Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 259/2018-T
Data da decisão: 2019-01-08  IRC  
Valor do pedido: € 7.793,32
Tema: IRC - Caducidade
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Decisão Arbitral

 

 

 

I. RELATÓRIO

I.1

  1. Em 21 de Maio de 2018 a contribuinte A..., Lda., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Av. ..., ...-... Lisboa, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.
  2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 01 de Agosto de 2018.
  3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n.º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 
  4. A AT apresentou a sua resposta em 01 de Outubro de 2018.
  5. A Requerente foi notificada do despacho datado de 03.10.2018 para, querendo, se pronunciar sobre as exceções (incompetência material do Tribunal Arbitral) deduzidas pela Requerida.
  6. A Requerente respondeu à exceção por requerimento em 11.10.2018.
  7. Por despacho de 17.10.2018, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações finais escritas.
  8. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram as suas alegações (02.11.218 a Requerente e 20.11.2018 a Requerida).
  9. Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2018..., relativa ao exercício de 2013, e da liquidação n.º2018... dos juros compensatórios  com todas as consequências legais, no valor total de €7.793,32.

 

I.2. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

 

  1. Entende a Requerente que não mais assiste à AT a faculdade de exigir o pagamento das liquidações em apreço, uma vez que tal direito se encontra caduco.
  2. A ação inspetiva em apreço iniciou-se no dia 26.10.2016, data em que o TOC da Requerente assinou a Ordem de Serviço que ordenou a realização daquela.
  3. A data de 03.07.2017 mais não representa do que uma data artificialmente elencada pela AT para tentar, alongar o prazo de suspensão.
  4. Em regra, o procedimento de inspeção tributária deve ser concluído no prazo de seis meses a contar do seu início.
  5. Refira-se, contudo, que tal prorrogação não opera automaticamente, encontrando-se a AT sujeita a um escrupuloso dever de fundamentação.
  6. A AT não lançou mão de tal faculdade, razão pela qual se deve concluir que o procedimento de inspeção tributária sub judicio teria de ser concluído no prazo máximo de seis meses, de modo a dar-se pleno cumprimento ao princípio da proporcionalidade, previsto no art.º 7.º do RCPITA.
  7. Assim, tendo-se a inspeção tributária em apreço iniciado no dia 22.10.2016 e não tendo a AT invocado quaisquer fundamentos conducentes à prorrogação do prazo de seis meses, deveria a mesma ter sido concluída até 26.04.2017.
  8. Assim sendo, e não tendo tal sucedido (pedido fundamentado de prorrogação) é inequívoca a conclusão de que foi violada a norma constante do n.º 2 do art.º 36.º do RCPITA.
  9. Temos, assim, que o prazo de caducidade das liquidações em apreço se iniciou, conforme prescreve o n.º 4 do art.º 45.º da LGT, no dia 01.01.2014.
  10. Correndo o prazo de quatro anos referido no n.º 1 do art.º 45.º do mesmo diploma legal de forma contínua e sem qualquer suspensão.
  11. Razão pela qual deveria a AT ter notificado a Requerente para proceder ao pagamento do imposto devido até ao dia 01.01.2018.
  12. Datando as liquidações em apreço de 10.01.2018, são as mesmas inexigíveis, com fundamento na sua caducidade. 
  13. Acresce que o RIT é omisso no que diz respeito à liquidação de juros compensatórios, pelo que mesmo que se admita a teoria da fundamentação pelo mínimo, o certo é que a AT nunca fez referência no relatório fundamentador do ato de liquidação a que seriam liquidados juros compensatórios ainda que estes pela natureza do imposto em causa estejam incluídos na liquidação de IRC.
  14. Por outro lado, inexiste qualquer comportamento culposo por parte da Requerente, o que inviabiliza, de igual modo, a liquidação de juros compensatórios, pois a exigência de juros compensatórios pressupõe a culpa do sujeito passivo, a qual não resulta comprovada nos autos.

 

  1. Não sendo provada a culpa os juros compensatórios não se podem manter.
  2. Importa ainda notar que a Requerente considera que os mesmos padecem ainda de preterição de formalidade legal, por falta de audição prévia, o que se invoca nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 163.º, n.º 1 do CPA (subsidiariamente aplicável por força da alínea d), do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT).

 

I.3 Na sua resposta a AT invocou o seguinte:

 

  1. A determinação da matéria tributável foi apurada pelos serviços de inspeção tributária através do recurso à aplicação de métodos indiretos.
  2. O que determina a incompetência material do presente Tribunal Arbitral para conhecer e julgar o pedido em apreço.
  3. Desta forma, considera-se que se está perante uma incompetência material do Tribunal para a apreciação da parte do pedido de pronúncia arbitral supra identificado, que consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao conhecimento desse pedido e conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto no n.º 2, do artigo 576° e alínea a), do n° 2,do artigo 577°, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi alínea e), do n.º 1, do artigo 29, do RJAT.
  4. Em rigor, a Requerente, não obstante notificada para o efeito, não logrou atempadamente lançar mão do pedido de revisão da matéria coletável, legalmente previsto para esse efeito.
  5. Constituindo o procedimento de revisão da matéria coletável do artigo 91.º da LGT condição de impugnabilidade judicial, fundada em erro na quantificação ou nos pressupostos da aplicação de métodos indiretos, a sua falta acarreta que, quer a verificação dos pressupostos da avaliação indireta, quer a matéria coletável consequentemente fixada, se tornem caso resolvido ou decidido.
  6. Pelo que, o presente tribunal arbitral deverá abster-se de conhecer o pedido e absolver a entidade Requerida da instância, de acordo com o estatuído no n.º 1, da alínea e) do artigo 278.º e n.º 1 e 2, do artigo 576.º do CPC, aplicável ex vi alínea e), do n.º 1, do artigo 29, do RJAT.
  7. Prossegue a Requerida, alegando que o procedimento inspetivo teve início com a assinatura do contabilista certificado, a 03/07/2017.
  8. Ocorrendo, a partir desta data a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação, de acordo com o n.º 1, do artigo 46.º da LGT.
  9. Suspensão esta que poderá durar até ao limite máximo de seis meses após a notificação ao contribuinte do início da ação de inspeção externa.
  10. In casu, o início do procedimento inspetivo ocorreu com a assinatura do contabilista certificado, a 03/07/2017.
  11. Tendo sido o RIT final remetido pelo ofício n.º..., com data de 28/11/2017, expedido com carta registada com aviso de receção (registo CTT n.º ... PT), aviso este assinado a 29/11/2017.
  12. Desta forma, de acordo com o n.º 2, do artigo 62.º do RCPITA “2 -O relatório referido no número anterior deve ser notificado ao contribuinte por carta registada nos 10 dias posteriores ao termo do prazo referido no n.º 4 do artigo 60.º, considerando-se concluído o procedimento na data da notificação.”
  13. Assim, torna-se incontornável o facto de o procedimento inspetivo ter cessado muito antes de decorridos os seis meses, em cumprimento do previsto no n.º 1 e 2, do artigo 36.º do RCPITA.
  14. Desta forma, forçoso é concluir que são devidos pela Requerente juros compensatórios, atendendo que apenas por factos a si imputáveis foi retardada a liquidação do imposto devido, nos termos do artigo 102, do CIRC, assim como do n.º 1, do artigo 35.º, da Lei Geral Tributária (LGT).
  15. Havendo necessidade, por parte dos serviços de inspeção tributária, de apurar a matéria coletável através do recurso à aplicação de métodos indiretos, facto este que se deve única e exclusivamente por culpa imputável à Requerente.

 

I.4 A Requerente respondeu às exceções da seguinte forma:

 

  1. A limitação imposta pela al. b), do art. 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março não implica que o ato definitivo de liquidação que resulte da fixação da matéria tributável, por métodos indiretos, não seja arbitrável.
  2. Não assiste razão à AT, uma vez que o caso em apreço diz respeito a vícios respeitantes ao ato definitivo de liquidação, ainda que a matéria tributável tenha sido determinada por métodos indiretos.
  3. O objeto do pedido de pronúncia arbitral corresponde aos vícios do ato definitivo tributário de liquidação (ainda que a matéria tributável tenha sido determinada por métodos indiretos) em sede de IRC e juros compensatórios, referentes ao período de tributação de 2013, e não vícios do ato de determinação da matéria tributável por métodos indiretos.
  4. A caducidade do direito à liquidação e a ilegalidade da liquidação de juros compensatórios, são vícios que podem ser invocados e objeto de impugnação direta, pois o pedido de revisão da matéria coletável apenas constitui pressuposto ou condição de impugnabilidade da liquidação apenas em caso de erro nos pressupostos de aplicação da avaliação indireta da matéria tributável.

 

II. SANEAMENTO

 

É invocada uma exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, que cumpre apreciar previamente.

Alega a Requerida que o pedido formulado no pedido de pronúncia arbitral é a anulação de uma liquidação de IRC que foi elaborada na sequência de um procedimento inspetivo no qual a matéria tributável foi apurada através de métodos de avaliação indireta. Conclui a Requerida que esta exceção dilatória deve conduzir à absolvição da instância

 

Quid Juris?

 

 A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, que estabelece o seguinte:

“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

 a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”

 

Em segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1 do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece no art. 2º o seguinte, no que aqui interessa: “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a)(…);

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

(…)”

No caso em apreço o ato sindicado é uma liquidação de IRC referente ao exercício de 2013. É manifesto e aceite por todos que a liquidação foi efetuada na sequência de um procedimento inspetivo, no qual a matéria tributável foi apurada através de métodos de avaliação indireta.

No pedido de pronúncia arbitral a Requerente invoca apenas um fundamento para a anulação da liquidação: caducidade.

O objeto do pedido de pronúncia arbitral é o ato de liquidação e não o ato prévio de avaliação indireta. A Requerente não aponta qualquer vício relativo à avaliação indireta.

O que está verdadeiramente em causa é a legalidade, ou não, da liquidação, nomeadamente o decurso, ou não, do prazo de caducidade, sem que seja necessário apreciar e pronunciarmo-nos sobre a quantificação da avaliação indireta, nem os pressupostos de determinação da avaliação indireta.

A presente ação não tem por objeto a decisão de avaliação da matéria coletável por métodos indiretos, mas sim, o ato de liquidação de IRC para o qual o Tribunal é competente, nos termos do artigo 2.º, n.º1, al. a) do RJAT, e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março[1].

Mais, ao abrigo do art. 86º, n.º5 da LGT o pedido de revisão da matéria coletável, previsto no art. 91º da LGT, prévio aos meios judiciais só é necessário em caso de erro na quantificação ou erro nos pressupostos da determinação indireta da matéria tributável.

Tendo a Requerente invocado como fundamento, a caducidade da liquidação, nos termos do art. 86º, n.º5 da LGT, a impugnação da liquidação não está dependente da utilização prévia do pedido de revisão da matéria coletável. [2]

Face ao exposto uma vez que o ato sindicado é uma liquidação e por não ter sido invocado qualquer fundamento relativo à quantificação da matéria tributável, nem quanto aos pressupostos da avaliação indireta afigura-se-nos que este Tribunal é materialmente competente para apreciar o pedido de pronúncia arbitral.

Face ao exposto improcede a exceção invocada, julgando-se o tribunal arbitral materialmente competente (art. 2º, n.º1, al. a) do RJAT).

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.

As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo é o próprio.

Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.

 

III. THEMA DECIDENDUM

 

A questão central a decidir, tal como colocada pela Requerente, está em saber se o direito de liquidar o tributo (IRC-2013) caducou.

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO   

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

  1. Através da ordem de serviço n.º OI2016..., foi a atividade da Requerente objeto de um procedimento de inspeção externo, que abrangeu o período de 2013.
  2. Foi a ora Requerente notificada, na pessoa do seu TOC, da Ordem de Serviço, datada do dia 26.10.2016.
  3. No dia 03.07.2017 o TOC da Requerente apôs a referida data na ordem de serviço.
  4. Na sequência da Inspeção que então teve lugar, foi a Reclamante notificada no dia 25.10.2017 do projeto de relatório de inspeção tributária para, no prazo de 15 (quinze) dias, proceder ao exercício do direito de audição prévia.
  5. A Requerente procedeu ao exercício do seu direito de audição prévia no dia 10.11.2017.
  6. A Requerente foi notificada do RIT definitivo no dia 29.11.2017.
  7. Entendeu o referido RIT que “com base nas evidências recolhidas (…), nomeadamente a falta de identificação dos clientes nas faturas, a discrepância na descrição dos produtos comprados e vendidos, a data de gravação, no ficheiro SAFT, quer das faturas quer das compras, a discrepância dos saldos das contas #2111 e #71113, assim como a contabilização de alguns movimentos internos sem suporte documental, estão reunidos factos que por si só justificam a aplicação de métodos indiretos nos termos do art. 87º, n.º1, al. b) da LGT”
  8. O RIT concluiu que no caso em apreço há uma impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto.
  9. Posteriormente foi a Requerente notificada em 11.01.2018 da correspondente liquidação de IRC n.º 2018... (datada de 08.01.2018, com a data limite de pagamento voluntário de 19/02/2018) e da liquidação de juros compensatórios nº2018..., no valor total de €7.793,32.
  10. A liquidação de juros compensatórios nº2018... indica que os juros compensatórios são relativos ao retardamento da liquidação de IRC, indica a quantia sobre a qual os juros incidem (€6.841,84), o período de tempo considerado para a liquidação dos juros (2014/06/01 a 2017/11/20), a taxa aplicada (4%) e o valor dos juros (€951,48).

 

IV.2. Factos não provados

 

Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram considerados provados.

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

Os factos que constam dos números 1 a 10 são dados como assentes pela análise do processo administrativo, pelos documentos juntos pela Requerente (docs. 1 a 5 do pedido de constituição do Tribunal) e pela posição assumida pelas partes.

 

V. O Direito

 

  1. Caducidade

 

      A Requerente alega a caducidade do direito à liquidação do IRC de 2013.

      O prazo de caducidade é de quatro anos (art. 45º, n.º1 da LGT). Sendo o IRC um imposto periódico, este prazo começa a contar a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (art. 45º, n.º4 da LGT).

      Estando em causa o IRC do exercício de 2013 o prazo de caducidade iniciou-se no dia 01.01.2014.

      Tal como consta do ponto 1 do probatório, a AT iniciou uma inspeção tributária externa à contribuinte. A inspeção é externa quando os atos de inspeção se efetuam total ou parcialmente nas instalações do sujeito passivo (art. 13º, al. b) do RCPITA).

      O prazo de caducidade suspende-se com o início de uma inspeção tributária externa (art. 46º, n.º1 da LGT). Tal como consta expressamente do art. 46º, n.º1 da LGT, a suspensão ocorre com a notificação ao contribuinte da ordem de serviço. O momento relevante para se iniciar a suspensão do prazo de caducidade é o da notificação da ordem de serviço. No caso em apreço a notificação ocorreu no dia 03.07.2017, o que a Requerente reconhece no seu artigo 11º do pedido de pronúncia arbitral. A data da ordem de serviço (26.10.2016) é irrelevante para efeitos de suspensão do prazo de caducidade.

      Acresce que, nos termos do art. 51º, n.º2 do RCPITA o procedimento inspetivo externo considera-se iniciado aquando da notificação ao sujeito passivo da ordem de serviço e não na data da emissão da ordem de serviço.

      Face ao exposto, a partir de 03.07.2017 o prazo de caducidade do IRC de 2013 esteve suspenso.

      O relatório final do procedimento inspetivo foi notificado à contribuinte no dia 29.11.2017, cessando nessa data o efeito suspensivo.

      A liquidação sindicada foi efetuada em 08.01.2018 e notificada à contribuinte a 11.01.2018.

      Tendo em conta a data do início do prazo de caducidade (01.01.2014) e a sua suspensão (de 03.07.2017 a 29.11.2017), o prazo de quatro anos não tinha ainda decorrido aquando da notificação à contribuinte da liquidação de IRC.

      Destarte, não se verifica a caducidade do ato tributário.

A Requerente invoca, em sede de alegações, o princípio do inquisitório (art. 99º, n.º1 da LGT) instando este Tribunal a efetuar diligências probatórias no sentido de indagar qual a Ordem de Serviço que havia sido assinada pela contribuinte em Outubro de 2017. Ora, como bem nota o Ac. do TCAS de 24.11.2016, proc. n.º 06887/13:

 “O princípio da investigação traduz o poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a julgamento, criando, assim, as bases para decidir, princípio este vigente no processo judicial tributário (cfr.artº.99, nº.1, da L.G.Tributária; artº.13, nº.1, do C.P.P.Tributário).

No entanto, o poder/dever de investigação do Tribunal está limitado aos factos alegados pelas partes ou que, oficiosamente, seja lícito ao juiz conhecer (cfr.artº.99, nº.1, da L.G.T.). Por outras palavras, não podemos esquecer que a lide e o objecto do processo se individualizam não só pelo pedido, como pela causa de pedir, uma vez que no nosso direito processual se acolheu a chamada teoria da substanciação, segundo a qual, não basta que o autor formule uma pretensão, devendo, igualmente, delimitá-la por uma concreta “causa petendi” (cfr.artº.581, do C.P.Civil). Também no processo contencioso tributário o juiz está limitado a julgar “secundum allegata”, não podendo, por si, ampliar o objecto do processo, premissa que condiciona o examinado princípio da investigação.”

O princípio do inquisitório não consiste na substituição de uma parte, no seu dever de alegar factos que a própria Requerente não alega no pedido de pronúncia arbitral e tem dúvidas, refletidas nos arts. 32º e 33º das suas alegações, sobre a sua existência

Assim também este fundamento não colhe devendo ser rejeitado.

      Por fim, cumpre referir que tendo o procedimento inspetivo tributário sido iniciado a 03.07.2017 e terminado a 29.11.2017, o prazo de seis meses (art. 36º, n.º2 do RCIPTA) para a sua conclusão foi cumprido.

 

  1. Juros compensatórios

 

      A Requerente não se conforma com as liquidações de juros compensatórios, correspondente à liquidação impugnada. Entende a Requerente que a liquidação de juros compensatórios padece de falta de fundamentação e de violação do direito de participação.

      Importa começar por referir que a impugnação autónoma dos juros compensatórios só pode ter por fundamento vício próprio dessa liquidação, designadamente a não verificação dos pressupostos legais de que a mesma depende.

      O direito à fundamentação, relativamente aos atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos tem consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias - Título II da parte 1ª da CRP - art. 268º, n.º3[3]. - tendo o respetivo princípio constitucional sido densificado no art. 77º nºs. 1 e 2 da LGT.

      A fundamentação tem a função de dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do ato ou pela sua impugnação. A fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio ato (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do ato um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação).

      A falta ou insuficiência de fundamentação do ato, vício de natureza formal (e não substancial), verifica-se, pois, quando o respetivo ato não exterioriza de modo claro, suficiente e congruente, as razões por que apresenta determinado conteúdo decisório: o ato só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto ato administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do ato.

      A decisão em matéria de procedimento tributário também exige sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo essa fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os integrantes do relatório da fiscalização tributária, e devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (cfr. o art. 77º da LGT), tendo-se como constitucionalmente adequada a fundamentação que respeite os mencionados princípios da suficiência, da clareza, e da congruência e que, por outro lado, seja contextual ou contemporânea do ato, não relevando a fundamentação feita a posteriori.[4]

      Relativamente ao ato de liquidação de juros, a jurisprudência do STA tem firmado entendimento no sentido de que a fundamentação mínima exigível para esses atos de liquidação (juros) deve indicar o motivo da liquidação, a quantia sobre a qual os mesmos incidem, o período de tempo considerado para a liquidação, a taxa aplicada e o valor dos juros, com menção desses elementos no próprio ato de liquidação ou por remissão para documento anexo[5].

      Por isso, descendo ao caso concreto, entende-se que estão verificados os requisitos exigíveis para a validade do predito ato de liquidação (de juros), pois que, conforme resulta, nomeadamente, do ponto 10 do probatório, na liquidação estão explicitados os elementos acima assinalados [o motivo da liquidação (ter havido retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo - arts. 102º do CIRC e 35º da LGT); a indicação do imposto em falta sobre o qual incidem os juros (€6.841,84); o período a que se aplica a taxa de juro - de 2014/06/01 a 2017/11/20; a taxa de juro aplicável ao período (4%); e o valor dos juros (€951,48)], necessários ao cumprimento da função do dever legal de fundamentação. Deste modo, não se nos afigura que o ato padeça de falta de fundamentação.

      Alega também a Requerente a ausência de culpa o que deveria inviabilizar a exigência de juros compensatórios.

      Nos termos do art. 35º da LGT, são pressupostos da liquidação de juros compensatórios aos contribuintes: (a) a existência de um facto ilícito (consubstanciado no retardamento da liquidação ou entrega de imposto devido ou no recebimento de reembolso superior ao devido); (b) culpa; (c) dano; e (d) nexo de causalidade entre o facto e o dano.

      Decorre da letra do normativo legal citado que só são devidos juros compensatórios quando exista culpa do sujeito passivo, ou seja, quando o retardamento da liquidação ou da entrega de imposto fique a dever-se a um facto suscetível de ser imputado, a título de dolo ou de negligência, ao sujeito passivo.

Para que a Administração Tributária possa liquidar juros compensatórios à Requerente deve, pois, ser possível descortinar na atuação desta a existência de culpa, seja na modalidade de dolo, seja na mais ténue modalidade de negligência.

Lembre-se, a este respeito, que, sendo o artigo 35.º da LGT, respeitante aos juros compensatórios, “decalcado” dos pressupostos da responsabilidade civil, contidos no artigo 483.º do Código Civil, a culpa – nas modalidades de dolo ou negligência – deverá ser aferida em função da “diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso” (cfr. artigo 487.º do Código Civil).

      Ora, no caso dos juros compensatórios, a factualidade em que há-de radicar o juízo de culpa, não pode ser outra que não aquela que subjaz ao apuramento de imposto entendido em falta, na exata medida em que se integram neste, nos termos do n.º 8, do art.° 35.° da LGT. Nos presentes autos não está em causa essa factualidade que conduziu à avaliação indireta, até porque estaria fora da competência material deste Tribunal.

      Porquanto, a situação fáctica que conduziu à avaliação indireta está consolidada juridicamente, até por que a Requerente não utilizou os meios de defesa necessários caso quisesse sindicar esse ato prévio. Pelo que o juízo de culpa que permite a exigência de pagamento decorre do facto da AT ter detetado graves deficiências e irregularidades na contabilidade da contribuinte, imputáveis e a da responsabilidade desta, que impediu a comprovação direta da matéria tributável (art. 87º, n.º1, al. b) e art. 88º, al. a) da LGT).  

      In casu, existiu uma atuação culposa reprovável da Requerente que retardou a liquidação do imposto e permite a exigência de juros compensatórios (art. 35º, n.º1 da LGT).

      Quanto à violação do direito de participação, ao abrigo do art. 60º, nº3 da LGT, tendo a AT ouvido o contribuinte, relativamente ao imposto donde provém a liquidação de juros compensatórios, já não é legalmente exigível que proceda a nova audição de forma autónoma e distinta.

      Destarte, falece também o fundamento de violação do direito de participação da Requerente.

 

VI.      DECISÃO

 

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:

 

a) Julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2018..., relativa ao exercício de 2013, e da liquidação n.º 2018... de juros compensatórios;

b) Manter integralmente os atos tributários objeto deste processo;

c) Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo, nos termos infra.

 

Fixa-se o valor do processo em €7.793,32 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerente, uma vez que o pedido foi integralmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 08 de Janeiro de 2019  

 

O Árbitro

 

 (André Festas da Silva)

 



[1] Neste sentido cfr. decisão do CAAD, 15/04/2015, proc. n.º 694/2014T e Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Carla Castelo Trindade, Almedina, 2016, pág. 109

[2] Neste sentido cfr. AC. do STA de 01/6/2016, proc. n.º 499/16, LGT Anotada, Diogo Leite Campos e outros, Encontro da Escrita, 4ª Ed., 2012, pág. 746 e Lições de Procedimento e Processo Tributário, Joaquim Freitas Rocha, 2009, Coimbra Editora, pág. 190 

[3] O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, Vieira de Andrade, Almedina, 1990, pp. 53 e ss

[4] Cfr. Acs. do STA, de 26/3/2014, proc. n.º 01674/13 e de 23/4/2014, proc. n.º 01690/13.

[5] Cfr. os Acs. do STA, de 21/4/2010, proc. nº 743/09; de 16/10/2010, proc. nº 830/10; de 30/11/2011, proc. nº 619/11; de 29/2/2012, proc. nº 928/11; de 14/2/2013, proc. nº 645/12 e de 09/03/216, proc. n.º 0850/15