, mediante requerimento do sujeito passivo, dirigido ao chefe do serviço de finanças da área da sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em que estiver centralizada a contabilidade, apresentado no prazo de 90 dias a contar do termo daquele período. 

 

Já a redacção do mesmo artigo, na versão vigente em 2013, constava do seguinte:

Artigo 93.º

Pagamento especial por conta

— A dedução a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º é efectuada ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao quarto período de tributação seguinte, depois de efectuadas as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 e com observância do n.º 7, ambos do artigo 90.º

2 — Em caso de cessação de actividade no próprio período de tributação ou até ao terceiro período de tributação posterior àquele a que o pagamento especial por conta respeita, a parte que não possa ter sido deduzida nos termos do número anterior, quando existir, é reembolsada mediante requerimento do sujeito passivo, dirigido ao chefe do serviço de finanças da área da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em que estiver centralizada a contabilidade, apresentado nos 90 dias seguintes ao da cessação da actividade.

3 — Os sujeitos passivos podem ainda, sem prejuízo do disposto no n.º 1, ser reembolsados da parte que não foi deduzida ao abrigo do mesmo preceito desde que preenchidos os seguintes requisitos

  1. Não se afastem, em relação ao período de tributação a que diz respeito o pagamento especial por conta a reembolsar, em mais de 10%, para menos, da média dos rácios de rentabilidade das empresas do sector de actividade em que se inserem, a publicar em portaria do Ministro das Finanças;
  2. A situação que deu origem ao reembolso seja considerada justificada por acção de inspecção feita a pedido do sujeito passivo formulado nos 90 dias seguintes ao termo do prazo de apresentação da declaração periódica relativa ao mesmo período de tributação.

 Parece assim que o regime actual de reembolso de PEC perdeu, desde há mais de uma década, a natureza de “colecta mínima.

E cabe ainda dizer que, já em 2019, a Lei OE 2019 eliminou a obrigatoriedade da entrega do Pagamento Especial por Conta, uma medida muito reivindicada pelas empresas e que se dirige àquelas que têm a sua situação contributiva regularizada.

Já a Lei OE 2017 previa que o limite mínimo do PEC fosse "reduzido progressivamente até 2019, sendo substituído por um regime adequado de apuramento da matéria coletável (...) através da aplicação de coeficientes técnico-económicos por atividade económica a publicar em portaria"

Ora bem, dadas tantas oscilações no desenho do quadro legal deste instrumento e a a instabilidade jurídico tributária associada ao mesmo não se pode efectivamente concluir que o PEC seja primordialmente um mecanismo de combate à fraude e evasão fiscal e que, por essa via, possa ser afastada a sua dedução à colecta de IRC, nos termos da redacção em vigor em 2013 e 2014, nomeadamente a redacção dos artigos 89º e 90º do CIRC.

No que em particular diz respeito à tributação das pessoas colectivas, a Constituição da República Portuguesa adoptou, como critério aferidor da capacidade contributiva das empresas, o seu lucro real, ao proclamar que “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real, o que demonstra claramente que a tributação das empresas deve basear-se fundamentalmente na sua contabilidade, o que foi aliás adoptado pelo legislador ordinário ao consagrar que “o lucro tributável (...) é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.” 

A determinação do lucro com base na contabilidade foi adoptada como critério de aferição do rendimento real das empresas por ser a forma mais rigorosa de determinar a imagem fiel do património, da situação financeira e dos resultados das empresas, e por essa via, de apurar em atenção à sua capacidade contributiva, a sua medida de oneração fiscal. Isto constitui aliás um corolário da opção tomada pelo nosso Legislador fiscal, de que a tributação do rendimento é concretizada ao nível das empresas como uma tributação prévia do rendimento pessoal das pessoas singulares. 

Para a decisão deste acórdão seguem-se todas as regras de interpretação da lei fiscal. Tem-se em conta o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, que impõe que a tributação da generalidade dos contribuintes, sempre que possível, assente na realidade económica subjacente aos factos tributários e não se compagina com a existência de casos especiais de tributação com base em valores fictícios em situações em que é conhecido ou é apurável o valor real dos factos tributários: como a tributação de rendimentos inexistentes conduziria a que quem os não teve fosse tributado como quem os teve e tal ofende o princípio da igualdade, é «sempre» possível demonstrar a realidade dos rendimentos, ilidindo o que se presume nas normas relevantes para a fixação de valores para o seu cálculo.

Cumpre decidir.

A conclusão de que a norma do Código do IRC que prevê as deduções à coleta em IRC (artigo 90.º, n.º 2) abrange a coleta em IRC das tributações autónomas, é uma exigência, em primeiro lugar, da própria letra da lei, tal como entendida pela própria AT e por avassaladora jurisprudência tributária.

Conforme referido supra quer a AT, quer os tribunais arbitrais em dezenas de decisões arbitrais que deram razão à AT, entendem que a coleta da tributação autónoma em IRC é IRC, inclusive nos propósitos ou função que aquela serve (combate, através de tributação compensatória, a despesas e encargos de duvidosa empresarialidade, pelo menos na sua totalidade, mas não obstante deduzidas/os pelas empresas no apuramento do seu lucro tributável em IRC).

Esta conclusão é também uma exigência do princípio da coerência e da interpretação sistemática: não se pode simultaneamente concluir (sem lei que, previamente, crie a dissonância) que quando o Código do IRC se refere à coleta do IRC no seu artigo 45.º, n.º 1, alínea a) (na redação e numeração em vigor até 2013), aí se inclui, sem necessidade de nomeação própria, a coleta da tributação autónoma em IRC (e assim concluiu avassaladora jurisprudência tributária, a pedido da AT e nuns artigos mais à frente (artigo 90.º, n.º 2, do Código do IRC) concluir, em oposição, que a coleta do IRC não abrange a coleta da tributação autónoma em IRC.

Esta conclusão é também defendida em vários acórdão arbitrais. Veja-se o disposto no Acórdão no processo nº 223/2018-T que acompanhamos:

 

 

Não existe no CIRC outro artigo, para além do artigo 90.º, que distinga o processo de liquidação das tributações autónomas do restante IRC. E, nestes termos, a liquidação de ambos - tributações autónomas e restante IRC - é única e tem o mesmo suporte legal.

            As tributações autónomas não resultam de um processo distinto de liquidação do imposto.

           Entendido que é serem as tributações autónomas (parte do) IRC, compreende-se que seja única a liquidação de IRC, incluindo a parte que provém das tributações autónomas.

           Há uma liquidação de IRC única que comporta duas partes: a liquidação das tributações autónomas e a do restante IRC, cada uma com matéria coletável determinada de modo próprio e com taxas de tributação próprias, mas ambas liquidadas nos termos do artigo 90.º do CIRC. Havendo uma liquidação única, conclui-se que a parte da coleta que provém das tributações autónomas é parte integrante da coleta de IRC.

        Ao contrário, não se encontra em qualquer outro artigo do CIRC a referência à liquidação das tributações autónomas como processo distinto. Aceitar que não se inclui a coleta das tributações autónomas no artigo 90.º do CIRC, seria aceitar que existe uma lacuna na lei e, sendo esta uma lei fiscal, não permite a integração. E assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira terá porventura errado, ao não permitir a dedução dos montantes relativos ao PEC que a Requerente tinha o direito de deduzir à coleta.

             Aceitar que a liquidação das tributações autónomas está fora do artigo 90.º n.º 1 do CIRC e, portanto, afastar da sua coleta a dedutibilidade do PEC prevista na alínea c) do n.º 2, seria obrigar o contribuinte a pagar um imposto cuja liquidação se não faz nos termos da lei, contrariando o n.º 3 do artigo 103.º da CRP e o princípio da legalidade tributária que a Lei Geral Tributária, no seu artigo 8º, n.º 2, alínea a), estabelece.

            Se a Autoridade Tributária e Aduaneira assumiu que a coleta das tributações autónomas se calculou fora do artigo 90.º do CIRC, deveria indicar a norma com base em que fez a liquidação.

            Não havendo norma sobre liquidação das tributações autónomas separada, parece ter de aceitar-se que a coleta de IRC a engloba, incluindo-se no artigo 90º, n.º 1 do CIRC, sendo, portanto, dedutível o pagamento especial por conta referido na alínea c) do n.º 2.Note-se, aliás, que nos números seguintes daquele artigo 90.º o legislador se preocupou em enunciar várias exceções e limites à regras da dedutibilidade do número 2. No número 4, quando prevê que “apenas é de efetuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC”, o é revelador: compreende-se que assim, seja, porque é na coleta de IRC que se pretende deduzi-las, ou, no número 7, quando prescreve que das deduções à coleta a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar, de uma forma geral e sem distinguir a coleta resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma, valor negativo.

            Em nenhuma delas - e seria este, indubitavelmente, o local certo – e em nenhuma outra norma se refere a qualquer limitação à dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à parte da coleta de IRC que resulta das tributações autónomas, sendo, portanto, forçoso concluir que não quis fazê-lo.

            Note-se, aliás, que, embora alterado o artigo 90.º com a Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que republicou o CIRC, o que aqui se disse não só perdura como, de um ponto de vista interpretativo, sai até reforçado, porquanto o legislador aditou algumas limitações e exceções às deduções à coleta previstas no número 2 e voltou a não se referir à parte da coleta que resulta da aplicação das taxas de tributação autónoma.

            Verifica-se, porém, que o sistema informático não permite a dedução dos PEC à parte da coleta de IRC proveniente das tributações autónomas. O facto de as formas da determinação da matéria coletável e de as taxas das tributações autónomas de IRC serem estabelecidas separadamente e serem diferentes das do restante IRC não parece ser razão suficiente, nem ter suporte legal, para a solução informática existente.

……….

              Considerar que a liquidação das tributações autónomas está fora da coleta que se calcula pelo artigo 90º. n.º 1 do CIRC, é aceitar que tal entendimento estaria previsto noutro preceito legal e, como este não existe, a liquidação não pode deixar de ser efetuada no âmbito do artigo 90.º do CIRC.

             Assim, terá de aceitar-se a dedução PEC à coleta de IRC, nela se incluindo necessariamente a parcela proveniente das tributações autónomas”.

            Assim, e conforme bem se decidiu neste acórdão, deve entender-se que das normas dos artigos 90.º, n.º 2, alínea d), e 93.º, n.º 1, do CIRC resulta que as deduções relativas ao pagamento especial por conta incidem sobre o montante de imposto directamente apurado sobre o rendimento declarado, incluindo naturalmente os custos que sejam objecto de tributação autónoma.

 

IV. DO PEDIDO DE JUROS INDEMIZATÓRIOS

             O artigo 43º, nº 1 da Lei Geral Tributária estabelece que são devidos juros indemnizatórios “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

              Sendo que este direito é reconhecido em processo arbitral, por força do artigo 24º, nº 5 do RJAT.

            No caso em apreço, que a declaração de autoliquidação foi formulada pela própria Requerente e não directamente pela Autoridade Tributária, ora Requerida.

            Contudo, é de ter em conta que a Requerente, na formulação da declaração em causa, se encontrou limitada pelos serviços informáticos através dos quais a declaração é formulada, serviços esses disponibilizados pela Autoridade Tributária, e em relação aos quais não pode a Requerente efectuar qualquer alteração.

 Por outro lado, existiu uma reclamação prévio por via administrativa bem como um Recurso Hierárquico, em que a Requerente explicitou já todas as suas razões, a AT poderia já ter corrigido o erro em causa, o que não fez, persistindo nos mesmos fundamentos.

 Estamos, neste caso, perante negligência por parte da Autoridade Tributária, negligência essa que se traduz num “erro imputável aos serviços”, conforme consta do art. 43º da LGT.

  Tendo em conta o estabelecido no artigo 61º do CPPT e tendo sido verificada a existência de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, do qual resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, entende-se que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre o valor de € 17.862,09 (2013) e € 23. 015,13 (2014), que serão contados desde a data do pagamento, até ao integral reembolso dessa mesma quantia.

 

V. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

  1. Julgar totalmente procedente o pedido arbitral de declaração de ilegalidade das autoliquidações de IRC relativa aos exercícios de 2013, 2014;
  2. Condenar em consequência a Requerida no reembolso do imposto pago no montante de € 17.862,09 (2013) e € 23. 015,13 (2014.
  3. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal desde a data do pagamento até ao reembolso integral dessa quantia.

 

 

VI. VALOR DA CAUSA

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 40.877,22, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

VII. CUSTAS

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, que fica a cargo da Requerida.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 8 de Março de 2019

 

 

 

 

 

 

 

O Tribunal Arbitral Singular

 

 

______________________________________

(Ana Teixeira de Sousa)

 

 



[1]                     O n.º 6 do artigo 87.º do CIRC foi revogado pela Lei n.º 55/2013, de 8 de Agosto, o que não tem relevância para este efeito de demonstrar que fora do âmbito das tributações autónomas havia e há cálculos parciais de IRC com base em taxas especiais aplicáveis a determinadas matérias colectáveis.

[2]                       É, aliás, neste sentido a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira que refere que há «dois cálculos distintos que, embora processados, de acordo com a mesma base jurídica – a alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC - e nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo código, são efectuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou no 88.º do CIRC, às respectivas matérias colectáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias» (artigo 27.º da Resposta).