Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 217/2018-T
Data da decisão: 2019-01-16  IRC  
Valor do pedido: € 132.313,46
Tema: IRC – Encargos não devidamente documentados – Obrigatoriedade de fatura – Não dedução – Art. 23.º, n.ºs 3 a 6 do CIRC e Art. 29.º, n.º 1, al. b) do CIVA.
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DECISÃO ARBITRAL

                                 

Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Dra. Adelaide Moura e Profª. Doutora Nina Aguiar (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 10 de julho de 2018, acordam no seguinte:

 

 

  1.  Relatório

 

A..., S.A., pessoa coletiva número..., com sede na..., n.º ... –..., Lisboa, adiante designado por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e de pronúncia arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º, 15.º e seguintes, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com vista à anulação parcial dos atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e de juros compensatórios, referentes ao exercício de 2015, emitidos no montante global de € 133.045,88, relativamente aos quais impugna o valor de € 132.323,46, tendo aceite o valor de € 704,25 referente a tributação autónoma. A importância contestada deriva do acréscimo à matéria coletável do Requerente de € 495.255,00, com fundamento na não dedutibilidade de encargos “não devidamente documentados”.

                                                                                      

O Requerente requer ainda a condenação da AT à restituição da importância de € 132.323,46, acrescida do pagamento de juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), até integral reembolso.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

 

Como fundamento do pedido anulatório a Requerente alega os seguintes vícios de ordem material:

  1. Os pagamentos efetuados pelo Requerente à B..., S.A., adiante B..., correspondem à transferência de rendimentos gerados pelo investimento da própria B..., e não à remuneração de uma prestação de serviços realizada por aquela ao Requerente, pelo que estão excluídos do âmbito de incidência do Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”). É pacífico que os rendimentos de aplicações em fundos de investimentos não têm subjacentes atividades sujeitas a IVA, conforme expressamente acolhido pela AT no Ofício-Circulado n.º 30103, de 23 de abril de 2008;
  2. Uma vez que estamos perante operações fora do campo do IVA, os pagamentos em causa não se encontram sujeitos à obrigação de emissão de fatura e, por esse motivo, não estão abrangidos pelo disposto no artigo 23.º, n.ºs 4 e 6 do Código do IRC;
  3. Assim, é indevida a consideração das comissões pagas à B... como não dedutíveis por pretensamente se deverem à prestação de um serviço que esta devia ter faturado ao Requerente, quando não é esse o caso;
  4. Os clientes da B... não são os investidores finais. É a B... que atua como investidor direto (principal), em seu próprio nome e com vista a obter diretamente rendimentos por esse investimento, no Contrato celebrado com o Requerente;
  5. Acresce que os referidos pagamentos estão comprovados por documentos que contêm os elementos essenciais de identificação das operações, seus intervenientes e valores em causa;
  6. Relativamente aos gastos periodizados não aceites, correspondentes a retrocessões a pagar à B... no exercício subsequente (2016), no valor de € 74.372,10, os mesmos nunca poderiam estar suportados por qualquer fatura, pois ainda nem sequer se havia vencido a respetiva obrigação, também aqui improcedendo o alegado pela AT;
  7.  A negação da dedutibilidade dos encargos incorridos pelo Requerente sem fundamentos de facto ou de direito viola o princípio de tributação das empresas pelo rendimento real e o princípio da justiça ínsito no princípio material do Estado de direito, consagrados na Constituição (“CRP”), nos artigos 104.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2 e 2.º.  

 

            O Requerente termina com o pedido de anulação das correções à matéria coletável e das liquidações de IRC e juros compensatórios correspondentes. Peticiona também a condenação da Requerida ao reembolso da quantia indevidamente liquidada e paga, acrescida de juros indemnizatórios. Juntou 6 (seis) documentos e indicou duas testemunhas.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo as signatárias, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

            As partes, oportunamente notificadas dessa designação, não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 10 de julho de 2018, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.

 

            A Requerida apresentou resposta e juntou o processo administrativo (“PA”), pugnando pela improcedência e consequente absolvição do pedido.

           

De acordo com a Requerida, afigura-se existir um serviço prestado pela B... ao Requerente, de angariação de investidores com a consequente disponibilização de capital, o qual é remunerado. Uma vez que a B... é um sujeito passivo de IVA, fica obrigada à emissão de fatura, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA. A resposta à questão central decidenda terá de ser a de que a dedutibilidade dos gastos está condicionada à existência de uma fatura, à face do disposto no artigo 23.º do Código do IRC.

 

Acrescenta que o entendimento do Requerente é contraditório ao defender que pelo pagamento de retrocessões ou rebates não haverá que ser emitida qualquer fatura, mas emitindo, ele próprio, faturas sempre que recebe as retrocessões ou rebates, pelo valor total recebido.

 

Por outro lado, entende, sem conceder, que ainda que se pudesse assumir a desnecessidade de faturação pela B..., mantinha-se a obrigação de comprovação documental dos gastos dedutíveis, para efeitos de IRC, de acordo com o artigo 23.º do Código deste imposto, ou seja, devia existir um documento a identificar a B... como destinatária das importâncias em causa, que configuram custos para a atividade do Requerente. Documento que, na perspetiva da AT, não existe, razão pela qual os correspondentes encargos não são dedutíveis para efeitos fiscais (artigo 23.º-A, n.º 1, alínea c) do Código do IRC).

 

Considera a Requerida não se verificar a inconstitucionalidade alegada e, quanto ao pagamento de juros indemnizatórios, defende que, caso viesse a ser decidida a desaplicação do artigo 23.º esta não geraria a respetiva obrigação, pois a AT não pode desconsiderar normas legais com fundamento em inconstitucionalidade.

 

Por despacho de 19 de setembro de 2018, o Tribunal determinou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, com inquirição das testemunhas indicadas pelo Requerente.

 

Em 29 de outubro de 2018, realizou-se a referida reunião, na qual foram ouvidas as testemunhas C..., funcionário do Requerente no Departamento de Contabilidade e Controlo, e D..., Contabilista Certificado.

 

            O Tribunal notificou as partes para alegações escritas sucessivas e designou o dia 9 de janeiro de 2019 como data limite de prolação da decisão arbitral, advertindo o Requerente para, até essa data, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no artigo 4º, n.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD.

 

            O Requerente apresentou alegações mantendo, na essência, os argumentos que constam do pedido de pronúncia arbitral. Preconiza que a fundamentação a posteriori consubstancia uma ilegalidade e, em caso de fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, o ato impugnado deve ser anulado ao abrigo do artigo 100.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”). Sustenta ainda que a exigência de fatura como elemento essencial de comprovação do custo configura uma presunção inilidível, inconstitucional por violação do princípio da capacidade contributiva. Entende ser também inconstitucional, ao abrigo do mesmo princípio, a exigência de uma fatura no exercício anterior àquele em que se vence a obrigação de pagamento.

 

            Nas suas alegações, a Requerida reitera a posição vertida na resposta e invoca que o Requerente emitiu ilegalmente notas de crédito com o objetivo de amputar proveitos. Em matéria de periodização, refere que o prazo de emissão das faturas está previsto no artigo 36.º do Código do IVA e não depende do pagamento. Por outro lado, rejeita a inconstitucionalidade da exigência legal de um documento de comprovação dos gastos. Sobre a equiparação dos valores pagos pela Requerente à B... a juros de investimentos/depósitos, afirma ser uma tentativa de explicar o inexplicável, pois se a Requerente entende que presta um serviço às sociedades gestoras dos fundos de investimento, forçoso será concluir que a B... presta serviços à Requerente.

 

            Por despacho de 7 de janeiro de 2019, à face da complexidade das questões suscitadas, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 1 do RJAT. 

 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto na alínea a), do n.º 1, do artigo 10º do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades, não tendo sido suscitadas exceções.

 

 

  1. Fundamentação

 

  1. Matéria de Facto

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

            A.  O A... S.A., aqui Requerente, é uma instituição de crédito constituída sob a forma de sociedade anónima, em 9 de maio de 2001. Está registado na área do Serviço de Finanças de Lisboa ... pelo exercício da atividade de “outra intermediação monetária”, com o código de atividade económica 64190, e enquadrado no regime geral de IRC e no regime normal, com periodicidade mensal, para efeitos de IVA, desenvolvendo operações isentas de IVA, nos termos do artigo 9.º, n.º 27 do respetivo Código, e operações não isentas – cf. Relatório de Inspeção Tributária, também designado por “RIT”, junto com o pedido de pronúncia arbitral (“ppa” – documento 1) e com o PA, e Relatório e Contas de 2015 junto com o ppa como documento 1.

           

            B.  O Requerente disponibiliza toda a gama de produtos e serviços de um banco universal, dedicando-se à obtenção de recursos de terceiros, sob a forma de depósitos ou outros, que aplica, conjuntamente com os seus recursos próprios, na concessão de crédito, em títulos e em outros ativos, prestando ainda outros serviços bancários em Portugal. No âmbito da sua atividade, auxilia os seus clientes na identificação de soluções de poupança e de oportunidades de investimento disponíveis em cada momento, bem como nos aspetos relacionados com as suas necessidades de financiamento e gestão financeira corrente – cf. RIT e Relatório e Contas de 2015 junto com o ppa como documento 1.

 

            C.  O Requerente não dispõe de balcões bancários no sentido tradicional do termo, pelo que disponibiliza os seus produtos e serviços bancários e financeiros através dos seguintes canais:

  • Internet, através do website (www...pt) e mobile banking;
  • Centros de investimento localizados em Lisboa, Porto, Braga, Aveiro, Leiria, Évora e Faro, que contam com uma rede própria de Personal Financial Advisors (PFA); e
  • Contact Center (banca telefónica);

– cf. RIT e Relatório e Contas de 2015 junto com o ppa como documento 1.

 

            D.  O Requerente desenvolveu uma plataforma eletrónica para distribuição de produtos de investimento com uma oferta diversificada, designadamente de fundos de investimento, produtos estruturados e outros instrumentos financeiros, suportada pelas suas competências em gestão e comercialização de ativos financeiros – cf. Distribution Platform Agreement junto com o ppa como documento 2 e RIT.

 

            E.  Em 1 de julho de 2011, o Requerente e a B... celebraram um contrato que designaram de “Distribution Platform Agreement” (“Acordo de Plataforma de Distribuição”, de seguida também referido por “Acordo”), segundo o qual o Requerente concedeu à B... o acesso à supra referida Plataforma de Distribuição de produtos de investimento distribuídos pelo primeiro, compreendendo cerca de 2.900 fundos de investimento, nacionais e internacionais, de 57 sociedades gestoras para o público em geral, a que acrescem cerca de 2.000 fundos de investimento exclusivamente para o mercado institucional de B2B – cf. documentos 1 e 2 juntos com o ppa e RIT.

 

       F.  Segundo o Acordo, as partes, pretenderam beneficiar das sinergias da combinação das respetivas capacidades, utilizando, por um lado, o acesso do Requerente a um amplo leque de oferta de ativos financeiros e os seus serviços de suporte à gestão e comercialização de ativos e, por outro lado, o acesso, direto ou indireto, à rede de clientes da B...– cf. documento 2 junto com o ppa, considerando D.

 

            G.  Estipula o Acordo em apreço (cf. documento 2 junto com o ppa) que:

 

  1. As partes celebram uma relação de distribuição assente no sistema eletrónico (“Plataforma de Distribuição”) desenvolvido pelo Requerente que permite à B... executar transações – subscrevendo, adquirindo e resgatando instrumentos (Ativos) financeiros junto dos fundos de investimento que estejam abrangidos pelo Acordo – Cláusula 2 e Cláusula 3;
  2. A B... intervém na canalização de ordens de subscrição, aquisição, resgate ou alienação dos ativos, sem prejuízo de não assumir uma obrigação de realizar essas transações – Cláusula 3;
  3. A B... assume a responsabilidade pela liquidação (pagamento) das transações realizadas através da Plataforma de Distribuição e de provisionamento da conta (com fundos) para o efeito. Por outro lado, em caso de resgate ou alienação dos ativos ordenado pela B... o Requerente deverá proceder ao pagamento dos respetivos valores, deduzidos das retenções que sejam devidas – Cláusula 6;
  4.   O Requerente não tem qualquer responsabilidade nas situações de insolvência dos fundos de investimento, depositários, gestores, emitentes ou Distribuidor Global, agente de transferência ou outra entidade que desenvolva a sua atividade relativamente aos ativos transacionados, nem por atrasos no pagamento por parte destes – Cláusula 6;
  5. O Requerente pode atualizar a Plataforma de Distribuição e deve facultar à B... assistência técnica e serviço de apoio ao cliente, podendo prestar na Plataforma informação relevante, documentos, publicidade ou material explicativo relativamente aos Ativos (que lhe tenham sido facultados pelo “F...”) e dar formação aos colaboradores da B... sobre os Ativos distribuídos através da Plataforma – Cláusula 7;
  6. O Requerente assume a obrigação de disponibilizar as contas necessárias para os diversos fins – designadamente de liquidação das operações e de Ativos (custódia) – sob uma (ou várias) conta(s) “mãe” denominada(s) de “Conta(s) E...” – Cláusula 7;
  7. A B... assume a obrigação de colaborar na instalação e integração do software necessário para assegurar o desenvolvimento das atividades resultantes do Acordo – Cláusula 8;
  8. As transações realizadas pela B..., através da Plataforma de Distribuição, têm efeitos jurídicos plenos sem necessidade de qualquer requisito adicional. O uso dos códigos certificados é tido como correspondendo à assinatura da B..., mesmo que subsequentemente sejam objeto de confirmação sob forma documental – Cláusula 8;
  9. Os pagamentos são realizados através da manutenção de posições abertas, relativamente às transações respetivas executadas pela B..., na Conta E... (que abrange as diversas Contas de Liquidação e Contas de Ativos) que aquela entidade detém no Banco [o Requerente] – Cláusula 12;
  10. O Requerente fornece à B... extratos em formato eletrónico relativos às transações, posições e contas para permitir a reconciliação completa de todas as transações executadas, todas as posições pendentes e entradas individuais, a débito ou a crédito, assim como os saldos das diversas Contas detidas pela B... no Banco – Cláusula 13;
  11. O Requerente disponibiliza à B... um sistema online (via Internet) através do qual esta pode acompanhar os pedidos efetuados, respetivos status (incluindo confirmações e pedidos pendentes), os montantes que têm de ser pagos pelas transações e os detalhes destas. As ordens recebidas pelo Requerente através da Plataforma de Distribuição são por aquele encaminhadas para o F... . Na Conta E... aberta pelo Requerente em nome da B... são registadas todas as posições mantidas relativas a todos os ativos que resultam do Acordo – Cláusula 13; 
  12. O Requerente não debita à B... qualquer comissão a título de instalação e disponibilização da Plataforma de Distribuição (set-up fee), ou comissões de liquidação ou de custódia (“settlement & custody fees”) – Cláusula 16 e Anexo III;
  13. O Requerente é remunerado unicamente pelas Sociedades Gestoras dos Fundos de Investimento – estas na qualidade de F...–, através de comissões derivadas da atividade desenvolvida ao abrigo deste Acordo e calculadas sobre o valor investido pela B...– Cláusula 16 e Anexo III e depoimento das testemunhas inquiridas;
  14. Na medida em que as Transações ou os Ativos sob gestão impliquem um ganho (“profit”) para o Requerente, derivado das atividades realizadas ao abrigo do Acordo, aquele pode pagar (“may pay”) à B.... a uma parte das comissões recebidas dos F... pelo trabalho de colocação dos Ativos – Cláusula 16 (1);
  15. A parte da comissão do Requerente a partilhar com a B... é expressa por uma percentagem que foi fixada em 80%, pelo que, quando do recebimento das comissões dos F..., aquele transfere 80% para a B... e retém 20% – Cláusula 16 (2) e Anexo III;
  16. Atendendo a que a remuneração da B... é proveniente das comissões que o Requerente cobra aos F..., se, e na medida em que, estas comissões não forem pagas ao Requerente, a B... também não terá direito à correspondente remuneração – Cláusula 16 (3);
  17. Após o termo de vigência do Acordo, a B... continuará a cobrar a remuneração acordada com o Requerente em relação aos ativos que tenham sido subscritos (adquiridos) através da Plataforma de Distribuição nos termos deste Acordo e que, portanto, se encontrem registados em nome do Requerente, até que esses Ativos sejam totalmente resgatados/alienados – Cláusula 16 (7).

 

            H.  Ainda segundo o Acordo e com relevo para o caso em apreciação são estabelecidas as seguintes definições (cf. documento 2 junto com o ppa, Cláusula 1):

            (D) Conta de Ativos (Asset Account) – conta que visa facilitar o registo de transações executadas através da Plataforma de Distribuição e a manutenção sob custódia do Requerente dos ativos pertencentes às transações executadas através daquela Plataforma;

            (J) Intermediação Financeira – atividades e serviços de investimento, e atividades de caráter acessório conforme definidos na Diretiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004 (MiFID);

            (K) F... – entidade autorizada à emissão, gestão, distribuição ou colocação respeitante a cada Ativo;

            (N) Conta E... – conta em nome da B... que pode compreender um conjunto de (sub)contas de liquidação (“settlement accounts”) e de (sub)contas de Ativos da B... para efeitos do presente acordo;

            (Q) Remuneração (“Remuneration”) – remuneração que a B... pode receber do Requerente por cada subscrição/aquisição ou resgate/alienação de Ativos, se aplicável, e/ou pelos Ativos sob gestão colocados sob custódia através de, ou com o Banco e/ou qualquer outra comissão aplicável aos Ativos sob gestão, em todos aqueles casos que tenham sido originados pela B... através da Plataforma de Distribuição;

            (R) Serviços (“Services”) – serviços acessórios à Plataforma de Distribuição que são prestados ou são elegíveis para serem prestados pelo Requerente ao abrigo da Plataforma de Distribuição;

            (V) Transações – subscrição, resgate, aquisição e alienação, ou operações similares sobre Ativos que sejam executados através da Plataforma de Distribuição.

           

            I.  Relativamente às comissões auferidas com referência ao exercício de 2015, o Requerente emitiu aos F... faturas pelo valor total recebido, tendo transferido subsequentemente para a B... a importância de € 495.255,00, correspondente à quota-parte acordada de 80% – cf. RIT.

 

            J.  A B... não emitiu ao Requerente um documento de débito ou de cobrança relativo ao valor recebido de € 495.255,00. O Requerente emitiu avisos de lançamento relativos aos pagamentos parciais desta importância, à medida que foram sendo transferidos para a B... e, bem assim, extratos de conta dos quais constam todos os valores movimentados, de acordo com os seus procedimentos habituais e com as práticas do setor bancário em geral – cf. Documento 2 junto com o ppa e depoimento das duas testemunhas inquiridas.

 

            K.  O Requerente registou na rubrica de rendimentos # 81395.6 – “Comissões Distribuição Outros Fundos”, a totalidade das comissões auferidas dos F... em 2015. Em simultâneo, contabilizou a débito na mesma conta o valor correspondente a 80% daquelas comissões (€ 495.255,00) transferido para a (pago à) B..., contribuindo para um menor saldo credor nesta rubrica contabilística de resultados – cf. RIT.

 

            L.  Desta forma, relativamente às comissões atribuídas pelos F..., o Requerente deduziu no cômputo da matéria coletável de IRC declarada no correspondente Modelo 22, apresentado dentro do prazo legal, com referência ao exercício de 2015, o valor da remuneração de 80% paga à B..., de € 495.255,00 – cf. RIT.

 

            M.  Nos três primeiros trimestres de 2015, o Requerente emitiu notas de crédito no valor das comissões pagas à B..., tendo no decurso da ação inspetiva reconhecido que se tratava de um procedimento errado, pelo que procedeu à sua anulação – cf. RIT.

 

            N.  Em 27 de abril de 2017, teve início um procedimento de inspeção externo de âmbito geral ao Requerente, relativo ao exercício de 2015, credenciado pela Ordem de Serviço OI2017..., de 5 de abril de 2017, com vista a apurar a sua situação tributária e o cumprimento das obrigações fiscais inerente ao exercício da sua atividade, no decurso do qual foram solicitados diversos pedidos de informações e documentos aos quais aquele procurou dar resposta – cf. RIT.

 

            O.  Na sequência desta ação inspetiva, após ter sido notificado do Projeto de Relatório da Inspeção Tributária, foi o Requerente notificado do Relatório de Inspeção Tributária e demais anexos (doravante “Relatório” ou “RIT”), no qual se determina o acréscimo à matéria coletável declarada de IRC de 2015, no valor de € 495.255,00, em virtude da desconsideração dos gastos suportados pelo Requerente com os pagamentos efetuados à B... – cf. RIT.

 

P. De acordo com o Relatório, este valor de € 495.255,00 corresponde à remuneração de uma prestação de serviços efetuada pela B...ao Requerente, respeitante à colocação de fundos de investimento nos clientes da B..., atividade pela qual esta cobraria comissões que, por não estarem documentadas por fatura, não reúnem os requisitos da dedução fiscal, em IRC, na esfera do Requerente, com base nos fundamentos que parcialmente se transcrevem (cf. RIT):

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

[…]

III.1 Correções à matéria tributável – IRC

III.1.1 Encargos não devidamente documentados € 495.255,00 (n.os 3, 4 e 6 do art.º 23.º, e alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º-A, ambos do CIRC)

A acrescer à matéria tributável de IRC o montante de € 495.255,00, correspondente a encargos cuja documentação de suporte, não correspondendo a fatura ou documento equivalente emitido pela entidade prestadora do serviço, incumpre o disposto nos n. os 3, 4 e 6 do art.º 23.º, e na alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º-A, ambos do CIRC, para que a aceitabilidade fiscal dos gastos (contabilísticos) possa operar.

Com efeito, de acordo com o que se retira da alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC, não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação, os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n. os 3 e 4 do artigo 23.º do mesmo código.

Ora, de acordo com os n. os 3 e 4 do artigo 23.º CIRC, os gastos incorridos ou suportados pelo Sujeito Passivo para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito, sendo que, no caso de gastos incorridos ou suportados com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo deve conter, pelo menos, os elementos constantes das alíneas a) a e) do n.º 4 do art.º 23.º do CIRC. De notar que, de acordo com o n.º 6 do art.º 23.º do CIRC, quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços deve obrigatoriamente assumir essa forma.

Da conjugação do disposto nos acima referidos dispositivos legais, com a documentação de suporte, que nos foi facultada pelo Sujeito Passivo para comprovar gastos (no montante de € 495.255,00) incorridos ou suportados com comissões pagas à entidade B... (entidade obrigada à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA), resulta claro o incumprimento das condições legalmente impostas para a dedutibilidade dos citados gastos.

Estando estes gastos (contabilísticos) a influenciar negativamente o resultado líquido do período, torna-se, assim, necessário, para efeitos de apuramento do resultado tributável, em cumprimento do disposto nos n. os 3, 4 e 6 do art.º 23.º, e na alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º-A, ambos do CIRC, o seu acréscimo à matéria tributável de IRC.

Para uma melhor compreensão da presente correção e dos seus fundamentos dever-se-ão ter presentes os seguintes aspetos:

  1. Do negócio e dos elementos recolhidos pela Inspeção Tributária

Foi obtido junto da sociedade “B..., SA”, com o número de identificação fiscal (NIPC) ... (doravante designada por B...), com quem o Sujeito Passivo mantém relações económicas, a cópia do contrato que se reproduz no Anexo 1 (46 folhas).

Obtidos esclarecimentos verbais junto do A..., este clarificou que a celebração do contrato patente no Anexo 1 (46 folhas) decorre da sua atividade de distribuição de fundos. Com efeito, o Banco atua como intermediário financeiro entre os Fundos e os investidores finais que se constituem detentores das respetivas unidades de participação e beneficiários efetivos dos rendimentos.

No Relatório de Gestão de 2015 do A...– parte integrante do processo de documentação fiscal previsto no art.º 130.º do CIRC – é referido nomeadamente que «Na área de fundos de investimento foi mantida a estratégia de alargamento e diversificação da oferta de sociedades gestoras e fundos de investimento. Com efeito o Banco A... assegura atualmente a distribuição de cerca de 2.900 fundos de investimento de 57 sociedades gestoras para o público em geral, a que acresce a disponibilização de cerca de 2.000 fundos de investimento adicionais exclusivamente para o mercado institucional do B2B».

Concretamente, no sistema de distribuição de fundos de investimento, o Sujeito Passivo coloca à disposição dos seus clientes uma diversidade de fundos de investimento nos quais podem realizar as suas aplicações. Por este serviço de intermediação o A... recebe das entidades designadas pelos Fundos encarregues de efetuar a distribuição global (os F...) comissões de distribuição, as quais reflete contabilisticamente nos seus resultados (mais concretamente na conta de rendimentos «81395.6 – Comissões Distribuição Outros Fundos»).

Especificamente no que respeita à B...– que é um investidor institucional – o A... celebrou o contrato já referido, tendo sido convencionado na sua cláusula 16 o seguinte:

«16. Remuneration on Assets

16.1. Insofar as the Transactions and/or the Assets under management imply a profit for Banco A… arising from the activities performed under this Agreement, Banco A… may pay to B… part of the commissions it collects for its Assets placement work, Banco A… keeping the remaining part of the fees and commissions it receives for the work carried out.

16.2. B… acknowledges and agrees that the Remuneration shall be established by Banco A…, and accepted by B…, in respect of each of the Assets and is expressed in a percentage of the amount received by Banco A… from the and/or as agreed with the F… for distributing such Assets.

16.3. Considering that the Remuneration arises from the commissions that Banco A… collects from the F…, if and to the extent Banco A… is not paid the related commissions from the F…, B… will also not have any right to the corresponding Remuneration.»

Assim, de acordo com este clausulado, o Banco, no que diz respeito às comissões de distribuição recebidas, diretamente relacionadas com os investimentos imputáveis à B..., compromete-se a entregar uma parcela, correspondente a uma percentagem, destes rendimentos à B... (apenas na medida em que os receba efetivamente).

No ponto 2 do Appendix III do contrato é definido que essa percentagem é 80% («Banco A... will yield to B… 80% of the rebate and retain 20% with a minimum of 10 b.p.»).

[…]

Em resposta ao ponto 9.6, em 2017-06-09, Anexo 2 (4 folhas), o Banco A... declarou o seguinte:

«9.6. Os pagamentos efetuados pelo A... à B... – a título de Remuneration on Assets” – visam unicamente transferir para a B... os rendimentos derivados das suas aplicações nos fundos de investimento mobiliários apresentados na plataforma transacional on-line do A... . Na qualidade de meros rendimentos de aplicações em fundos de investimento, os mesmos não se encontram titulados por qualquer fatura. Para vossa referência, segue infra uma exposição detalhada da situação em análise:

(i) Por via da celebração do contrato «Distribution Platform Agreement», o A... colocou à disposição da B... uma plataforma transacional on-line que permite à última aceder a investimentos ligados a fundos de investimento imobiliário.

(ii) Através da referida plataforma, a B... atua na qualidade de investidor direto quanto aos investimentos realizados (ou seja, é a B... que subscreve, adquire e resgata os respetivos instrumentos financeiros junto dos fundos de investimento). O A... atua na qualidade de mero distribuidor dos instrumentos financeiros, não exercendo qualquer atividade de gestão dos fundos de investimento.

(iii) Ao abrigo desta relação, sempre que o A... aufira proveitos decorrentes das atividades realizadas no âmbito da plataforma (gerados pelos montantes que lhe sejam pagos pelas sociedades gestoras dos fundos mobiliários a título de «rebate» ou «retrocessão»), o A... retém 20% desses montantes – a título de remuneração – e transfere 80% dos valores para a B..., como forma de remuneração dos investimentos efetuados pela B... em fundos de investimento mobiliário.

(iv) Enquanto rendimentos gerados pelos investimentos diretamente realizados pela B..., sem qualquer prestação de serviços associada, os valores transferidos pelo A... não se encontram sujeitos a IVA (cf. Ofício-Circulado n.º 30103, de 23 de abril 2008).

(v) Nessa medida, tais rendimentos não deverão ser também titulados por qualquer fatura, conforme resulta da interpretação a contrario do disposto no artigo 29.º n.º 1 alínea b) do Código do IVA».

Analisados os elementos globalmente apresentados foi possível concluir o seguinte:

  1. O A... fatura aos B... as verbas recebidas referentes a comissões de distribuição (ver Anexo 3 – 1 folha – a título exemplificativo) e contabiliza os referidos valores na rubrica de rendimentos (resultados) «81395.6 – Comissões Distribuição Outros Fundos»;

ii.  Estes valores estão de acordo com o contrato de distribuição anteriormente celebrado (ver a título exemplificativo o Anexo 4 – 22 folhas);

     iii.   O Banco efetua o apuramento de quais os montantes que são devidos à B... em cumprimento da cláusula 16 do «Distribution Platform Agreement» (Anexo 5 – 7 folhas);

     iv.   O Sujeito Passivo transfere os valores apurados em iii) para a B...;

     v.    Como forma de suportar o encargo referido em iv), alusivo ao pagamento que efetua à B..., o A... emite Notas de Crédito dirigidas aos F...;

     vi.   Os próprios valores mencionados em v) nada têm a ver com as verbas recebidas do F... específico constante da Nota de Crédito, incluindo o Banco nestes documentos verbas entregues à B... referentes a comissões de distribuição recebidas de outros F...;

     vii.  A contabilização destes gastos foi efetuada a débito na conta de rendimentos (resultados) «81395.6 – Comissões Distribuição Outros Fundos».

            Em 2017-06-26 o Sujeito Passivo declarou (Anexo 5 – 7 folhas), relativamente aos documentos referidos no ponto (v) anterior, o seguinte: «constatamos que as notas de crédito foram indevidamente emitidas pois as mesmas refletem montantes que, apesar de terem sido recebidos dessa entidade [leia-se, o F...], foram transferidos para a B... ao abrigo do ponto 16 e do n.º 2 do Apendix III do contrato «Distribution Platform Agreement». (Sublinhado nosso).

            Seguidamente, tratou-se de apurar o montante global dos gastos registados na contabilidade alusivas aos pagamentos efetuados à B..., recolhendo o respetivo suporte documental. Assim, foi efetuado o seguinte pedido de elementos […]

            A partir das respostas dadas pelo Banco, em 2017-10-09 e 2017-10-13, foi possível concluir o seguinte:

  1.  As verbas referentes ao 4.º trimestre de 2014 não afetaram rubricas de resultados em 2015;

ii.  Os pagamentos efetuados à B... referentes ao 1.º, 2.º e 3.º trimestres de 2015 ascendem a € 111.172,35, € 149.314,71 e € 160.395,84 respetivamente e contribuíram para um menor saldo credor na rubrica contabilística de resultados (rendimentos) «81395.6 – Comissões Distribuição Outros Fundos»; estes valores encontram-se refletidos nas Notas de Crédito n.ºs 6600000011 a 6600000014, 6600000018 a 6600000021 e 6600000066 a 6600000069 emitidas pelo Sujeito Passivo (cfr. Anexo 6 – 12 folhas);

iii.        No alusivo ao 4.º trimestre (cfr. Anexo 7 – 2 folhas), «Em 31 de dezembro de 2015 ficou registado a débito da rubrica contabilístiva # 684859.1 – COMISSÕES OP.REAL.P/TERC.-OUTRAS, [consubstanciando-se assim em gastos contabilísticos] por via do processo de periodificação dos resultados, um valor de € 74.372,10 relativo ao montante global dos «rebates» ou «retrocessões» recebidos/a receber pelo A... das sociedades gestoras dos fundos mobiliários e a pagar à B... em 2016, em resultado das aplicações desta entidade em fundos de investimento durante o quarto trimestre de 2015 ao abrigo do ponto 16 e do n.º 2 do Apendix III do contrato «Distribution Platform Agreement» (cfr. resposta do Banco datada de 2017-10-13).

            Deste modo, no respeitante ao montante global dos «rebates» ou «retrocessões» pagos à B... que influenciaram negativamente o resultado contabilístico do Sujeito Passivo em 2015, este valor ascendeu a € 495.255,00 (€ 111.172,35, € 149.314,71, € 160.395,84 e € 74.372,10, registados no A... a débito de contas de resultados).

            Também foi declarado na ocasião – Anexo 8 (3 folhas) –, que «os documentos emitidos pelo A..., referidos em 1.2. para além de terem sido indevidamente emitidos também foram indevidamente enviados às entidades para as quais foram emitidos mas não possuímos cópia de documento que comprove o respetivo envio e/ou receção por parte dessa entidade». (Sublinhado nosso).

            Resumidamente, o A..., enquanto intermediário financeiro, tem uma estrutura montada que lhe possibilita colocar à disposição dos seus clientes unidades de participação em fundos, fazendo «o encontro» entre os Fundos que necessitam captar recursos financeiros e os clientes que desejam aplicar a sua liquidez. Por esta atividade desenvolvida, aufere comissões de distribuição.

            A B...é um dos seus clientes, sendo porém um cliente de natureza institucional.

            Com efeito, conforme informação disponibilizada pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), a B... é uma entidade autorizada a contratar Seguros, do ramo vida do tipo “Seguros de vida”, “Seguros ligados a fundos de investimento” ou “Operações de capitalização”.

            A seguradora coloca então ao alcance dos seus clientes produtos estruturados como seguros ligados a fundos de investimento ou unit linked (seguros de vida de capital variável em que o valor a receber pelo beneficiário depende de um «valor de referência» constituído por uma ou mais unidades de participação). Através da estrutura empresarial montada pela B... para fornecer estes serviços, através da normal prossecução da sua (B...) atividade, torna-se possível ao A...– enquanto intermediário financeiro e através dessa sua atividade de mera intermediação financeira – a distribuição de um maior número de unidades de participação (e a um leque maior de clientes – os clientes da Seguradora – a que de outra forma não conseguiria chegar).

Ciente de tal facto, o de que está a prestar um serviço ao Banco, a Seguradora exige-lhe uma remuneração (pela colocação dessas unidades de participação), a qual se encontra contratualmente prevista na já referida cláusula 16 do contrato (celebrado entre o A... e a B...).

Estamos no fundo perante acordo em que, existe um Distribuidor Global (F...) que, pela colocação de fundos de investimento realizada pelo B..., paga comissões ao A... . E em que a B..., por colocar nos seus (B...) clientes fundos de investimento (pelos quais o A... cobrou comissões ao F... pela sua colocação) cobra comissões ao A... pelo serviço de colocação desses fundos de investimento.

Os clientes da B... acabam assim, direta ou indiretamente, por ser os investidores finais.

Note-se que, a relação jurídica entre o F... e o Banco é totalmente diversa da estabelecida entre o Sujeito Passivo e a B..., dado que as remunerações são fixadas ao abrigo de contratos distintos. Aliás se atentarmos ao disposto na cláusula 11.6 do contrato que se junta no Anexo 4 (22 folhas), constatamos exatamente isso: o F... esclarece que não tem qualquer responsabilidade sobre pagamentos posteriores efetuados pelo Banco a entidades terceiras relacionados com a distribuição de fundos.

Quanto à alusão do Sujeito Passivo a estarmos perante «rendimentos gerados pelos investimentos diretamente realizados pela  B...a, sem qualquer prestação de serviços associada (…) (cf. Ofício-Circulado n.º 30103, de 23 de abril de 2008)», pelo ante exposto, consideramos, pelo contrário, que as operações em causa se enquadram no ponto VII.A daquele Ofício Circulado e não no ponto VII.B como defende o A... . Com efeito, é esclarecido naquela instrução administrativa que «são ainda de considerar operações decorrentes do exercício de uma atividade económica sujeitas a IVA, as realizadas por sujeitos passivos que tenham por objeto o investimento coletivo em valores mobiliários, através de capitais recolhidos junto do público, que se dediquem a constituir e a gerir carteiras de títulos mediante remuneração, dado que tal atividade ultrapassa a mera aquisição, detenção e venda de ações e visa a obtenção de receitas com caráter de permanência».

Isto porque não existe aqui uma mera compra e venda de valores mobiliários. Estamos perante entidades com estruturas montadas para o exercício da atividade de intermediação financeira (no caso do Banco) e da atividade de colocação junto de clientes de produtos estruturados de seguros (no caso da Seguradora) pelo que efetivamente se constata o «exercício de uma atividade económica sujeita a IVA»

De acordo com o n.º 1 do artigo 4.º do CIVA são consideradas prestações de serviços as operações efetuadas a título oneroso que não constituam transmissões, aquisições intracomunitárias ou importação de bens.

[…]

Face ao exposto, não restam dúvidas de que o débito da comissão em apreço – paga pelo A... à B..., como retribuição dos serviços prestados por esta entidade –, ainda que em tese (e por dever de raciocínio) se considerasse que se estava perante uma operação isenta de IVA nos termos do n.º 27 do art. 9.º, deveria ter sido documentado através de fatura, emitida pela B..., pelos serviços prestados, devendo da mesma (se fosse o caso) constar o motivo justificativo da (eventual) não liquidação de IVA, conforme previsto na alínea e) do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA.

  1. Dos Gastos incorridos ou suportados e da sua dedutibilidade para efeitos de IRC

O n.º 1 do art.º 23.º do CIRC elenca gastos ou perdas a considerar para efeitos fiscais desde que incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

À semelhança da forma de explanação do art.º 20.º, no que respeita aos rendimentos e ganhos, o art.º 23.º elenca nas suas alíneas a) a m), de uma forma exemplificativa, os gastos ou perdas a considerar para efeitos fiscais desde que incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

Contudo, para que os gastos enumerados sejam considerados dedutíveis para efeitos fiscais, são necessários dois requisitos fundamentais:

  • Que sejam comprovados documentalmente (nos termos dos n.ºs 3, 4 e 6);
  • Que sejam incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

A ausência de qualquer um destes requisitos implica a sua não consideração como gasto fiscal.

Com as alterações introduzidas pela Lei de reforma do IRC, veio estabelecer-se, no n.º 4 deste art.º 23.º, os elementos mínimos que o documento comprovativo do gasto deve conter, quando se refira à aquisição de bens ou serviços:

  • Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;
  • Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;
  • Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;
  • Valor da contraprestação, designadamente o preço;
  • Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados. 

Acresce que, conforme disposto no n.º 6 do art.º 23.º, se o fornecedor dos bens ou o prestador do serviço estiver obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo acima referido deve então obrigatoriamente assumir essa forma.

[…]

De acordo com o disposto nas alíneas a) a r) do n.º 1 do art.º 23.º-A, existem um conjunto de encargos que, embora contabilizados como gastos, não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável (o mesmo é dizer que terão de ser acrescidos ao resultado líquido do período).

É o caso dos «encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do art.º 23.º, bem como os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou por sujeitos passivos cuja cessação de atividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º» – conforme alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC.

Assim, tendo em vista nomeadamente o combate à fraude e evasão fiscais, esta norma refere de forma taxativa a não relevância fiscal, de encargos suportados por documentação que não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do art.º 23.º do CIRC, traduzindo-se numa corresponsabilização do sujeito passivo (adquirente desses encargos).

De notar que, para se certificar da existência/validade do contribuinte ou do exercício da atividade dos clientes/fornecedores – ou até para a aferição da documentação de suporte considerada (para efeitos fiscais) válida para suportar os gastos em causa -, o sujeito passivo deve socorrer-se do Portal das Finanças que, conforme previsto no n.º 4 do art.º 23.º-A do CIRC, disponibiliza informação cadastral.

Assim, apesar da existência de documentação do encargo, se esta não for a apropriada face ao exigido nos n.ºs 3, 4 e 6 do art.º 23.º, tendo em vista nomeadamente o combate à fraude e evasão fiscais, o legislador expressamente determinou que esse gasto, não sendo considerado como devidamente documentado nos precisos termos destas normas fiscais, não deve ser considerado gasto dedutível para efeitos do apuramento do lucro tributável.

É assim intenção expressa do legislador que não exista uma comparticipação fiscal nos casos em que o gasto, à luz desta norma, não esteja devidamente documentado. Tal não significa que, na prática o encargo não tenha ocorrido, apenas se determina que, ainda que tenha ocorrido e ainda que esteja contabilizado como gasto do exercício, este não é fiscalmente dedutível.

Desta forma, não obstante o Código do IRC acolha a contabilidade, e consequentemente o regime contabilístico dos gastos, determina nos seus art.ºs 23.º e 23.º-A que são tributados, em sede de IRC, os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do art.º 23.º (em conjugação com o n.º 6 do mesmo artigo e com o art.º 23.º-A do CIRC), impondo assim limitações à dedutibilidade fiscal de certos gastos contabilísticos (isto é, de certas componentes negativas do resultado contabilístico das sociedades).

 

Assim, quando o Sujeito Passivo não comprovar as condições expressamente exigidas na lei, o gasto contabilístico não é dedutível.

 

c) Da síntese conclusiva

Os n.ºs 3, 4 e 6 do art.º 23.º do CIRC estabelecem que:

[…]

No caso em apreço na presente fundamentação, os gastos relativos às comissões suportadas com as operações efetuadas com a B... estão documentalmente suportados por Notas de Crédito emitidas (i) pelo A... a (ii) entidades não residentes (F..., como a G...) – tendo o Sujeito Passivo expressamente reconhecido que as referidas Notas de Crédito foram indevidamente emitidas [mais referindo que (i) as mesmas foram igualmente indevidamente enviadas às entidades para as quais foram emitidas; e que (ii) não possui cópia de documento que comprove o respetivo envio e/ou receção por parte dessas entidades] – ao invés de estar suporta[da]s (i) por faturas (ii) emitidas pela entidade B..., nos termos previstos no CIVA e em cumprimento do disposto nos n.ºs 4 e 6 do art.º 23.º do CIRC.

Relembre-se que a B... encontrava-se, à data dos factos, enquadrada em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral, informação esta de que o A... (ou qualquer outra sociedade) podia ter conhecimento, nomeadamente, na medida em que, em cumprimento do disposto no n.º 4 do art.º 23.º-A do CIRC, esta informação encontra-se divulgada no Portal das Finanças. Pelo que a documentação que deveria ter sido emitida, pela B... para o A..., pelos serviços prestados, tal como decorre do disposto nos n.ºs 3 a 5 do art.º 23.º do CIRC, deveria ter sido uma fatura. Ou, dito de outro modo, o A..., tendo em conta a delimitação expressa da amplitude (da documentação aceite para efeitos de dedutibilidade fiscal nos casos em que o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura) imposta pelo legislador fiscal, querendo o A... suportar, para efeitos de dedutibilidade fiscal, o gasto contabilístico incorrido com as comissões aqui em apreço (incorridas pela atividade exercida pela B...), deveria ter, em cumprimento dos dispositivos legais acima referidos, exigido à B... a emissão de uma fatura pelos serviços por esta prestados (e que se consubstanciam, num rendimento na esfera da sociedade B... e num gasto na esfera da sociedade B...).

Da conjugação do disposto nos n.ºs 3, 4 e 6 do art.º 23.º do CIRC conclui-se assim que, no A..., os encargos em apreço, no montante de € 495.255,00, deveriam estar suportados por fatura(s) emitida(s) pela sociedade “B..., SA”, com o NIPC..., nos termos e com os requisitos impostos pelo CIVA e pelo n.º 4 do art.º 23.º do CIRC, não o estando, os gastos contabilísticos, no montante de € 495.255,00, não se encontram comprovados documentalmente para efeitos de dedutibilidade fiscal, tal como decorre dos n.º 3, 4 e 6 do art.º 23.º do CIRC.

Acresce que, de acordo com o definido na alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC, «não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável (…), mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação (…) os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º. […]

 

            Q. O Requerente foi notificado das demonstrações de liquidação de IRC n.º 2017..., de 14 de dezembro de 2017, de juros compensatórios n.º 2017..., de 19 de dezembro de 2017, e de acerto de contas n.º 2017..., também de 19 de dezembro, referentes a imposto do ano 2015, das quais resultou, o montante total a pagar de € 133.045,88, cuja data limite para pagamento foi fixada em 26 de janeiro de 2018 – cf. documento 5 junto com o ppa.

 

            R. O Requerente procedeu, em 22 de janeiro de 2018, ao pagamento do valor total resultante das referidas liquidações de IRC e de juros compensatórios, de € 133.045,88, relativamente ao qual contesta € 132.313,46 – cf. documento 6 junto com o ppa.

 

S. Em discordância com a correção à matéria coletável de IRC constante da acima identificada liquidação de imposto e com a inerente liquidação de juros compensatórios, o Requerente apresentou junto do CAAD, em 26 de abril de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo.

 

MOTIVAÇÃO

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se, essencialmente, nas posições assumidas pelas partes e na análise crítica da prova documental junta aos autos. O depoimento das duas testemunhas inquiridas, C... e D..., colaborador do Departamento de Contabilidade e contabilista certificado da Requerente, respetivamente, foi objetivo, consistente e credível, tendo corroborado a apreensão dos factos que resulta dos documentos.

 

A primeira testemunha confirmou que a B... é uma seguradora cliente do Banco e que adquire ativos financeiros – v.g., unidades de participação em fundos de investimento –  através da plataforma eletrónica que dá acesso a um leque diversificado de sociedades gestoras de fundos de investimento (na sua maioria estrangeiras) e aos seus portfolios de fundos de investimento. O Banco recebe e transmite, por via da plataforma, ordens de compra e de venda dos investidores, no caso a B... . Os fundos (ou melhor dito, as sociedades gestoras que os representam) não “conhecem” os clientes, são sempre pagos através do intermediário financeiro, o aqui Requerente.

 

Confirmou ainda a existência de documentação de suporte aos movimentos, consubstanciada em avisos de lançamento que são comunicados/enviados à B... .

 

No que se refere às comissões recebidas pelo Requerente afirmou que as mesmas têm origem no investimento feito pela B... e que perduram enquanto este se mantiver.

 

A segunda testemunha também confirmou que a B... é uma seguradora cliente do Requerente que no âmbito da sua atividade decidiu efetuar os seus investimentos por intermédio da plataforma do Requerente celebrando o correspondente Acordo.  Os pagamentos e recebimentos entre as Requerente e a B..., para além de estarem contratualizados e registados na contabilidade, foram efetuados através de movimentos feitos na conta (bancária) pelo que não há quaisquer dúvidas sobre os fluxos financeiros.

 

As comissões recebidas pela Requerente, que denominou de “inducements”, surgem na relação deste com as sociedades gestoras dos fundos, em razão ou na dependência dos valores investidos através da plataforma eletrónica, e não têm relação com a valorização dos ativos nos quais se concretizou o investimento. Os pagamentos que depois são devidos à B... incidem sobre este valor recebido, ainda que, em seu entender, tenham outra natureza.

 

As sociedades gestoras dos fundos têm o Requerente como único interlocutor nestas operações da B... e, bem assim, em todas aquelas em que seja usada a plataforma do Banco A... .

 

 

 

       FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não se provou a alegação do Requerente de que a B... atua, enquanto cliente do Requerente na qualidade de investidor direto (artigo 12.º do ppa), tendo ficado demonstrado, que, para as sociedades gestoras dos fundos ou F..., o único interlocutor é o Requerente, que coloca as ordens de compra e venda dos Ativos e procede aos respetivos pagamentos e recebimentos, sem prejuízo de o fazer por conta dos clientes.

 

Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

  1. Do Direito

 

2.1. Delimitação das Questões a Decidir

 

A principal questão em discussão – pressuposta na aplicação do regime previsto no artigo 23.º, n.ºs 4 e 6 do Código do IRC – prende-se com saber se os pagamentos efetuados à B... pelo Requerente constituem a remuneração de prestações de serviços, na aceção do IVA, realizadas pela B... [ao Requerente], no âmbito da relação contratual estabelecida no “Distribution Platform Agreement”, pelas quais aquela devesse ter procedido à emissão das correspondentes faturas ao Requerente, nos termos e para os efeitos dos artigos 4.º, n.º 1 e 29.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA.

 

Na circunstância de se concluir pela obrigação de emissão de faturas ditada pelo Código do IVA, interessa, ainda, para a solução jurídica do caso, determinar as consequências do seu incumprimento na esfera do adquirente, o aqui Requerente (que, cumpre notar, não é a entidade sobre quem recai essa obrigação de faturação, a qual impende sobre o sujeito passivo prestador dos serviços) à luz dos artigos 23.º, n.ºs 4 e 6, e 23.º-A, n.º 1, alínea c) do Código do IRC e dos princípios constitucionais invocados, da capacidade contributiva e da justiça ínsito no princípio material do Estado de Direito (artigos 104.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2 e 2.º, todos da CRP).

 

2.2.  Enquadramento para Efeitos de IVA

 

O conceito de prestação de serviços, para efeitos de IVA, consta do artigo 4.º, n.º 1 do Código deste imposto e abrange todas “operações efetuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens”, em linha com a definição do artigo 24.º, n.º 1 da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (“Diretiva IVA”), que o recorta como “qualquer operação que não constitua uma entrega de bens”. Trata-se de uma noção que atribui um extenso âmbito de aplicação ao IVA, resultante de uma delimitação residual pela negativa[1] que o caracteriza como imposto geral sobre o consumo de base alargada (broad based tax), ao ponto de se suscitarem dúvidas sobre a sua conformidade constitucional, por “faltar à norma o «elevado grau de determinação conceitual» exigível” nos termos do disposto no artigo 103.º, n.º 2 da CRP.

 

Sobre esta matéria, o Tribunal Constitucional pronunciou-se no Acórdão n.º 500/2009, de 30 de setembro de 2009, no qual conclui que o recurso a tal conceito jurídico [de prestação de serviços] não prejudica “a suscetibilidade de apreensão dos factos sujeitos a imposto por parte de um destinatário normal, nem tão pouco viola o princípio da legalidade tributária” (cf. artigo 102.º, n.º 3.º, da CRP).

 

Aquele Tribunal faz uma leitura articulada com a previsão do artigo 1.º, n.º 1 do Código do IVA, que determina estarem sujeitas a imposto as “prestações de serviços efetuadas em território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal”, reconduzindo-nos ao conceito de atividade económica que delimita o conceito de sujeito passivo e, afinal, toda a matéria de incidência objetiva e subjetiva do IVA, nos termos que constam do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA, segundo o qual são sujeitos passivos do imposto “[a]s pessoas singulares ou coletivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam atividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas atividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos da incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC)”.

 

A Diretiva IVA define sujeito passivo em moldes similares aos transpostos pelo Código do IVA, como “qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade” e atividade económica como “qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas” (cf. artigo 9.º, n.º 1).

 

Os conceitos de prestação de serviços e de atividade económica constituem, para este efeito [do IVA], conceitos autónomos de direito europeu e têm sido objeto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça (“TJ”), que confirma a latitude do âmbito de incidência do IVA, a sua independência do resultado das atividades (seja este lucrativo ou não) e a necessidade de um nexo direto (“direct link”) e de um vínculo sinalagmático entre a prestação do serviço e a sua contraprestação (remuneração) – cf. a título de exemplo, Acórdãos do TJ de 3 de março de 1994, Tolsma, C-16/93; de 20 de junho de 1996, Wellcome Trust, C-155/94; de 11 de julho de 1996, Régie Dauphinoise, C-306/94; de 29 de abril de 2004, EDM, C-77/01; de 6 de outubro de 2009, SPO Kärnten, C-267/08; de 29 de outubro de 2009, SKF, C-29/08; de 3 de setembro de 2015, Asparuhovo Lake, C-463/14, e demais jurisprudência aí citada.

 

Deste modo, a noção de contrato de prestação de serviços, prevista no artigo 1154.º do Código Civil – como “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição” – apresenta um âmbito e finalidade totalmente distintos e não tem qualquer aplicação no âmbito do IVA, atenta a disciplina legal e a jurisprudência supra citadas. Para efeitos deste imposto, são inclusivamente abrangidas no conceito prestações de non facere (como por exemplo, de abstenção ou não exercício de uma atividade[2]). 

 

Assim, a qualificação de uma operação como prestação de serviços realizada título oneroso para efeitos de IVA satisfaz-se com uma atuação que se enquadre no âmbito do desenvolvimento de uma atividade económica, no quadro de uma relação negocial sinalagmática em que sejam acordadas prestações recíprocas, uma(s) sendo remuneração ou contrapartida da(s) outra(s).

 

Na situação vertente, foi celebrado um contrato entre o Requerente e a B..., para utilização de uma plataforma eletrónica de distribuição de produtos financeiros, através da qual aquela pode efetuar aplicações financeiras em fundos de investimento. Por intermédio desta plataforma, a B... obtém o acesso a uma vasta rede de oferta de ativos financeiros. O Acordo celebrado prevê também a prestação pelo Requerente à B... de serviços de suporte à gestão, comercialização, registo e custódia de ativos na qualidade de intermediário financeiro, em conformidade com a Diretiva 2004/39/CE, de 21 de abril de 2004[3], relativa aos mercados de instrumentos financeiros (“Markets in Financial Instruments Directive” – MiFID, ou, em português, “DMIF”). Por estes serviços, o Requerente não cobra qualquer remuneração à B... . No entanto, os benefícios do Acordo não são exclusivos desta, prevendo-se, por banda do Requerente, que este passa a ter acesso, direto ou indireto, à rede de clientes da B..., materializando-se em comissões sobre os valores que sejam investidos enquanto o investimento se mantiver.

 

Com efeito, constata-se que, como intermediário que é, o Requerente – relativamente à atividade de investimento que a sua cliente B... desenvolva com recurso à plataforma –recebe comissões pelo trabalho de colocação dos ativos, calculadas sobre o volume do investimento realizado enquanto os ativos se mantiverem na sua esfera, as quais designa de retrocessões ou “inducements” (incentivos). Porém, estas comissões não são devidas e pagas ao Requerente pela B... ao abrigo do Acordo, mas pelos F..., i.e., pelas sociedades gestoras dos fundos de investimento, distribuidoras globais dos produtos financeiros. Sendo que a relação jurídica entre o Requerente e os F... (e, por conseguinte, as comissões devidas por estes àquele) não está regulada no, nem faz parte do Acordo celebrado com a B... .

 

            Sem prejuízo do exposto, o Acordo não é alheio às comissões devidas pelos F... ao Requerente, fazendo-lhes expressa menção e dedicando-lhe definições (Q) e cláusulas (16). É que estas comissões a que o Requerente tem direito com base noutra relação contratual e com outras partes (sujeitos), são acolhidas pelo Acordo (em análise) aplicável à relação entre o Requerente e a B... como pressuposto da estipulação de um encargo a cargo do Requerente: o do pagamento de 80% do que este vier a receber dessas outras partes. O Acordo estabelece explicitamente que a remuneração da B... nele prevista é proveniente das comissões que o Requerente cobra aos F..., o que ocorre no âmbito de outra relação jurídica, com outra causa, objeto e sujeitos.

 

Neste contexto, dispõe o Acordo que na medida em que as Transações ou os Ativos sob gestão ao abrigo do Acordo impliquem um ganho (“profit”) para o Requerente aquele pode pagar (“may pay”) à B... uma parte das comissões recebidas dos F... pelo trabalho de colocação dos Ativos, que foi fixada em anexo ao Acordo na expressiva percentagem de 80%.

 

            O Requerente alega que este encargo é facultativo por duas razões. A primeira prende-se com a expressão “may” empregue no Acordo que significa “pode” e não “deve”, pelo que o Requerente poderia pagar à B..., mas não estaria obrigado a fazê-lo. A segunda deve-se à previsão expressa de uma cláusula que determina que na medida em que as comissões não sejam pagas ao Requerente, a B... também não terá direito à correspondente remuneração.

 

Todavia, importa atender a que a redação de outras cláusulas do Acordo indicam que está subjacente um dever jurídico, pois nele se refere que se as comissões não forem pagas ao Requerente a B... não terá direito (“will not have any right”) à sua remuneração, o que tem implícito que se forem pagas e a condição negativa não se verificar, assistirá à B... o direito ao recebimento da sua alíquota. Aliás, subjaz à própria afirmação de que a partilha das comissões só é devida em caso de recebimento (ou de outra forma, de que não é devida se não ocorrer o seu recebimento pelo Requerente) o entendimento de que, se não fosse essa ressalva, o direito à remuneração subsistiria mesmo sem esse recebimento das comissões pelo Requerente. De outra forma seria desnecessária e redundante tal afirmação (cf. Cláusula 16(1) e (3)).

 

            Acresce que o direito ao recebimento da remuneração por parte da B... perdura mesmo para além da vigência do Acordo, mas é a atividade realizada sob a sua vigência a sua causa. Esta entidade continuará a cobrar a remuneração acordada ao Requerente enquanto os Ativos subscritos (adquiridos) através da Plataforma de Distribuição se mantiverem registados em nome daquele, até que sejam totalmente resgatados – Cláusula 16 (7).

 

Nas circunstâncias descritas, conforme sustenta o Requerente, a B... é cliente dos serviços de intermediação financeira prestados pelo Requerente. Tal qualidade (de cliente) não implica, contudo, que a B... não possa simultaneamente prestar serviços ao Banco e receber pelos mesmos a correspondente retribuição.

 

            Relativamente à tese do Requerente de que o pagamento à B... mais não é do que uma remuneração adicional do capital investido por esta através da Plataforma de Distribuição, i.e., um rendimento de natureza passiva, gerado pelo investimento nos fundos de investimento, e associado à mera detenção estática dos ativos financeiros (em geral, neste caso, unidades de participação), pelo que não decorreria do exercício de uma atividade económica, nem de uma prestação de serviços para efeitos de IVA, suscitam-se diversas objeções.

 

            Embora exista uma relação inequívoca entre os investimentos realizados pela B... e os pagamentos a esta devidos pelo Requerente, pois o valor da comissão recebida dos F..., e em 80% repassado pelo Requerente para a B..., é calculado sobre os investimentos efetuados pela B... através da sua Plataforma de Distribuição e enquanto estes se mantiverem, essa ligação não é, segundo entendemos, a da remuneração desses investimentos.

 

Na verdade, a B... não efetua qualquer investimento ou aplicação de capital no Requerente, que este possa remunerar em contrapartida. Acresce que a natureza desses pagamentos à B... está ligada às comissões do Requerente (associação esta que consta de forma expressa do Acordo). Tais pagamentos constituem, aliás, uma transferência ou passagem parcial dessas comissões, e essas, claramente, não são a remuneração de capitais investidos ou aplicações financeiras, pois o Requerente não investe nos fundos, antes é intermediário desse investimento. Estamos, portanto, perante comissões que, na esfera do Requerente, e isso não é controvertido, constituem a contraprestação do seu trabalho de colocação dos Ativos, de “distribuidor” dos fundos de investimento, via utilização da Plataforma de Distribuição por si desenvolvida. A sua partilha com a B... não pode ser caracterizada como remuneração pelo Requerente de um investimento desta, pois nem a B... investiu no Requerente, nem o Requerente investiu nos fundos.

 

De acordo com o parecer jurídico junto pelo Requerente, a razão de ser dessa partilha de comissões, também designadas de retrocessões ou inducements, nos moldes em que foi realizada, deve-se à regulação adotada pela União Europeia por referência aos mercados de instrumentos financeiros (Diretiva 2004/39/CE acima citada) e à atividade das empresas de investimento (Diretiva 2006/73/CE, de 10 de agosto de 2006, de execução da primeiramente referida), que consagra, como regime regra, a proibição de as empresas de investimento, no caso o Requerente, beneficiarem de incentivos financeiros ou de outra natureza para privilegiar os interesses de um outro cliente ou provenientes de outra pessoa que não o cliente, relativamente a serviços prestado ao cliente, situação em que se considera que a empresa de investimento não atua “de forma honesta, equitativa e profissional”. Esta disciplina visa acautelar as situações de conflitos de interesses que podem ocorrer no decurso da prestação de serviços de investimento e foi transposta pelo artigo 313.º do Código de Valores Mobiliários (“CVM”)[4], existindo algumas exceções à proibição, que implicam que seja divulgado ao cliente, de modo completo, o valor ou o método de cálculo da remuneração, antes da prestação da atividade de intermediação financeira, e que esta não prejudique o respeito do dever de atuar no sentido da proteção dos legítimos interesses do cliente, aqui a B... .

 

Neste quadro, a alternativa encontrada consistiu em transferir uma parte substancial – 80% – da comissão recebida pelo Requerente das sociedades gestoras de fundos de investimento, terceiros ao Acordo, para a sua cliente B... .

 

Para o Requerente, a circunstância de a B... não assumir a obrigação de realizar operações pelas quais deva receber comissões, nem sequer a de utilizar a Plataforma de Distribuição, seria razão bastante para considerar que não se verifica uma prestação de serviços. Para efeitos do conceito civilístico de prestação de serviços, certamente. Contudo, sendo o referente o conceito amplíssimo de prestação de serviços na aceção do IVA a resposta é, em nosso entender, distinta.

 

Para efeitos de IVA, o conceito de prestação de serviços não implica que esta seja realizada como a sequência necessária da assunção de uma obrigação. Independentemente de a realização da prestação de serviços ser vinculada e resultar de um dever jurídico, ou de ser efetuada sem que esse dever (de prestar) exista, se for realizada e os serviços efetivamente prestados cairá no âmbito de incidência do IVA, conquanto, em virtude da mesma, seja devida uma contraprestação, essa sim que decorra de um vínculo sinalagmático[5], e que apresente um nexo causal direto (direct link) com a prestação de serviços concretizada . 

 

É este o entendimento que se retira da jurisprudência consolidada do TJ em matéria de IVA. Com efeito, no Acórdão, de 3 de março de 1994, processo n.º C-16/93, Tolsma, são enumeradas as propriedades fundamentais que o conceito de prestação de serviços para efeitos de IVA reclama[6], nos seguintes moldes:

“12 – […] as operações tributáveis pressupõem, no âmbito do sistema do IVA, a existência de uma transação entre as partes com a estipulação de um preço ou de um contravalor. Daí o Tribunal de Justiça deduziu que, quando a atividade de um prestador consiste em fornecer exclusivamente prestações sem contrapartida direta, não existe matéria coletável não estando, portanto, estas prestações sujeitas ao IVA (v. acórdão de 1 de abril de 1982, Hong-Kong Trade Development Council, 89/81, Recueil, p. 1277, n.°s 9 e 10).

13 – Nos acórdãos de 5 de fevereiro de 1981, Coöperatieve Aardappelenbewaarplaats (154/80, Recueil, p. 445, n.° 12), e de 23 de novembro de 1988, Naturally Yours Cosmetics (230/87, Colect., p. 6365, n.° 11), o Tribunal de Justiça esclareceu a este respeito que a matéria coletável de uma prestação de serviços é constituída por tudo o que é recebido em contrapartida do serviço prestado e que, deste modo, uma prestação de serviços só é tributável se existir um nexo direto entre o serviço prestado e a contrapartida recebida (v. igualmente acórdão de 8 de março de 1988, Apple and Pear Development Council, 102/86, Colect., p. 1443, n.os 11 e 12).

14 – Do que precede resulta que uma prestação de serviços só é efetuada «a título oneroso», na aceção do artigo 2.°, ponto 1, da Sexta Diretiva, e só é assim tributável, se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transacionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efetivo do serviço fornecido ao beneficiário.” Este entendimento foi subsequentemente reiterado, por diversos arestos. A título de exemplo, assinalam-se os Acórdãos do TJ de 23 de dezembro de 2015, processos n.ºs C-250/14 e C-289/14, Air France – KLM e Hop!-Brit Air SAS; de 27 de março de 2014, processo n.º C-151/13, Le Rayon d’Or; e de 21 de março de 2002, processo n.º C-174/00, Kennemer Golf.

 

Na situação em apreço constata-se que:

  1. Existe uma convenção entre as partes – o Acordo – que estabelece uma relação negocial entre o Requerente e a B...;
  2. No quadro desta relação negocial, é acordado um valor a pagar pelo Requerente à B..., que se cifra em 80% das comissões que o primeiro receber das sociedades gestoras de fundos de investimento que comercializam os Ativos financeiros que sejam subscritos ou adquiridos pela B... . Estas comissões são calculadas sobre os montantes investidos pela B... na aquisição desses Ativos;
  3. Este pagamento não consubstancia uma liberalidade do Requerente. Não há animus donandi, mas, como referido, uma realidade negocial;
  4. O pagamento do Requerente à B... está relacionado com a utilização pela B... da Plataforma de Distribuição para colocar ordens de subscrição/aquisição de Ativos financeiros. Com esta utilização da Plataforma a B... está a permitir o acesso, direto ou indireto, do Requerente à sua rede de clientes (da B...), como referido no Considerando D do Acordo. A prestação de serviços da B... ao Requerente é, assim, esta disponibilização do acesso à sua carteira de clientes que adquirem produtos que são comercializados por intermédio da Plataforma de Distribuição daquele, e que é geradora de benefícios económicos na esfera do Requerente;
  5. Assim, de cada vez que a B... utilizar essa Plataforma para comprar os Ativos e enquanto estes se mantiverem, i.e., não forem resgatados ou alienados, assiste-lhe o direito a receber um valor que corresponde a 80% do valor da comissão a que o Requerente tenha direito junto dos F...;
  6. Não obstante, a B... somente terá direito à cobrança dos referidos 80% na condição de o Requerente conseguir receber as comissões que constituem a sua base de cálculo. 

 

Ressalta, desta forma, que o pagamento do Requerente à B... não é voluntário, nem aleatório, pelo contrário está pré-determinado no Acordo e obedece a critérios divulgados que permitem o seu enquadramento na exceção à proibição de benefícios de terceiros, constante do artigo 313.º do CMV. Este regime regulatório não colide, nem é incompatível com o enquadramento dessas comissões no campo de incidência do IVA.

 

Por outro lado, a condição de o pagamento à B... apenas ser devido se o Requerente receber a comissão dos F..., também não afeta a incidência de IVA. A operação só cai no âmbito de incidência se for de caráter oneroso, pelo que se não for devido o pagamento, nem sequer existe uma operação realizada a título oneroso.

 

À face do exposto, afigura-se que, na aceção do IVA, o pagamento realizado pelo Requerente à B... nas condições supra descritas configura a remuneração de uma operação que cai no campo de incidência do IVA, como prestação de serviços realizada a título oneroso, que suscita a obrigação de emissão de fatura ao abrigo dos artigos 4.º, n.º 1 e 29.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA.

 

            Além do mais, mesmo que se concordasse com o Requerente no sentido de que o pagamento à B... seria uma remuneração (que para efeitos de IVA teria de ser direta) fruto dos investimentos desta, e não se concorda, isso não significaria que essa remuneração estivesse fora do campo de aplicação do IVA e, portanto, dispensada da emissão de uma fatura, de acordo com o preceituado com o Código deste imposto. 

 

De facto, dependendo da sua natureza, os rendimentos financeiros podem ficar abrangidos no campo de incidência do IVA quando as operações a que respeitam sejam efetuadas no quadro de uma atividade comercial de negociação de títulos (Acórdão de 20 de junho de 1996, processo n.º C-155/94, Wellcome Trust), ou sejam o prolongamento direto, permanente e necessário de uma atividade tributável em IVA, como sucede com os juros que, nesse caso, se considera que não resultam da simples propriedade do bem e constituem antes contrapartida de uma colocação de um capital à disposição de terceiros (Acórdão de 11 de julho de 1996, processo n.º C-306/94, Régie Dauphinoise).

 

Por esta razão, no quadro do desenvolvimento de uma atividade empresarial, não podem ser excluídos do âmbito de aplicação do IVA os juros pagos a uma empresa para remuneração de depósitos bancários ou de aplicações em títulos, como as obrigações do Tesouro ou operações de tesouraria, pois uma empresa age na qualidade de sujeito passivo quando utiliza desta maneira fundos do seu património. Estas operações devem ser consideradas acessórias, pelo que apesar de isentas de IVA sem direito à dedução, não comportam a restrição do direito à dedução dos sujeitos passivos, no pressuposto de que implicam uma utilização muito limitada de bens ou de serviços onerados com IVA (Acórdão de 29 de abril de 2004, processo n.º C-77/01, EDM).

 

Se em grande parte dos Estados-Membros da União Europeia as operações financeiras, porque isentas de IVA, não geram a obrigação de emissão de fatura, conforme prevê o artigo 220.º, n.º 2 da Diretiva IVA (que remete para as isenções dos serviços financeiros e de seguros do artigo 135.º, n.º 1, alíneas a) da g) da mesma Diretiva) e não se coloca a questão que se suscita nestes autos arbitrais, essa não foi a opção do legislador português[7].

 

Os rendimentos financeiros que não são considerados a contraprestação de operações abrangidas pelo âmbito de incidência do IVA, de acordo com a interpretação uniforme do TJ são os dividendos e os rendimentos de aplicações em fundos de investimento (os rendimentos das próprias unidades de participação) - (Acórdãos de 29 de abril de 2004, processo n.º C-77/01, EDM; e de 26 de junho de 2003, C-305/01, MKG). A este respeito, o Requerente, labora em equívoco ao afirmar que “os rendimentos de aplicações em fundos de investimentos não são atividades sujeitas a IVA” qualificando os pagamentos em discussão nestes autos como tal.

 

Em primeiro lugar, os rendimentos não são atividades, são a remuneração de operações ou atividades. Em segundo lugar, os pagamentos que foram desconsiderados como gastos fiscalmente dedutíveis na esfera do Requerente e que estão, portanto, em discussão nos presentes autos arbitrais, não são os rendimentos produzidos pelos Ativos (unidades de participação), nem nada têm que ver com a respetiva valorização ou com mais-valias derivadas da sua venda. São comissões de comercialização desses Ativos, pelo que é estéril o exercício de tentar aplicar a jurisprudência europeia (do TJ) respeitante aos rendimentos dos próprios Ativos e, bem assim, a doutrina do Ofício-Circulado n.º 30.103, de 23 de abril de 2008 (ponto VII, B.), a uma realidade que deles não consta e a que não se referem.

 

Acresce ser inequívoco que as entidades em presença, o Requerente e a B..., agiram sempre na qualidade de sujeitos passivos de IVA, no âmbito do desenvolvimento de atividades económicas.

 

 

 

2.3.  A (In)Dedutibilidade dos Gastos em IRC

 

Confirmado que está que a B... prestou um serviço ao Requerente, de acordo com o disposto no Código do IVA (artigos 4.º, n.º 1 e 29.º, n.º 1, alínea b)),  em contrapartida do qual recebeu a importância de € 495.255,00, referente ao ano 2015, e que deveria ter-lhe emitido a correspondente fatura com observância do artigo 36.º, n.º 5 do mesmo Código, importa aferir se a consequência, para efeitos de IRC é, como preconizado pela AT, a não aceitação da dedução desse gasto por não estar “devidamente” suportado. 

 

Começa-se pela referência da AT, no articulado de resposta, a uma alegada redução artificial de proveitos do Requerente, relacionada com a emissão de notas de crédito, potenciadora de situações de fraude e evasão fiscais, que seria reforçada pelo facto de terem sido movimentadas contas de proveitos (a débito). Esta fundamentação não consta do RIT, pelo que constitui fundamentação a posteriori e, por isso, inadmissível. Além do mais é manifestamente incongruente com a existência de uma efetiva prestação de serviços da B... ao Requerente proclamada pela própria AT. Pois se, segundo a alegação da AT, tal prestação de serviços se constatou, pelo valor exato pelo qual foi contabilisticamente relevada, não se alcança onde radica a artificialidade da redução dos rendimentos do Requerente, nem o risco de fraude iminente. Do ponto de vista substantivo, estes serviços devem ser obviamente tidos em conta como componente (a subtrair) de cálculo do resultado (e lucro tributável) do Requerente. O que seria singular seria o Requerente adquirir serviços no decurso da sua atividade e não os considerar como gastos ou reduções aos rendimentos declarados.

 

Por outro lado, sobre a estranheza expressa na resposta da AT relativamente ao facto de terem sido movimentadas contas de rendimentos a débito (em vez de, subentende-se, contas de gastos), argumento do qual o RIT não extrai quaisquer consequências nem reputa ilegal, sempre se dirá que o mesmo conduz exatamente ao mesmo resultado contabilístico e fiscal que se verificaria se se tivessem movimentado as contas de gastos. O procedimento de contabilização adotado não foi merecedor de reparo na certificação legal de contas, nem a AT indica o fundamento legal, designadamente a norma ou princípio contabilístico, segundo o qual tal procedimento seria incorreto.

 

Para melhor compreensão, compulsam-se, de seguida, os artigos 23.º e 23.º-A), ambos do Código do IRC, que servem de fundamento à conclusão da AT de que os gastos não são dedutíveis, e que se transcrevem parcialmente:

 

“Artigo 23.º
Gastos e perdas

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

[…]

3 — Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito. 

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

  1. Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;
  2. Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;
  3. Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;
  4. Valor da contraprestação, designadamente o preço;
  5. Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados. 

5 - Revogado

6 - Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previstos no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.

 

Artigo 23.º-A
Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

[…]

c) Os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º, bem como os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou por sujeitos passivos cuja cessação de atividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º;

[…]”

 

A clarificação das condições de dedutibilidade dos gastos fiscais foi um dos pontos sobre que incidiu a Reforma do IRC, concretizada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, referindo o seu Anteprojeto[8] o propósito de eliminar divergências interpretativas sobre a questão da prova documental dos gastos contabilizados e inerente litigância.  Assim, o princípio geral de que são dedutíveis os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC é modelado por requisitos formais, devendo o sujeito passivo possuir documentos que os comprovem que devem conter os elementos essenciais de identificação das operações, seus intervenientes, valor e data, e, tratando-se de operações que suscitem a obrigação de emissão de uma fatura nos termos do Código do IVA, esses documentos devem revestir essa forma [de fatura]. 

 

O problema que se coloca é o da consequência para o sujeito passivo do incumprimento dos requisitos formais, que no caso da fatura, depende da respetiva emissão por terceiro, o prestador de serviços, assumindo a AT a posição de que, perante a falta desse documento, o gasto será desconsiderado no apuramento da matéria coletável de IRC, por incumprimento de um requisito formal.

 

Convém recordar que na situação em apreço o Requerente demonstrou a materialidade das operações que não vem questionada pela AT. Estas existiram efetivamente e geraram os fluxos financeiros no exato valor por que foram objeto de registo contabilístico a crédito na conta de rendimentos (comissões debitadas aos F...) e a débito na mesma conta das deduções aos rendimentos (pagamento do valor correspondente a 80% daquelas comissões à B...). Acresce que as operações estão documentalmente suportadas no Acordo celebrado, em avisos de lançamento emitidos que sustentam os registos contabilísticos e nos documentos usuais da prática bancária: os extratos de conta.

 

Do conjunto dos documentos referidos resultam os elementos essenciais de informação exigidos pelo artigo 23.º, n.º 4 do Código do IRC, pelo que não assiste razão à AT quando refere que os gastos não seriam dedutíveis, por incumprimento do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º, sendo que o n.º 3 admite que a comprovação documental se efetue por qualquer meio, i.e., “independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito”. 

 

A questão que se coloca é, pois, uma só: a de saber se as operações cuja existência material ficou demonstrada, e que estão documentadas nos moldes referidos contendo os elementos de identificação essenciais, pelo facto de não se encontrarem tituladas por faturas emitidas pelo prestador dos serviços (a B...), como postula o artigo 29.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA, não são fiscalmente dedutíveis por aplicação do artigo 23.º, n,º 6 do Código do IRC.

 

A norma em apreço foi introduzida com a Reforma do IRC para resolver interpretações divergentes a propósito de questões de “documentação probatória”, como refere o Anteprojeto da Reforma[9], passando a ser obrigatória a posse de uma fatura para efeitos de dedução dos gastos em IRC. Não obstante, afigura-se que a inclusão deste novo requisito formal – a posse de uma fatura – que passou a constar do artigo 23.º, n.º 6 do Código do IRC, se coloca no plano da comprovação das operações, ad probationem, e não no dos seus pressupostos materiais, ad substantiam, e tem por finalidade complementar as medidas de combate à fraude e evasão fiscais.

 

Deste modo, cremos que se mantêm válidas as considerações de Rui Morais anteriores à Reforma do IRC no sentido de que, para comprovação documental dos gastos, “o sujeito passivo deve ser admitido a complementar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito”, pois “a não aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efetivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva.” – cf. Apontamentos ao IRC, Almedina, 2007, pp. 79-80.  No mesmo sentido aponta a jurisprudência do STA, como, a título ilustrativo, a constante dos Acórdãos de 5 de julho de 2012, processo n.º 658/11, e de 14 de setembro de 2011, processo n.º 433/11.

 

Tendo-se chegado na situação concreta à conclusão, inequívoca, de que os gastos foram efetivamente incorridos pelo Requerente no exercício da sua atividade, estão suportados por documentos (embora não por faturas) e que inexiste risco de fraude afigura-se que os mesmos se devem considerar dedutíveis.

 

Desde logo, por um argumento literal, pois o artigo 23.º, n.º 6 do Código do IRC não estatui a indedutibilidade dos gastos por falta de fatura. Por outro lado, o artigo 23.º-A, que enumera os encargos não dedutíveis para efeitos fiscais, opera uma remissão, na alínea c) do seu n.º 1, para os n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º, mas não para o n.º 6 que prevê a obrigatoriedade da fatura, o que não pode deixar de significar uma distinção no tratamento e efeitos que merecem os gastos não devidamente documentados, no sentido daqueles aos quais faltam elementos essenciais de identificação das transações (enumerados no n.º 4), e os gastos que estão comprovados por via documental com menção a todos esses elementos, mas não suportados em fatura, como sucede neste caso.

 

Conclusão similar é válida no domínio do IVA, no qual está há muito cristalizada a obrigação de faturação e enraizado o “caráter sacramental” da fatura. A jurisprudência constante do tribunal europeu nesta matéria é a de que “o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C-385/09, EU:C:2010:627, n.º 42; de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. Wąsiewicz, C-280/10, EU:C:2012:107, n.º 43; e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C-183/14, EU:C:2015:454, n.ºs 58, 59 e jurisprudência aí referida).” – cf. Acórdão de 15 de setembro de 2016, C-516/14, Barlis.

 

Veja-se, a este respeito, a síntese da interpretação que tem vindo a ser feita pelo TJ que consta da decisão do CAAD no processo n.º 96/2018-T, de 30 de outubro de 2018:

 

            “[…] o TJ conclui que o artigo 178.º, alínea a) da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito à dedução do IVA pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.º, n.º 6 desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos – cf. Acórdão Barlis, n.º 43 e dispositivo.

 

            Esta posição já tinha sido anteriormente sufragada nos Acórdãos de 30 de setembro de 2010, Uszodaépito kft, C-392/09; de 21 de outubro de 2010, Nidera, C-385/09; de 1 de março de 2012, Kopalnia (ou Polsky Trawertyn), C-280/10; de 27 de setembro de 2012, VSTR, C-587/10; de 8 de maio de 2013, Petroma, C-271/12; de 18 de julho de 2013, Evita-K EOOD, C-78/12; de 6 de fevereiro de 2014, SC Fatorie, C-424/12 e de 11 de dezembro de 2013, Idexx Laboratories, C-590/13. Esta jurisprudência constante do TJ afirma que, sem prejuízo da importante função documental da fatura, na medida em que pode conter dados controláveis, conquanto estejam cumpridos e demonstrados os requisitos substantivos, a não observância das formalidades não pode, em princípio, levar à supressão do direito à dedução do IVA, reforçando que este «garante a neutralidade na aplicação do IVA, pelo que não poderá ser recusado somente porque os sujeitos passivos negligenciaram certos requisitos formais, quando os requisitos substantivos tenham sido cumpridos» – cf. Acórdão Uszodaépito kft, n.º 38).

 

            Na interpretação do TJ, a exigência de dispor de fatura em todos os pontos conforme com as disposições da Diretiva IVA teria uma consequência inaceitável: a de pôr em causa o direito à dedução do sujeito passivo, quando os dados podem ser validamente comprovados através de outros meios que não sejam uma fatura – cf. n.º 48 do Acórdão Kopalnia.

 

            Acresce, neste ponto, e conforme referido na decisão arbitral n.º 3/2014-T, de 6 de dezembro de 2016, convocar o Acórdão de 12 de julho de 2012, EMS Bulgaria, C-284/11, «que coloca a questão dos efeitos associados ao incumprimento de formalidades no domínio sancionatório e não no plano (bem distinto) dos efeitos impeditivos ou extintivos do exercício do direito (substantivo) à dedução». 

 

            O referido entendimento tem sido reforçado em jurisprudência posterior, designadamente no Acórdão de 15 de novembro de 2017, Rochus Geissel, C-374/15, que recorda que o direito à dedução do IVA não pode, em princípio, ser limitado, e que o regime de deduções visa libertar completamente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas, pelo que a dedução do IVA pago a montante deve ser concedida se os requisitos substanciais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (n.ºs 40 a 46 do Acórdão Rochus Geissel).

 

            De igual forma, o Acórdão de 15 de setembro de 2016, Senatex, C-518/14, reitera a anterior posição antiformalista e perfilha o entendimento de que, caso ocorra a retificação de faturas que contenham erros (ou omissões), a mesma produz efeitos (retroativos) à data em que as faturas foram inicialmente elaboradas – Acórdão Senatex, n.ºs 35 a 43 e dispositivo. 

 

            Porém, em situações de fraude, por exemplo, quando a violação das «exigências formais tiver por efeito impedir a prova certa de que as exigências materiais foram observadas», o TJ confirma a admissibilidade, à luz do direito europeu, da recusa do direito à dedução. Neste caso, é necessário que se demonstre que o sujeito passivo «não cumpriu fraudulentamente, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, a maior parte das obrigações formais que lhe incumbiam para poder beneficiar deste direito.» – cf. Acórdão de 28 de julho de 2016, Giuseppe Astone, C-332/15, n.º 42 e ponto 2 do dispositivo.

 

            A doutrina nacional é parametrizada pela jurisprudência europeia. Segundo Sérgio Vasques, «[a] complexidade que reveste o regime das faturas e a margem de liberdade que ainda é deixada aos estados-membros nesta matéria têm levado à multiplicação de litígios junto do TJUE relativos aos requisitos formais para o exercício do direito à dedução do IVA. Nas suas decisões o tribunal, reiterando embora a função da fatura como suporte do direito à dedução, em correspondência com o artigo 178.º da Diretiva, tem permitido que sobre este requisito de forma prevaleça a substância das operações, sempre que isso se mostre necessário para garantir a neutralidade do IVA e não coloque risco demasiado» – cf. O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2015, pp. 340-345 (excerto de p. 341).

 

Miguel Durham Agrellos e Paulo Pichel, também com apoio na jurisprudência comunitária, consideram que os vícios formais apenas são passíveis de impedir o direito à dedução se puserem «razoavelmente em causa a capacidade de cobrança correta do imposto e de fiscalização pelas autoridades tributárias, de tal modo que esta não está em condições de conhecer a realidade material subjacente, em face dos elementos apresentados pelo sujeito passivo» – cf. “Jurisprudência do TJUE sobre Exigências de Forma das Facturas e Direito à Dedução do IVA”, Cadernos IVA 2015, Coord. Sérgio Vasques, Almedina, 2015, pp. 191-211 (o excerto de p. 194).

 

            Também Cidália Lança refere que «de acordo com a jurisprudência daquele Tribunal [TJ], o princípio da neutralidade exige que a dedução do IVA seja concedida se os requisitos substantivos tenham sido cumpridos, mesmo se os sujeitos passivos tiverem negligenciado certos requisitos formais» – cf. Anotação ao artigo 36.º do Código do IVA: Código do IVA e RITI Notas e Comentários, Coord. e Organização Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos, Almedina, 2014, p. 340.

 

Se é assim para efeitos de IVA, imposto em que a fatura é fundamental, pois é nela que se procede à liquidação do imposto, à repercussão (jurídica) ao destinatário, e é a base do exercício do direito à dedução (“um cheque sobre o Tesouro”), sendo o método subtrativo indireto do IVA denominado de “método da fatura”, por maioria de razão o há de ser em IRC.

 

Nestes termos, tendo o Requerente comprovado a materialidade das operações inseridas no desenvolvimento da sua atividade, relativamente às quais possui um acervo de documentos de cuja conjugação resultam os elementos descritores essenciais exigidos no artigo 23.º, n.º 4 do Código do IRC, e não se suscitando risco de fraude e evasão, a solução jurídica do caso concreto à luz da interpretação que se preconiza dos artigos 23.º e 23.º-A do Código do IRC, é a da dedutibilidade dos gastos em apreço. Esta solução, que se alcança no patamar infraconstitucional, é, de igual forma, a que melhor corresponde a uma interpretação conforme aos princípios da igualdade tributária (na vertente de capacidade contributiva) e da proporcionalidade consagrados na Lei Fundamental (artigos 13.º, 18.º, n.º 2 e 103.º, n.º 2 da CRP).

 

 

2.4.  Sobre o Direito a Juros Indemnizatórios

 

O direito a juros indemnizatórios alicerça-se no artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida. Dispõe esta norma que “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

Os atos de liquidação de IRC e de juros compensatórios objeto desta ação enfermam de vício material por erro nos pressupostos, estando em causa a errada interpretação e aplicação de normas de incidência tributária por parte da AT e tem sido pacificamente entendido que os Tribunais Arbitrais tributários têm competência para proferir pronúncias condenatórias em moldes idênticos aos que são admitidos no processo de impugnação judicial, incluindo, portanto, as que derivam do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT.

 

            Retomando a situação em análise, a Requerente comprovou a ilegalidade substantiva dos atos tributários de liquidação de IRC e de juros compensatórios e o pagamento da importância impugnada. Esta prestação tributária não decorria da lei e é atribuível a erro na interpretação e aplicação do regime previsto nos artigos 23.º, n.ºs 3, 4 e 6 e 23.º-A, n.º 1, alínea c) do Código do IRC, o qual não pode deixar de ser imputável à AT, que emitiu estes atos tributários, cobrando com caráter indevido, por ilegal, a correspondente prestação tributária. 

 

            Nestes termos, consideram-se verificados os pressupostos legais do direito a juros indemnizatórios, em conformidade com o artigo 43.º, n.º 1 da LGT.

 

* * *

 

            À face do exposto, os atos tributários de liquidação de IRC e de juros compensatórios, relativos ao exercício de 2015, enfermam, na parte impugnada, de erro de direito pelo que devem ser anulados no valor de € 132.323,46, em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”).

 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, designadamente as relativas aos gastos especializados. 

 

 

  1.  DECISÃO

 

            Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar totalmente procedente:

 

  1. o pedido de anulação parcial dos atos tributários de liquidação de IRC e de juros compensatórios supra identificados, referentes ao exercício de 2015;
  2. o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios contados nos termos do artigo 43.º da LGT, tudo com as legais consequências.

 

* * *

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 132.313,46 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

            Custas no montante de € 3.060,00, a cargo da Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Lisboa, 16 de janeiro de 2019

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT]

 

 

 

Os Árbitros,

 

 

 

Alexandra Coelho Martins

 

 

 

 

Adelaide Moura

 

 

 

Nina Aguiar

 



[1] Como referem Ben Terra e Julie Kajus, Chapter 4 – Taxable Transactions in Commentary – A Guide to the Recast VAT Directive (IBFD 2017), Commentaries on European VAT Directives IBFD, acedido em linha, p. 784.

[2] A este respeito vide a título de exemplo os Acórdãos do TJ, de 26 de fevereiro de 1996, processo n.º C-215/94, Jürgen Mohr, e de 18 de dezembro de 1997, processo n.º C-384/95, Landboden.  

[3] Diretiva entretanto revogada pela Diretiva 2014/65/UE, de 15 de maio de 2014, que não estava em vigor à data dos factos.

[4] Cuja fonte é o artigo 26.º, em conjugação com o artigo 21.º, ambos da Diretiva de execução.

[5] Na sequência do qual sejam estabelecidas prestações recíprocas.

[6] Sem prejuízo de, nesse caso concreto, o TJ ter considerado não se estar em presença de uma prestação de serviços, relativamente a um músico que tocava realejo na rua, em Amsterdão, e que solicitava o pagamento na rua e à porta das lojas, recebendo dinheiro das pessoas que passavam.

[7] Exceto no caso de sujeitos passivos que desenvolvam exclusivamente operações isentas deste imposto que não conferem o direito à dedução – cf. artigo 20.º, n.º 3, alínea a) do Código do IVA.

[9] Cf. pp 88 e 99 do Anteprojeto.