Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 599/2018-T
Data da decisão: 2019-07-09   Outros 
Valor do pedido: € 2.442,52
Tema: Contribuição Especial - DL n.º 43/98, de 3 de Março - Competência material do Tribunal Arbitral - Incidência.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

1. Relatório

 

A..., doravante designado por “Requerente”, “Sujeito Passivo” ou simplesmente “SP”, casado, contribuinte n.º..., residente na Rua..., n.º..., ...-..., Porto, freguesia de ... (extinta), actualmente União das freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho do Porto, veio, ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”)  e, como refere, dos art.ºs 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (doravante “Portaria de Vinculação”), submeter ao CAAD pedido de apreciação da sua pretensão de declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos e, assim, pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

 

Peticiona, assim, a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, mais concretamente de liquidação de Contribuição Especial efectuada ao abrigo do DL n.º 43/98, de 3 de Março (doravante “DL n.º 43/98”, “DL” ou “o Diploma”) - Diploma que criou o tributo em causa (doravante “Contribuição Especial” ou “CE”) com justificação na valorização provocada pelos investimentos públicos em infra-estruturas rodoviárias (entre o mais, CRIL, CREL, CRIP, CREP e respectivos acessos) e aprovou o respectivo Regulamento (“Regulamento da Contribuição Especial”, anexo ao DL n.º 43/98 e doravante também “Regulamento” ou “RCE”). E, bem assim, peticionando a declaração de ilegalidade da liquidação de juros compensatórios.[1]

 

À Liquidação em crise corresponde a guia de pagamento junta pelo SP ao Pedido de Pronúncia Arbitral, documento identificado com o n.º 2018..., com um valor total a pagar (tributo mais juros compensatórios) de € 2.442,52 (cfr. doc. n.º 4 junto pelo SP).

 

A Liquidação foi efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”) na sequência da emissão pela Câmara Municipal do Porto (doravante também “CMP”), em 17.12.2014, da Licença de obras n.º ALV/.../.../..., em nome do Requerente. Assim se tendo procedido (à Liquidação) por aplicação do DL n.º 43/98, mais concretamente do Regulamento. Desde logo dos seus art.º 1.º e art.º 3.º, ambos artigos integrantes do respectivo Capítulo I - “Incidência” .

 

O Requerente não se conforma com a Liquidação efectuada pela AT, e que aqui coloca em crise, por entender, entre o mais, que a situação em causa nos autos se não enquadra no âmbito de incidência do tributo conforme delimitado pelo DL n.º 43/98.

 

Mais refere, em abono da sua posição nos autos, que a AT não procedeu à vistoria que no DL n.º 43/98 se prevê dever preceder a avaliação para efeitos de determinação da matéria colectável.

 

Invoca, pois, preterição de formalidades legais. Mais invoca vício de falta de fundamentação, por insuficiência da mesma, nos termos que expõe. E, ainda, violação do princípio da legalidade, por, segundo entende, a Requerida se ter baseado, para proceder à Liquidação, num seu Parecer jurídico interno. Tudo com a consequente anulabilidade da Liquidação, por violação de lei.

 

Por fim invoca o Requerente, ainda, inconstitucionalidade, orgânica, formal e material, do DL n.º 43/98. Por violação, entre o mais, do princípio da proporcionalidade e da capacidade contributiva. Com a consequente ilegalidade, também por aqui, da Liquidação em crise.

 

As posições das Partes são, pois, divergentes, antes de mais, quanto à aplicabilidade ao caso da norma de incidência, constante do art.º 1.º, em conjugação com o art.º 3.º, do Regulamento da Contribuição Especial, anexo ao DL n.º 43/98.

 

Não obstante não se conformar com a Liquidação, o Requerente procedeu ao pagamento. Pelo que vem agora peticionar: (i) a anulação da Liquidação e o reembolso das quantias pagas, (ii) juros indemnizatórios, e (iii) a condenação da Requerida nas custas do processo.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à AT a 30.11.2018.

 

Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo.

 

A 22.01.2019 as Partes foram notificadas da designação de árbitro e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 11.02.2019.

 

Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta, pugnando pela total improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante “PPA”), e pela consequente manutenção da Liquidação em crise na Ordem Jurídica.

 

A Requerida entende, em síntese, que a Liquidação não padece de qualquer vício. Defende que a situação de que se cuida nos autos se enquadra no âmbito de incidência do tributo em causa, mais concretamente no art.º 1.º, n.º 2 do Regulamento, conjugado com o art.º 3.º do mesmo.

 

Para corroborar o seu entendimento invoca, entre o mais, ter ocorrido - na obra em questão - demolição parcial, e ter sido por si efectuada “deslocação junto do imóvel para procederem [os peritos] à avaliação in loco”. Mais defende que não há falta de fundamentação, mas sim falta de concordância por parte do Requerente relativamente à fundamentação. E, ainda, que - ao vir agora colocar em crise a Liquidação - o Requerente está a agir em venire contra factum proprium, pelas razões que expõe (e que se reconduzem resumidamente ao facto de o Requerente, tendo actuado como perito em sua própria representação na Comissão de Avaliação, não obstante ter lavrado um voto de vencido, não ter feito constar expressamente do seu voto discordância relativamente à fundamentação constante do termo de avaliação).

 

Refere, por fim, que o Parecer jurídico interno identificado pelo Requerente foi por si, AT, tão só utilizado como auxílio na interpretação das normas em questão. E que o mesmo não criou qualquer obrigação para o Requerente, mas sim para si AT, que ao mesmo deu cumprimento (cfr. 46.º da Resposta).

 

Mais, que o DL n.º 43/98 não padece de qualquer inconstitucionalidade.

 

Por despacho de 08.04.2019 decidiu este Tribunal notificar as Partes para a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, atento o requerimento do Requerente de produção de prova por declarações de parte e de prova testemunhal.

 

A reunião teve lugar a 08.05.2019, tendo as Partes ficado então notificadas para apresentar alegações escritas facultativas, sucessivas, no prazo de 10 dias cada, iniciando-se a contagem do prazo pelo lado do Requerente após a junção de documento a realizar pela Requerida (cfr. então solicitado pelo Tribunal, com prazo de 10 dias), devendo o exercício do contraditório - pelo Requerente quanto ao mesmo documento, e pela Requerida quanto à documentação junta na reunião pelo Requerente - ter lugar em sede de alegações.

 

A Requerida veio, no prazo fixado pelo Tribunal, juntar ao processo o seu Parecer N.º 84/2005, de 07.04.2005.

 

O Requerente apresentou, então, as suas alegações, vindo aí reiterar o já afirmado no PPA. Corrobora o seu entendimento, no sentido de que a situação não cabe no âmbito de incidência das normas em causa, com base na factualidade por si alegada, e que considera ter ficado provada, seja por via documental, incluindo a documentação junta na reunião do Tribunal, seja pelas declarações de parte e depoimentos das testemunhas na mesma reunião.

 

Acrescenta que o Parecer interno entretanto junto pela Requerida a solicitação do Tribunal vem confirmar a posição por que (ele Requerente) pugna, e vincula a Requerida.

 

Notificada que foi das alegações do Requerente, veio a Requerida apresentar as suas. Nesta sede vem a Requerida invocar a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral. Mais vem referir que (i) houve aumento de área de construção e que, nessa medida, a contribuição é devida, (ii) reiterar o já afirmado na Resposta e (iii) referir que o facto de ser atribuída a um imóvel uma menção honrosa não implica isenção da Contribuição Especial.

 

Notificado por este Tribunal para o exercício do seu direito ao contraditório relativamente à excepção invocada pela Requerida, veio o Requerente pronunciar-se como - abreviadamente - segue: (i) a arguição da excepção é extemporânea por força do art.º 97.º, n.º 2 do CPC e, sem prescindir, (ii) o Tribunal é competente em razão da matéria, havendo já Decisões Arbitrais Tributárias nesse sentido em processos em “matéria análoga”[2], sendo a contribuição nestes autos, como naqueles, administrada, liquidada e cobrada pela AT e, ainda, considerando o art.º 4.º, n.º 3 da LGT. Pelo que, defende, deve a excepção improceder.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O Processo não enferma de nulidades.

 

A fim de aferir se nada obsta ao conhecimento do mérito da causa, caberá começar por apreciar da matéria de excepção, desde logo da competência do Tribunal em razão da matéria, cfr. art.º 13.º do CPTA e art.ºs 96.º, al. a) e 97.º, n.º 1 do CPC[3].

 

O que se fará logo após o tratamento da matéria de facto.

 

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os factos que seguem:

 

a) O Requerente é proprietário do prédio inscrito sob o artigo n.º... na matriz predial urbana da União de Freguesias de..., ..., ..., ..., ... e ..., distrito e concelho do Porto, artigo que corresponde ao (e tem origem no) anterior artigo matricial urbano n.º..., da extinta Freguesia de ..., e cujo ano de inscrição na matriz urbana é ..., com “S.C.: 80 m2” / “área de implantação do edifício: 80.0000 m2” (cfr. Cadernetas Prediais, de 22.08.2013 / 29.11.2016 e 29.11.2018 - doc. 7 junto com o PPA).

b)  O prédio urbano, em a) supra, é o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º..., constante do Livro n.º ... sob o n.º..., Secção 1, sito na Rua..., n.º ... e ..., com cave, três andares e quintal, área coberta 80 m2 e descoberta 67 m2, adquirido pelo Requerente, e sua mulher, conforme Ap. de Aquisição ... de 2013/04/19 constante da respectiva Certidão Permanente do Registo Predial de 30.11.2018 (cfr. Doc. 7 junto com o PPA).

 

c) O Requerente adquiriu o prédio (em a) e b) supra) por Escritura Pública de Compra e Venda de 19 de Abril de 2013, de cujo teor consta, entre o mais: “(...) Prédio. - Natureza: Urbano, composto por casa de cave e três andares, com quintal. - Área: Coberta de 80 m2 e descoberta de 67 m2. - Destino: Habitação.” (cfr. doc. 5 junto com o PPA)

 

d) Em 17.12.2014 foi emitido em nome do Requerente um Alvará de licença de obras pela Câmara Municipal do Porto, com o N.º ALV/.../.../..., no Processo n.º .../... /CMP, respeitante ao prédio (em a) a c) supra).

 

e) Do teor do Alvará (em d) supra), consta, entre o mais (cfr. Doc. 9 junto com o PPA, e PA):

“(...) Nos termos do art.º 74.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de março, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), é emitido o presente alvará de licença de obras de ampliação / alteração, em nome de A..., portador do BI n.º... e contribuinte n.º..., que titula a aprovação das obras que incidem sobre o prédio sito na Rua ..., n.º ... e ..., orientados de nascente para poente, da freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ... da respectiva freguesia. (…)

 

Características da obra:

Área total de construção: 342 m2, sendo 4 m2 relativos a ampliação e 324 m2 relativos a alteração e 14 m2 relativos a existente a manter;

Área bruta de construção: 324 m2

(…)

N.º de pisos abaixo da cota de soleira: 1; N.º de pisos acima da cota de soleira: 3;

Cércea: 9,9m

Número total de fogos: 1.

Destinos do edifício: O edifício destina-se a habitação, sendo constituído por 1 fogo.

 

Os condicionamentos da construção, cujo cumprimento determinará a posterior decisão de autorização da utilização do edifício, são os mencionados na folha anexa a este alvará, bem como os indicados nos pareceres e nas informações das entidades e serviços a seguir apresentados. (...)”

 

f) Aquando da instrução e submissão do pedido de licença de obras era intenção do Requerente proceder a uma alteração de fachada para introdução de espaço de garagem no interior da habitação, tendo o pedido sido feito, e o Alvará emitido, nessa conformidade.

 

g) Do Mapa de Medições, que constitui o Anexo C ao projecto de execução submetido à CMP, consta, entre o mais (cfr. Doc. 11 junto com o PPA, e PA):

Uma imagem com captura de ecrã

Descrição gerada automaticamente(...)

Uma imagem com captura de ecrã

Descrição gerada automaticamente

Uma imagem com captura de ecrã

Descrição gerada automaticamente

   

Uma imagem com captura de ecrã

Descrição gerada automaticamente(…)

 

h) Em momento posterior à emissão do Alvará - e antes de iniciada a obra - foi decidido pelo Requerente prescindir de proceder à alteração de fachada e inclusão de garagem no interior da habitação.

 

i) A obra realizada não implicou alteração de fachada, nem alteração seja da afectação do prédio, seja do número de pisos, seja da área de implantação, seja da cércea.

 

j)  A obra destinou-se e traduziu-se na recuperação e alteração da casa já existente, tendo-se respeitado a sua traça original, incluindo aspectos construtivos, não destruindo a génese das técnicas tradicionais construtivas da construção existente, construção esta que se manteve, adaptando-a às actuais características de conforto térmico, acústico e de segurança que se acrescentou.

 

k) O pedido de licença de obra foi apresentado porque se pretendia, então, proceder a alteração de fachada, que não foi depois executada.

l) Pelo Ofício n.º..., de 02.02.2015, da Requerida, o Requerente foi notificado para apresentar Declaração de modelo aprovado para efeitos de liquidação da Contribuição Especial.

 

m) Do Ofício em l) supra consta, entre o mais (cfr. Doc. 8 junto com o PPA e PA):

“(...) Nos termos do artigo 7.º, do referido Decreto-Lei, os titulares de alvarás ou licenças deverão apresentar até ao fim do mês imediato aquele em que tenha sido emitido pela competente Câmara Municipal o referido alvará, declaração mod. 1 (mod. 1350 exclusivo da INCM) em triplicado.

Tendo em consideração que em seu nome foi emitido pela C. M. do Porto o alvará de Obras n.º ALV/.../.../..., em 17/12/2014, sem que até à presente data tenha sido cumprida aquela disposição legal, fica por este meio notificado para no prazo de 15 dias a contar da notificação apresentar, a referida declaração, podendo beneficiar da redução da coima, nos termos do art.º 29.º do Regime Geral das Infracções Tributárias.

Decorrido o prazo será, sem que seja satisfeita, levantado auto de notícia e instaurado o respectivo procedimento contra-ordenacional. (...)”

 

n) A 30.07.2015 o Requerente apresentou a Declaração para efeitos da Contribuição Especial   e pagou a coima evitando maiores custos, e indicou, na mesma, o seu nome como “Representante dos titulares do direito de construir na comissão de avaliação” (cfr. doc. 6 junto com o PPA, e PA).

 

o) Pelo Ofício n.º..., de 15.12.2015, o Requerente foi notificado para comparecer nos Serviços de Finanças a 04.02.2016 para efeitos da reunião da comissão de avaliação. Do Ofício consta, entre o mais (cfr. PA3, sublinhado conforme o próprio documento):

“(...) devendo fazer-se acompanhar de todos os elementos que julgue necessários para uma correcta avaliação, designadamente alvará de construção e projecto aprovado.”

 

p) O Requerente compareceu à reunião em n) supra, fazendo-se acompanhar de toda a documentação referente ao Projecto.

 

q) A documentação referente ao Projecto não foi consultada pelos Peritos presentes na reunião em o) e p) supra, tendo o Requerente insistido para que o fosse.

 

r) No final da reunião o Requerente lavrou e assinou uma declaração, no “Termo da Avaliação”, nos seguintes termos (cfr. doc. 2 junto com o PPA e PA3):

“Não concordo com a incidência da contribuição especial por não existir “terreno para construção” nem áreas resultantes da “demolição de prédios urbanos já existentes” nos termos do n.º 2 do art.º 1.º DL 43/98 e conforme consta do ALV/.../.../DMU.”

 

 

s) Das Telas Finais aprovadas pela CMP - e submetidas junto dos Serviços da Requerida a 07.03.2017 para efeitos de avaliação do prédio em cumprimento do art.º 31.º do CIMI - constam identificados, a amarelos, em sede de Alterações, pontuais elementos a demolir (cfr. doc. 10 junto com o PPA).

 

t) Pelo Ofício n.º..., de 05.02.2016, da Requerida, o Requerente foi notificado do Projecto de liquidação da CE (cfr. doc. 2 junto com o PPA e PA3).

 

u) O Requerente exerceu o seu direito de audição por escrito, pugnando pela não sujeição a CE e pela ilegalidade da pretendida liquidação (cfr. doc. 3 junto com o PPA e PA3).

 

v) A Requerida manteve o projecto e notificou o Requerente da liquidação de CE, no montante total a pagar de € 2.442,52, pelo Ofício n.º 2018..., de 27.06.2018 (cfr. doc. 1 junto com o PPA e PA3).

 

w) Do Ofício em u) supra (doravante “Ofício da Liquidação”) consta, entre o mais:

“(...) Fica notificado da liquidação de Contribuição Especial aprovado pelo Dec-Lei n.º 43/98, de 3/3, do prédio sito na Rua..., n.º ... e ..., inscrito na matriz predial urbana da extinta freguesia de..., Porto, sob o artigo..., na sequência da aprovação das obras do ALV/.../.../..., conforme documento em anexo composto por seis folhas.

Mais fica notificado nos termos do art.º 15.º, do Regulamento da Contribuição Especial, para efectuar o pagamento voluntário da importância de € 2.442,52 (dois mil e quatrocentos e quarenta e dois euros e cinquenta e dois cêntimos), até ao fim do mês seguinte ao da notificação. Findo o prazo, sem que se mostre paga a referida contribuição, começarão a vencer-se juros de mora e será extraída certidão de dívidas para cobrança coerciva. (...)”

 

x) Da Informação anexa ao Ofício em u) e v) supra consta, entre o mais:

“ (…)

8. O Alvará de obras emitido identifica o tipo de obras a executar: Ampliação/Alteração;

9. Como se pode verificar pela leitura do artigo referido no ponto anterior, está em causa a interpretação e aplicação do Regulamento de Contribuição Especial em vigor. Como em qualquer outra situação de aplicação da lei, há que conhecer a abrangência da norma fiscal e decidir, depois, dos factos que integram a respectiva previsão;

10. Nesse sentido, - seguindo o Parecer Jurídico N.º 84/2005, de 07-04-2005, elaborado pela Direcção de Serviços (…) - mais do que a designação da natureza da obra (quer feita pela câmara, aquando do licenciamento, quer pelo contribuinte, no seu requerimento), o que deve relevar, quando se aprecia esse enquadramento, é o projecto tal como foi aprovado, que serviu de base ao licenciamento, bem como a situação de facto, as obras efectivamente realizadas, se em desconformidade com o alvará.

São os elementos de facto por esse meio apreendidos que se devem confrontar com as normas de incidência previstas nos Regulamentos de Contribuição Especial. Não podemos por isso dizer, a priori, que as designadas “obras de ampliação/alteração”, em conformidade com os respectivos alvarás de licenciamento, estão, ou não, fora do campo de incidência das contribuições especiais. Será sempre necessária uma análise casuística e um prévio entendimento do conteúdo dessas normas de incidência.

11. No mesmo sentido podemos ver as conclusões do mesmo parecer jurídico que refere que “Não se pode dizer, a priori, que as designadas “obras de ampliação, alteração”, em conformidade com os respectivos alvarás de licenciamento, estão, ou não, fora do campo de incidência das contribuições especiais; É sempre necessária uma análise casuística e que atenda às obras a realizar, tal como são referidas no projecto, e às obras efectivamente realizadas, se em desconformidade com o alvará.”

 

 

y) Em anexo ao Ofício da Liquidação consta um documento intitulado “Cálculo de juros compensatórios”, no qual se indica o montante de € 2.395,00 a título de capital, e o de € 47,51 a título de juros compensatórios entre 31.01.2015 e 30.07.2015.

 

z) Mediante candidatura apresentada para o efeito, foi atribuído ao prédio uma menção honrosa no âmbito do denominado “Prémio João de Almada 2017 – Recuperação do Património Arquitetónico da Cidade do Porto”, “assinalando as boas práticas identificadas na intervenção” (cfr. doc. junto pelo Requerente no decurso da reunião do Tribunal).

 

aa) O Ofício da Liquidação é de 27.06.2018, indica como prazo de pagamento voluntário da CE o final do mês seguinte ao da respectiva notificação ao Requerente, e do respectivo talão de A/R, Registo RF ... PT, consta, em “Identificação de quem recebeu o objecto”, um nome, assinatura e número de documento de identificação, sendo a data aí aposta 3 de Julho (cfr. PA3, p. 63).

 

bb) O Requerente procedeu ao pagamento da Contribuição Especial e juros compensatórios a 20.08.2018 (cfr. doc. 4 junto com o PPA e PA3).

 

cc) A 29.11.2018 o Requerente deu entrada no sistema do CAAD ao Pedido que dá origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não ficou provado que a Requerida tenha procedido a vistoria prévia à avaliação.

Quanto ao mais, e com relevo para a decisão da causa, não existem factos que não tenham ficado provados.

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto

 

Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos, incluindo com o PPA e no Processo Administrativo (“PA”), criticamente apreciados - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados. Bem como na prova por declarações de Parte, apreciada livremente pelo Tribunal, e na prova testemunhal produzida e criticamente apreciada.

Quanto à prova por declarações de Parte, o Tribunal entende que o Requerente prestou as suas declarações com verdade sobre os factos em que interveio e sobre os quais foi interrogado. Relativamente aos depoimentos das testemunhas, e não obstante a sua relação profissional com o Requerente reportada ao tempo dos factos em causa nos autos, o Tribunal considera que prestaram o seu depoimento com isenção, revelando ao Tribunal o conhecimento de que dispunham quanto aos factos que referiram, não havendo motivo para questionar da sua veracidade.

O facto dado como não provado foi-no não só com base na apreciação crítica dos documentos juntos e exposição por parte da Requerida nos Articulados, como também com base na prova por declarações de Parte produzida.

Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e art.º 596.º do CPC[4]), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC[5]).

 

3. Questões preliminares – Matéria de excepção

3.1Da caducidade do direito de acção

 

Por a excepção da caducidade do direito de acção ser de conhecimento oficioso (v. art.º 608.º, n.º 2 do CPC, parte final) e, a verificar-se, determinar a impossibilidade de conhecimento do mérito da causa, devendo o respectivo conhecimento preceder o de qualquer outra questão mesmo que de conhecimento oficioso[6], entende o Tribunal, ex officio e expressamente, apreciá-la como segue.

 

Nos termos conjugados dos art.ºs 10.º, n.º 1, al. a) do RJAT e 102.º, n.º 1, al. a) do CPPT, o direito do Requerente de apresentar o PPA caduca expirado que esteja o prazo de 90 dias contado a partir do termo do prazo de pagamento voluntário da prestação tributária em causa.

Consta do Ofício da Liquidação (em coerência com o art.º 15.º, n.º 1 do RCE[7]), que o pagamento voluntário deverá ser efectuado “até ao final do mês seguinte ao da notificação”.

 

A data aposta no respectivo talão de A/R, cfr. alínea z) dos factos provados, no local para preenchimento pela pessoa, que não o Destinatário, a quem foi entregue a carta, é 3 do mês 7.

 

Estabelecendo as regras de notificação aos contribuintes, dispõe o art.º 39.º do CPPT, no seu n.º 3, que quando haja A/R a notificação se considera efectuada na data da respectiva assinatura, mesmo que aposta por terceiro, como foi o caso. Estabelece a norma assim: “Havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.”

 

Assim, tendo o A/R sido assinado a 3 de Julho, como antecede, há que considerar o Requerente notificado da Liquidação nessa data e, consequentemente - cfr. art.º 15.º, n.º 1 do RCE (v. nota 7) - concluir que o último dia do prazo para pagamento voluntário da CE foi 31 de Agosto de 2018, mais se contabilizando o prazo de 90 dias (art.º 10.º, n.º 1, al. a) do RJAT) com início a 1 de Setembro de 2018.

 

O Requerente deu entrada ao PPA no sistema do CAAD a 29 de Novembro de 2018 (v. bb) factos provados). Não estava, pois, à data, caducado o direito do Requerente, que assim apresentou o PPA em tempo, no 90.º dia após o termo do prazo de pagamento voluntário – cfr. art.º 10.º, n.º 1, al. a) do RJAT.

 

3.2 Da excepção de incompetência material do Tribunal

 

Vem a Requerida em sede de alegações invocar a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria. Manifestando-se o Requerente a este respeito no sentido da extemporaneidade da referida invocação e, sem prescindir, pela não verificação da mesma, como exposto sucintamente supra (v. Relatório, pp. 5-6).

 

Vejamos. Ainda que assim não sucedesse, i. e., ainda que a Requerida não tivesse invocado a excepção, sempre deveria este Tribunal conhecer da mesma. Nos termos, desde logo, do art.º   16.º do CPPT, ao estabelecer, no seu n.º 1, que a violação das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do Tribunal e, no seu n.º 2, que: “A incompetência absoluta é de conhecimento oficioso (...)”. E, ainda, conforme disposto no art.º 13.º do CPTA que estabelece, por seu turno, que: “O âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.”

 

Conclusões que sempre também se retirariam, sem surpresa, do CPC, cfr. seus art.ºs 96.º, al. a) e 97.º, n.º 1[8], art.º 278.º, n.º 1 al. a), e art.ºs 577.º, al. a) e 578.º: a infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do Tribunal, pode ser arguida pelas Partes e deve ser suscitada oficiosamente pelo Tribunal; a incompetência absoluta constitui excepção dilatória e, como tal, obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa, conduz à absolvição da instância[9] e é de conhecimento oficioso.

 

“Para que possa decidir sobre o mérito ou fundo da questão requer-se que o tribunal, perante o qual a acção foi proposta, seja competente.”[10] E o Tribunal Arbitral, refira-se, tem competência para decidir sobre a sua própria competência: é o “princípio da competência da competência do Tribunal Arbitral”[11], desde há muito reconhecido como regra em matéria de arbitragem.[12]

 

A verificar-se incompetência material do Tribunal estaremos, pois, perante uma excepção dilatória insuprível, com as necessárias consequências.

 

Apreciemos, então, se é o caso.

 

A Arbitragem Tributária, como arbitragem institucionalizada que é, reveste-se de especificidades próprias. Desde logo a que decorre de, não obstante a sua natureza de arbitragem, tratar de direitos (créditos) indisponíveis. Assim, o respeito pelo Princípio da indisponibilidade, aplicável à AT, conduziu a que o legislador - cfr. art.º 4.º do RJAT - tivesse sido exigente ao ponto de determinar que a comum convenção de arbitragem sofresse aqui adaptações e, assim, que a AT se vinculasse à via da arbitragem, previamente, por Portaria.

 

De onde decorre que a competência do presente Tribunal se afere pelo disposto a este respeito nas disposições conjugadas do RJAT e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (doravante “Portaria de Vinculação”). Portaria através da qual uma das partes, a AT, veio previamente vincular-se à jurisdição dos Tribunais Arbitrais a funcionar sob a égide do CAAD. À qual decidiu assim submeter-se, nos termos e condições que aí definiu por conjugação com o disposto no RJAT.

 

Ora, se por um lado no RJAT a competência dos Tribunais Arbitrais é estabelecida nos termos do seu art.º 2.º, n.º 1, por outro, nos termos do art.º 2.º da referida Portaria, a AT recortou    (excluindo) daquela esfera de competência (que, assim, delimitou) a apreciação das pretensões relativas a determinadas situações, a que não aceitou vincular-se.

 

E aqui somos, numa primeira abordagem, chegados ao cerne da questão ora sob nossa apreciação. A saber: aquela delimitação de competência a que se procedeu por via da Portaria, excluiu ou não, do conjunto das pretensões nas quais a AT aceitou vincular-se à jurisdição dos Tribunais Arbitrais, as pretensões relativas a tributos que não constituam impostos stricto sensu?

 

Vejamos os dispositivos legais pertinentes.[13]

 

No RJAT, dispõe o art.º 2.º, no que aqui mais releva, como segue:

“Artigo 2.º - Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

1 – A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

(…).”

 

Por sua vez, na Portaria de Vinculação, rege o respectivo art.º 2.º assim:

 

“Artigo 2.º – Objecto da vinculação

 

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

 

Sem maiores desenvolvimentos, por desnecessários ao nosso caso como se verá, poder-se-ia pretender retirar da redacção conjugada destes normativos que a esfera de competência material dos Tribunais Arbitrais Tributários teria ficado assim “recortada” (excluindo-se da mesma) das pretensões respeitantes a quaisquer outros tributos que não os tributos pertencentes à espécie impostos. Isto por (como vimos de ver) na redacção do art.º 2.º do RJAT se fazer referência a “tributos” e, depois, no art.º 2.º da Portaria se utilizar a palavra “impostos”.

 

Melhor explicado, colocar-se-ia a questão de apreciar se deverão entender-se excluídas do âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais outras situações que não as que o legislador, pela Portaria de Vinculação, excluiu de forma expressa ao longo das alíneas do respectivo art.º 2.º (v. supra). Saber se, ao referir-se “impostos” na Portaria de Vinculação    simultaneamente se remetendo para o art.º 2.º, n.º 1 do RJAT, de cuja redacção consta a expressão “tributos”, sim ou não se teria intencionado excluir do âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais tributos que não impostos em sentido estrito.

 

Muito sucintamente neste ponto, refira-se que, não obstante o nosso Ordenamento Jurídico não conter uma definição legal de “tributo”, é pacífico o entendimento de que esta mesma figura – o género – abrange entre nós várias possíveis espécies. Como decorre, desde logo, seja da nossa Constituição (v. art.º 165.º, n.º 1, al. i)), seja da Lei Geral Tributária (v. art.ºs 3.º e 4.º). Veja-se como dispõe, sob a epígrafe “Classificação dos tributos”, o art.º 3.º, n.º 2 da LGT: “Os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas.”

 

Retornando mais concretamente ao caso dos autos. A entender-se que o legislador ao assim exprimir-se (nos art.º 2.º do RJAT/art.º 2.º da Portaria de Vinculação) teria efectivamente querido excluir os tributos da espécie Contribuições[14], seria ainda possível entender-se, parece-nos, ser de apreciar da natureza jurídica do tributo em causa (e consequente regime jurídico a ser considerado aplicável), para então poder concluir-se pela respectiva inclusão, ou não, no âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais.[15] Isto sempre sem deixar de verificar da questão da titularidade activa na relação jurídico-tributária em causa, que deverá pertencer à administração tributária, com o sentido que o legislador pretendeu significar pela expressão “cuja administração lhes esteja cometida”, que utilizou no corpo do art.º 2.º da Portaria de Vinculação. Pois que, esta sim[16], é certo que terá sido querida pelo legislador como condição necessária à competência material em apreço.

 

Sem mais desenvolvimentos a este respeito, avancemos porém. Pois que, no caso dos autos, não se torna sequer necessário continuar a percorrer este caminho. Senão vejamos.

 

O tributo cuja liquidação se coloca em crise - a Contribuição Especial (“CE”) - foi criado (e como tal denominado) pelo legislador, por DL autorizado (o DL n.º 43/98[17]), com justificação na valorização substancial de que beneficiam “os prédios rústicos e os terrenos para construção envolventes” - cfr. Preâmbulo do Diploma - em consequência dos investimentos efectuados para a realização de determinadas infra-estruturas ferroviárias, respectivos acessos e investimentos públicos conexos[18]. Ainda no Preâmbulo, e entre o mais, lê-se: “Tal valorização justifica a criação de uma contribuição especial, nos termos já adoptados, em caso de obras públicas de elevados custos, nas zonas beneficiadas com o respectivo empreendimento.”

 

Dispõe o legislador, no art.º 4.º, n.º 3 da LGT, que “As contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade são consideradas impostos.

 

Atentando no regime jurídico da “nossa” CE (seja considerando o Preâmbulo e demais legislação que o mesmo refere, seja pelo disposto no Diploma, incluindo no Regulamento - “RCE”), facilmente se conclui que estamos perante uma contribuição subsumível no n.º 3 do art.º 4.º da LGT, do tipo também por vezes referido como “contribuição de ganho de vento”, ou “contribuição de melhoria”.

 

Tributo, pois, nos termos da LGT - art.º 4.º, n.º 3, supra - considerado imposto.

 

Em comentário a este artigo da LGT, escreve António Lima Guerreiro[19]: “O n.º 3 do presente artigo, sem conter verdadeiramente uma definição de contribuições especiais, esclarece que são impostos.” / “(...) a referida vantagem não resulta de um serviço directamente prestado ao contribuinte, mas é apenas indirecta.”. E, ainda, assim: “As contribuições especiais não são, assim, um tertium genus distinto das taxas e dos impostos, mas uma categoria de impostos. (…) Figuram actualmente, entre as contribuições especiais, as chamadas contribuições de melhoria reabilitadas após o regresso das grandes obras públicas a partir do termo da década de 80, como são as constantes dos Decretos-leis números (…) e 43/98, de 3 de Março (…).” Precisamente, pois, o “nosso” DL.

É nosso entendimento que, desde logo, o confronto entre os art.ºs 3.º (n.ºs 2 e 3) e 4.º (n.ºs 2 e 3) da LGT não favorece a tão desejável clareza conceptual na matéria da tripartição, que hoje é pacificamente aceite[20], do género tributos (em impostos, contribuições e taxas). E que a tal não serão alheias as dificuldades de qualificação jurídica em matéria de contribuições. Mas, como quer que seja, o certo é que o legislador distingue expressamente de outras contribuições as contribuições especiais – no n.º 3 do art.º 4 da LGT, assim: “(...) são consideradas impostos.”

 

Ora, independentemente de aprofundarmos se o legislador terá querido aqui apenas remeter para o regime jurídico aplicável aos impostos, ou, mais que isso, estaria a reconhecer às contribuições especiais uma natureza jurídica indistinta da dos impostos, fica claro que quanto a estes tributos em particular o legislador determinou expressamente ser aplicável o regime legal a que estão sujeitos os impostos – o regime jurídico dos impostos.

 

Comando a que, refira-se, não foi alheio o legislador, desde logo, aquando da criação da CE: esta efectivamente foi criada, vimos já, por DL autorizado.

 

Veja-se, ainda a este respeito, como escreve Casalta Nabais[21]: “(...) os mencionados preceitos da LGT ou repetem o que prescreve aquele preceito constitucional [art.º 165.º, n.º 1, al. i)], como faz o art.º 3.º, n.º 3, ou consideram impostos as contribuições especiais, como prescreve o art.º 4.º, n.º 3, que dispõe: (…). Pelo que e em conclusão, o referido tertium genus – as demais contribuições financeiras – não parece ser ainda objecto de um regime jurídico próprio, uma vez que as “contribuições especiais” são consideradas impostos e as demais “contribuições financeiras” são equiparadas, em termos do seu regime, às taxas.”[22]

 

No nosso caso, se dúvidas restassem quanto a tratar-se de um tributo considerado pelo legislador como sendo um imposto, por força do regime jurídico aplicável, facilmente as mesmas se dissipariam. Com efeito, não só a Doutrina[23] é inequívoca nesse sentido, como também a Jurisprudência que foi sendo produzida a propósito deste tributo nos conduz à mesma conclusão.[24] Entre outros, podem consultar-se com interesse para o tema os Acórdãos do Tribunal Constitucional[25] n.º 63/2006, publicado no DR 1.ª Série-A de 3 de Março de 2006, e n.º 579/2011, proc.º n.º 493 11 e o Acórdão do STA de 30.01.2013, no proc.º 0804/12.

 

Mais. A própria Requerida assim o reconheceu já. Veja-se o Acórdão do STA de 29.10.2014, proc.º 0406/12, no qual se lê, logo no início do texto integral, assim: “(...) a Fazenda Pública interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte (…) terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: (…) E. Com efeito, a Contribuição Especial – a qualificar como imposto – foi criada pelo citado Decreto-Lei n.º 43/98, de 03 de Março, em cujo Preâmbulo se diz da sua relação com os investimentos efectuados ou a efectuar (...) os quais valorizariam substancialmente os prédios rústicos e os terrenos para construção envolventes (…).”

 

Bastando-nos com o que antecede, há pois que considerar o tributo cuja liquidação está em crise nestes autos como um imposto. Espécie de tributo que, sem necessidade de outras considerações, integra a competência material dos Tribunais Arbitrais.

 

E, dúvidas não se suscitam, é um tributo administrado pela AT. As normas nos Capítulos que no RCE tratam a “Determinação da matéria colectável”, a “Liquidação e cobrança” e a “Revisão oficiosa, reclamação graciosa e impugnação judicial” são inequívocas a tal respeito, como o é, desde logo, o art.º 3.º do DL n.º 43/98, que rege assim: “A administração da contribuição a que se refere o presente diploma cabe à Direcção-Geral dos Impostos (DGCI).

O presente Tribunal é, pois, materialmente competente, e não subsistem quaisquer excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

4. Matéria de Direito

4.1. Questões a decidir

 

As questões a decidir nos presentes autos são de Direito e de facto, a saber:

 

A) Houve ou não preterição de formalidades legais, nomeadamente: (i) vício de forma por incumprimento da obrigação de realização de vistoria prévia, e (ii) vício de falta de fundamentação/fundamentação insuficiente?

 

B) Houve ou não vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de Direito, tendo a norma tipificadora do tributo sido aplicada a factos não subsumíveis no respectivo âmbito de incidência?

 

Caso se decida pela efectiva aplicação do DL n.º 43/98, haverá que apreciar das questões de constitucionalidade suscitadas pelo Requerente (inconstitucionalidade orgânica do Diploma por não cumprir com a respectiva Lei de Autorização e por exceder o prazo desta última; inconstitucionalidade material do Diploma por violação dos princípios da proporcionalidade e da capacidade contributiva com violação dos art.ºs 104.º e 266.º/2 da CRP, “na interpretação segundo a qual a CE é devida independentemente de verificar, concretamente, em que medida em que a CRIP ou a CREP (ou quaisquer outras obras públicas viárias) valorizaram o imóvel do Requerente”).

 

Por fim, haverá que decidir quanto a (i) reembolso das quantias pagas e, decidindo-se pelo reembolso, quanto a (ii) juros indemnizatórios.

 

Em conformidade com o disposto no art.º 124.º do CPPT, que rege quanto à ordem de conhecimento dos vícios na sentença, procederemos prioritariamente à apreciação do vício de violação de lei (em B) supra), por ser, dos invocados, o vício cuja procedência determina “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos”. Como segue.

 

B) Houve ou não vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de Direito, tendo a norma tipificadora do tributo sido aplicada a factos não subsumíveis no respectivo âmbito de incidência?

 

Invoca o Requerente que a Liquidação em causa nos autos se encontra ferida de “erro nos pressupostos de facto e erro de Direito por violação dos art.ºs 1.º/1 e 2, 2.º/1, 4.º/3 e 6.º do RCE”. Em contrário se manifesta a Requerida, defendendo que a Liquidação deve ser mantida na Ordem Jurídica.

 

Trata-se aqui de apreciar se, sim ou não, a situação fáctica tomada por pressuposto da Liquidação, dada por verificada pela Requerida para, assim, emitir a Liquidação, se verificou na realidade.

 

Por outras palavras, apreciar e decidir se a incidência tipificada na respectiva norma se verificava efectivamente na realidade e, assim, se foi respeitada a norma de incidência. No caso, na sua vertente de incidência objectiva.

 

Vejamos. Dispõe o DL n.º 43/98, no que agora releva, como segue[26]:

 

 

ANEXO - REGULAMENTO DA CONTRIBUIÇÃO ESPECIAL

CAPÍTULO I - Incidência

Artigo 1.º

1 - A contribuição especial incide sobre o aumento de valor dos prédios rústicos, resultante da possibilidade da sua utilização como terrenos para construção urbana, situados na área das seguintes freguesias: (...)

2 - A contribuição especial incide ainda sobre o aumento de valor dos terrenos para construção e das áreas resultantes da demolição de prédios urbanos já existentes situados nas áreas referidas no número anterior.

Artigo 2.º

1 - Constitui valor sujeito a contribuição a diferença entre (...).

2 - Os valores que servem para determinar a diferença são determinados por avaliação nos termos do presente Regulamento.

Artigo 3.º

A contribuição é devida pelos titulares do direito de construir em cujo nome seja emitido o alvará de licença de construção ou de obra.

 

CAPÍTULO II - Determinação da matéria colectável

Artigo 4.º

1 - A avaliação referida no n.º 2 do artigo 2.º ficará a cargo de uma comissão constituída pelo contribuinte ou seu representante e por dois peritos nomeados pela Direcção-Geral dos Impostos de entre os incluídos nas listas distritais.

2 - (...)

3 - A avaliação será efectuada com precedência de vistoria, devendo as decisões ser devidamente fundamentadas.”

*

 

Não se suscita nos autos uma questão de incidência subjectiva, pois que o Requerente é proprietário do prédio relativamente ao qual a Liquidação foi emitida - prédio urbano, que adquiriu como tal (doravante também “o Prédio”) - e uma vez que foi emitido em seu nome, pela CMP, alvará de licença de obras para o Prédio – v. art.º 3.º do RCE (supra).

 

A questão que se suscita é, referimos já, quanto à incidência objectiva, e aqui quanto ao enquadramento, ou não, da situação fáctica relativa ao Prédio no n.º 2 do art.º 1.º do RCE, supra. E não no que respeita a que o Prédio se situa numa das áreas (de freguesias) abrangidas pelo DL, pois que nessa parte a incidência objectiva se encontra assente.

 

Quanto à incidência objectiva em questão.

 

A enquadrar-se em alguma das normas de incidência objectiva a situação, teria que ser na norma constante do n.º 2 do art.º 1.º do RCE (supra). Pois que estamos perante um prédio urbano, sendo que no n.º 1 do art.º 1.º apenas se determina incidência sobre prédios rústicos, enquanto que no n.º 2 se determina que a CE “incide ainda sobre o aumento de valor dos terrenos para construção e das áreas resultantes da demolição de prédios urbanos já existentes situados (...)”

 

Apreciando, e enquadrando.

 

É sabido como a tipicidade em matéria tributária abrange, desde logo, a incidência, como um dos elementos essenciais dos tributos que é. Movemo-nos no âmbito do princípio da legalidade fiscal, com as implicações que lhe são próprias.[27] Não recaindo a situação de facto no tipo legal do facto tributário não há incidência. A previsão da norma não chega a ser preenchida pelo facto que, a verificar-se, teria por consequência o nascimento do tributo. Não há, pois, matéria tributável (lato sensu).

 

Por outro lado, sabemos também que na interpretação das leis tributárias regem os critérios gerais da hermenêutica jurídica – nos termos do art.º 11.º, n.º 1 da LGT[28] e, por via deste, do art.º 9.º do Código Civil[29]. Sabemos como estas regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, também vigentes, pois, em Direito Tributário, operam. Sendo que os critérios ou factores interpretativos são essencialmente dois: (i) elemento gramatical, correspondente à letra da lei, ao texto, e (ii) elemento lógico, subdividido este, por sua vez, em três outros, a saber, elemento racional ou teleológico, elemento sistemático, e elemento histórico. Sendo que, a letra e o espírito da lei (elemento gramatical/elemento lógico) devem necessariamente ser utilizados em conjunto.

 

O intérprete “(…) tem que partir do pressuposto de que a lei emana de um legislador razoável; e, por isso, terá que perguntar-se como um tal legislador teria pensado e querido a lei ao legislar no condicionalismo do tempo da sua publicação e no ambiente histórico em que foi sancionada a lei.(...)”.[30] E, como refere Baptista Machado: “(...) ponto de referência da interpretação: a unidade do sistema jurídico. Dos três factores interpretativos a que se refere o n.º 1 do art.º 9.º, este é sem dúvida o mais importante.(...).”[31] Especificamente quanto à interpretação das leis no Direito Tributário referia-se, por sua vez, Saldanha Sanches assim: “(…) A interpretação teleológica pode conduzir, assim, a uma maior sistematicidade no Direito Fiscal, como uma técnica necessariamente estruturante e atribuidora de um sentido àquilo que, de outra forma, será um mero conglomerado de leis, (…). A obtenção dessa unidade sistemática, que é uma condição indispensável para evitar o arbítrio na aplicação da lei fiscal, passa necessariamente por uma interpretação que assegure a coerência, como um postulado a obter, na ordenação das consequências do Direito, (...).[32]

 

Ainda com interesse para o nosso caso, dispõe, depois, o n.º 2 do mesmo art.º 11.º da LGT, assim: “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.”

 

Pois bem.

 

Percorrido o regime jurídico do tributo conforme consagrado pelo DL n.º 43/98, atento também o teor constante do Preâmbulo do mesmo e, bem assim, confrontado o teor da respectiva Lei de Autorização[33] com o que ficou a constar, em matéria de incidência, do DL autorizado, e confrontado, ainda, o DL que criou e estabeleceu o regime jurídico de tributo paralelo anteriormente criado em moldes idênticos e para o qual se remete no Preâmbulo do  DL[34], dúvidas não nos restam de que - não só na letra da lei, como no espírito do legislador - o que se pretendeu tributar foi a valorização decorrente (dos investimentos públicos) para fins de construção (urbana). Sendo a valorização das áreas para construção o que se visou tributar.

 

Senão, vejamos.

 

A “encabeçar” o regime jurídico em causa, refere o legislador, no Preâmbulo, na justificação da criação da CE, expressamente e tão só assim: “Os investimentos efectuados ou a efectuar (…) vêm valorizar, substancialmente, os prédios rústicos e os terrenos para construção envolventes.

 

A delimitar a incidência, no DL, estabelece o legislador, por sua vez, assim (cfr. supra): A CE incide sobre o aumento de valor dos prédios rústicos, resultante da possibilidade da sua utilização como terrenos para construção urbana (v. art.º 1.º/1) e ainda sobre o aumento de valor dos terrenos para construção e das áreas resultantes da demolição de prédios urbanos já existentes (v. art.º 1.º/2). Sendo que a CE é devida pelos titulares do direito de construir em cujo nome seja emitido o alvará de licença de construção ou de obra (v. art.º 3.º).

 

Na Lei de Autorização[35], por seu turno, estabelecia o legislador Parlamentar, como possibilidades de âmbito de incidência objectivo para a CE a criar, as que seguem:

“1) Sujeitar os prédios rústicos que aumentem de valor pela possibilidade da sua utilização como terrenos aptos para a construção urbana a uma contribuição especial;

2) Sujeitar a uma contribuição especial os terrenos aptos para a construção, as áreas resultantes da demolição de prédios urbanos já existentes, bem como as daqueles prédios que, por efeito de obras de remodelação, sofram alteração na sua volumetria;”

A parte final (a última das situações sobre as quais na Lei de Autorização se autorizava criar incidência) não foi depois incluída pelo legislador no DL n.º 43/98. O que, tudo visto e ponderado, não terá sido por mero acaso. Em coerência com o que vimos de expôr e com o que veremos.

 

Confrontados os termos utilizados pelo legislador no DL que criou a CE e estabeleceu o seu regime jurídico, com os termos, por sua vez, utilizados pelo legislador no âmbito do Direito do urbanismo e da edificação e, bem assim, tendo em mente alguns conceitos próprios da arquitectura e do urbanismo incorporados no Direito, apreciemos ainda[36].

 

Decorre do art.º 157.º do RJIGT[37] que a demolição apenas em certos e determinados casos, poucos, deve à partida, ser autorizada[38], constituindo a ultima ratio das medidas de tutela urbanística. Sendo que se impõe a harmonização desta norma, por sua vez, com as normas do RJUE.[39] No RJUE[40], como se lê no respectivo Preâmbulo “(...) Consagra-se ainda expressamente o princípio da protecção do existente em matéria de obras de edificação, retomando assim um princípio já aflorado nas disposições do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (…).” Do art.º 60.º deste último Diploma decorre o Princípio da protecção do existente, que na sua vertente activa, ao consubstanciar um desvio à regra do tempus regit actum em relação a obras de reconstrução ou de alteração, traduz o interesse público, assim reconhecido pelo legislador, da recuperação do património construído.[41]

 

E neste último Diploma Legal, dispõe o artigo 2.º assim:

“ Artigo 2.º – Definições

Para efeitos do presente diploma, entende-se por:

(…)

b) «Obras de construção», as obras de criação de novas edificações;

(...)

d) «Obras de alteração», as obras de que resulte a modificação das características físicas de uma edificação existente, ou sua fração, designadamente a respetiva estrutura resistente, o número de fogos ou divisões interiores, ou a natureza e cor dos materiais de revestimento exterior, sem aumento da área total de construção, da área de implantação ou da altura da fachada;

(…)

e) «Obras de ampliação», as obras de que resulte o aumento da área de implantação, da área total de construção, da altura da fachada ou do volume de uma edificação existente;

(…)

 

São vários os tipos de obras de edificação, de acordo com a classificação seguida pelo legislador, cfr. art.º 2.º do RJUE. Sendo que, para o que ao caso releva, nos diz o legislador que há obra de construção quando há criação de novas edificações. Ora, a criação de novas edificações implica, como pressuposto, edificação não existente - ab initio, por ruína ou demolição[42]. Num caso como o nosso, em que a edificação (pré)existente é um prédio urbano da espécie imóvel destinado a utilização humana ou “edifício”, prédio urbano habitacional[43],  teria que ter havido demolição do existente – demolição deste prédio urbano – para se poder levar a cabo uma posterior obra de construção (cfr. art.º 2.º, al. b) do RJUE). Da qual viria a resultar uma nova edificação.

 

Assim interpretamos então o n.º 2 do art.º 1.º do DL n.º 43/98, na parte que aos autos releva: com referência a prédios urbanos a CE incide sobre o aumento de valor das áreas para construção resultantes da demolição do existente.[44]

 

Ou seja, o legislador, no DL n.º 43/98, faz apenas recair a incidência, quando de prédios urbanos edificados se trate, sobre as situações que, no quadro do nosso Ordenamento Jurídico, serão desejavelmente excepcionais – a respectiva demolição, com consequente criação de área de construção. Faz recair a incidência sobre situações de demolição do existente, pois. Afigura-se-nos, além do mais, ser esta a interpretação que permite manter a coerência com a preferência, plasmada no nosso Ordenamento Jurídico, pela recuperação do imobiliário em detrimento da respectiva destruição para substituição por novas edificações.

 

E não se nos afigura, no caso, tenha havido demolição do existente.

 

Com efeito, o que houve foi um aproveitar do existente, alterando-o tendo em vista o seu melhoramento. Como vimos de analisar e como resulta, desde logo, da matéria de facto provada. O Prédio foi mantido tendo-se, pela obra levada a efeito, recuperado e alterado a casa (moradia unifamiliar) já existente, respeitando traça original e aspectos construtivos, e acrescentando elementos de conforto e segurança.

 

As obras em causa foram pois – cfr. art.º 2.º, al. d) do RJUE - obras de alteração[45] (veja-se a este respeito, entre o mais, como se apura do Mapa de Medições – cfr. factos provados, g) –  que: (i) não houve existente a demolir – 3.1., (ii) houve existente a alterar – 3.3., 4.3., (iii) não houve aumento da área de implantação – 3.3., primeira coluna, e houve ampliação de 4 m2 de em terraços / varandas (logradouro) – 3.3., segunda coluna e 5.2.; (iv) não houve obras de reconstrução – 1.1., 3.5., 4.4.;  (v) houve obras de alteração e, na medida acabada de verificar, obras de ampliação – 1.2., 1.3., 5.2.; e refira-se ainda que a área de implantação (80 m2) se mantém inalterada desde o início da inscrição do Prédio na matriz – v. factos provados, a), b) e c) ).

 

Note-se também que em intervenções sobre edifícios pré-existentes as mesmas hão-de reconduzir-se, em princípio, a uma das espécies constantes do art.º 2.º do RJUE; sendo no nosso caso a ampliação ocorrida de 4 m2 no logradouro, não deixará a obra de ser de alteração, ainda que com um elemento de ampliação, sem alteração da área de implantação do edifício. E que, de todo o modo, não fica implicado no que de decisivo se conclui para os nossos autos: não houve demolição do existente.

 

Não há demolição do existente, como não há a que seria a consequente (“resultante”, nas palavras do legislador)[46] criação de área para construção, construção essa que seria de uma nova edificação.

 

Nem resultaria em contrário do que vem de se concluir a possível destruição pontual de um ou outro elemento (como seja, por exemplo, uma parede, uma janela, um degrau) no contexto da obra de alteração. Pois que sempre tanto poderá suceder, até mesmo em obras de diminuta dimensão. Como até a habitual necessidade de remover entulho do local de tais obras o demonstra. E é neste contexto que, como não poderia deixar de ser, entendemos os pontuais elementos assinalados a amarelo nas Alterações constantes das Telas Finais – cfr. al. s) factos provados (supra). Estamos perante uma obra de edificação incidente sobre um edifício préexistente, mantendo-o, ainda que modificado – melhorado.

 

E, afigura-se-nos, não deixa também de ir neste sentido a interpretação veiculada na Doutrina Administrativa a que a Requerida refere ter recorrido para auxílio na interpretação das normas que aplicou[47], aí se salientando que é necessária uma análise casuística dos factos e verificação das obras efectivamente realizadas se desconformes com o alvará, e que para haver tributação se exige haver demolição com posterior construção ou reconstrução.

 

Note-se, por fim, como uma interpretação menos contextualizada daquilo a que o legislador pretendeu referir-se na parte pertinente do n.º 2 do art.º 1.º do DL permitiria conduzir, no limite, ao entendimento de que o mesmo teria querido sujeitar à incidência da CE situações como a de um proprietário que, pretendendo deitar abaixo uma parede interior em sua casa (e por excesso de zelo, por hipótese, solicitasse um alvará de obra à Câmara Municipal), ficaria impossibilitado de o fazer a menos que procedesse ao pagamento da CE, por virtude de o Estado ter entendido proceder a obras públicas (como as abrangidas pelo DL) na zona envolvente. Com justificação na valorização adveniente dessas obras públicas.

 

E por outro lado, em situações no sentido oposto, como no caso de uma obra de maior dimensão, refira-se, também não será por uma alteração ser mais substancial (ou uma ampliação ser mais acentuada) que deixaremos de estar perante uma alteração (ou uma ampliação) para estarmos perante uma nova edificação[48].

 

No mesmo sentido, de que aquilo de que se trata na norma que vimos interpretando é de demolição do existente e construção de nova edificação, v., entre outros, o douto Acórdão do STA de 30.01.2013, proc.º 0804/12, onde se lê: “(...) O RCE considera que este valor – ou melhor, a sua realização tributariamente relevante – se consome uma vez verificadas determinadas condições específicas: utilização de prédios rústicos ou terrenos para construção urbana ou demolição de prédios urbanos já existentes para neles edificar novas construções, as quais saem valorizadas pelas acessibilidades resultantes das obras públicas identificadas pelo diploma.”

 

E ainda, com interesse para a compreensão do todo e de que a interpretação que vimos de fazer é a que respeita a necessária coerência do sistema, veja-se no mesmo Aresto: “Conforme decorre dos artigos 1.º e 2.º acima transcritos, a chamada “contribuição de melhoria” incide sobre o “aumento de valor” dos prédios ou terrenos, situados nas áreas territoriais definidas na lei, substancial e “anormalmente” valorizados como directa decorrência de importantes investimentos públicos.” Com efeito, diremos nós, não será através de obras levadas a cabo num edifício existente, mantendo-o, preservando-o e melhorando-o, que se configurará uma anormal e substancial valorização em directa decorrência das obras públicas em zona envolvente.

 

Concluindo, de volta ao caso dos autos.

 

Não houve obras de construção – que dão origem a criação de nova edificação – cfr. art.º 2.º, al. b) do RJUE – e têm como pressuposto edificação não existente. O que tão só poderia suceder - no caso de prédios urbanos da espécie do dos autos, cfr. n.º 2 do art.º 1.º do DL 43/98 - por via da demolição do existente.

 

Houve sim obras de alteração[49]cfr. art.º 2.º, al. d) do RJUE. Obras que têm como pressuposto uma edificação existente, como finalidade a modificação sem acréscimo de impacto, e como resultado a inovação parcial[50]. Não implicando, pois, demolição do existente (que não se verificou) com consequente criação de área para construção (área que a ter sido criada, pela demolição do existente, teria que entender-se o legislador ter considerado beneficiar de valorização – cfr. critério de determinação de incidência eleito pelo legislador no art.º 1.º/2 do DL na parte que vimos de interpretar).

 

A situação fáctica em apreço não cabe, pois, no âmbito de incidência da norma.

 

Antecipando a decisão, conclui-se que a liquidação em crise padece de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, determinantes da respectiva anulabilidade.

4.2. Questões de conhecimento prejudicado

 

Do que antecede resulta a ilegalidade da Liquidação por vício que impede a sua renovação. Considera-se, em consequência, prejudicado o conhecimento dos demais vícios que lhe são imputados pelo Requerente, por força do art.º 124.º do CPPT – que pressupõe, ao ordenar o conhecimento dos vícios, deixar de ser necessário o conhecimento dos restantes logo que julgado procedente um que assegure a eficaz tutela dos direitos do impugnante. Como sucede nos presentes autos, em que é pedida a declaração de ilegalidade da Liquidação.

 

Fica também prejudicado o conhecimento das questões de constitucionalidade suscitadas pelo Requerente, uma vez que se não aplicou o DL n.º 43/98, relativamente ao qual as mesmas eram suscitadas. Sendo que a não aplicação não derivou da invocada inconstitucionalidade.

 

5. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

A Liquidação encontra-se, pois, ferida de ilegalidade, por erro sobre os pressupostos de facto e erro na aplicação do Direito. Deve em consequência ser anulada, o que pela presente se decide, e as respectivas quantias, indevidamente pagas, restituídas ao Requerente.

 

Peticiona ainda o Requerente juros indemnizatórios. Vejamos se lhe assiste razão.

 

Estabelece o art.º 24.º, n.º 5 do RJAT a obrigação do pagamento de juros, qualquer que seja a respectiva natureza, nos termos previstos na LGT e no CPPT. Conforme disposto no n.º 1 do art.º 43.º da LGT, a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem lugar quando se determine ter havido erro, imputável aos Serviços, do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. E vimos já que houve erro, sobre os pressupostos de facto e erro de Direito, do que resultou pagamento em quantia superior à devida. No caso, não devida. O erro é imputável aos Serviços, que praticaram os actos de Liquidação em violação da lei, ao aplicarem a norma de incidência a uma situação fáctica nela não enquadrável.

Na situação dos autos não pode, pois, deixar de considerar-se o erro em que a Requerida incorreu como sendo a si imputável, pelo que se defere o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, como infra.

 

6. Decisão

Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar procedente o PPA, e assim:

a)  Declarar ilegais e consequentemente anular a liquidação de CE e a liquidação de juros compensatórios melhor identificadas nos autos;

b)  Condenar a Requerida na restituição ao Requerente do valor indevidamente pago, de € 2.442,52;

c)  Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido (20.08.2018) até emissão da respectiva nota de crédito (cfr. art.º 61.º, n.º 5 do CPPT e art.º 43.º da LGT, sendo a taxa cfr. art.ºs 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10 da LGT e art.º 559.º, n.º 1 do Código Civil).

 

7. Valor do processo

Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 2.442,52.

 

8. Custas

Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 612,00, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 9 de Julho de 2019

 

O Árbitro

 

(Sofia Ricardo Borges)

 

 

 

 



[1]              Ambas as liquidações doravante conjuntamente denominadas “a Liquidação”.

[2]              (identifica os Proc.ºs n.ºs 139/2017-T e 312/2015-T, que estão disponíveis em www.caad.org.pt)

[3]              Diplomas legais aplicáveis ao nosso processo ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT (e assim sempre que para os mesmos se remeter na presente Decisão).

[4]              Estes últimos Diplomas legais aplicáveis ao nosso processo ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT (e assim sempre que para eles se remeter na presente Decisão).

[5]              Todos Diplomas legais aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT (e assim sempre que para qualquer deles - ou para outros Diplomas quando nos referirmos à aplicabilidade no caso dos respectivos artigos - se remeter na presente Decisão).

[6]              Pode ver-se, neste sentido, entre outros, o Acórdão do STA de 20 de Junho de 2018, proc.º 0748/15, disponível em www.dgsi.pt (tal como aí também disponível a demais Jurisprudência citada sem menção de proveniência).

[7]              Dispõe assim o art.º 15.º, n.º 1 do RCE: “Liquidada a contribuição, o contribuinte será notificado para efectuar o pagamento voluntário até ao fim do mês seguinte ao da notificação, após o qual começarão a vencer-se juros de mora.”

 

[8]              Reportando-se o n.º 2 tão só à ordem dos Tribunais Judiciais.

[9]              Ou à remessa do processo para outro Tribunal.

[10]            V. Antunes Varela et al., “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 2.ª Ed., 1985, p. 195

[11]            (na sua vertente positiva)

[12]            Diferentemente do Centro de arbitragem institucionalizada, que não tem interferência nas decisões dos casos submetidos a cada Tribunal Arbitral. V. Mariana França Gouveia, “Curso de Resolução Alternativa de Litígios”, Almedina, 3.ª Edição, 2014, pp. 183 e 125

[13]            (sublinhados nossos)

[14]            Centraremos a apreciação neste enquadramento à espécie Contribuições, por ser a implicada no nosso caso.

[15]            Tenhamos em conta, desde logo e entre o mais, o art.º 4.º, n.º 3, da LGT.

[16]            Prescindindo de maiores desenvolvimentos neste último ponto, v., por todos, Jorge Lopes de Sousa in “Guia da Arbitragem Tributária”, 2.ª Edição, Almedina, 2017. pp. 100-101.

[17]            Já aflorado supra.

[18]            E melhor identificados no Preâmbulo do Diploma.

[19]            in “Lei Geral Tributária - Anotada”, Editora Rei dos Livros, Lisboa, 2001, pp. 53-55

[20]            Para o que contribuiu decisivamente a redacção conferida ao art.º 165.º, n.º 1 al. i) da CRP aquando da quarta revisão à mesma.

[21]            in “Direito Fiscal”, Almedina, 2015, p. 50

[22]            Sendo que também, mais adiante no texto, o Autor, ao referir-se a casos concretos de contribuições especiais, a que expressivamente denomina de “clássicas contribuições especiais” (no confronto com as “demais contribuições financeiras”), vem identificar a CE em causa nos nossos autos como sendo um desses casos.

[23]            Também a este respeito, e sempre no mesmo sentido, v. Saldanha Sanches in Manual de Direito Fiscal, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, p. 57.

[24]            (e de tributos próximos a este)

[25]            Disponíveis em: http://www.tribunalconstitucional.pt/

 

[26]                   Os sublinhados e/ou negritos aqui, como em qualquer outra transcrição de lei, ou na citação de Autores, são nossos.

[27]            V. art.º 103.º, n.º 2 da CRP e art.º 8.º, n.º 1 da LGT.

[28]            Art.º 11.º da LGT, n.º 1: “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

[29]                   Art.º 9.º do CC: “1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada./ 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso./ 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

[30]         Manuel Andrade, “Sobre a recente evolução do direito privado português”, Bol. da Fac. de Direito de Coimbra, XXII (1946).

[31]         Baptista Machado, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, 1999, p. 191.

[32]         J. L. Saldanha Sanches, “Manual de Direito Fiscal”, Coimbra Editora, 3.ª Ed., 2007, p. 147.

[33]            Artigo 34.º da Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro (LOE1997).

[34]            Retirando da incidência daquele para este as áreas de determinadas freguesias (trata-se do DL n.º 54/95, de 22 de Março);

[35]            V. nota 33

[36]            Tenha-se em mente o art.º 11.º/2 da LGT.

[37]            Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo DL n.º 380/99, de 22 de Setembro e revisto pelo DL n.º 80/2015, de 14 de Março.

[38]            Nos casos constantes das suas quatro alíneas.

[39]            V. Raquel Carvalho, “Introdução ao Direito do Urbanismo”, Universidade Católica Editora Porto, 2017, pp 91-92.

[40]            Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo DL n.º 599/99, de 16 de Dezembro.

[41]            Neste sentido, v. Raquel Carvalho, op. cit., pp 125-126.

[42]            V., a propósito do tema, André Folque, “Curso de Direito da Urbanização e da Edificação”, Coimbra Editora, 2007, pp. 30-32.

[43]            V. art.º 6.º, n.º 1 al. a) e n.º 2 do CIMI.

[44]            Note-se como pelo art.º 46.º, n.º 4 do CIMI se determina que o VPT dos prédios urbanos da espécie “ruína” (“Outros”, al. d) do n.º 1 do art.º 6.º do CIMI) se apura como se de terreno para construção se tratasse. O que não deixa de, também, de algum modo confirmar a nossa interpretação e, diríamos, auxiliar na compreensão do que em especial o legislador visou aquando da delimitação de incidência da CE para o caso de prédios urbanos: áreas / terrenos para construção.

[45]            E também a respeito deste conceito pode ver-se, com interesse, no Decreto Regulamentar n.º 9/2009, de 29 de Maio, que estabelece os conceitos técnicos nos domínios do ordenamento do território e do urbanismo a utilizar nos instrumentos de gestão territorial, os conceitos de “area total de construção” e de “área de implantação do edifício”.

[46]            Cfr. art.º 1.º, n.º 2 do DL.

[47]            v. Relatório, supra, pp. 4-5, e w) - factos provados.

[48]            Neste sentido, v. Fernanda Paula Oliveira, “Construção nova versus intervenção em edifícios existentes: a dificuldade de conceitos”, in “Escritos Práticos de Direito do Urbanismo”, Almedina, 2017, p. 11.

[49]                   Aliás em conformidade com o Alvará – v. al. e) dos factos provados.

[50]            V. André Folque, op. cit.