Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 328/2018-T
Data da decisão: 2019-02-25  IRS  
Valor do pedido: € 8.964,80
Tema: IRS – Ato isolado – artigo 3º CIRS.
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Decisão Arbitral

 

I – RELATÓRIO

 

  1. A..., com o NIF nº ... e B..., com o NIF nº ..., casados entre si, com residência fiscal na Rua da ..., ..., em ..., ...–..., doravante designados por “Requerentes”, apresentaram pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, a alínea a) e 10º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), para impugnação da liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares IRS, com o n. 2016..., no montante de 12.422,72.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi apresentado pela Requerente em 11-07-2018, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT na mesma data, nos termos e para os efeitos legalmente previstos. A Requerente optou por não indicar árbitro pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou, em 30-08-2018, a aqui signatária como árbitro do tribunal arbitral a constituir, que comunicou a sua aceitação dentro do prazo aplicável.

 

 

  1. O tribunal arbitral singular ficou constituído em 19-09-2018. Em 23/09/2018, foi proferido despacho arbitral para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.  A Requerida veio juntar aos autos a sua resposta e o respetivo Processo Administrativo (PA), em 18-10-2018, cujo teor se dão por integralmente reproduzidos.

 

  1. Face à posição das partes evidenciadas nos articulados, considerando a ausência de  prova testemunhal a inquirir e a natureza da questão controvertida, que se afigura como questão exclusivamente de direito, foi proferido despacho arbitral em 23/10/2018 a dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, a fixar prazo de 15 dias, igual e sucessivo, para as partes apresentarem as suas alegações. Foi indicada como data provável para a prolação da decisão arbitral o dia 09/02/2019.

 

Em 07- 02-2019 o Tribunal proferiu despacho arbitral no qual informou as partes que a decisão se encontrava em fase de preparação, mas ainda não concluída, pelo que foi prorrogado o prazo por mais 15 dias.

 

 

B) DO PEDIDO FORMULADO e da posição da Requerente:

 

  1.  Em síntese, os Requerentes fundamentam o pedido arbitral na ilegalidade da liquidação de IRS, do exercício de 2015, com fundamento em erro na qualificação e na quantificação do facto tributário e violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

  1. Do ponto de vista dos Requerentes, os rendimentos auferidos no ano de 2015 com a venda de pinheiros através de duas faturas de ato isolado. Estes rendimentos tiveram de ser incluídos, posteriormente, no campo 506 do Anexo C da declaração anual de rendimentos Modelo 3, dado o sistema informático não permitir outra possibilidade, sendo certo que não está nem tem a obrigação de estar coletado pela atividade agrícola e pecuária. Daí resultou que nessa liquidação a AT considerou esse rendimento tributável englobado na sua atividade sujeita a contabilidade organizada, ou seja, a atividade de advogado. Alegam, ainda que, a AT considerou erradamente que, pelo facto de o Requerente exercer a atividade de advogado qualquer outro rendimento, desde que enquadrável na categoria B, mesmo que resulte de ato isolado, tem de ser englobado nos rendimentos da sua atividade profissional. Do ponto de vista dos Requerentes, estes rendimentos silvícolas deveriam ter sido tributados como ato isolado, sujeitos ao regime simplificado, nos termos do disposto nos artigos 30º e 31º, nº 1 do CIRS, e não, como foi, no regime da contabilidade organizada.

 

C – DA RESPOSTA DA REQUERIDA

 

  1. Na sua resposta a AT pugna pela legalidade da liquidação e, em síntese, veio defender que, desde 2001, o rendimento da categoria B é todo ele qualificado como rendimento empresarial e profissional, independentemente da atividade de que resulta, seja profissional ou silvícola, ficando submetido ao mesmo tratamento jurídico-fiscal de apuramento do rendimento líquido. Na perspetiva da Requerida AT não é assim, pelo que não assiste razão aos Requerentes que pretendem que os rendimentos resultantes da atividade silvícola sejam tributados como um ato isolado da categoria B, sujeitos ao regime simplificado, e à determinação do rendimento tributável obtido através do seguinte coeficiente 0,15 às vendas de mercadorias e produtos, nos termos do disposto no nº1, do artigo 30º e alínea a) do nº 1 do artigo 31º do CIRS.

Para a AT o facto do Requerente marido estar enquadrado no regime da contabilidade organizada determina que seja esse o regime de apuramento do rendimento coletável aplicado a todos os rendimentos gerados pelas atividades abrangidas pela categoria B, independentemente da atividade silvícola ser ou não a atividade principal. Assim, nenhum vicio há a imputar à liquidação controvertida, pugnando pela manutenção do ato impugnado na ordem jurídica.

 

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

  1. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º nº2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).
  2. O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

Cumpre decidir.

 

 

III – Decisão da Matéria de facto

 

  1. Factos Provados

 

10. Com interesse para a decisão dos presentes autos consideram-se provados os seguintes factos:

  1. O Requerente marido exerce a atividade de advocacia, na categoria B do CIRS e a determinação dos seus rendimentos profissionais obedece ao regime de contabilidade organizada.
  2. No ano de 2015, além dos demais rendimentos do casal, o requerente marido vendeu pinheiros que faturaram com duas faturas de ato isolado, no valor total de €23.500,00, acrescido de IVA a 6%;
  3. Daí, resultou, com referência ao ano de 2015, a liquidação de IRS nº 2016..., junta aos autos, da qual resulta um valor de imposto apurado no valor de €12.422,72, com data limite de pagamento em 31/08/2016;
  4. Da mencionada liquidação de IRS apresentaram reclamação graciosa em22-07-2016;
  5. Os Requerentes pagaram o valor de imposto resultante da liquidação em causa em 30-08-2016, de modo a evitar a instauração do processo de execução fiscal;
  6. Decorrido o prazo de indeferimento tácito da reclamação graciosa, os Requerentes apresentaram recurso hierárquico, em 2 de dezembro de 2016, o qual veio a ser indeferido.
  7. Em 24-05-2018 veio a Requerente deduzir o presente pedido arbitral para anulação da liquidação de IRS de 2015 e reembolso do valor de imposto pago em excesso, no valor de €8.964,80, acrescido de juros indemnizatórios.

 

  1. FACTOS NÃO PROVADOS

 

  1. Não existem outros factos relevantes para a decisão que devam considerar-se como não provados.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

12. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

            No presente caso a matéria de facto é de extrema simplicidade, encontra-se sustentada nos documentos juntos aos autos pela Requerente e dos constantes do Processo Administrativo (PA) junto pela Requerida e não se afigura controvertida.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental junta aos autos pelo Requerente e a que consta do próprio Processo Administrativo, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

IV – Decisão da Matéria de Direito

 

  1. No presente pedido de pronúncia arbitral a questão controvertida prende-se, exclusivamente, com a liquidação dos rendimentos silvícolas (venda de pinheiros) declarados pelos Requerentes no Anexo C (campo 506) da liquidação de IRS de 2015, referentes a duas faturas de ato isolado de venda de pinheiros, no montante global de 23.500,00€.

 

  1. Para aferir esta questão impõe-se, em primeiro lugar, saber se no caso concreto, os rendimentos auferidos com a venda de pinheiros devem ser enquadrados como um ato comercial isolado, e, se assim for, apurar se os rendimentos provenientes de atos isolados referentes a atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária (alínea h), n.º 2, artigo 3.º do CIRS), praticados por sujeitos passivos que, relativamente a esses atos, não disponham de contabilidade organizada, mas que exerçam outra atividade em relação á qual disponham de contabilidade organizada (alínea b), n.º 1, artigo 28.º do CIRS), são determinados, para efeitos de tributação em IRS, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 30.º do CIRS, ou nos termos das regras estabelecidas no CIRC, por remissão do artigo 32.º daquele código, relativamente à totalidade dos rendimentos da categoria “B”.

 

  1. Provado que o Requerente exerce a atividade de advogado, resulta que estamos perante o exercício de uma profissão liberal, ou seja, o exercício de modo habitual e autónomo de uma atividade intelectual regulada pela Ordem dos Advogados, a qual não consiste na prática de atos de comércio. Assim, a sua atividade predominante não é de natureza comercial.

 

  1. Posto isto, já no que toca à venda de pinheiros, não há dúvida que a mesma consubstancia a prática de uma atividade comercial, ou seja, venda de um em ou produto com intuito lucrativo. A este propósito já se pronunciou o STA, em acórdão de 24-02-2016[1], emanando uma jurisprudência à qual aderimos e que determina o seguinte: “A lei fiscal não define o que é o exercício de uma actividade comercial ou industrial, sendo que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo há muito firmada, tem aceite que a actividade comercial se revela numa acção de mediação entre a oferta e a procura com susceptibilidade de gerar lucros, ganhos, rendimentos para quem nela se lança, susceptibilidade que pode não vir, no final, a concretizar-se e pode mesmo gerar perdas, enquanto a actividade industrial é uma actividade de construção ou alteração de bens. (…) O conceito de comércio adoptado pelo legislador fiscal não se identifica com o conceito jurídico-privado do Código Comercial, sendo um conceito próprio, de natureza económica onde se inscreve toda a actividade (ainda que expressa em um só acto) que tenha por fim objectivo um lucro. (…) Desde que exista um acréscimo de valor advindo para um património por virtude do exercício de uma actividade económica (mesmo que expressa em um só acto) traduzida em criação de uma utilidade económica, resultante de uma qualquer relação do agente/contribuinte com terceiro em que, satisfazendo-se necessidades económicas deste, saia aumentado o património daquele (mediação entre oferta e procura) haverá uma actividade comercial e, se existir a incorporação de novas utilidades no bem objecto da actividade em questão, haverá uma actividade industrial (…)”.

 

  1. Retornando ao caso concreto, é necessária a existência de um acréscimo de valor advindo para um património por virtude do exercício de uma atividade (mesmo que expressa num só ato) traduzida na criação de uma utilidade económica objeto de troca, o que no caso dos autos se verificou, efetivamente, com a transação de venda dos pinheiros. Naturalmente, para poder lucrar com a venda o sujeito passivo teve de cuidar e tratar da sua propriedade e esperar os resultados para poder vender e realizar algum valor com os seus pinheiros.

 

  1. Pelo que, estamos perante um ato de natureza comercial, mas, claramente, um ato isolado à luz do disposto na alínea h), do nº2, do artigo 3º do CIRS, que encontra expressa consagração no nº 3 do mesmo artigo, que considera “rendimentos provenientes de atos isolados os que não resultem de uma prática previsível ou reiterada”.

Dispõe ainda o n.º 2 do artigo 3.º do CIRS:

Consideram-se ainda rendimentos desta categoria:

(…)

h) Os provenientes da prática de atos isolados referentes a atividade abrangida na alínea a) do n.º 1 (rendimentos empresariais e profissionais decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária).”

 

Resulta assim, que os atos isolados são aqueles que não assumem o carácter de habitualidade ou de exercício de profissão regulada, como já concluímos da jurisprudência do STA supracitada, bem assim como de diversos acórdãos dos Tribunais Centrais Administrativos, entre os quais destacamos os acórdãos do TCAS de 18-04-2018 e de 03-12-2015.

 

  1. No caso dos autos o Requerente é advogado, não se dedica à exploração silvícola com carácter de habitualidade, o que justifica as duas faturas emitidas como ato isolado, ocorrido no ano de 2015. A este propósito, refere o acórdão do TCAN de 18-06-2009 que “importa, ainda, ter presente que a referência a acto isolado de natureza comercial não corresponde a uma remissão, obrigatória, para a noção de acto de comércio, inscrita no art. 2.º Cód. Comercial, encerrando, sim, a ideia de acto não inserido em qualquer actividade, mas, caso o fosse, originaria uma actividade comercial ou industrial. Ou seja, no seguimento da anterior exposição, entre o mais, tem de cogitar-se a hipótese de sermos confrontados com a existência de acto isolado de natureza comercial insusceptível, contudo, de ser qualificado como acto de comércio. (…) Para caracterizar, convenientemente, um acto isolado como comercial, torna-se necessário encontrar-lhe subjacente, ainda que de forma indiciária, a intenção de exercer uma actividade de natureza comercial, com o móbil de obter um ganho. (…) Mostra-se, pois, decisiva, a exigência do desempenho de actividades, actuações de determinado cariz, em que se confere o denominador comum da adição, da promoção, do incremento de valor, de novedias potencialidades, acrescendo a prossecução de uma finalidade especiosa, de um objectivo marcado e inequívoco, o percebimento de lucro, a busca de aumento patrimonial. (…) Em termos lineares, para afirmar a presença de um acto isolado com natureza comercial, em cédula de IRS, não basta o apuramento contabilístico de lucro, sendo necessário que tal ganho seja, em alguma medida, resultado, efeito, de actividades capazes de promoverem um aumento do valor inicial das realidades envolvidas”.

 

  1. Assim, a venda de pinheiros, faturada como ato isolado, resultou de uma operação única praticada no ano de 2015, não obstante ter ocorrido, segundo o Requerente, uma outra venda em 2014 processada de idêntica forma. Assim os rendimentos não resultam de uma prática habitual e reiterada, pelo que a referida venda preenche os requisitos previstos no n.º 3 do artigo 3.º do CIRS, para ser considerada como ato isolado de natureza comercial.

 

  1. Chegados aqui, importa verificar se os rendimentos provenientes de atos isolados praticados nos termos da alínea h), n.º 2, artigo 3.º do CIRS), praticados por sujeitos passivos que, relativamente a esses atos, não disponham de contabilidade organizada, mas que, simultaneamente, exerçam uma das referidas atividades com contabilidade organizada (alínea b), n.º 1, artigo 28.º do CIRS), são determinados, para efeitos de tributação em IRS, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 30.º do CIRS, ou nos termos das regras estabelecidas no CIRC, por remissão do artigo 32.º daquele código, relativamente à totalidade dos rendimentos da categoria “B”.

 

  1. Ora, dispõe o artigo 28º do CIRS, na versão em vigor ao tempo dos factos tributários, que:

“1 - A determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso da imputação prevista no artigo 20.º, faz-se:

a) Com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado;

b) Com base na contabilidade.

2 - Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 200 000.

3 - Os sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado podem optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade.

(…)”

 

Por sua vez, dispõe o artigo 30º do CIRS que:

“1 - Os sujeitos passivos que pratiquem atos isolados estão sempre dispensados de dispor de contabilidade organizada por referência a esses atos.

  1. - Na determinação do rendimento tributável dos atos isolados:

a) Aplicam-se os coeficientes previstos para o regime simplificado, quando o respetivo rendimento anual ilíquido seja inferior ou igual a (euro) 200 000;

b) Sendo o rendimento anual ilíquido superior a (euro) 200 000, aplicam-se, com as devidas adaptações, as regras aplicáveis aos sujeitos passivos com contabilidade organizada”

 

  Dispõem, ainda, os artigos 31º e 32º do CIRS dispõe que:

  1. No âmbito do regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação dos seguintes coeficientes:
  1. 0,15 às vendas de mercadorias e produtos, bem como às prestações de serviços efetuadas no âmbito de atividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas;

(…)

3 - O rendimento coletável é objeto de englobamento e tributado nos termos gerais.

 

“Artigo 32.º - Remissão

Na determinação dos rendimentos empresariais e profissionais não abrangidos pelo regime simplificado, aplicam-se as regras estabelecidas no Código do IRC, com exceção do previsto nos artigos 51.º, 51.º-A, 51.º-B, 51.º-C e 54.º-A, com as adaptações resultantes do presente Código”.

 

  1. Posto isto, no caso dos autos, quanto ao rendimento auferido no âmbito da profissão de advogado, o Requerente dispõe de contabilidade organizada, nos termos da alínea b), n.º 1 do artigo 28.º do CIRS, pelo que a determinação do rendimento tributável foi efetuada nos termos do CIRC, por remissão expressa do artigo 32.º daquele código. Mas, já no que toca aos atos isolados, o n.º 1 do artigo 30.º do CIRS dispensa os sujeitos passivos de dispor de contabilidade organizada, quanto a esses rendimentos, ainda que superiores a 200 000,00€, aplicando-se neste caso, com as devidas adaptações, as regras aplicáveis aos sujeitos passivos com contabilidade organizada.

 

  1. Logo, não dispondo o Requerente de contabilidade organizada quanto ao ato isolado, o rendimento tributável é determinado nos termos da alínea a), n.º 2 do artigo 30.º do CIRS, uma vez que o rendimento anual ilíquido obtido de 22 500,00€, é inferior a 200 000,00€, aplicando-se os coeficientes previstos para o regime simplificado, no caso será aplicável o de 0,15, respeitante a vendas de mercadorias e produtos.

Assim o rendimento tributável do ato isolado é de 3 457,92€ (23 500,00€ x 0,15), pelo que se confirma que o Requerente, fruto da errada interpretação da AT e do condicionamento do próprio sistema informático, pagou imposto em excesso, no montante de €8.964,80 (12.422,72 – 3.457,92 = €8.964,80.

  1.  Acresce que, como vimos pelo que vem exposto, os normativos de referência, aplicáveis e supratranscritos, são claros e objetivos, não se prestando a qualquer dúvida interpretativa.

 

  1. Assim, o argumento da Requerida AT, invocado na sua resposta, ao afirma que “Em consequência, e porque relativamente aos rendimentos da categoria B, com o exercício da actividade de advogado, o Requerente A... está enquadrado no regime da contabilidade organizada, é esse o regime que se aplica à totalidade dos rendimentos dessa natureza, que eventualmente tenha obtido ou venha a obter, independentemente de serem resultantes de atividades com natureza distintas”) evidencia manifesto erro sobre os pressupostos de  facto e de direito aplicáveis e ainda uma violação do disposto no n.º 1 do artigo 30.º do CIRS.

 

  1. Face ao exposto é de concluir que a liquidação impugnada bem como a decisão de indeferimento do recurso hierárquico deduzido pelos Requerentes, enfermam de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, por terem assentado numa errada interpretação da alínea a), n.º 2 do artigo 30.º do CIRS.  Pelo que, considera-se procedente o presente contrato pedido arbitral.

 

 

QUANTO AOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

  1. A Requerente pagou o valor integral da liquidação emitida. Assim, tem direito a ser reembolsada do montante de imposto indevidamente pago. Foi solicitado, ainda, pela Requerente o pagamento de juros indemnizatórios em relação   ao pagamento indevido do imposto.

 

  1. Efetivamente decorre do artigo 43º da LGT e do artigo 61º do CPPT que há lugar a pagamento de juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".

 

Como decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido em processo arbitral. Ter-se-á, no entanto, de determinar se houve ou não erro imputável aos serviços.

 

Ora, por tudo o que se deixa exposto na motivação da presente decisão, a interpretação que conduziu à liquidação impugnada assenta em erro sobre os pressupostos de facto e de direito subjacentes ao ato tributário, pelo que está demonstrado o erro imputável à AT. Estamos, pois, perante um erro imputável aos serviços, conforme consta do artigo 43º da LGT. Tendo em conta o estabelecido no artigo 61º do CPPT e tendo sido verificada a existência de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, do qual resultou pagamento da dívida tributária indevida (vd. artigo 43º, nº1 da LGT), podemos entender que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre o valor do pedido que serão contados desde a data de pagamento efetuado até ao integral reembolso dessa mesma quantia. Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.

 

V. Decisão

 

Em conformidade com o exposto, decide este Tribunal Arbitral:

  1. Julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado pelo Requerente e, em consequência, anular o ato tributário impugnado;
  2. Condenar a Requerida a reembolsar a Requerente do valor de imposto indevidamente pago, acrescido de juros vencidos desde a data do pagamento até à data de integral pagamento do reembolso devido.
  3. Condenar a Requerida pelo pagamento das custas arbitrais devidas.

 

 

VI. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 8.964,80 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VII. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00, nos termos da Tabela II do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 5º do citado Regulamento, a pagar pela parte vencida.

 

Notifique.

Lisboa, 25-02-2019

 

O Tribunal Arbitral Singular,

 

 

_________________________

(Maria do Rosário Anjos)


 

 

 

 



[1] Cfr. Ac. STA, de 24-02-2016, Proc. 0580/15, in www.dgsi.pt.