Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 665/2018-T
Data da decisão: 2019-07-12  Selo  
Valor do pedido: € 21.819,65
Tema: IS – Operações financeiras – Fundo de Investimento Imobiliário – Isenção da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo – Ónus da prova.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

  1. Relatório

1. A pessoa coletiva A...- Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário com o n.º de identificação de pessoa coletiva ... (doravante designada por “Requerente”), com sede na Rua ... n.º..., ...-... Lisboa, na qualidade de gestora e representante do B...– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado (doravante designado por “Fundo”), apresentou, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), o pedido de constituição de Tribunal Arbitral, com vista à declaração de ilegalidade do ato de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa apresentado sobre as liquidações de Imposto do Selo incidentes sobre o crédito e juros cobrados ao Fundo entre outubro de 2015 e maio de 2016, no montante total de € 21.819,65, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).

  1. Constituição do Tribunal Arbitral

 

2. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro do tribunal singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 8 de fevereiro de 2019.

3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante a comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 28 de fevereiro de 2019.

  1. História Processual

4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente veio deduzir impugnação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra os atos tributários de liquidação de Imposto do Selo incidente sobre o crédito e juros cobrados ao Fundo entre outubro de 2015 e maio de 2016, a saber, através das guias de Imposto do Selo n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º ..., n.º..., n.º..., juntamente com a anulação destes atos de liquidação.

5. A Requerente pede ainda o reembolso da quantia de € 21.819,65 e juros indemnizatórios.

6. A AT veio apresentar Resposta, peticionando, por sua vez, a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não se verificar qualquer vício de violação de lei, solicitando que o ato tributário em análise, por não violar qualquer preceito legal ou constitucional, seja mantido na ordem jurídica.

7. Em 15 de abril de 2019, a Requerente veio, por meio de requerimento, apresentar prova documental adicional, admitida por despacho.

8. A AT pronunciou-se sobre este requerimento.

9. Por despacho de 1 de julho de 2019, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em resultado da simplicidade das questões em apreço, bem como por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial.

10. Decidiu o presente Tribunal Arbitral convidar as partes, querendo, a produzir alegações finais, no prazo de 10 dias, e em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, fixou como prazo limite para a decisão arbitral o dia 15 de julho de 2019.

11. Na sequência do despacho de 1 de julho de 2019, veio a Requerente informar os autos que não pretendia produzir alegações orais ou escritas, reiterando os argumentos já expendidos no processo.

12. A Requerida, por sua vez, veio aos autos dar por integralmente reproduzido o já aduzido na Resposta.

13. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas exceções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.

14. A legitimidade do Fundo é defendida pela Requerente, nos artigos 80.º a 95.º do pedido de pronúncia arbitral e trata-se de matéria de conhecimento oficioso. Estando a questão da legitimidade relacionada com a invocada repercussão do imposto, será apreciada após a fixação da matéria de facto.

15. Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

  1. Questão a decidir

16. A questão fulcral a apreciar e decidir, relativamente ao mérito da causa, tal como se retira das peças processuais apresentadas pelas partes, prende-se com saber se as liquidações de Imposto do Selo supracitadas padecem do vício de ilegalidade que a Requerente lhes aponta, isto é, se as operações/entidade em causa estão ou não abrangidas pela isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.

  1. Decisão da matéria de facto e sua motivação

A) Prova Documental

17. Examinada a prova documental produzida pelas partes, o presente tribunal julga como provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

  1. O Fundo aqui representado pela Requerente, nos termos do respetivo Regulamento de Gestão (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido), é um fundo de investimento imobiliário aberto de acumulação, sendo a respetiva atividade hoje regulada pelo Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro;

 

  1. O Fundo tem vindo a recorrer a financiamento junto do Banco C..., S.A., tendo celebrado com este o contrato de empréstimo n.º ... (documento n.º 1 junto com o requerimento de prova de 15 de abril de 2019, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

 

  1. O Banco C..., S.A., na qualidade de sujeito passivo do imposto, aquando da cobrança do valor do crédito concedido e juros, liquidou e entregou o Imposto do Selo devido com referência àquele contrato, ao abrigo da Verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo, através das guias de pagamento de imposto indicadas no pedido de revisão de ato tributário e também no pedido de pronúncia arbitral;

 

  1. O Banco C..., S.A. repercutiu o Imposto do Selo liquidado na esfera do Fundo (enquanto utilizador dos créditos em causa), tendo este suportado integralmente o mesmo (extratos bancários, que constam do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido), nos seguintes termos:

 

 

 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. Em 20-06-2018, a Requerente, em representação do Fundo, apresentou pedido de revisão oficiosa dos referidos atos de liquidação de Imposto do Selo, nos termos que constam do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido;

 

  1. O pedido de revisão oficiosa proposto pela Requerente foi tacitamente indeferido, tendo a Requerente vindo deduzir pedido de pronúncia arbitral visando precisamente a declaração de ilegalidade do referido indeferimento tácito.

B) Factos não provados e fundamentação da matéria de facto

18. Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

19. A Requerida alega que, no que respeita às liquidações contestadas pela Requerente, não se mostra que o Imposto do Selo tenha sido repercutido na esfera do Fundo.

20. Desde já se adianta a discordância do Tribunal face aos argumentos da AT relativos a este ponto, pois nos extratos bancários juntos como documento n.º 4 do pedido de revisão de ato tributário é possível vislumbrar o movimento dos montantes referentes às liquidações de Imposto do Selo.

21. Pelo que, não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.

  1. Do Direito
  1. Quadro Jurídico

 

22. Nos termos do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, o Imposto do Selo incide sobre os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral.

23. Na verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo prevê-se a incidência do Imposto sobre “operações financeiras”, em que se incluem as “operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras” (verba 17.3).

24. A alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo estabelece, na redação da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, o seguinte:

“1 – São também isentos do imposto:

(...)

e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;”

25. A verba 17.1.4 da TGIS refere-se a “crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30”, estabelecendo a taxa de 0,04%.          

26. Mantendo este enquadramento legislativo em mente, debruçar-nos-emos agora sobre a questão de saber se o Fundo goza, ou não, de legitimidade ativa para a presente lide.

  1. Legitimidade do Fundo

 

27. A Requerente afirma a legitimidade ativa do Fundo nos artigos 80.º a 95.º do pedido de pronúncia arbitral.

28. A legitimidade ativa é matéria de conhecimento oficioso, como resulta do disposto no n.º 2 e na alínea e) do n.º 4 do artigo 89.º do Código do Procedimento nos Tribunais Administrativos, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

29. De harmonia com o disposto no artigo 2.º do Código do Imposto do Selo, o utilizador de crédito não é sujeito passivo daquele imposto, embora seja o titular do interesse económico, como resulta da alínea e) do n.º 3 do artigo 3.º do mesmo Código.

30. A Requerente defende que o Fundo tem legitimidade para impugnar as liquidações por ter a qualidade de “terceiro repercutido” (artigo 84.º do pedido de pronúncia arbitral), uma vez que é a “entidade que suporta o encargo do imposto por repercussão legal”.

31. Nesta linha, a Requerente defende que o Fundo tem legitimidade no pressuposto de que “o sujeito passivo - instituição de crédito mutuante - (auto)liquidou e entregou o Imposto do Selo controvertido, mas repercutiu o mesmo na entidade com “interesse económico na realidade tributária", i.e., no Fundo aqui representado pela Requerente” (artigo 89.º do pedido de pronúncia arbitral).

32. Como resulta do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, na redação da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, quem suporta o encargo por repercussão legal não é sujeito passivo, mas tem legitimidade, na qualidade de repercutido, para apresentar pedido de pronúncia arbitral.

33. Sendo assim, a legitimidade do Fundo apenas se verifica na medida em que demonstrar que ocorreu repercussão do imposto liquidado.

34. Como se referiu na fundamentação da decisão da matéria de facto, ficou provada a repercussão no Fundo dos montantes de Imposto do Selo liquidados relativamente a juros, nos seguintes períodos:

- Período de imposto: outubro de 2015; Valor do Imposto do Selo: € 766,33 (juros) e € 3.780,00 (utilização do crédito).

- Período de imposto: novembro de 2015; Valor do Imposto do Selo: € 680,76 (juros) e € 3.253,33 (utilização do crédito).

- Período de imposto: dezembro de 2015; Valor do Imposto do Selo: € 620,73 (juros) e € 3.306,67 (utilização do crédito).

- Período de imposto: janeiro de 2016; Valor do Imposto do Selo: € 505,78 (juros) e € 2.320,00 (utilização do crédito).

- Período de imposto: fevereiro de 2016; Valor do Imposto do Selo: € 437,09 (juros) e € 2.146,67 (utilização do crédito).

- Período de imposto: março de 2016; Valor do Imposto do Selo: € 379,38 (juros);

- Período de imposto: abril de 2016; Valor do Imposto do Selo: € 336,29 (juros) e € 1.566,00 (utilização do crédito).

- Período de imposto: maio de 2016; Valor do Imposto do Selo: € 281,29 (juros) e € 1.439,33 (utilização do crédito).

35. Assim, quanto a estas liquidações, ficou provada a respetiva repercussão no Fundo do imposto em causa, pelo que não se demonstra qualquer ilegitimidade do Fundo.

  1. Argumentos das Partes

 

36. A Requerente alega, em suma, que o crédito a que se referem as guias de pagamento do Imposto do Selo foi concedido ao Fundo por uma instituição de crédito/instituição financeira e que o Fundo também é uma instituição financeira, pelo que a isenção da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo não poderá deixar de ser aplicável.

37. Com efeito, inicia a Requerente a sua exposição com os seguintes argumentos, derivados essencialmente do conceito de “instituições financeiras” previsto na legislação comunitária:

  1. As operações de financiamento subjacentes aos atos tributários sub judice beneficiam da norma de isenção consagrada na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.

 

  1. A referida isenção inclui, designadamente, os juros cobrados, as comissões cobradas, a utilização do crédito e as garantias prestadas.

 

  1. Na aplicação daquela isenção, não deve ser descurada a natureza jurídica do sujeito sobre quem incide o encargo do imposto, ou seja, do terceiro repercutido.

 

  1. Desse modo, por forma a concluir sobre a qualificação que os “fundos de investimento imobiliário” assumem na legislação comunitária, ou seja, se os mesmos deverão ser configurados como “instituições financeiras”, a Requerente socorre-se de diversa legislação comunitária que dispõe sobre o tema.

 

  1. Neste sentido, a Diretiva (UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho (“Diretiva 2015/849”), de 20 de maio de 2015, referente à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, densifica o conceito de “instituição financeira” ao prever, no n.º 2 do respetivo artigo 3.º, as diferentes realidades que integram o mesmo, designando, na alínea d) desta disposição, como instituição financeira “um organismo de investimento coletivo que comercializa as suas ações ou unidades de participação.”

 

  1. Argumenta a Requerente que a letra desta norma confere ao conceito uma abrangência alargada, não prevendo qualquer limitação quanto à forma jurídica que aqueles organismos de investimento coletivo podem revestir, ou mesmo quanto à natureza das ações ou unidades de participação que integrem as respetivas carteiras.

 

  1. Pelo que, nos termos da aludida Diretiva, os fundos de investimento imobiliário deverão ser qualificados como “instituições financeiras”.

 

  1. Adicionalmente, a Requerente convoca ainda a Diretiva 2011/61/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2011, referente aos gestores de fundos de investimento alternativos, que define fundo de investimento alternativo (“FIA”) como sendo “um organismo de investimento coletivo (…) que, por um lado, reúna capital junto de um certo número de investidores, tendo em vista investi-lo de acordo com uma política de investimento definida em benefício desses investidores” e que, por outro lado, “não requeira autorização ao abrigo do artigo 5.º da Diretiva 2009/65/CE”, conforme a letra da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º daquele diploma comunitário.

 

  1. Em face do disposto nas normas comunitárias invocadas, a Requerente conclui que o Fundo que representa deverá ser considerado como subsumível ao conceito de “fundo de investimento alternativo.”

 

  1. Com efeito, no que respeita ao cumprimento do requisito de que o organismo em causa “reúna capital junto de um certo número de investidores, tendo em vista investi-lo de acordo com uma política de investimento definida em benefício desses investidores”, a Requerente refere que “o Fundo é constituído por capital dos seus participantes, sendo que o seu objetivo é maximizar o valor do seu património líquido através da realização de investimentos, predominantemente imobiliários, em benefício daqueles (…)”.

 

  1. Em relação ao requisito de que o organismo de investimento coletivo “não requeira autorização ao abrigo do artigo 5.º da Diretiva 2009/65/CE”, a Requerente refere que a mesma não foi requerida no caso em apreço, não sendo sequer aplicável ao Fundo por si representado.

 

  • Acrescenta ainda a Requerente que o teor da Proposta de Diretiva que aplica uma cooperação reforçada no domínio do imposto sobre as transações financeiras qualifica, no respetivo artigo 2.º, n.º 8, alínea g), os FIA e os gestores de fundos de investimentos alternativos (“GFIA”), na aceção do artigo 4.º da Diretiva 2011/61/EU, como sendo instituições financeiras.

 

  1. Ora, a conjugação do disposto pelas leis comunitárias convocadas leva a Requerente a concluir que o Fundo por si representado, em análise nos presentes autos, configura uma subespécie dos fundos de investimento alternativo e, como tal, deve ser considerado como uma “instituição financeira”.

 

  • Em face do exposto, entende a Requerente que, tratando-se o Fundo de uma “instituição financeira” nos termos da legislação comunitária mobilizada, e encontrando-se verificados no caso sub judice os restantes requisitos aplicáveis, deve o mesmo beneficiar da isenção de Imposto do Selo prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código daquele imposto.

 

  • Neste sentido, considera a Requerente que “as operações financeiras em causa cabem na previsão objetiva da norma”, em razão de se tratarem, essencialmente, de operações de concessão de crédito, argumento que reforça dizendo que a entidade mutuante é qualificada como “instituição de crédito”, nos termos da lei, e que o Fundo, na qualidade de mutuário, configura uma “instituição financeira” nos termos previstos na legislação comunitária.

 

  1. Assim, não restam dúvidas à Requerente de que os atos de liquidação de Imposto do Selo em causa nos presentes autos, movidos pela Requerida, são ilegais e, como tal, os mesmos devem ser parcialmente anulados, reclamando o ressarcimento integral do Fundo pelo valor total do Imposto do Selo suportado in casu.

 

  1. Adicionalmente, a Requerente refere que a subsunção dos fundos de investimento imobiliário no conceito de “instituições financeiras”, assim como a aplicabilidade da isenção consagrada na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo já foram objeto de apreciação e decisão por parte da AT, através do Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros (“CEF”), tendo este organismo se pronunciado, através do parecer n.º 25/2013, de 28 de junho, no sentido de que os fundos de capitais de risco se deverão considerar com instituições financeiras, por se incluírem na lisa das entidades descritas no n.º 2 do artigo 3.º da Diretiva n.º 2005/60/CE.

 

  1. Acrescenta ainda a Requerente que a AT também se pronunciou sobre esta matéria no âmbito da resposta a pedidos de informação vinculativa apresentados por sociedades que, tal como o Fundo representado pela Requerente nos presentes autos, revestem a natureza de fundos de investimento imobiliário.

 

  1. Neste sentido, a Requerente juntou aos autos a Informação Vinculativa emitida pela AT no âmbito do Processo n.º 2017... – IVE n.º ..., no âmbito do qual esta entendeu verificar-se que, uma vez que um fundo de capital de risco deve ser qualificado como FIA, e, como tal, uma “Instituição Financeira”, também um fundo de investimento imobiliário deverá ser qualificado como tal.

38. Em razão de toda argumentação exposta, conclui a Requerente que, sob o entendimento da própria AT, os atos tributários que são objeto dos presentes autos “não deveriam ter gerado a liquidação de qualquer imposto, ao abrigo da isenção prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo”, devendo por isso os atos tributários em causa ser anulados e restituído ao Fundo, de forma integral, o valor liquidado no âmbito dos mesmos, na qualidade de terceiro repercutido.

39. Em sentido divergente, a argumentação desenvolvida pela Requerida, ao deduzir Resposta, assentou essencialmente na alegada falta de prova apresentada pela Requerente para arguir a sua posição, entendendo que:

  1. Não obstante a referência no pedido de pronúncia arbitral a um contrato de empréstimo celebrado entre a Requerente e a instituição bancária, tal documento não foi junto pela Requerente, e que a declaração da entidade bancária foi junta sem qualquer suporte documental, como por exemplo as guias de pagamento de Imposto do Selo ali mencionadas ou qualquer outro documento que sustentasse as referidas operações.

 

  1. A respeito das guias de pagamento, mesmo que estas tivessem sido juntas, seriam insuficientes por apenas mencionarem um valor global, não identificando as operações ou os titulares do encargo do imposto.

 

  1. Quanto aos extratos bancários juntos com o pedido de pronúncia arbitral, estes não permitem a identificação do ato ou operação a que respeita o pagamento aí referido, e que não foram apresentadas junto da AT quaisquer declarações complementares que permitam concluir com rigor que as liquidações de imposto contestadas pela Requerente digam respeito aos valores apostos às guias de Imposto do Selo entregues, por referência aos períodos em causa.

 

  1. Não obstante, assiste razão à Requerente ao afirmar “que a AT tem entendido que os fundos de investimento imobiliário são qualificados como instituição financeira, nos termos da legislação comunitária, e como tal estarão isentos de Imposto do Selo”, de acordo com a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, “relativamente às comissões cobradas quando diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade exercida pelas instituições de crédito aí referidas”.

 

  1. Contudo, a Requerida alega não ter sido feita prova de que estamos perante Imposto do Selo cobrado nos termos da referida norma de isenção e que, nos termos do artigo 74.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), cabia à Requerente provar os factos por si alegados.

 

  1. Nesta senda, passa a Requerida a citar o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de junho de 2012, proferido no âmbito do processo n.º 0982/11 onde se afirma que “no que concerne à repartição do ónus da prova entre a Administração Fiscal e o contribuinte”, dispõe o artigo 74.º, n.º 1 da LGT que “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, e que “estando em causa uma autoliquidação é o contribuinte que vem discordar da própria declaração, impugnando a sua veracidade e até a sua autenticidade”, cabendo assim à recorrente demonstrar o facto por si alegado.

40. Em face do exposto, conclui a Requerida que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

  1. Qualificação do Fundo como Instituição Financeira

41. Não há controvérsia sobre a qualificação do Fundo como instituição financeira, pois a AT reconhece que os fundos de investimento imobiliário como instituições financeiras, na aceção da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.

42. Na verdade, a AT aceita o entendimento da Requerente, que adotou já em Informações Vinculativas, designadamente a 2017... - IVE n.º..., com despacho concordante de 07 de julho de 2017, da Diretora-Geral da AT, invocada pela Requerente.

43. Na referida Informação Vinculativa, a AT conclui pela classificação dos fundos de investimento imobiliário “como instituição financeira, nos termos da legislação comunitária, e como tal estará isento de imposto do selo ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS relativamente às comissões cobradas quando diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades aí referidas.”

44. No mesmo sentido versa a Informação Vinculativa emitida pela AT no âmbito do processo 2018... - IVE n.º..., com despacho concordante de 01 de novembro de 2018, da Diretora-Geral da AT.

45. No âmbito desta, a AT firma o seu entendimento de que os fundos de investimento imobiliário se qualificam, “à luz da legislação comunitária, como instituições financeiras, pelo que se verifica o preenchimento do pressuposto subjetivo da isenção no destino (alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.

46. Assim, pelos fundamentos referidos, é de entender que o Fundo constitui uma instituição financeira, para efeito da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

  1. Questão da falta de prova de que as liquidações se reportam a Imposto do Selo liquidado ao abrigo da verba 17.1.4 da Tabela Geral

 

47. Conforme já referido, os obstáculos essenciais colocados pela AT, na sua Resposta à pretensão da Requerente, estão relacionados com a alegada falta de prova de que as liquidações de Imposto do Selo efetuadas pelo Banco C..., S.A, se enquadram na referida alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

48. Designadamente, a Requerida entende que não está provado que as liquidações de Imposto do Selo resultem de contrato de empréstimo celebrado entre a Requerente e a instituição bancária, que foi apresentada uma declaração da entidade  bancária sem qualquer suporte documental (sejam as guias de pagamento de IS aí mencionadas, seja outro documento que sustente as operações aí alegadas) e que os extratos bancários juntos com o pedido de pronúncia arbitral não permitem identificar a que ato ou operação respeita o pagamento ali referido, nem mesmo sendo possível tal identificação com as guias de pagamento de Imposto do Selo, caso as mesmas fosses juntas aos autos.

49. A AT acrescenta, no artigo 28.º da Resposta, que “as guias de pagamento de IS, mesmo que tivessem sido juntas, não se revelariam suficientes para comprovar que respeitam a IS relativo àquelas operações/entidade titular do encargo do imposto, porquanto mencionam apenas um valor global”.

50. Na sequência da Resposta, a Requerente apresentou novos documentos, sobre os quais a AT se pronunciou, reafirmando a sua posição e dizendo que “não existem quaisquer declarações  complementares apresentadas junto da AT que permitam concluir com rigor que o imposto ora contestado respeite  sequer  aos  valores  inscritos  nas  guias  de  imposto  do  selo  entregues, correspondentes aos períodos em causa - 2015 e 2016”.

51. Como resulta da prova produzida, confirmou-se que a Requerente celebrou o contrato de abertura de crédito por conta corrente que invocou e cuja cópia foi junta aos autos.

52. No que concerne às guias de pagamento, são identificadas pela Requerente através dos seus números e, estando em causa documentos entregues à AT, o ónus da prova dos factos que delas constam “considera-se satisfeito” nos termos do artigo 74.º, n.º 2, da LGT, pois o interessado procedeu à correta identificação desses documentos, não existindo qualquer indício de que os números indicados estejam errados ou não tenham sido efetuados os pagamentos.

53. Por outro lado, os extratos bancários juntos com o pedido de pronúncia arbitral contêm indicação do débito ao Fundo das quantias que refere, com indicação de “IS-VERBA 17.1.4 TGIS/S/COM”, o que indica que se trata de Imposto do Selo sobre utilização do crédito aí previsto, em que se inclui a utilização sobre a forma de abertura de crédito por conta corrente, que se encontra prevista no contrato.

54. Existindo um contrato de abertura de crédito por conta corrente entre o Fundo e o Banco, é de presumir, à luz das regras da experiência comum, que o Imposto do Selo liquidado, sob a menção de que as liquidações se baseiam na Verba 17.1.4 da TGIS, diz efetivamente respeito à utilização de crédito por conta corrente, que é a situação ali prevista.

55. Com efeito, o objetivo do contrato é, precisamente, permitir a utilização de crédito por conta corrente e, por isso, se é liquidado Imposto do Selo com fundamento na norma que prevê a tributação da utilização de crédito dessa forma, é de presumir que foi essa utilização que foi tributada, quando não se vislumbra que as liquidações se refiram a qualquer facto de outro tipo.

56. Afinal, a prova de que as liquidações se reportam à utilização de crédito enquadrável na verba 17.1.4. foi implicitamente considerada suficiente pela AT, ao receber as quantias liquidadas, sem efetuar qualquer correção ou pedir quaisquer esclarecimentos ao Banco C..., S.A. ou ao Fundo.

57. Assim, é de considerar demonstrado que foram debitados à Requerente os valores em causa, entregues à AT através das guias identificadas nos autos e que se reportam a liquidações de Imposto do Selo efetuadas em cumprimento da verba 17.1.4 da TGIS.

58. De qualquer modo, a AT não contesta sequer que os tributos não se reportem a utilização de crédito por conta corrente e, mesmo que subsistissem dúvidas, as mesmas teriam de ser valoradas em favor do contribuinte, por força do preceituado no n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto na alínea c) do número 1 do artigo 29.º, do RJAT – o que leva a considerar como provado o alegado pela Requerente.

59. Pelo exposto, as liquidações referidas estão abrangidas pela isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, pelo que se deve considerar ilegal o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado a 20 de junho de 2018 sobre os atos tributários de liquidação de Imposto do Selo sub judice.

60. Ademais, importa referir que no mesmo sentido se inclinou este Tribunal no âmbito de inúmeras decisões, nomeadamente, as proferidas no âmbito do processo n.º 123/2018-T, de 24 de setembro de 2018, e mais recentemente, no processo n.º 670/2018-T, de 13 de maio de 2019.

  1. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

61. Como consequência da anulação das liquidações, o Fundo tem direito ao reembolso das quantias indevidamente pagas, nos termos do artigo 100.º da LGT.

62. A Requerente pede ainda juros indemnizatórios.

63. Ora, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT apenas reconhece o direito a juros indemnizatórios quando se determinar, em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços.

64. Nesta medida, importa referir que o pedido de revisão do ato tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa a que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06.

65. Como também se refere no mesmo acórdão, “nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT”.

66. Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo de dois anos previsto no artigo 131.º, n.º 1, do CPPT.

67. Nos casos de revisão do ato tributário, o contribuinte não tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido, mas apenas a partir da data em que se completou um ano depois de ter apresentado o pedido de revisão do ato tributário, nos termos da referida alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.

68. Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 20 de junho de 2018 e não foi decidido, tendo por isso decorrido mais de um ano depois de apresentado o pedido.

69. Assim, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios vencidos desde a data de 21 de junho de 2019.

  1. Decisão

70. Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado a 20 de julho de 2018 contra os atos tributários de liquidação de Imposto do Selo sub judice, pelos seguintes montantes:

- Guia de Imposto do Selo n.º... : € 766,33 (juros) + € 3.780,00 (utilização do crédito).

- Guia de Imposto do Selo n.º...: € 680,76 (juros) + € 3.253,33 (utilização do crédito).

- Guia de Imposto do Selo n.º...  : € 620,73 (juros) + € 3.306,67 (utilização do crédito).

- Guia de Imposto do Selo n.º... : € 505,78 (juros) + € 2.320,00 (utilização do crédito).

- Guia de Imposto do Selo n.º... : € 437,09 (juros) + € 2.146,67 (utilização do crédito).

- Guia de Imposto do Selo n.º ... : € 379,38 (juros).

- Guia de Imposto do Selo n.º... : € 336,29 (juros) + € 1.566,00 (utilização do crédito).

- Guia de Imposto do Selo n.º... : € 281,29 (juros) + € 1.439,33 (utilização do crédito).

  1. Condenar a AT a reembolsar a Requerente da quantia de € 21.819,65, indevidamente entregue ao Estado.

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de juros indemnizatórios, condenando a AT no respetivo pagamento.
  1. Valor do processo

71. De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 306.º do CPC, da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 21.819,65.

  1. Custas

72. Nos termos do número 4 do artigo 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da AT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 12 de julho de 2019

 

O Árbitro

 

 (Sérgio Santos Pereira)