Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 235/2018-T
Data da decisão: 2019-01-03  IRS  
Valor do pedido: € 1.792.662,66
Tema: Cláusula geral antiabuso - Caducidade. Prazo de instauração do procedimento. Aplicação da lei no tempo
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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

 

            Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos outros Árbitros), Prof. Doutor Tomás Cantista Tavares e Prof. Doutor Jónatas Machado, designados pelos Requerentes e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 19-07-2018, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

           

A..., NIF..., e sua mulher B..., NIF..., residentes na Rua ..., n.º..., ...-... ...;

C..., NIF..., e sua mulher D..., NIF..., residentes na Rua da ..., n.º..., ...-... ...,

E...., NIF..., e sua mulher F..., NIF..., residentes na Rua ..., n.º..., ...-... ...

 

(doravante designados conjuntamente como “Requerentes”), vieram requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).

A... e sua mulher B..., impugnam as seguintes liquidações:

– n.º 2018..., relativa a IRS do ano de 2013, no montante de 132.347,58 Euros o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios, (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)

– n.º 2018..., relativa a IRS do ano de 2014, no montante de 150.328,64 Euros, o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido) e

– n.º 2018..., relativa a IRS do ano de 2015, no montante de 338.791,17 Euros, o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)

 

C... e sua mulher D..., impugnam as seguintes liquidações:

– n.º 2018..., relativa a IRS do ano de 2013, no montante de 116.149,20 Euros, o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– n.º 2018..., relativa a IRS do ano de 2014, no montante de 148.219,62 Euros o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido) e

– n.º 2018..., relativa a IRS do ano de 2015, no montante de 328.908,41 Euros, o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)

 

E... e sua mulher F... impugnam as seguintes liquidações:

– n.º 2018..., relativa a IRS do ano de 2013, no montante de 107.723,94 Euros, o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– n.º 2018..., relativa a IRS do ano de 2014, no montante de 128.057,34 Euros, o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido) e

– n.º 2018..., relativa a IRS do ano de 2015, no montante de 313.486,51 Euros, o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 08-05-2018.

Em 29-06-2018, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 19-07-2018.

A AT apresentou resposta em que defendeu que deve julgar-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

Em 19-12-2018, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que foi produzida prova testemunhal e as Partes alegaram oralmente.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

  1. Os Requerentes B..., E... e D... são todos irmãos, filhos do fundador do grupo G..., E..., NIF ... e de H..., NIF...;
  2. B... é casada com A..., constituindo um agregado familiar para efeitos de IRS;
  3. E... é casado com F..., constituindo um agregado familiar para efeitos de IRS;
  4. D... é casada com C..., constituindo um agregado familiar para efeitos de IRS;
  5. E... e H... possuem uma quarta filha, I..., NIF..., casada com J..., NIF...;
  6. Em 02-10-2006, pelos ora Requerentes (por cada casal requerente) foram constituídas as seguintes sociedades:

- K...- SGPS, Lda, constituída pelos Requerentes D... e seu marido, C..., em 2 de Outubro de 2006;

- L... SGPS, Lda, constituída pelos Requerentes E... e sua mulher, F..., também em 2 de Outubro de 2006;

- M..., SGPS, Lda, constituída pelos ora Requerentes B... e seu marido, A..., também em 2 de Outubro de 2006;

  1. As relações societárias entre as pessoas singulares e as sociedades nos presentes autos são as que se sintetizam no quadro que segue:

  1. Foram realizadas acções inspectivas aos Requerentes em que foram efectuadas correcções relacionadas com a aplicação da cláusula geral antiabuso, prevista no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, que se sintetizam no quadro que segue:

  1. Em 25 de Outubro de 2006, C... e D... venderam à K... as 221.148 acções de que eram titulares na holding da família – a N..., SGPS - representativas de 10% do respectivo capital, pelo preço de €5.490.285,35 (que corresponde a €24,83 por acção (III. 1.2 A do RIT);
  2. Em 25 de Outubro de 2006, B... e seu marido, A... venderam à M... as 221.148 acções de que eram titulares na holding da família - a N... SGPS - representativas de 10% do respectivo capital, pelo preço de €5.490.285,35 (que corresponde a €24,83 por acção (III. 1.2 A do RIT que fundamenta a liquidação emitida em nome destes Requerentes);
  3. Em 25 de Outubro de 2006, E... e sua mulher, F... venderam à O... as 221.148 ações de que eram titulares na holding da família - a N... SGPS -- representativas de 10% do respectivo capital, pelo preço de €5.490.285,35 (que corresponde a €24,83 por acção - III. 1.2 A do RIT);
  4. Em todos os casos, cada uma das sociedades adquirentes registou na respectiva contabilidade um débito para com os vendedores no valor correspondente ao preço de venda;
  5. Em cada um dos contratos de compra e venda de acções nada ficou previsto quanto ao pagamento do preço;
  6. A sociedade K... foi procedendo, ao longo dos anos, a pagamentos parciais da dívida no montante de € 5.490.285,35 contraída para com os seus sócios em razão da atrás referida aquisição de acções da N... SGPS, como se segue:

2006 - € 0

2007 - € 66.450,00

2008 - € 465.254,55

2009 - € 355.613,95

2010 - € 25.000

2011 - € 0

2012 - € 889.070,00

2013 - € 177.566,44

2015 - €1.072849,04

Num total de € 3.298.313.98 (página 16 do respectivo RIT), estando em dívida, em 31-12-2015, o montante de € 2.191.971,37;

  1. A sociedade M... foi procedendo, ao longo dos anos, a pagamentos parciais, aos seus sócios, da dívida no montante de € 5.490.285,35, contraída em razão da atrás referida aquisição de ações da N... SGPS, como se segue:

2006 - 0

2007 - € 156.000,00

2008 - € 467.100,00

2009 - € 18.400,00

2010 - € 1.880,21

2011 - 0

2012 - € 683.750.00

2013- € 177.000,00

2014- 0

2015 - € 1.256.280,40

Num total de € 2.760.410.61 (página 16 do respectivo RIT), estando em dívida em 31-12-2015 o valor de € 2.729.874,74;

  1. A sociedade O... foi procedendo, ao longo dos anos, a pagamentos parciais, aos seus sócios, da dívida no montante de € 5.490.285,35 contraída em razão da atrás referida aquisição de ações da N... SGPS, como se segue:

2006 - 0

2007 - € 395.000,00

2008 - € 451.463,86

2009 - € 198.382,96

2010 - € 900,00

2011 - 0

2012- € 879.630,074

2013 - € 174.936, 44

2014 - € 212.620,00

2015 - € 1.053.000,00

Num total de € 3.365.934,00 (página 16 do respectivo RIT), estando em dívida em 31-12-2015 o montante de € 2.174.351,35;

 

  1. Os rendimentos obtidos por cada uma das SGPS em causa (K..., O... e M...) resultam, total ou essencialmente, dos lucros distribuídos pelas suas participadas, nomeadamente a N... SGPS, pois nenhuma das SGPS referidas possui quaisquer outras participações sociais;
  2. As compras e vendas de acções foram comunicadas a Administração Tributária, relativamente a todas as operações em causa, por declarações apresentadas em 20-11-2006 (cópias das referidas declarações que constam dos documentos n.ºs 11, 12 e 13 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  3. O Grupo G... vinha-se reestruturando desde 1993, ano da criação da N..., SA (Relatório da Inspecção Tributária e depoimento da testemunha P...);
  4. Q... intentou, em 30 de janeiro de 2006 uma acção de investigação de paternidade contra o ... E... (documento n.º 10, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5.  A instauração de tal processo de investigação de paternidade foi causa próxima da constituição da K..., da O... e da M... (depoimento da testemunha P...);
  6. A criação de tais sociedades, em 2006, poucos meses após a citação do ... E... em tal processo de investigação de paternidade, e a imediata transmissão para elas de 30% do capital da N... SGPS visava, no imediato, criar condições que impedissem que a referida R... viesse a tornar-se sócia das sociedades do grupo, caso fosse reconhecida como filha - e, portanto, herdeira – do fundador do Grupo;
  7.  A constituição das sociedades foi efectuada de acordo com parecer obtido de advogado no sentido de a prática de actos societários ser obstáculo à entrada referida R... nas sociedades que constituíam o grupo G... (depoimento da testemunha P...);
  8. As operações levadas a cabo em 2006 foram um segundo passo na estratégia de reorganização empresarial e jurídica do grupo G..., encetada em 1993 (depoimento da testemunha P...);
  9. Os filhos do ... E... (e respectivos cônjuges) acordaram na divisão dos bens da futura herança, que são essencialmente participações sociais, por o património estar na titularidade da S... Imobiliária, SA, NIF ... (depoimento da testemunha P...);
  10. Segundo esse acordo, cada família da 2.ª geração assumirá participações dominantes em determinadas sociedades do grupo (aquelas que efectivamente já gere) e todos continuarão a participar numa outra sociedade, que deterá participações minoritárias nas diferentes sociedades operativas (tendo em vista continuar a assegurar a unidade do Grupo G...) (depoimento da testemunha P ...);
  11. Os filhos do ... E... entenderam que a propriedade das participações sociais nas diferentes sociedades do grupo G... que já lhes pertenciam e a das que lhes venham a pertencer por morte do pai deveriam passar a ser tituladas por holdings, uma para cada família, cujo capital, em devido tempo, será transmitido, de forma organizada e atentas as situações e preferências individuais, para os respetivos filhos (para a terceira geração); (depoimento da testemunha P...);
  12. As designações das três holdings M..., L... e O... foram escolhidas construídas com base nos nomes dos filhos de cada um dos casais ou, no caso da M..., o nome o filho mais velho (depoimento da testemunha P...);
  13. As três holdings M..., K... e O... foram constituídas tendo em conta a repartição de áreas de actividade do grupo G... (depoimento da testemunha P...);
  14. Os preços de venda das acções eram aqueles pelos quais estavam contabilizadas e que P...);
  15. A Autoridade Tributária e Aduaneira levou a cabo, em 2017, uma inspecção tributária a cada um dos casais Requerentes, tendo por objecto os anos de 2013, 2014 e 2015, tendo efectuado correcções baseadas na aplicação da cláusula geral antiabuso, com fundamentação idêntica que consta dos Relatórios da Inspecção Tributária, incluídos no processo administrativo, cujos teores se dão como reproduzidos;
  16. Nos Relatórios da Inspecção Tributária refere-se, além do mais o seguinte: ( [1] )

III.1. DESCRIÇÃO DOS FACTOS APURADOS

III.1.1 CONSTITUIÇÃO DAS SOCIEDADES

III.1 a) Constituição da sociedade N... SGPS, SA

Em 31 de Dezembro de 1993 foi registada na Conservatória do Registo Predial/Comercial de  ... a constituição da sociedade anónima denominada N... SGPS, SA, com o capitai social de €11.057.395,00, representado por 2.211.479 ações com valor nominal de €5,00 cada, tendo por objeto social a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta do exercício de atividades económicas - encontrando-se juridicamente regulada pelo Decreto-Lei n.º 495/8S6, de 30 de Dezembro - com sede em ..., freguesia de ..., concelho de ... .

A constituição da N... SGPS inseriu-se na reorganização da estrutura do Grupo G... que teve lugar em 1993, e incluiu, para além da constituição desta holding de cúpula, de uma sub-holding (T..., SGPS, SA) para controlo de todas as empresas com atividade comercial.

Desde então, e até Fevereiro de 2016, o capital social desta holding manteve-se inalterado. A 26 de Fevereiro de 2016 assiste-se a um aumento de capital da sociedade, passando esto a cifrar-se em €14.529.635,00.

Para sintetizar os principais factos societários apresenta-se o seguinte quadro, que se reporta à data dos factos (anos de 2013, 2014 e 2015):

 

(...)

III.1.1 b) Constituição da sociedade Investimentos Imobiliários U..., SA

Em 12 de Junho de 1991 foi registada na Conservatória do Registo Predial/Comercial de ... a constituição da sociedade por quotas atualmente denominada INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS V... SGPS, SA (na data da sua constituição adotou a firma W..., Lda), tendo por objeto social a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim e investimentos imobiliários, e como atividade acessória, o arrendamento de bens imóveis e a prestação de serviços relacionados com a disponibilização de bens imóveis. A sua sede social foi fixada na Rua ..., nº..., em ..., tendo sido constituída com um capital social de €9.975,96, representado por duas quotas iguais no valor de €4.987,98 cada (detidas por marido e mulher - ela, irmã de B..., D... e E...), conforme se esquematiza:

Mais tarde, mediante deliberação de 04 de Junho de 2007, teve lugar um aumento de capital para €50.000,00, integralmente realizado em dinheiro, tendo, simultaneamente, a sociedade por quotas U... sido transformada em sociedade anónima, passando o seu capital social a ser representado por 50,000 ações, com o valor nominal de €1,00 cada. Esta informação consta de Certidão Permanente, consultada em 09-02-2017 (ver Anexo 2, de 5 folhas).

 

III.1.1 c) Constituição da sociedade V... SGPS, SA

Da Cisão Simples da sociedade U..., ocorrida no dia 19 de Maio de 2011 (e registada a 24 de Maio na Conservatória do Registo Predial/Comercial de ...) resultou a constituição de uma nova sociedade anónima, denominada V... SGPS, SA.

Esta nova sociedade foi constituída com o capital social de €50.000,00, representado por 50.000 ações ao portador, com valor nominal de €1,00 cada, tendo por objeto social a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta do exercício de atividades económicas; em complemento desta atividade principal, a sociedade poderá ainda prestar serviços técnicos de administração e gestão às sociedades em que possua participação ou com as quais tenha celebrado contrato de subordinação - encontrando-se juridicamente regulada pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro.

A sua sede social foi fixada no mesmo locai da U... (sociedade cindida): Rua ..., nº..., em ... .

Para sintetizares principais factos societários apresenta-se o seguinte quadro:

(...)

III.1.1 d) Constituição da sociedade M... SGPS, Lda

Em 02 de Outubro de 2006, foi constituída a sociedade por quotas M... SGPS. Lda, NIF..., tendo por objeto social s gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta do exercício de atividades económicas - encontrando-se juridicamente regulada pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30/12 - com sede na Rua..., no lugar de ..., freguesia de..., concelho de..., e com o capital social de €25.000,00, representado por duas quotas iguais no valor de €12.500,00 cada (detidas por marido e mulher - ela, irmã de D... e de E...), conforme se esquematiza:

Na data da constituição da M... SGPS, ambos os sócios foram nomeados gerentes, bastando para obrigar a sociedade, a assinatura de um deles.

(...)

III.1.1 e) Constituição da sociedade L... SGPS, Lda

Em 02 de Outubro de 2006, foi constiuída a sociedade por quotas L... SGPS, Lda, NIF..., tendo por objeto social a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta do exercício de atividades económicas - encontrando-se juridicamente regulada pelo Decreto-Lei n,º 495/88, de 30/12 - com sede na Rua ..., no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., e com o capital social de €25.000,00, representado por duas quotas iguais no valor de € 2.500,00 cada (detidas por marido - ele, irmão de B... e de D...- e mulher), conforme se esquematiza:

Na data da constituição da L... SGPS, ambos os sócios foram nomeados gerentes, bastando para obrigar a sociedade, a assinatura de um deles.

 (...)

III.1.1 f) Constituição da sociedade K... SGPS, Lda

Em 02 de Outubro de 2006, foi constituída a sociedade por quotas K...  SGPS. Lda, NIF..., tendo por objeto social a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta tio exercício de atividades económicas - encontrando-se juridicamente regulada pelo Decreto-Lei n.º 4S5/88, de 30/12 - com sede na Rua ..., no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., e com o capital social de €25.000,00, representado por duas quotas iguais no valor de €12.500,00 cada (detidas por marido e mulher - ela, irmã de B... e de E...), conforme se esquematiza:

Na data da constituição da K... SGPS, ambos os sócios foram nomeados gerentes, bastando para obrigar a sociedade, a assinatura de um deles.

(...)

III.1.2 ALIENAÇÃO DAS PARTICIPAÇÕES SOCIAIS DA N... SGPS

III.1.2 A) Alienação de 10% da N... SGPS à K... SGPS por C... e D...

Em 25 de Outubro de 2006 (apenas três semanas depois da constituição da K... SGPS), foi outorgado Contrato de Compra e Venda de Ações (que se junta em Anexo 7. de 2 folhas), mediante o qual C... e D... transmitiram à K... SGPS as 221.148 ações de que eram titulares na holding da família - a N... SGPS - representativas de 10% do respetivo capital social - pelo preço de €5 490.285,35 (que corresponde a €24,83 por ação);

 

Através do referido contrato, os sócios da M... SGPS alienaram 10% do capital que detinham na N... SGPS, pelo valor global de €5.490.285,35, como se demonstra no quadro infra:

Deste modo, na contabilidade da M... SGPS foi reconhecido em 25 de Outubro de 200S, um débito àquela ex-acionista da N... SGPS, no montante global de €5.490.285,35.

Esta dívida foi relevada contabilisticamente como um Passivo pela M... SGPS, na conta 271112101 -Fornecedores de Imobilizado - A Médio e Longo Prazo -B..., cujos saldos evidenciaram a seguinte evolução desde então:

De referir que o aludido Contrato de Compra e Venda de Ações é omisso quanto ao pagamento do preço, não definindo qualquer prazo limite para a sua ocorrência, nem estabelecendo qualquer valor ou periodicidade para um eventual pagamento em prestações.

Este facto não é despiciendo, porquanto revela a verdadeira essência e objetivo da operação em causa.

Refira-se ainda que a M... SGPS, na altura da aquisição de 10% do capital da N... SGPS, detinha (e ainda detém atualmente), um capital social e um capital próprio, irrisórios, quando comparados com a dívida que assumiu, pelo que a realização desta operação se encontra destituída de qualquer racionalidade económica; na realidade, ela só foi possível atendendo ás relações especiais (a que alude o artigo 63º do CIRC) que existem entre os alienantes da N... SGPS e os sócios da M... SGPS (são as mesmas pessoas).

De facto, não é crível que, caso a operação de alienação ocorresse entre pessoas/entidades independentes, não fossem estabelecidos prazos de pagamento e inexistissem garantias para a eventualidade de incumprimento dos termos do contrato, designadamente do pagamento do preço.

Apresenta-se de seguida quadro resumo dos pagamentos efetuados pelo contribuinte a A... e B... desde a data de alienação das partes de capital da N... SGPS até ao final do ano de 2015, que somaram €2.760.410,61:

 

III.1.2 b) Resumo da evolução da distribuição das participações sociais na N... SGPS antes e depois das operações descritas

Apresentam-se de seguida de forma esquemática as distribuições das participações sociais na N... SGPS antes e depois da alienação de 10% do seu capital à sociedade U... (em 29-12-2005, por J... e I...) e de mais 30% do seu capital às sociedades M... SGPS, K... SGPS e L... SGPS (em 25-10-2006, por A... e B..., C... e D... e E... e F..., respetivamente):

 

III.1.2 c) Relações familiares e societárias entre as pessoas singulares identificadas

As relações familiares existentes entre as pessoas singulares indicadas são as seguintes:

- I..., (B..., E... e D... são todos irmãos, filhos do fundador do Grupo G..., E..., NIF...;

- I... é casada com J..., constituindo um agregado familiar para efeitos de IRS;

- B... é casada com A..., constituindo um agregado familiar para efeitos de IRS;

- E... é casado com F..., constituindo um agregado familiar para efeitos de IRS; e

- D... é casada com C..., constituindo um agregado familiar para efeitos de IRS,

Por seu turno, as relações societárias entre as pessoas singulares e as sociedades intervenientes podem sintetizar-se assim:

Constata-se assim que, entre todos estes indivíduos existem relações especiais, tal como são estatuídas no n.º 4 do artigo 63º do CIRC, nomeadamente nas alíneas a) a d) daquele articulado:

(...)

III.1.3 POLÍTICA DE DISTRIBUIÇÃO DE RESULTADOS DA N... SGPS ENTRE 2000 e 2015

A N... SGPS constitui uma sub holding do Grupo G..., cujas participadas incluem as sociedades X... SGPS, SA e Y..., $A - conforme se sintetiza (e discrimina depois no esquema abaixo):

 • Z..., SA NIF ...- percentagem detida: 90%;

X..., SA, NIF ...- percentagem detida: 89,99%

• Y..., SA, NIF ...-percentagem detida: 90%

• AA... SARL - percentagem detida: 90%

• BB..., SA, NIF ...- percentagem detida: 90%.

Apresentam-se de seguida quadros resumo das Demonstrações de Resultados (no período compreendido entre 2011 e 2015), e dos Balanços (no período compreendido entre 2010 e 2015) da N... SGPS, os quais expressam o desempenho económico e a posição financeira desta sociedade:

(...)

Tendo apresentado Resultados Líquidos positivos entre 2000 e 2015 (apenas com exceção do ano de 2009), a N... SGPS distribuiu aos seus acionistas - entre os quais se incluem a M... SGPS, a L... SGPS, a K... SGPS, e a U... (até 2005) e depois a V... SGPS - um total de €37.476.662,93 entre 2003 e 2015, divididos entre Reservas Livres nos exercícios de 2003, 2004, 2005, 2011 e 2012 que somaram €15,246.892,88, Resultados Transitados no exercício de 2007 no montante de €5.757.500,00, Resultados do período de 2014 na importância de €5.789.652,01, tendo ainda redistribuído resultados atribuídos pelas suas participadas X... SGPS e Y..., SA, nos exercícios de 2009, 2013, 2014 e 2015, no valor global de €10.682.618,04, conforme se sintetiza:

 

De referir que neste quadro se apresenta o resumo dos Resultados distribuídos pela N... SGPS, muito embora a data da tomada de decisão, por parte da Assembleia Geral da sociedade, relativamente à distribuição de dividendos, não seja coincidente com a data do pagamento dos mesmos aos acionistas.

Depois da realização das operações anteriormente descritas, no final do ano de 2005 - alienação de 10% do capitai da N... SGPS à U...- e no finai do ano de 2006 - constituição da M... SGPS, da L... SGPS e da K... SGPS e aquisição de 30% do capital da N... SGPS por parte daquelas (na proporção de 10% para cada uma) - a N... SGPS, para além de distribuir Resultados do período, Resultados Transitados e Reservas Livres, passou ainda a efetuar a redistribuição anual dos dividendos auferidos das suas participadas X..., SA e Y..., SA, aos seus acionistas (então já todos pessoas coletivas, e como tal, passíveis de beneficiar da eliminação da dupla tributação económica de lucros e reservas distribuídos, prevista no artigo 51ºdoCIRC).

A redistribuição de resultados das sociedades X..., SA e Y..., SA ocorreu em 2009, 2013, 2014 e 2015, aquela redistribuição ascendeu a um total de €10.682,618,04, tendo sido deliberada em Assembleias Gerais reunidas propositadamente para o efeito, através das Atas números 45 (lavrada em 30 de Setembro de 2009), 59, 61 e 65 (ver Anexos 8,9 e 11 a este Relatório).

Verifica-se que, de facto, a N... SGPS é uma empresa bastante rentável: nos períodos de tributação compreendidos entre 2000 e 2015, acumulou Resultados Transitados no montante de €193,484.817,83, dos quais apenas distribuiu €10.547.500,00 sob a forma de Reservas Livres (nos anos de 2003, 2004 e 2005), quando, nos períodos de tributação até 2005, 40% da sua composição acionista ainda era constituída por pessoas singulares – J... e I..., A... e B..., C... e D... e F..., e, até 2006, 30% da sua composição acionista ainda era constituída por pessoas singulares – A... e B..., C... e D... e E... e F... .

De referir que a opção pela distribuição de Reservas Livres em 2003, 2004 e 2005 (ao invés de distribuir Resultados do período) foi justificada pela N... SGPS nas respetivas Atas da Assembleia Geral que as deliberaram, do seguinte modo (passamos a reproduzir excerto da Ata n.º 31 da Assembleia Geral da N... SGPS, lavrada em 30 de Abril de 2005, a título exemplificativo):

Note-se que neste caso, as Reservas Livres a distribuir respeitam ao período de 2004, cuja decisão de distribuição apenas ocorre em Abril de 2005, e os pagamentos em 22 de Novembro de 2005.

De salientar que o administrador da N... SGPS identificado no excerto da Ata atrás reproduzido, J..., era, à data das deliberações de distribuição de Reservas Livres referentes aos exercícios de 2003 e 2004, igualmente acionista da sociedade (com 10% do respetivo capital), e, à data da deliberação de distribuição de Reservas Livres referentes ao exercício de 2005, acionista da V... SGPS (sociedade à qual, recorde-se, ele mesmo alienou os referidos 10% do capital que detinha na N... SGPS, em Dezembro de 2005), tendo ele próprio tomado a palavra no sentido da deliberação pela distribuição de Reservas Livres aos acionistas (categoria na qual o mesmo se inclui diretamente em 2003 e 2005, e indiretamente - através da V... SGPS - em 2005).

A partir do ano de 2007, criada que foi a estrutura, através das operações referidas, a N... SGPS passou a redistribuir os lucros auferidos e a distribuir os resultados obtidos, aos seus acionistas, quase todos os anos (com exceção dos anos de 2008 e 2010), os quais ascenderam, até 2015, a €26.929.162,93, distribuídos entre redistribuição de Resultados auferidos das suas participadas (€10.682.618,04), Reservas Livres (€4.699.392,88), Resultados Transitados (€5.757.500,00) e Resultados do período no montante de €5.789.652,01 (de notar que, durante estes 9 anos - 2007 a 2015 - apenas em 2014 foram distribuídos Resultados do período), conforme se sintetiza:

Importa agora analisar comparativamente as consequências a nível fiscal da decisão de distribuição de Resultados antes e depois da alienação de 40% do capital detido na N... SGPS, por parte dos seus acionistas - pessoas singulares - às SGPS por eles detidas - pessoas coletivas:

 

  1. a distribuição de Reservas Livres realizada nos anos de 2003, 2004 e 2005 no montante global de €10.547.500,00, quando 40% dos acionistas eram pessoas singulares, traduziu-se no pagamento de rendimentos da categoria E do IRS (rendimentos de capitais), sujeitos a tributação via retenção na fonte por parte da entidade pagadora - a N... SGPS - que ascendeu a um total de €1.360.050,00 de IRS retido na fonte e entregue ao Estado, assim distribuído:

• verificou-se que a N... SGPS sujeitou a tributação via retenção na fonte a título definitivo a totalidade dos Resultados distribuídos aos seus acionistas nos anos de 2003 e 2004, não obstante, naqueles anos, 60% do seu capital ser detido por uma pessoa coletiva (a S..., SA) e os restantes 40% por pessoas singulares;

isto significa que, muito embora reunisse as condições para tal, não aproveitou da dispensa de retenção na fonte prevista para as pessoas coletivas prevista no artigo 90º do CIRC (na redação vigente nos anos de 2003 e 2004, que lhe foi conferida pelo DL 198/01, 03.07.01): "1 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC, quando este tenha a natureza de imposto por conta, nos seguintes casos h) Rendimentos obtidos por sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), de que seja devedora sociedade por elas participada durante pelo menos um ano e a participação não seja inferior a 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer conjuntamente com participações de outras sociedades em que as SGPS sejam dominantes (..,)"',

• contudo, em 2005, a N... SGPS já usufruiu deste regime, tendo apenas sujeitado a tributação 40% dos Resultados distribuídos, ou seja, aqueles que foram pagos a pessoas singulares;

 

  1. Por seu turno, a distribuição de Resultados efetuada nos anos seguintes - 2007 a 2015 - que ascendeu a um total de €26.929.162,93 - quando todos os acionistas eram já pessoas coletivas (beneficiando da eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos) - traduziu-se numa "poupança" de imposto (IRS retido na fonte relativo a rendimentos da categoria E) por parte da N... SGPS, que podemos estimar em €2.695.791,55, no conjunto daqueles anos, conforme se demonstra:

No período compreendido entre 2013 e 2015, os dividendos deliberados distribuir pela N... SGPS totalizaram €14.496.244,85, tal como se discrimina por acionista:

• o dividendo recebido em 2013 - €1.784.663,55 - pelos acionistas da N... SGPS corresponde exatamente à totalidade dos dividendos distribuídos naquele ano (conforme Ata da Assembleia Geral nº..., lavrada em 01-10-2013 - ver Anexo 8 - a qual deliberou a redistribuição de resultados das participadas X..., SA e Y..., SA);

porém, o dividendo recebido em 2014 - €2.173.883,86 - pelos acionistas da N... SGPS corresponde apenas aos resultados redistribuídos das participadas X..., SA e Y..., SA naquele ano (conforme Ata da Assembleia Geral nº...., lavrada em 08-09-2014 - ver Anexo 9), uma vez que os resultados do período de 2014 distribuídos mediante deliberação na Ata nº. 63, de 30-06-2015 - ver Anexo 10 - no montante de €5.789.652,01, apenas foram pagos aos acionistas em 2015;

•como tal, o dividendo recebido em 2015 - €10.537.697,44 - pelos acionistas da N... SGPS corresponde ao somatório dos dividendos distribuídos naquele ano, €4 748.045,43 (conforme Ata da Assembleia Geral nº...., lavrada em 11-11-2015 - ver Anexo 11 - a qual deliberou a redistribuição de resultados das participadas X..., SA e Y..., SA) e dos resultados do período de 2014 (no valor de €5.789.652,01), que, conforme se disse, foram pagos só em 2015, totalizando assim €10.537.697,44.

(...)

III.2. FUNDAMENTAÇÃO - A APLICAÇÃO DA CLAUSULA GERAL ANTIABUSO (ARTº, 38º Nº. 2 DA LGT E ARTº. 63º A/º. 3 DO CPPT)

 A cláusula geral anti abuso está prevista no n.º 2 do artigo 38º da Lei Geral Tributária (LGT), e tem a seguinte redação (dada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro):

"São ineficazes no âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, ã redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atas ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou 6 obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas."

Esta norma consagra no ordenamento jurídico tributário nacional uma verdadeira cláusula geral anti abuso, isto é, um dispositivo legal que, sendo um instrumento de aferição e delimitação concreta dos casos de elisão fiscal, estatui a ineficácia perante a Administração Tributária de atos jurídicos praticados com evidente abuso de formas jurídicas os quais conduzem, em desfavor da Fazenda Nacional, à eliminação, total ou parcial, ou ao diferimento temporal dos tributos que de outro modo seriam devidos.

Saliente-se que com o recurso à fórmula ampla "atos ou negócios", a lei possibilita uma extensão do preceito capaz de abranger atos negociais, atos voluntários não negociais e mesmo meros comportamentos considerados, com independência da vontade subjacente, como operações materiais.

Para aplicar a norma anti abuso deve ser observado o procedimento prescrito nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT, sendo essencial para a fundamentação da decisão, o cumprimento de diversos requisitos aí plasmados. Importa, pois, no caso em apreço, aferir da verificação cumulativa de tais requisitos, sendo eles:

a) Descrição do negócio jurídico celebrado ou do ato jurídico realizado e dos negócios ou atos de idêntico fim económico, bem como a indicação das normas de incidência que se lhes aplicam;

b) A demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou prática do ato jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou ato com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais.

Por sua vez a alínea a) do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT, divide-se em 3 pontos, a observar, também, cumulativamente:

 

I. Descrição do negócio jurídico celebrado ou do ato jurídico realizado

II. Descrição dos negócios ou atos de idêntico fim económico

III. Indicação das normas de incidência que se lhes aplicam

III.2.1 ALÍNEA A) DO Nº. 3 DO ARTIGO 63º DO CPPT NA SOCIEDADE M... SGPS

Vejamos então, para o caso em análise, de per si, a observância destes pontos:

 

III.2.1 a) Descrição do negócio jurídico celebrado ou do ato jurídico realizado

Os negócios jurídicos em discussão resultam de um esquema, pré-planeado, com a interposição da M... SGPS entre a N... SGPS e os seus acionistas A... e B..., que culmina com o reembolso do crédito decorrente da alienação das ações desta àquela sociedade, com o intuito de evitar os impostos a "suportar" pelos acionistas decorrentes da distribuição de dividendos.

Trata-se de um conjunto complexo de atos sujeito a uma arquitetura global, nos quais vamos encontrar eventos preparatórios, constituição da M... SGPS, subscrição do capital na íntegra pela acionista da N... SGPS (e marido), venda das ações da N... SGPS, por um preço muito superior ao seu valor nominal, (beneficiando da exclusão de tributação prevista para a alienação de ações detidas há mais de 12 meses) e consequente constituição de um crédito a favor desta junto da M... SGPS, tal como outros atos com características complementares, pelo que só na sua visão completa, que passaremos a descrever, se deteta o desenho elisivo:

  1. Em 02 de Outubro de 2006, foi constituída a sociedade por quotas denominada M... SGPS com um capital social de €25.000,00, sendo detida na totalidade pelo casal A... e B... (em partes iguais);
  2. Em 25 de Outubro de 2006 os acionistas da N... SGPS, A... e B..., alienaram a totalidade do capital que detinham nessa sociedade (correspondente a 10% do mesmo) à M... SGPS, sendo que:

- A... e B... venderam os 10% de que eram titulares ao preço de €24,83 por ação (quando o respetivo valor nominal unitário era de €5,00), o que perfez a importância de €5.490.285,35;

  1. Sem recursos financeiros para pagar a importância de €5.490.285,35, a M... SGPS:

- reconhece uma dívida aos sócios-gerentes A... e B..., mas não estabelece qualquer prazo limite para a sua liquidação, nem nenhum plano de pagamentos;

  1.  Paralelamente, a N... SGPS distribui lucros à acionista - a M... SGPS (beneficiando da eliminação da dupla tributação económica (DTE) a que se refere o artigo 51º do CIRC) - que são utilizados para amortização da citada dívida constituída junto dos sócios-gerentes A... e B..., em resultado da alienação das partes de capital da N... SGPS.

 

Apresenta-se de seguida um diagrama dos atos/negócios jurídicos realizados por ordem cronológica, para que melhor seja percebido o encadeamento das operações:

 

Numa análise preliminar, podemos concluir que estamos na presença de uma estrutura, enquanto conjunto de atos e negócios sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário (encadeados), com vista a atingir o objetivo fiscal visado: distribuir dividendos sem os sujeitar a tributação ã taxa liberatória prevista na alínea c) do n.º1 do art.º 71 do CIRS (para o ano de 2013) e alínea a) do nº. 1 do artigo 71º do CIRS (para o ano de 2015).

Tais atos e negócios jurídicos consubstanciam-se no reembolso aos sócios-gerentes após a distribuição (ou redistribuição) de resultados pela sociedade N... SGPS à sociedade M... SGPS (beneficiando da eliminação da DTE a que se refere o artigo 51º do CIRC), antecedida da alienação das participações de 10% que os acionistas A... e B... detinham no capital social da sociedade N... SGPS, em 25 de Outubro de 2006, pelo valor global de €5.490,285,35, à sociedade M... SGPS, que havia sido constituída apenas 23 (vinte e três) dias antes, a 02 de Outubro de 2006, e na qual aqueles detêm a totalidade do capital.

Pela via da alienação das ações à sociedade veículo constituída - a M... SGPS - os dividendos da N... SGPS são disponibilizados a acionista, evitando a retenção na fonte a título definitivo e beneficiando da exclusão de tributação prevista para alienação de ações detidas durante mais de 12 meses, na a) do nº. 2 do artigo 10º do CIRS vigente à data.

III.2.1 b) Descrição dos negócios e atos de idêntico fim económico

No caso em análise, o ato com fim económico idêntico aos pagamentos efetuados à acionista a título de reembolso de dívidas, seria a distribuição de dividendos à mesma por parte da N... SGPS -enquadrados como rendimentos na categoria E, nos termos do n.º1 e da alínea h) n.º 2 do artigo 5º do Código do l RS - e a retenção na fonte desses rendimentos ã taxa liberatória, conforme estipulam a alínea c) -para os montantes atribuídos em 2013 - e a alínea a) - para os montantes atribuídos em 2015 - do n.º1 do artigo 71.º do mesmo Código, de acordo com o enquadramento legal que expomos no capítulo III.3.1 deste Relatório.

Com efeito, sendo o objetivo a retirada de lucros da sociedade N... SGPS, ta! desiderato poderia e deveria ter sido atingido com 3 simples distribuição de dividendos à acionista (pessoa singular). Ao invés, enveredou-se por uma série de atos jurídicos, mais complexos e dispendiosos, que face à realidade económica em concreto, não se demonstra a sua razoabilidade, o que denuncia claramente a intenção artificiosa da sua utilização,

Mostra-se evidente que, sem a utilização desses meios, os contribuintes beneficiários não evitariam a tributação, resultante da transformação dos dividendos em reembolso do crédito, ficando sujeitos a imposto, nos termos gerais, como rendimentos da cat. E de IRS.

Ao utilizar esta estrutura, resulta claro que os acionistas da sociedade identificada, A... e B..., decidiram artificiosamente evitar a tributação em IRS através da utilização de um conjunto de negócios anómalos, atingindo assim, idêntico fim económico, e evitando desse modo o imposto correspondente aos rendimentos auferidos, apurado em conformidade com as normas legais adiante indicadas.

III.2.1 c) Indicação das normas de incidência que se lhes aplicam

A sanção, prevista na parte final do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, onde refere: "efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas", resulta, pois, na estatuição da própria norma.

Como a transformação de uma distribuição de dividendos num reembolso de dívida gerada pela alienação das ações da N... SGPS à sociedade veículo constituída – a M... SGPS - não teve outra motivação que não fosse aproveitar a exclusão de tributação prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 10º do CIRS (alienação de ações detidas há mais de 12 meses), incumbe a Administração Fiscal considerar ineficaz, no âmbito tributário, a classificação destes rendimentos como reembolsos de dívidas e enquadrá-los como distribuição de dividendos, nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS, sujeito à taxa liberatória prevista na alínea c) - para os montantes atribuídos em 2013 - e na alínea a) - para os montantes atribuídos em 2015-do n.º1 do artigo 71.º do mesmo diploma legal.

Estamos perante as denominadas "step by step transactions" nas quais se encontra uma "facti species" complexa, envolvendo uma sucessão de atos/negócios coordenados entre si, deve o aplicador da lei operar um tratamento integrado visualizando-as como uma única transação, propendendo para um único e final resultado. Pois bem, quando assim sucede, a disposição anti-abuso pode e deve aplicar-se ao momento decisivo e final que é representado, "in casu", pela receção dos pagamentos pela acionista a título de reembolso de dívida por parte da M... SGPS, que seria o que aconteceria na ausência da operação compósita evasiva,

No presente caso, a interposição da saciedade M... SGPS entre os acionistas A... e B... e a sociedade N... SGPS - através da transmissão realizada e a consequente alteração da titularidade jurídica direta por uma titularidade indireta - e a sua utilização abusiva, teve como objetivo a retirada dos lucros da N... SGPS (beneficiando da já referida eliminação da DTE) e a transformação destes em reembolso do crédito gerado com a transmissão, resultando na eliminação da tributação, em sede de IRS da referida acionista da sociedade em análise e acima identificada, nos períodos de 2013, 2014 e 2015, uma vez que, sem a utilização da estrutura utilizada, não beneficiaria da exclusão de tributação, ficando aqueles fluxos sujeitos a imposto, como rendimentos da categoria E de IRS.

De referir que, quanto aos períodos de tributação anteriores a 2013 (entre 2007 e 2012), verificou-se a caducidade do direito à liquidação, nos termos do nº 4 do artigo 45º da LGT, razão pela qual a AT se encontra legalmente impedida de atuar.

Assim, depois de realizada a venda, a N... SGPS iniciou a distribuição de dividendos à M... SGPS (sem tributação, nos termos do artigo 51º do CIRC), nos montantes de€246.75Q, €575.750, €200.042,81, €2.669,92, €541.812,60, €352.731,06, €177.566,44, €217.388,48 e €1.053.770,22, relativos aos anos de 2006, 2007, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015 - sendo a maior parte desses lucros transferida -€156.000, €467.100, €18.400, €1.880,21, €683.750, €177.000, e €1.256.280,40 (respetivamente, em 2007, 2008, 2009, 2010, 2012, 2013 e 2015), em seguida, para os acionistas A... e B..., a título de reembolso do crédito formado com a operação de alienação das partes de capitai que aquela detinha na N... SGPS.

Indicam-se de seguida as datas efetivas de recebimento das importâncias em questão por parte desta acionista, os quais se podem claramente associar, pela análise dos extraias das contas bancárias movimentadas, aos recebimentos da M... SGPS oriundos da N... SGPS (ocorrem quase sempre em datas próximas e possuem montantes semelhantes):

Facilmente se conclui pela existência de uma coincidência de valores entre os recebimentos da M... SGPS e os pagamentos a A... e B..., os quais demonstram claramente a intenção de eliminara tributação dos dividendos distribuídos pela N... SGPS.

Assim, comprova-se que, no ano de 2013, os €177,566,44 pagos a A... e B... no dia 10 de Outubro através de transferência bancária, tinham sido por sua vez transferidos para a mesma conta do CC... titulada pela M... SGPS, apenas nove (9) dias antes (em 01-10-2013) pela N... SGPS, no montante de €177.466,44 - conforme Anexo 13 a este Relatório.

Por outro lado, verifica-se que, no ano de 2015, os €266.013,46 pagos a A... e B... no dia 10 de Julho através de uma transferência bancária no valor de €300.000,00, tiveram origem no resgate de um Fundo em USD ocorrido no dia 30 de Junho de 2015, cujo contravalor em EUR foi de €250.000,00 (correspondentes a 278.750 USD, conforme documentos comprovativos que se juntam em Anexo 19, de 3 fls) que foi creditado na conta do CC... expressa em EUR da M... SGPS nessa data, apenas dez (10) dias antes (em 29-06-2015), pela N... SGPS - conforme Anexo 18a este Relatório.

De igual modo se constata que, no ano de 2015, os €490.266,94 (correspondentes a 549.151,07 USD) pagos a A... e B... no dia 10 de Julho através de transferência bancária, tiveram origem nos €578.965,46 transferidos para a mesma conta do CC... titulada pela M... SGPS, apenas onze (11) dias antes (em 29-06-2015), peia N... SGPS - conforme Anexos 1fi e 20 a este Relatório.

Por último, demonstra-se que, no ano de 2015, os €500.000,00 pagos a A... e B... no dia 13 de Novembro através de transferência bancária, tiveram origem nos €474.804,76 transferidos para a mesma conta do CC... titulada pela M... SGPS na véspera (em 12-11-2015), pela N... SGPS - conforme Anexos 21 e 22 a este Relatório.

Caso estes montantes fossem pagos à acionista sob a forma de lucros, sem a estrutura utilizada estariam sujeitos a tributação, nos termos do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS.

Nestes termos, a M... SGPS foi a sociedade veículo encontrada por A... e B... que lhes permitiu receber dividendos como se de o pagamento de uma dívida se tratasse.

Esta utilização abusiva da M... SGPS leva a que, atendendo ao disposto no nº. 2 do artigo 38º da LGT, a tributação dos dividendos recebidos por A... e B... ocorra como se inexistisse a M... SGPS, ou seja, a tributação deverá ter lugar junto dos efetivos beneficiários, aquando dos pagamentos de dividendos à M... SGPS, nos montantes e períodos indicados no quadro seguinte:

 

 

III.2.2. ALÍNEA B) DO Nº. 3 DO ARTIGO 63º DO CPPT NA SOCIEDADE M... SGPS

Para cumprimento deste requisito a administração fiscal terá que demonstrar que a celebração do negócio jurídico ou prática do ato jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou ato com idêntico fim económico, ou a obtenção de vantagens fiscais.

Com o intuito de demonstrar que não houve outro interesse para além do fiscal com a presente operação, vamos procurar responder a três requisitos que consideramos fundamentais;

III.2.2 a) Comparação das vantagens fiscais com o benefício económico

A vantagem fiscal do reembolso do crédito pela sociedade M... SGPS aos seus sócios-gerentes, resultante da aquisição das participações que esta detinha na sociedade N... SGPS e após a distribuição de dividendos por parte da primeira à M... SGPS, consistiu na retirada de dividendos da sociedade N... SGPS sem qualquer tributação.

No caso em análise não se vislumbra qualquer benefício económico, uma vez que a via escolhida pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal concretizou-se nos seguintes atos/negócios:

- os sócios-gerentes acionistas procederam à alienação das ações que titulavam o capital social da N... SGPS, beneficiando da exclusão de tributação prevista na al. a) do nº. 2 do artigo 10º do CIRS, pelo facto daquelas terem sido por si detidas durante mais de 12 meses;

- concomitantemente, criou-se uma outra sociedade (M...SGPS) que serviu de veículo para a aquisição das supra referidas ações;

- montada esta estrutura, temos que quando a sociedade N... SGPS distribui dividendos à M... SGPS não há qualquer encargo tributário face ao disposto no artigo 51º do CIRC, sendo que esse proveito na M... SGPS nunca chega a dividendo (recorde-se que a M... SGPS nunca distribuiu lucros aos seus sócios), e como tal, nunca há tributação em sede de IRS na esfera dos sócios-gerentes, na medida em que os mesmos valores servem para mero reembolso da quantia em dívida perante os referidos sócios-gerentes, que, relembre-se, serviu tão-somente o propósito de comprar algo que já pertencia a essa mesma pessoa.

Para remunerar o capital do acionista a forma normal seria a distribuição de dividendos (à sua acionista) pagando o respetivo imposto, e não a criação de uma estrutura que permitiu retirar esses rendimentos sem qualquer tributação, através da sua transformação em reembolso do crédito gerado por uma operação efetuada entre entidades juridicamente distintas, mas economicamente e de facto controladas pela mesma família.

III.2.2 b) Mudança na posição económica do contribuinte que porventura opere

Estas operações tiveram como objetivo fundamental a distribuição de dividendos, colocados à disposição nos anos de 2013 e 2015, e permitiram a transformação de um fluxo financeiro que, sem a operação de alienação descrita, e a utilização da SGPS constituída, chegaria ã acionista sob a forma de dividendo e, consequentemente, seria um rendimento sujeito a IRS (segundo as regras da categoria E). Todavia, com as operações realizadas, aquele fluxo financeiro chega aos acionistas sob a forma de reembolso de um crédito, que não é considerado rendimento em sede de IRS, possibilitando a transferência não tributada dos lucros da N... SGPS para aos acionistas (pessoas singulares), através da transformação daquele fluxo, conseguido com a interposição da sociedade M... SGPS.

De facto, as sociedades gestoras de participações sociais são, de acordo com o regime jurídico consagrado, previsto no D.L. nº. 459/88, de 30/12, um instrumento de gestão de um determinado tipo de ativos, gerador de valor acrescentado pela gestão integrada dos mesmos e não um mero "cofre" de participações sociais16 do tipo holding de investimento que visa a mera detenção de títulos, de modo a faturar dividendos e mais-valias.

A atividade de gestão das participações sociais envolve uma série integrada e coordenada de atos projetados sobre um conjunto de participações sociais que têm como objetivo o lucro. Todavia, para que tal gestão configure uma atividade económica, devemos encontrar-nos perante algo mais do que o exercício individual e ocasional por um sócio dos direitos e deveres resultantes da detenção de uma participação social.

Deste modo, a fim de concretizar esta gestão ativa e dinâmica das participações sociais detidas pela SGPS, para além do exercício dos direitos sociais inerentes às participações sociais detidas, o legislador admite a realização de diversas operações pela SGPS na prossecução dos seus interesses e das relações com as suas participadas, o que não parece verificar-se no caso da M... SGPS nos anos em análise. Esta sociedade – M... SGPS - serviu essencialmente para receber os lucros pagos pela N... SGPS e permitir a sua retirada pela acionista que controla esta sociedade, agora transformados na figura de reembolso de crédito, Ou seja, apesar do legislador no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 495/88, ter criado condições favoráveis para facilitar e incentivar a criação de grupos económicos, enquanto instrumentos adequados a contribuir para o fortalecimento do tecido empresarial português e proporcionar aos empresários um quadro jurídico que lhes permitisse reunir numa sociedade as suas participações sociais, em ordem à sua gestão centralizada e especializada, no presente caso, não se atingiu este objetivo, mas apenas se procedeu à mera alteração de uma titularidade jurídica direta por uma titularidade indireta, (visto que os sócios-gerentes da M... SGPS continuam a deter o poder (controlo) efetivo sobre 10% do capital e direitos de voto da N... SGPS) atingindo através deste artifício um fim essencialmente fiscal.

III.2.2 c) Potencial interesse extra-fiscal do mesmo

No caso em análise, conforme demonstrado, a constituição da M... SGPS, seguida da aquisição da participação de 10% que A... e B... detinham na sociedade N... SGPS, e a distribuição de lucros que imediatamente foram utilizados para reembolsar a dívida gerada com a aquisição da N... SGPS, visou, em primeira instância, a obtenção do resultado fiscal - distribuição dos lucros.

De igual modo, verificamos que a estruturação das operações, para além de dirigida à obtenção da referida vantagem fiscal, foi ainda e simultaneamente, dotada de uma forma anómala e artificiosa, uma vez que tendo em conta os factos descritos, não se vislumbra outro motivo para estas operações que não seja a distribuição de dividendos da N... SGPS à acionista sem qualquer tributação.

Não obstante os atos e negócios jurídicos que compõem esta estrutura sejam, em si mesmos, válidos e lícitos, e correspondam à efetiva vontade dos sujeitos passivos, não se lhes vislumbra qualquer substância económica.

O que é decisivo na aplicação da Cláusula Geral Anti Abuso é aferir se o ato ou negócio jurídico escolhido tem uma substância, económica ou outra, que se possa dizer predominante na sua relação com a vantagem fiscal (comparativa) objetivamente decorrente dessa escolha. Analisando a sequência dos factos não se

vislumbra substância económica na operação para além da vantagem fiscal.

Assim, concluímos pela existência de uma motivação fiscal preponderante, que se manifestou nas formas adotadas e que faz prevalecer a finalidade fiscal do negócio sobre a finalidade não fiscal.

Pelo que se verifica, de acordo com o supra exposto, estarem reunidas as condições para aplicação do disposto no artigo 38.º, n.º 2, da LGT e no artigo 63.º do CPPT.

Por assim ser, incumbe à Administração Fiscal considerar ineficaz no âmbito tributário, a consideração como reembolso de dívida dos dividendos distribuídos aos acionistas da M... SGPS, uma vez que esta operação foi praticada com abuso das formas jurídicas e tiveram como objetivo essencial a eliminação de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou a obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas total ou parcialmente, sem utilização desses meios.

Face ao exposto, a tributação deve ocorrer de acordo com as normas aplicáveis na ausência da tal estrutura, concretamente na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º e na alínea c) do n.º 1 do artigo 71º do CIRS - para os montantes atribuídos em 2013 - e na alínea a) do n.º 1 do artigo 71º do CIRS - para os montantes atribuídos em 2015 - não se produzindo as vantagens fiscais referidas, tal como dispõe o n.º 2 do artigo 38º da LGT.

 

III.2.3. SOCIEDADES V... SGPS, L... SGPS E K... SGPS

Nas sociedades V... SGPS, L... SGPS e K... SGPS, na qualidade de acionistas da N... SGPS, foi detetada a celebração de semelhantes negócios jurídicos ao que descrevemos para a L... SGPS, bem como a realização de atas jurídicos análogos, tendo-se igualmente verificado a existência de negócios e atos de idêntico fim económico, nomeadamente:

  • alienação das ações que titulavam o capital social da N... SGPS, beneficiando da exclusão de tributação prevista na al. a) do nº. 2 do artigo 10º do CIRS, pelo facto daquelas terem sido por si detidas durante mais de 12 meses;
  • constituição de um crédito nas sociedades V... SGPS, L... SGPS e K... SGPS a favor dos titulares do capital das referidas sociedades, decorrente da alienação de 10% do capital da N... SGPS;
  • distribuição de dividendos pela N... SGPS sem qualquer encargo tributário face ao disposto no artigo 51.º do CIRC;
  • amortização da dívida gerada para com os sócios/acionistas aquando da alienação das partes de capital da N... SGPS com recurso aos dividendos recebidos da mesma sociedade.

Junta-se ainda a este Relatório, esquema resumo das operações descritas, em Anexo 24.

 

III.3. PROPOSTA DE CORREÇAO EM SEDE DE IRS – ANOS DE 2013, 2014 E 2015

III.3.1 ENQUADRAMENTO FISCAL

Tendo-se verificado, de acordo com os factos relatados nos capítulos anteriores deste Relatório, estarem reunidas as condições para aplicação do disposto no artigo 38.º , n.º 2, da LGT e no artigo 63.º do CPPT, conforme já explicado, incumbe à Administração Fiscal considerar ineficaz, no âmbito tributário, a classificação daqueles dividendos como rendimentos não tributados nos termos do artigo 51.º do CIRC, enquadrando-os como distribuição de dividendos a pessoas singulares, tributados nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5. º do CIRS.

Face ao exposto, a tributação deve ocorrer de acordo com as normas aplicáveis na ausência de tal estrutura, concretamente na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS, não se produzindo as vantagens fiscais referidas, tal como dispõe o n.º 2 do artigo 38º da LGT.

Conforme referido no capítulo III.1.4 deste Relatório, o montante dos dividendos distribuídos pela N... SGPS à M...SGPS nos anos de 2013, 2014 e 2015 foi de €177.566,44, €217.388,48 e €1.053.770,22, respetivamente.

Tendo em conta a estrutura societária da M... SGPS (a qual, recorde-se, pertence na totalidade ao casal A... e B..., em partes iguais para cada um dos membros), o agregado familiar que constituem foi beneficiário da totalidade daqueles dividendos.

Na qualidade de beneficiários dos dividendos pagos pela N... SGPS através da sociedade veículo utilizada para o efeito - a M... SGPS - concluiu-se que os sujeitos passivos A... e B... auferiram rendimentos de capitais enquadráveis na categoria E do IRS em cada um dos anos em questão (2013, 2014 e 2015), os quais não foram declarados no Anexo E das respetivas declarações de rendimentos Modelo 3, totalizando os mesmos as seguintes importâncias:

 

Assim sendo, as correções fiscais serão refletidas na esfera jurídico-tributária dos titulares dos rendimentos de capitais (dividendos) auferidos na qualidade de acionistas da N... SGPS, sendo o montante auferido englobado pela totalidade ao rendimento coletável de IRS dos beneficiários, sujeito às taxas gerais de imposto resultantes da aplicação da tabela constante do artigo 68º do CIRS (redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro), relativamente aos anos de 2013 e 2014, e sujeito a tributação autónoma à taxa de 28% nos termos da alínea d) do nº. 1 do artigo 72º do CIRS (redação dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro) no ano de 2015.

III.3.2 RESUMO DAS CORRECÕES PROPOSTAS

Em suma, os contribuintes A... e B... deverão ser tributados:

nos anos de 2013 e 2014: pela totalidade dos rendimentos auferidos, incluindo, para além dos já declarados, os aludidos rendimentos da categoria E, conforme se descreve:

 

no ano de 2015; através da aplicação da tributação autónoma à taxa de 28%, aplicada aos aludidos rendimentos da categoria E não declarados, conforme se descreve:

 

  1. Na sequência das inspecções a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações:

– Relativamente a A... e sua mulher B...,

– liquidação n.º 2018..., relativa a IRS do ano de 2013, no montante de 132.347,58 Euros o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios, (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)

– liquidação n.º 2018..., relativa a IRS do ano de 2014, no montante de 150.328,64 Euros, o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido) e

– liquidação n.º 2018..., relativa a IRS do ano de 2015, no montante de 338.791,17 Euros, o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

– Relativamente a C... e sua mulher D...,

– liquidação n.º 2018..., relativa a IRS do ano de 2013, no montante de 116.149,20 Euros, o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– liquidação n.º 2018..., relativa a IRS do ano de 2014, no montante de 148.219,62 Euros o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido) e

– liquidação n.º 2018..., relativa a IRS do ano de 2015, no montante de 328.908,41 Euros, o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

– Relativamente a E... e sua mulher F...,

– liquidação n.º 2018..., relativa a IRS do ano de 2013, no montante de 107.723,94 Euros, o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– liquidação n.º 2018..., relativa a IRS do ano de 2014, no montante de 128.057,34 Euros, o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido) e

– liquidação n.º 2018..., relativa a IRS do ano de 2015, no montante de 313.486,51 Euros, o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

 

  1. As sociedades K..., M... e O... foram objecto de inspecções e pedidos de esclarecimento por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, em 2010 e 2011, em que foram analisadas as operações envolvendo a N... SGPS, que estão em causa nos presentes autos (documentos n.ºs 14, 15 e 16 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  2. Na inspeção referida relativa à M... foi prorrogado o prazo por ter sido invocada necessidade de ser pedido um parecer à DSIRC relativamente à legalidade de tais operações (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. Na sequência das inspecções realizadas em 2010 e 2011, a Autoridade Tributária e Aduaneira não efectuou quaisquer correcções, inclusivamente na inspecção relativa à M... (documento n.º 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Os Requerentes prestaram garantias bancárias para suspensão de processos de execução fiscal instaurados para cobrança coerciva das quantias liquidadas (documentos n.ºs 18, 19 e 20 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  5. As vendas de acções efectuadas pelos Requerentes foram comunicadas à Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do art.º 138º do CIRS, o que aconteceu, relativamente a todas as operações em causa, por declarações apresentadas em 20-11-2006 (cópias das referidas declarações juntas com o pedido de pronúncia arbitral como documentos n.ºs 11, 12 e 13, cujos teores se dão como reproduzidos);
  6.  Em 07-05-2018, os Requerentes apresaram o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pelos Requerentes e os que constam do processo administrativo e no depoimento da testemunha P... .

A testemunha foi director financeiro do Grupo G..., tendo conhecimento directo dos factos que foram dados como provados com base no seu depoimento, que se indicaram no probatório.

A testemunha aparentou depor com isenção.

Não se provou que a constituição das sociedades K..., L... e M... tivesse em vista a obtenção de vantagens fiscais, o que foi negado pela testemunha referida, que afirmou que os motivos dessa constituição foram dificultar a possibilidade de entrada da Q... nas sociedades do grupo e preparar a sucessão pacífica daquelas três famílias e respectivos filhos na repartição da titularidade dessas sociedades, em futura herança.

 

 

            3. Matéria de direito

 

            Em finais de 2006, cada um dos casais Requerentes vendeu as acções que detinha na N... SGPS, SA, representativas quanto a cada casal de 10% do capital desta, a uma sociedade por quotas SGPS então criada de que cada um dos casais ficou detentor da totalidade do capital social, com as designações K...,– SGPS, Lda, L... SGPS, Lda, e M..., SGPS, Lda.

A venda das acções foi efectuada a crédito, pelo que em cada uma das novas sociedades SGPS ficou criada uma dívida para com o respectivo casal.

As mais-valias resultantes da venda das acções não estava sujeita a IRS, à face da redacção do artigo 10.º do CIRS então vigente.

Na sequência destas operações, a N... SGPS pagou dividendos à K..., à L... e à M..., sendo os seus montantes utilizados por estas empresas, durante vários anos desde 2007 a 2015, para reembolsarem parcialmente os créditos contraídos com a compra das acções, reembolsos estes não sujeitos a IRS.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que é de aplicar a cláusula geral antiabuso, em suma, porque

«os negócios jurídicos em discussão resultam de um esquema, pré-planeado, com a interposição da (...) SGPS entre a N... SGPS e os seus acionistas (...), que culmina com o reembolso do crédito decorrente da alienação das ações desta àquela sociedade, com o intuito de evitar os impostos a "suportar" pelos acionistas decorrentes da distribuição de dividendos»;

– «não se vislumbra qualquer benefício económico, uma vez que a via escolhida pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal concretizou-se nos seguintes atos/negócios

- «os sócios-gerentes acionistas procederam à alienação das ações que titulavam o capital social da N... SGPS, beneficiando da exclusão de tributação prevista na al. a) do nº. 2 do artigo 10º do CIRS, pelo facto daquelas terem sido por si detidas durante mais de 12 meses»;

- «concomitantemente, criou-se uma outra sociedade (... SGPS) que serviu de veículo para a aquisição das supra referidas ações»; N... SGPS distribui dividendos à (...) SGPS não há qualquer encargo tributário face ao disposto no artigo 51º do CIRC, sendo que esse proveito na (...) SGPS nunca chega a dividendo (recorde-se que a (...) SGPS nunca distribuiu lucros aos seus sócios), e como tal, nunca há tributação em sede de IRS na esfera dos sócios-gerentes, na medida em que os mesmos valores servem para mero reembolso da quantia em dívida perante os referidos sócios-gerentes, que, relembre-se, serviu tão-somente o propósito de comprar algo que já pertencia a essa mesma pessoa»;

«para remunerar o capital do acionista a forma normal seria a distribuição de dividendos (à sua acionista) pagando o respetivo imposto, e não a criação de uma estrutura que permitiu retirar esses rendimentos sem qualquer tributação, através da sua transformação em reembolso do crédito gerado por uma operação efetuada entre entidades juridicamente distintas, mas economicamente e de facto controladas pela mesma família»;

«a constituição da M... SGPS, seguida da aquisição da participação de 10% que A... e B... detinham na sociedade N... SGPS, e a distribuição de lucros que imediatamente foram utilizados para reembolsar a dívida gerada com a aquisição da N... SGPS, visou, em primeira instância, a obtenção do resultado fiscal - distribuição dos lucros»;

«a estruturação das operações, para além de dirigida à obtenção da referida vantagem fiscal, foi ainda e simultaneamente, dotada de uma forma anómala e artificiosa, uma vez que tendo em conta os factos descritos, não se vislumbra outro motivo para estas operações que não seja a distribuição de dividendos da N... SGPS à acionista sem qualquer tributação»;

«não obstante os atos e negócios jurídicos que compõem esta estrutura sejam, em si mesmos, válidos e lícitos, e correspondam à efetiva vontade dos sujeitos passivos, não se lhes vislumbra qualquer substância económica»;

«o que é decisivo na aplicação da Cláusula Geral Anti Abuso é aferir se o ato ou negócio jurídico escolhido tem uma substância, económica ou outra, que se possa dizer predominante na sua relação com a vantagem fiscal (comparativa) objetivamente decorrente dessa escolha. Analisando a sequência dos factos não se vislumbra substância económica na operação para além da vantagem fiscal».

– «Trata-se de um conjunto complexo de atos sujeito a uma arquitetura global, nos quais vamos encontrar eventos preparatórios, constituição da M... SGPS, subscrição do capital na íntegra pela acionista da N... SGPS (e marido), venda das ações da N... SGPS, por um preço muito superior ao seu valor nominal, (beneficiando da exclusão de tributação prevista para a alienação de ações detidas há mais de 12 meses) e consequente constituição de um crédito a favor desta junto da M... SGPS, tal como outros atos com características complementares, pelo que só na sua visão completa, que passaremos a descrever, se deteta o desenho elisivo:

a.  Em 02 de Outubro de 2006, foi constituída a sociedade por quotas denominada (...) SGPS com um capital social de €25.000,00, sendo detida na totalidade pelo casal (...) (em partes iguais);

b.  Em 25 de Outubro de 2006 os acionistas da N... SGPS, (...) alienaram a totalidade do capital que detinham nessa sociedade (correspondente a 10% do mesmo) à (...) SGPS, sendo que:

- (...) venderam os 10% de que eram titulares ao preço de €24,83 por ação (quando o respetivo valor nominal unitário era de €5,00), o que perfez a importância de €5.490.285,35;

c.  Sem recursos financeiros para pagar a importância de €5.490.285,35, a (...) SGPS:

- reconhece uma dívida aos sócios-gerentes (...), mas não estabelece qualquer prazo limite para a sua liquidação, nem nenhum plano de pagamentos;

d.  Paralelamente, a N... SGPS distribui lucros à acionista - a (...) SGPS (beneficiando da eliminação da dupla tributação económica (DTE) a que se refere o artigo 51º do CIRC) - que são utilizados para amortização da citada dívida constituída junto dos sócios-gerentes (...), em resultado da alienação das partes de capital da N... SGPS.

 

Com estes pressupostos essenciais, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações impugnadas com base na cláusula geral antiabuso, prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT que estabelece o seguinte:

 

  2. São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.

 

            A aplicação da cláusula geral antiabuso tem de efectuar-se com observância do procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT.

            Os Requerentes imputam às liquidações impugnadas os seguintes vícios:

            A) caducidade do direito à aplicação da cláusula geral antiabuso;

B) Inspecções anteriores e princípio da segurança jurídica;

C) Não verificação dos pressupostos legais de aplicação da CGAA

 

 

3.1. Questão da caducidade do direito à aplicação da cláusula geral antiabuso

 

3.1.1. Posições das Partes

 

Os Requerentes defendem, em suma, o seguinte:

– «na sua redação inicial, o art. 63º, n.º 2, do CPTT fixava um prazo especial para a abertura do procedimento conducente a aplicação da CLÁUSULA GERAL ANTIABUSO (Cláusula Geral Anti-Abuso), contado desde a «realização do negócio jurídico objeto das disposições antiabuso››;

– «continua a existir um prazo (que será agora o prazo normal de caducidade do direito à liquidação), findo o qual a aplicação da CGAA não poderá mais ter lugar»;

– «esse prazo, se conta, em geral, tomando como referência o momento da prática do negócio abusivo»;

– «vigora aqui o prazo geral de caducidade (quatro anos) na falta de um prazo específico»;

– «o sujeito passivo não pode estar indefinidamente na incerteza sobre o juízo da Administração sobre os seus actos ilícitos. Aqui, no âmbito da ineficácia, a necessidade da sua tutela é ainda superior à que se verifica quanto aos actos presumivelmente ilícitos»;

– a partir da data da receção da comunicação da venda das acções a Autoridade Tributária e Aduaneira teria o ónus de actuar, realizando as acções inspetivas e liquidações que considerasse necessárias;

– «é a partir dessa data que se deve contar o prazo de caducidade de eventuais liquidações adicionais, mesmo as feitas com invocação da CGAA»;

– «estando em causa pagamentos que se poderão desdobrar ao longo de dezenas de anos, entender que o direito à aplicação da CGAA existe até ao 4.º ano seguinte ao do último pagamento significaria aceitar uma incerteza jurídica durante décadas, o que, manifestamente não é conforme às exigências de um Estado de Direito»;

– «o que está em causa (...) é a requalificação de um negócio jurídico (compra e venda de ações), da qual resultou para o comprador uma obrigação de pagamento e não, diretamente, a requalificação de tais pagamentos, pois estes não são a parte da obrigação abusivamente criada, mas sim a forma da sua extinção».

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende no presente processo o seguinte, em suma, sobre a questão da caducidade:

 

– «o artigo 138º do CIRS estipula um prazo de 30 dias para a realização dessa comunicação, mas o que naturalmente releva para efeitos de eventual tributação é a data de ocorrência dos factos tributários subjacentes – ou seja, a alienação onerosa das ações que detinham na N... SGPS por parte de A... e B..., C... e D..., e E... e F... a cada uma das sociedades por eles constituídas – a M... SGPS, a K... SGPS, e a L... SGPS, respetivamente»;

– «a este respeito o last step doctrine segundo a qual a disposição anti abuso pode e deve aplicar-se ao momento decisivo e final - que é representado, no caso aqui em análise, pela receção do pagamento de uma dívida, em vez de dividendos»;

– «a disposição anti abuso se deve aplicar ao momento em que se consuma a vantagem fiscal que não seria alcançada sem recurso aos negócios jurídicos em discussão, ou seja, neste caso, aos reembolsos do crédito decorrente da alienação das ações da N... SGPS às sociedades veículo M... SGPS, K... SGPS e L... SGPS, interpostas entre aquela e os seus acionistas A... e B..., C... e D... e E... e F..., com o intuito de evitar os impostos a “suportar” pelos mesmos, decorrentes da distribuição de dividendos»;

– «a norma prevista no nº. 2 do artigo 38º da LGT preconiza é a ineficácia para efeitos fiscais dos negócios jurídicos dirigidos à eliminação dos impostos que seriam devidos, definindo claramente que, nesta circunstância, a tributação deve ser efetuada de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência, o que significa proceder à tributação dos dividendos auferidos pelos sujeitos passivos em sede de IRS, de acordo com as regras daquele diploma, nomeadamente, no caso de rendimentos enquadrados na categoria E, quando são colocados à disposição dos respetivos beneficiários».

 

3.1.2. O momento relevante para determinar o início do prazo para instauração do procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT

 

O artigo 63.º do CPPT, na redacção inicial, estabelecia o seguinte, no que aqui interessa:

 

1 - A liquidação dos tributos com base em quaisquer disposições antiabuso nos termos dos códigos e outras leis tributárias depende da abertura para o efeito de procedimento próprio.

2 - Consideram-se disposições antiabuso, para os efeitos do presente Código, quaisquer normas legais que consagrem a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos.

3 - O procedimento referido no número anterior pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso.

 

A Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, alterou o n.º 3, que passou a ter a seguinte redacção:

 

3 – O procedimento referido no n.º 1 pode ser aberto no prazo de três anos a contar do início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objecto das disposições anti-abuso.

 

Com a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, deixou de ser feita qualquer referência a prazo para a abertura do procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso.

 

Antes de mais, na análise da questão da caducidade, há que ter em conta que, nos casos em apreço, a tributação com aplicação da CGAA apenas é viável com o afastamento da relevância fiscal dos negócios de venda de acções celebrados em 2006.

Na verdade, em termos civilísticos, está-se perante negócios de vendas de acções, que, em 2006, geraram dívidas para com os accionistas, e de amortizações dessas dívidas operadas pelos pagamentos operados em 2013, 2014 e 2015 (além de outros anteriores). Nenhum desses negócios e amortizações é inválido em termos civilísticos, pelo que produziram os seus efeitos cíveis de as vendas gerarem dívidas e a as amortizações as extinguirem parcialmente.

Assim, a qualificação dos pagamentos como pagamento de dividendos só é viável com a desconsideração dos efeitos fiscais dos negócios que geraram as dívidas, pois, se os efeitos cíveis destes também forem relevantes para efeitos fiscais, terá de se concluir que existiam em 2013, 2014 e 2015 dívidas a reembolsar, não havendo qualquer artifício ou fraude em pagar o que se deve.

Por outro lado, como resulta do teor expresso do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT, nas redacções anteriores à da Lei n.º 64-B/2011, os factos relevantes para a contagem do prazo de três anos eram «a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso» (redacção originária) e «o início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objecto das disposições anti-abuso» (redacção da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro).

Isto é, à face destas redacções anteriores à Lei n.º 64-B/2011, não se permitia a liquidação com base na CGAA mesmo que as vantagens fiscais fossem obtidas no 4.º ano a contar daquele em que foi celebrado o negócio do negócio, ainda dentro do prazo de caducidade do direito de liquidação.

Esta constatação revela a introdução da CGAA no nosso direito com um regime fortemente restritivo da aplicabilidade da CGAA, decerto pelos efeitos perturbadores da segurança jurídica indissociavelmente associados à dissonância entre os efeitos cíveis e os efeitos fiscais.

Não havia, assim, no nosso direito vigente até à redacção dada ao artigo 63.º do CPPT pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, suporte legal para o entendimento defendido pela Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo de que «a disposição anti abuso se deve aplicar ao momento em que se consuma a vantagem fiscal que não seria alcançada sem recurso aos negócios jurídicos em discussão», nem para o entendimento dos Requerentes que referem o momento da apresentação das declarações previstas no artigo 138.º do CIRS.

Efectivamente, como se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 420/2014-T «o legislador mantendo-se na terminologia do artigo 38.º, n.º 2 da LGT, pretendesse que o prazo em questão tivesse como referência a consumação da vantagem fiscal almejada com o acto ou negócio jurídico cuja ineficácia é visada pela aplicação da cláusula antiabuso, tê-lo-ia dito. A referir-se ao negócio jurídico, e não à vantagem fiscal, fica claro, crê-se, que o legislador pretendeu – bem ou mal – reportar-se àquele, e não a esta, para determinar o início do prazo que consagrou no artigo 63.º, n.º 3 do CPPT, através da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro».

A “step transaction doctrine”, invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, consiste na consideração do conjunto complexo de actos ou negócios jurídicos que  surgem numa arquitectura global, planeada, composta por actos ou negócios jurídicos preparatórios e complementares, para além do acto ou negócio jurídico que é objectivamente censurado, na medida em que somente através da sua visão completa se detecta o desenho elisivo ( [2] ).

Porém, tal teoria não cabe, na sua totalidade, na letra da norma prevista no art. 63.º, n.º 3 do CPPT, quer na redacção inicial e quer na introduzida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, que fazem referências explícitas à realização do negócio como momento relevante para determinar o início do prazo de três anos, imediatamente (na redacção inicial) ou a partir do início do ano civil subsequente (na redacção de 2008). A letra da lei encontra-se centrada no acto ou negócio jurídico, tendo o legislador optado por utilizar a expressão “realização do negócio” (art. 63.º, n.º 3 do CPPT) ( [3] ) em vez de outras como “efeito do negócio” ou “finalidade do acto” ou «produção de vantagens fiscais».

Nem mesmo se pode considerar relevante para influenciar o início do prazo para abertura do procedimento o momento em que o negócio entra na esfera de conhecimento da Administração Tributária, pois, pelo contrário, impõe-se a contagem do prazo desde o início do ano civil ao da realização do negócio, apesar de as declarações de rendimentos nos impostos periódicos só devam ser apresentadas vários meses depois.

É certo que o prazo para instauração da CGAA contado nos termos previstos no artigo 63.º, n.º 3, do CPPT (nas redacções referidas) se afigura demasiado curto, tendo em conta que pode iniciar-se antes do momento em que devem ser cumpridas obrigações declarativas que permita à Autoridade Tributária e Aduaneira aperceber-se do negócio abusivo, mas é esse o prazo que decorre do que está estabelecido na lei, e terá, decerto, sido o reconhecimento da sua insuficiência que estará subjacente à alteração legislativa de 2011, que eliminou o prazo. ( [4] )

Assim, o entendimento de que o início do prazo se deva contar da produção de efeitos do negócio não tem na letra do artigo 63.º, n.º 3, do CPPT, “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, imprescindível para a admissibilidade de uma interpretação jurídica (art. 9.º, n.º 2 do CC) ( [5] ).

Por isso, à face das redacções do artigo 63.º do CPPT que vigoraram antes de a Lei n.º 64-B/2011  ter eliminado o prazo especial para instauração de procedimento anti-abuso com base no momento da realização do negócio jurídico, a doutrina das "step by step transactions", a que se refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, apenas poderia ter aplicação, no nosso direito, para efeitos de apurar a caducidade, quando um negócio, só por si, não tivesse potencialidade de criar as condições para obtenção de vantagens fiscais que não advinham de outro negócio alternativo ( [6] ) e essas condições só ficarem reunidas com a conjugação de vários negócios ou actos, nomeadamente aqueles em que um negócio fosse repartido em várias etapas com o propósito de alterar os efeitos fiscais que lhe corresponderiam se lhe fosse dada a qualificação cível adequada.

No caso em apreço, os negócios de vendas das acções, gerando as correspondentes dívidas, criaram, sem mais, as condições para virem a ser usufruídas as vantagens fiscais, pois o sobre o seu reembolso de dívidas não incide tributação.

De qualquer modo, a entender-se que era necessário que fosse efectuado algum reembolso para serem evidenciados os efeitos práticos da criação das dívidas, os momentos de 2007 em que ocorreram os primeiros reembolsos parciais de todas as dívidas determinarão o início dos prazos de caducidade em relação a todos os Sujeitos Passivos.

 

3.1.3. Análise da questão da caducidade

 

Como se refere no acórdão arbitral de 09-05-2013, proferido no processo n.º 123/2012-T ( [7] ), nas redacções que vigoraram até à entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011, resultava do n.º 3 do artigo 63.º para o sujeito passivo a “garantia” de que o procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso não poderia ser aberto decorrido o prazo previsto.

Assim, o decurso do prazo previsto extinguia o direito potestativo de que gozava a Autoridade Tributária e Aduaneira de instaurar o referido procedimento

Refere-se no processo arbitral n.º 363/2016-T, sobre questão idêntica:

Delimitando temporalmente o direito potestativo do sujeito activo, o prazo estabelecido no artigo 63.º, n.º 3, do CPPT, naquelas redacções, era um prazo de caducidade: “caducidade ou preclusão é um instituto por via do qual os direitos potestativos se extinguem pelo facto do seu não-exercício prolongado por certo tempo” ( [8] ); “caducidade, também dita preclusão, é o instituto pelo qual os direitos, que, por força da lei ou de convenção se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante esse prazo” ( [9] ).

 O sujeito activo tem o direito potestativo – dir-se-á, noutra óptica, que tem um poder-dever – de abrir o procedimento até um certo momento. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado relativo ao exercício do direito sujeito ao prazo de caducidade. ( [10] )

O artigo 12.º, n.º 3, da LGT, ao estabelecer que «as normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes», tem como efeito, relativamente à aplicação da lei no tempo da Lei n.º 64-B/2011, que, relativamente aos direitos de instaurar procedimento para aplicação de cláusula geral antiabuso que ainda não tinham caducado à data da sua entrada em vigor, deixa de se verificar a caducidade, pois a nova lei não prevê prazo para a referida instauração.

Na verdade, quando está a decorrer o prazo de extinção de um direito, está-se perante uma situação jurídica em curso de extinção, que se extingue quando esse prazo se esgotar.

Perante uma sucessão de leis reguladoras de uma situação jurídica em curso de extinção, se essa situação não se extinguiu durante a vigência da lei antiga, a lei competente para determinar o regime da sua extinção (inclusivamente a sua não extinção) é a lei nova.

Mas, para a lei nova a que não seja atribuída eficácia retroactiva poder regular essa situação jurídica é necessário que ela ainda subsista à data da entrada em vigor da lei nova, isto é, que o direito em causa não se tenha já extinto, antes desta entrada em vigor. Se o direito se extinguiu na vigência da lei antiga, a lei nova não lhe pode ser aplicável, sem retroactividade, pois não tem qualquer conexão temporal com a situação já extinta, não se colocando sequer um problema de aplicação da nova lei no tempo, se esta não for retroactiva.

O artigo 297.º do Código Civil, que contém normas especiais para a aplicação no tempo das leis sobre prazos, evidencia o suporte legal para este entendimento, ao condicionar a sua aplicação aos prazos que estiverem em curso, no momento da entrada em vigor da lei nova.

A lei que elimina um prazo constitui, à face deste artigo 297.º, mesmo por interpretação meramente declarativa, uma lei que estabelece «um prazo mais longo», pois a inexistência de um prazo é equiparável a um prazo de duração infinita.

Assim, a nova lei é aplicável aos prazos que estejam em curso, mas apenas a esses, não se aplicando a prazos que já decorreram integralmente.

Por outras palavras, a certeza e a segurança jurídica conferida com a caducidade do direito apenas se constitui se o prazo transcorrer na totalidade sem que o direito potestativo seja exercido, mas, após o seu decurso integral, estar-se-á perante uma situação em que deixa de haver o direito de instaurar o procedimento, não havendo qualquer suporte legal para se entender, sem retroactividade, que ele renasça pelo facto de a nova lei vir eliminar o prazo.

No caso em apreço, a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, não atribui eficácia retroactiva à nova redacção que introduziu no artigo 63.º do CPPT, designadamente a eliminação do prazo para instaurar procedimento de aplicação da cláusula geral antiabuso, pelo que tem de se entender que esta eliminação apenas se verifica para prazos que estivessem em curso à data da sua entrada em vigor, que ocorreu em 01-01-2012 (artigo 215.º daquela Lei).( [11] )

 

Aplicando este regime jurídico ao caso dos autos, constata-se que, como defendem os Requerentes, o direito de instaurar procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso, retirando eficácia fiscal aos negócios celebrados em 2006, extinguiu-se, pois o procedimento foi instaurado em 2017.

Na verdade, o prazo de três anos previsto no artigo 63.º, mesmo contado «do início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objecto das disposições anti-abuso» (como se estabelece na redacção do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT introduzida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro), terá terminado em 31-12-2009, pois os negócios de venda de acções foram celebrados em 2006. Se se entender que o prazo se conta apenas do momento em que se consumam vantagens fiscais necessárias para aplicação da CGAA, o prazo de caducidade terá  terminado em 31-12-2010, pois os primeiros reembolsos de todos os Sujeitos Passivos ocorreram em 2007.

Estando integralmente decorrido esse prazo extintivo do direito de a Autoridade Tributária e Aduaneira instaurar procedimento de aplicação da cláusula geral antiabuso à data em que foi eliminado o prazo, em 01-01-2012, com a entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, esta nova lei não tem com aquele prazo qualquer conexão temporal, pelo que não pode ser aplicada à situação jurídica a que se reporta a extinção do direito.

Assim, tendo o procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso sido instaurado em 2017, conclui-se que a instauração ocorreu depois de estar extinto o prazo aplicável, pelo que esta foi ilegal, por violação do artigo 63.º, n.º 3, do CPPT, na redacção da Lei n.º 64-A/2008.

Consequentemente, as liquidações impugnadas, que têm como pressuposto o referido procedimento, enfermam do mesmo vício, que justifica a sua anulação [artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 2015, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].

As liquidações de juros compensatórios incluídas nas liquidações impugnadas têm como pressupostos as respectivas liquidações de IRS, pelo que enfermam do mesmo vício e se justifica também a sua anulação.

 

 

3.2. Questões de conhecimento prejudicado

 

O vício das liquidações que constitui a caducidade da instauração do procedimento para aplicação da CGAA assegura eficaz e estável tutela dos interesses dos Requerentes, pelo que fica prejudicado, por ser inútil (artigo 130.º do CPC) o conhecimento dos restantes vícios que são imputados às liquidações.  

 

 

4. Indemnização por garantia indevida

 

Os Requerentes prestaram garantias bancárias para suspensão de processos de execução fiscal instaurados para cobrança coerciva das quantias liquidadas (documentos n.ºs 18, 19 e 20 juntos com o pedido de pronúncia arbitral) e pedem indemnizações pelos encargos suportados, nos termos do artigo 53.º da LGT.

O artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

 

Garantia em caso de prestação indevida

 

            1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

            2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

            3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

            4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

 

No caso em apreço, é manifesto que os erros subjacentes às liquidações, quanto à possibilidade de aplicação da cláusula geral antiabuso, são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois essa aplicação e as subsequentes liquidações de IRS e juros compensatórios foram da sua iniciativa.

Por isso, os Requerentes têm direito a indemnizações pelas garantias prestadas.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante exacto das indemnizações, a condenação terá de ser efectuada com referência aos valores que vierem a ser liquidados em execução do presente acórdão [artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 2.º, alínea d) da LGT].

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular as liquidações de IRS e juros compensatórios n.ºs 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018... e 2018...;
  3. Julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar a cada um dos casais Requerentes a quantia que for liquidada em execução do presente acórdão relativa às despesas que cada um suportou com a prestação da respectiva garantia.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.792.662,66.

 

 

Lisboa, 03-01-2019

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(Tomás Cantista Tavares)

 

 

 

 

(Jónatas Machado)

 



[1] Reproduz-se parte do Relatório da Inspecção Tributária relativo à inspecção a A... e B..., que no que concerne à fundamentação para aplicação da cláusula geral antiabuso, é idêntico aos das outras inspecções.

[2] “Quer os actos jurídicos, quer os negócios jurídicos, podem surgir isolados (adaptados à obtenção da utilidade económica e da vantagem fiscal), ou, naquela que é a hipótese porventura mais comum, formar um conjunto - conjunto de actos ou conjunto de negócios. Para tal, deverão formar uma unidade lógica, sequencial e indivisível a tal dirigida - uma estrutura [...]. A doutrina e a jurisprudência britânica [...] apurou a verificação dessa unidade quando - step-by-step doctrine - no momento da realização do primeiro acto, será pouco razoável admitir que outros não se lhe seguirão forçosamente, de modo a completá-lo, e assim obtendo a vantagem fiscal visada e o fim económico acautelado (cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário: Contributos para a sua compreensão, Coimbra, Almedina, 2009, pp. 166-167).

      Estas considerações, ressalve-se, são tecidas no contexto do estudo dos elementos (particularmente o elemento meio) da cláusula geral anti-abuso, não visando a questão do início da contagem do prazo para a abertura do procedimento de aplicação da disposição anti-abuso.

[3] Bem como, no mesmo artigo e a respeito da fundamentação, as expressões “negócio jurídico celebrado ou do acto jurídico realizado” (artigo 63.º, n.º 9, alínea a) do CPPT) e “negócio jurídico celebrado ou do acto jurídico realizado” (artigo 63.º, n.º 9, alínea c) do CPPT).

[4] Como refere JOÃO PAULO SIMÕES, em A Cláusula Geral Anti-Abuso: Problemática, Aplicação e Procedimento”, in Bússola Fiscal 1, Encontro da Escrita, página 219.

[5] Neste sentido, PEDRO PATRÍCIO AMORIM, Anotação à primeira decisão de um tribunal superior sobre a aplicação da cláusula geral anti-abuso, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, páginas 230-232.

E ainda DIOGO LEITE DE CAMPOS e JOÃO COSTA ANDRADE, Autonomia Contratual e Direito Tributário, A norma geral anti-elisão, Coimbra, Almedina, 2008, páginas 72-77: “O prazo deve contar-se, como é letra da lei, do acto ou do contrato que é objecto da aplicação da norma anti-elisão e que, portanto, será ineficaz” (página 75).

[6] Como poderia ser a permuta de acções com as novas sociedades em vez das vendas geradoras das dívidas, como sugeriu a Autoridade Tributária e Aduaneira na inquirição da testemunha.

[7] Cuja jurisprudência é seguida no acórdão arbitral de 14-12-2016, proferido no processo n.º 363/2016-T.

[8] MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, p. 463.

[9] FERNANDES, CARVALHO, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, p. 699.

[10] Acórdão proferido no processo n.º 123/2012-T.

[11] Excerto do acórdão proferido no processo arbitral n.º 363/2016-T.