Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 104/2018-T
Data da decisão: 2019-01-31  IRC  
Valor do pedido: € 91.870,26
Tema: Não aceitação de Custos Fiscais
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Cristiana Maria Leitão Campos e José Ramos Alexandre, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, no seguinte

 

I – RELATÓRIO

 

A..., S.A., contribuinte fiscal n.º..., com sede na Rua ..., ...-..., ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, visando a declaração de ilegalidade do atos de liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios do exercício de 2013-A,  n.º 2017..., nº 2017....; nº 2017...; do exercício de 2013-B, nº 2017..., nº 2017..., no valor total de 39 626,73€ para o exercício de 2013; do exercício de 2014 – nº 2017...; nº 2017...; nº 2017..., no montante de total de 37 742,86€; e do exercício de 2015 nº 2017...; nº 2017...; nº 2017..., no montante de 14 500,67€, tudo no valor global de 91 870,26€.

1.            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 2018/03/14 e automaticamente notificado à AT.

2.            A Requerente não usou da faculdade legal de nomear árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

3.            Em 04-05-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

4.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 24/05/2018.

5.            A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), depois de notificada para o efeito, apresentou em 26/06/2018 a sua resposta.

6.            Por despacho de 2018/10/13 foi dispensada ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

7.            No âmbito do mesmo despacho foi concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, as quais foram apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respetivas posições jurídicas;

8.            Na Resposta, a AT solicitou a suspensão do presente processo arbitral ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 272º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º nº1 al. e) do RJAT, até à decisão da causa prejudicial a tomar na impugnação judicial instaurada com o nº .../15...B... que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de ....

9.            Alega para tanto que as correções quanto ao lucro tributável dos períodos de tributação de 2013-A e de 2013-B a analisar nestes autos, são correções positivas que replicam as realizadas, pela AT, ao lucro tributável dos exercícios de 2010, 2011 e de 2012, pelo que se verifica uma relação de dependência entre as diferentes liquidações, configurando os presentes autos uma causa prejudicial face aos que se encontram pendentes no TAF de ....

10.          Por sua vez, entendeu a Requerente que “não obstante, por ainda estar a ser penalizada, nos períodos tributários de 2013-A e 2013-B, pelas erróneas conclusões da ação inspetiva que, em sede de IRC, incidiu sobre os anos de 2010 e 2011, impugna-se a matéria em sede deste pedido de pronúncia arbitral…”.

 

II  – FUNDAMENTAÇÃO

A.           Matéria de facto

A.1 Factos dados como provados

11.          A Requerente é uma sociedade comercial inscrita para o exercício de atividades de produção de vinhos comuns e licorosos, bem como, de fabricação de aguardentes preparadas.

12.          A Requerente, em 17-6-2015, instaurou no TAF de ... uma ação visando a declaração de ilegalidade quer da instauração da execução fiscal nº ...2014...quer da liquidação adicional de IRC correspondente a um acréscimo, ao resultado tributável do ano de 2010, de €210.979,53 (cfr Doc junto com as alegações da demandante).

13.          A Requerente, no ano de 2013, para efeitos de IRC, optou por um período de tributação não coincidente com o ano civil e cujo período de tributação vai de 1 de maio a 30 do mês de abril do ano civil seguinte.

14.          Dada esta circunstância, os anos em análise, em sede de IRC, passaram a ser os seguintes:

15.          Ano fiscal de 2013-A – de 1 de janeiro de 2013 a 30 de Abril de 2013; Ano fiscal 2013-B – de 1 de Maio de 2013 a 30 de Abril de 2014; Ano fiscal de 2014 - de 1 de Maio de 2014 a 30 de Abril de 2015; Ano fiscal de 2015 - de 1 de Maio de 2015 a 30 de Abril de 2016.

16.          As liquidações adicionais de IRC atrás indicadas e ora sindicadas resultaram de procedimentos de inspeção, externos, de âmbito geral, efetuados ao abrigo das Ordens de Serviço n.º OI2016... (2013), n.º OI2016... (2014) e n.º OI2016... (2015), datadas de 16.02.2016, pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) de ... .

17.          A AT, no âmbito desses procedimentos, efetuou correções, em sede de IRC que, de acordo com o conteúdo e conclusões do Relatório de Inspeção (RIT constante do PA), abrangem:

a)            para o exercício de 2013-A (período de 01-01-2013 a 30-04-2013) foram considerados

i.             acertos de existências não aceites para efeitos fiscais, que não se enquadram no n.º 1 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de €145.283,04 (pág. 7 do RIT);

ii.            ajustamentos relativos ao desreconhecimento referente a “indemnização de pessoal por reconhecer em 2010”de passivo que não se enquadra no n.º 1 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, conjugado com o art.º 17.º do Código do IRC, no montante de €15.696,50 (pág. 9 do RIT);

iii.           amortizações praticadas sobre ativos intangíveis não aceites como custo fiscal nos termos do art.º 16.º do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, conjugado com o art.º 34.º do Código do IRC, de €16.666,68 (pág. 10 do RIT);

iv.           gastos não aceites para efeitos fiscais por incumprimento do n.º 4 do art.º 23.º do Código do IRC, de €50.562,25 (pág. 10 do RIT)

b)           para o exercício de 2013-B (período de 01-05-2013 a 30-04-2014) foram considerados

i.             ajustamentos de existências não aceites para efeitos fiscais, que não se enquadram no n.º 1 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de €145.283,04 (pág. 7 do RIT);

ii.            ajustamentos relativos ao desreconhecimento de passivo que não se enquadra no n.º 1 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, conjugado com o art.º 17.º do Código do IRC, de €15.696,50 (pág. 7 do RIT);

iii.           amortizações praticadas sobre ativos intangíveis não aceites como custo fiscal nos termos do art.º 16.º do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, conjugado com o art.º 34.º do Código do IRC, de €50.000,00 (pág. 8 do RIT);

iv.           gastos não aceites para efeitos fiscais por incumprimento do n.º 4 do art.º 23.º do Código do IRC, de €598.036,73 (pág. 13 do RIT);

c)            para todo período de 2013- Correção negativa a imposto (tributações autónomas)

i.             eliminação da majoração de 10% da taxa de tributação autónoma por passar de prejuízo a lucro fiscal tributável – 6 957,67€ (pág. 13 do RIT).

d)           para o exercício de 2014

i.             amortizações praticadas sobre ativos intangíveis não aceites como custo fiscal nos termos do art.º 16.º do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, conjugado com o art.º 34.º do Código do IRC, de €50.000,00 (pag.8 do RIT);

ii.            gastos não aceites para efeitos fiscais por incumprimento do n.º 4 do art.º 23.º do Código do IRC, de €171.727,74 (pag.13 do RIT).

e)           para o exercício de 2015

i.             amortizações praticadas sobre ativos intangíveis não aceites como custo fiscal nos termos do art.º 16.º do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, conjugado com o art.º 34.º do Código do IRC, de €50.000,00 (pag.13 do RIT).

 

16.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

17.          As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

18.          O processo não enferma de nulidades.

19.          Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

     A.2. Factos não provados

Não existem, com relevo para o objeto deste processo, outros factos que devam considerar-se provados ou não provados.

A.3. Fundamentação/motivação da decisão da matéria de facto

a)            O juiz (ou o árbitro) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada (art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

b)           Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.

c)            No caso, o Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica dos documentos apresentados pelas partes, incluindo a certidão apresentada pela demandante na sequência de decisão do Tribunal proferida em 12-10-2018, e que não foram impugnados, e na cópia do processo administrativo instrutor, apresentado pela AT, tendo ainda em conta que nenhuma da matéria de facto alegada foi contestada ou impugnada.

 

d)           Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, o que prevê o art.º 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, constantes em afirmações predominantemente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

II – FUNDAMENTAÇÃO (cont)

Objeto do processo e pedido

Constitui objeto do presente processo o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações adicionais de IRC de 2013-A, 2013-B, 2014 e 2015, a saber:

Natureza             Liquidação  Número       Número de Compensação           Número de Documento Valor a correcção                Valor a pagar

IRC 2013-A          2017 ... 2017 ... n/a         3.197,08 €          n/a

Liquidação Juros IRC 2013-A       2017 ... 2017 ... n/a         121,98 €               n/a

Acerto de Contas IRC 2013-A      n/a         2017 ... 2017 ... n/a         0,00 €

IRC 2013-B          2017 ... 2017 ... n/a         48.870,10 €        n/a

Liquidação Juros IRC 2013-B        2017 ... 2017 ... n/a         4.414,54 €           n/a

                2017 ... 2017 ... n/a         27,95 € n/a

Acerto de Contas IRC 2013-B      n/a         2017 ...                n/a         39.626,73 €

IRC 2014              2017 ... 2017 ... n/a         49.865,84 €        n/a

Liquidação Juros IRC 2014            2017...  2017 ... n/a         2.968,56 €           n/a

                2017 ... 2017 ... n/a         25,41 € n/a

Acerto de  Contas IRC 2014          n/a         2017 ... 2017 ... n/a         37.742,86 €

                                                                              

IRC 2015              2017 ... 2017 ... n/a         24.760,57 €        n/a

Liquidação Juros IRC 2015            2017 ... 2017 ... n/a         26,79 € n/a

                2017 ... 2017 ... n/a         626,23 €              n/a

                2017 ... 2017 ... n/a         14,65 € n/a

Acerto de Contas IRC 2015           n/a         2017 ... 2017 ... n/a         14.500,67 €

valor total a pagar           91.870,26 €

 

As identificadas liquidações incluem juros compensatórios e juros moratórios.

 

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade daquelas liquidações adicionais, em suma e segundo alega, pelos seguintes motivos:

I - AJUSTAMENTO DE TRANSIÇÃO DO POC PARA O SNC

•             Da não aceitação como gasto fiscal dos ajustamentos realizados em activos reconhecidos em inventários e mensurados pelo valor realizável líquido, no âmbito dos ajustamentos de transição do POC para o SNC, ao abrigo do regime transitório previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho

                A requerente, tendo em conta as recomendações dos seus departamentos de qualidade, enologia e comercial, que concluiu que as matérias-primas (vinhos a granel) correspondentes a vinhos DOC (denominação de origem controlada), VQPRD (vinho de qualidade produzida em região demarcada) e regionais IGP (indicação geográfica protegida) já não reuniam os requisitos qualitativos exigidos para serem utilizados nessas categorias - por se tratar de vinhos de colheitas antigas, reclassificou-os como vinhos comuns ou de mesa

                A Requerente entregou à Divisão de Inspeção Tributária vários documentos que demonstram o preço praticado no mercado em 2010 para aquisição de matéria-prima (vinho a granel), com vista ao seu consumo a título de vinhos correntes (comuns ou de mesa).

                Da mencionada documentação fazem também parte listas de inventário com identificação do registo contabilístico da anulação dos artigos/produtos declarados no inventário final relativo ao exercício fiscal de 2009, denominadas pela Requerente como “Ajustamento de Conversão de Saída”, … e listas de inventário com o registo contabilístico dos novos valores dos artigos/produtos declarados no inventário inicial do ano de 2010, denominadas pela Requerente como “Ajustamentos de Conversão de Entrada”. Foram entregues, para o que nestes autos interessa:

•             Os ajustamentos n.º 1/2010 (“Ajustamentos de Conversão de Saída” n.º 1/2010 e “Ajustamentos de Conversão de Entrada” n.º 1/2010) e n.º 2/2010 (“Ajustamentos de Conversão de Saída” n.º 2/2010 e “Ajustamentos de Conversão de Entrada” n.º 2/2010) respeitam a vinhos a granel (matérias-primas) existentes nas instalações da Requerente, em ... e em ...;

•             Os ajustamentos n.º 3/2010 (“Ajustamentos de Conversão de Saída” n.º 3/2010 e “Ajustamentos de Conversão de Entrada” n.º 3/2010), n.º 4/2010 (“Ajustamentos de Conversão de Saída” n.º 4/2010 e “Ajustamentos de Conversão de Entrada” n.º 4/2010), n.º 9/2010 (“Ajustamentos de Conversão de Saída” n.º 9/2010 e “Ajustamentos de Conversão de Entrada” n.º 9/2010), n.º 10/2010 (“Ajustamentos de Conversão de Saída” n.º 10/2010 e “Ajustamentos de Conversão de Entrada” n.º 10/2010) e n.º 11/2010 (“Ajustamentos de Conversão de Saída” n.º 11/2010 e “Ajustamentos de Conversão de Entrada” n.º 11/2010), respeitam a produtos acabados existentes nas instalações da Requerente, em ... e ....

•             O ajustamento n.º 5/2010 (“Ajustamentos de Conversão de Saída” n.º 5/2010 e “Ajustamentos de Conversão de Entrada” n.º 5/2010) respeita a produtos semiacabados engarrafados existentes nas instalações da Requerente, em ...;

•             O ajustamento n.º 8/2010 (“Ajustamentos de Conversão de Saída” n.º 8/2010 e “Ajustamentos de Conversão de Entrada” n.º 8/2010) respeita a mercadorias existentes nas instalações da Requerente, em ... e ...;

•             Os ajustamentos n.º 6/2010 (“Ajustamentos de Conversão de Saída” n.º 6/2010 e “Ajustamentos de Conversão de Entrada” n.º 6/2010) e n.º 7/2010 (“Ajustamentos de Conversão de Saída” n.º 7/2010 e “Ajustamentos de Conversão de Entrada” n.º 7/2010) respeitam a produtos semi-acabados engarrafados existentes nas instalações da Requerente, em ... e ...;

•             O ajustamento nº 12/2010 (“Ajustamentos de Conversão de Saída” nº 12/2010 e “Ajustamentos de Conversão de Entrada” nº 12/2010) respeita a caixas de madeira existentes nas instalações da Requerente, em ... e ...;

                Os ajustamentos realizados aos inventários da Requerente, no exercício de 2010, foram efetuados nos termos da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (“NCRF”) 3, designadamente dos parágrafos 5, 7 e 8, e NCRF 18, e ao abrigo do disposto no regime transitório previsto no Decreto-Lei nº 159/2009, de 13 de Julho, a que acima foi feita referência.

                Pela análise conjugada dos art.ºs 28º, nº 1,  2, e 4 do CIRC, e  parágrafo 7 da NCRF18, fácil é de perceber que o valor realizável liquido atribuído a quem incumbe a mensuração do ativo é uma estimativa (ou uma quantia que se espera realizar), que se pode basear em preços oficiais (ou impostos por autoridades), em preços anteriores (últimos) praticados pelo sujeito passivo ou em preços correntes no mercado.

                No caso em apreço, os departamentos de qualidade, enologia e comercial da Requerente mensuraram os inventários em análise, utilizando para o efeito dois dos critérios do artigo 26.º, n.º 4, do Código do IRC: os últimos preços praticados e os correntes no mercado.

                E dessa forma deram também cumprimento ao disposto na NCRF 18 que, em particular no seu parágrafo 28, dispõe o seguinte: “O custo dos inventários pode não ser recuperável se esses inventários estiverem danificados, se se tornarem total ou parcialmente obsoletos ou se os preços de venda tiverem diminuído. (…) A prática de reduzir o custo dos inventários (write down) para o valor realizável líquido é consistente com o ponto de vista de que os ativos não devem ser escriturados por quantias superiores aqueles que previsivelmente resultariam da sua venda ou uso”.

                A este propósito cumpre referir que, ao contrário do que é concluído pela Inspeção Tributária, a NCRF 18 em lado algum considera como condição essencial para determinar o valor realizável líquido das matérias-primas conhecer os produtos acabados onde as mesmas podem vir a ser incorporadas, ainda mais quando as mesmas se destinem a ser diretamente comercializadas, dado que o que o parágrafo 31 da NCRF 18 refere é que a estimativa para determinar esse valor também deve tomar em consideração a finalidade pela qual as matérias-primas são detidas em inventário, pelo que esse será apenas mais um dado a ter em consideração.

                Por tudo quanto se mostra exposto não restam dúvidas de que, no âmbito dos ajustamentos de transição do POC para o SNC, são de considerar como gasto fiscal e, como tal, suscetíveis de beneficiar do regime transitório previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, os ajustamentos realizados nos ativos mensurados pelo valor realizável líquido, uma vez que foram cumpridas todas as exigências legais e devidamente demonstradas as estimativas efetuadas.

 

•             Da não aceitação como gasto fiscal dos ativos desreconhecidos pelo valor inscrito no inventário reportado a 31/12/2009, por terem sido considerados como obsoletos ou descontinuados e, posteriormente, destruídos, no âmbito dos ajustamentos de transição do POC para o SNC, ao abrigo do regime transitório previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho

                A Requerente juntou listas de inventário, denominadas como “Ajustamentos de Conversão de Saída”, com a identificação dos artigos/produtos que foram desreconhecidos da rubrica de inventários a 01/01/2010, por terem sido sujeitos a abate.

                Tais listas de inventário da Requerente eram integradas por materiais secos que compunham os artigos correspondentes a rótulos, contra-rótulos, cápsulas, fitas auto-adesivas, caixas, etiquetas, gargantilhas e invólucros.

                Os departamentos de qualidade, enologia e comercial da Requerente concluíram que esses materiais secos, ou por se encontrarem danificados ou obsoletos, ou por se destinarem a serem aplicados em produtos descontinuados, já não poderiam ser utilizados ou aplicados.

                Em consequência, foi decidido que esses materiais secos fossem desreconhecidos e deitados ao lixo ou vendidos para reciclagem.

                Os “Ajustamentos de Conversão de Saída” n.º 12/2010 respeitam aos materiais secos existentes nas instalações da Requerente em ... e os “Ajustamentos de Conversão de Saída” n.º 14/2010 a 24/2010 aos materiais secos existentes nas instalações da Requerente em ...– cfr. Documentos já juntos como n.º 7.

                Sucede que a Requerente deu efetivo conhecimento à Inspecção Tributária das faturas de venda para sucata de material de embalagem durante o ano de 2010 — cfr. Documentos que se juntam sob o n.º 8.

                A Requerente justificou os abates realizados, por meio de duas cartas datadas de 08/01/2010, dirigidas ao Chefe da Repartição de Finanças de ... não havendo qualquer razão para a sua não aceitação como gasto fiscal.

                Determinava o artigo 23.º do Código do IRC que “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.

                Verifica-se, desta forma, que os produtos desreconhecidos da rubrica de inventários e sujeitos a abate deveriam ter sido aceites como gastos porque não permitiam já gerar rendimentos futuros.

                A Requerente recebeu do Chefe do Serviço de Finanças de ... um ofício, datado de 01/04/2011, o qual remetia para o oficio-circulado n.º 35264, de 24/10/1986, emitido pela Direção de Serviços do IVA, e que informava o tipo de procedimentos a adotar para o abate de bens.

                A Requerente efetivamente agiu em conformidade com as instruções desse ofício circulado, conforme resulta inequívoco dos autos de destruição testemunhados por funcionários da Requerente, de 28/01/2010 e 29/01/2010 pelo que não pode a Inspeção Tributária concluir que não lhe foi informado o destino que a Requerente deu aos bens desreconhecidos da rubrica de inventários.

                Por tudo quanto se mostra exposto não restam dúvidas que, no âmbito dos ajustamentos de transição do POC para o SNC, são de considerar como gasto fiscal e, como tal, suscetíveis de beneficiar do regime transitório previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, os ativos desreconhecidos pelo valor inscrito no inventário reportado a 31/12/2009, que foram considerados como obsoletos ou descontinuados e, posteriormente, destruídos, uma vez que foram cumpridas e devidamente demonstrado o cumprimento de todas as exigências legais.

               

•             Da não aceitação como gasto fiscal, nos termos do nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 159/2009, de 13 de julho, das indemnizações de pessoal por despedimento.

41.          A ora Requerente optou por diferir em três exercícios os gastos com indemnizações, por entender que - sendo despesas ou encargos de projeção económica plurianual - o montante deve ser repartido por um período mínimo de três exercícios.

42.          À data da transição do POC para o SNC - atendendo ao facto do ativo não cumprir os requisitos de reconhecimento de acordo com o novo referencial contabilístico, SNC – procedeu a Requerente ao seu desreconhecimento e, tal como previsto no nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei 159/2009, ao diferimento fiscal em cinco exercícios.

43.          Do artigo 5º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 159/2009, evidencia-se que os efeitos nos capitais próprios resultantes do desreconhecimento de ativos e passivos concorrem em partes iguais para a formação do lucro tributável.

44.          Por outro lado, a alteração de normativo não pode prejudicar o sujeito passivo, que anteriormente adotando um determinado procedimento contabilístico releva fiscalmente e somente porque tal deixa de ser possível pela aplicação de outro normativo, deixa de relevar fiscalmente.

45.          Ora, como prevê a NCRF 3, no §5: “Uma entidade deve preparar um balanço de abertura de acordo com as NCRF na data de transição para as NCRF. Este é o ponto de partida da sua contabilização segundo as NCRF e servirá para comparativo nas primeiras demonstrações financeiras de acordo com as NCRF.”

46.          Deste modo, as entidades estão dispensadas de emitirem um documento contabilístico para reexpressarem os valores na sua contabilidade, desde que se trate dos valores de abertura.

47.          A reconciliação do Capital Próprio e do Resultado Líquido segundo os “Princípios Contabilísticos Geralmente Aceites” anteriores e as NCRFs encontra-se demonstrada na nota 0502-A, tanto do “Anexo ao Balanço e Demonstração de Resultados” como na própria “Informação Empresarial Simplificada”.

48.          Daí a conclusão de que, no âmbito dos ajustamentos de transição do POC para o SNC, são de considerar como custo/gasto fiscal e, como tal, suscetíveis de beneficiar do regime transitório previsto no nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 159/2009, de 13 de Julho, as indemnizações de pessoal por despedimento, uma vez que foram cumpridas todas as exigências legais.

 

DAS AMORTIZAÇÕES DE ACTIVO FIXO INTANGÍVEL

49.          No “Projeto de Correções do Relatório de Inspeção”, a Inspeção Tributaria entendeu que a amortização praticada no valor de 50.000 € da marca “...” não deve ser aceite para efeitos fiscais, fundamentado esse entendimento na cláusula terceira do “Contrato de Compra e Venda de Marca” que titulou essa transmissão, em particular no facto de aí ter ficado a constar que a transmissão da marca é feita “com todos os direitos a ela inerentes sem quaisquer restrições” e “por todo o tempo da sua duração”; concluiu que estas duas frases traduzem uma utilização exclusiva da marca e por uma periodicidade ilimitada.

50.          A estimativa da vida útil deste ativo intangível foi calculada pela Requerente em 20 anos (e não em 10 anos, como é dito pela Inspeção Tributaria).

51.          E como estimativa que é – e, consequentemente, sem possibilidade de desmonstração inequívoca – baseou-se nas previsíveis quebras de vendas futuras nos produtos (aguardantes) identificados sob essa marca, resultantes da alteração dos hábitos das populações consumidoras desse tipo de produtos (a aguardente é um tipo de bebida alcoólica, cujo consumo vem caindo gradualmente ao longo dos últimos anos, em virtude do surgimento de produtos novos e mais apelativos e do envelhecimento do consumidor tipo), com a inerente perda de notoriedade da marca que poderá levar ao seu desuso.

52.          Daqui resulta ser absolutamente irrelevante na perspetiva que ora interessa, o facto da marca em questão ser quase centenária, não podendo, em consequência, daí retirar-se elementos para levar à conclusão expressa pela Inspeção Tributaria.

53.          E tanto assim é que a Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro, aditou o artigo 45º-A ao Código do IRC, o qual veio aceitar como gasto fiscal, durante o período de 20 anos, o custo de aquisição de marcas, independentemente da sua duração.

54.          Daí ser aceitável considerar, para efeitos fiscais a amortização da marca “...”.

 

DOS GASTOS NÃO ACEITES PARA EFEITOS FISCAIS

•             Dos Contratos entre a Sociedade B..., S.A. e a A... S.A.

55.          No âmbito da organização empresarial do grupo, a Requerente celebrou com a B..., prestadora de serviços administrativos e de marketing, intra-grupo, um contrato de prestação, em 29/11/2011, o mesmo que todas as restantes sociedades do grupo que consta em anexo (doc 16);

56.          Os termos principais do contrato seriam o elenco dos diversos serviços especificamente prestados e a repartição dos custos por todas as empresas.

57.          E no respetivo artigo 2.º a estipulação de que os preços dos serviços seriam determinados em conformidade com o Anexo I, válido para o período tributário 2013-A, de Janeiro a Abril de 2013 (cuja cópia constitui o doc. 17).

58.          Este contrato foi válido para o período de 2013-A.

59.          Para este período tributário - com início em maio de 2013 e fim em abril de 2014 (período 2013-B) - foi acordada uma nova distribuição da imputação de custos pelas diversas sociedades do grupo, através de novo anexo ao contrato (doc. 18)

60.          Para o período de exercício de 2014 (maio de 2014 a abril de 2015) foi realizado um novo contrato e respetivo anexo, nos quais se acordou uma nova distribuição da imputação de custos pelas diversas sociedades do grupo (doc. 19).

61.          Foram emitidas as devidas faturas pelo pagamento de tais serviços, numa base de imputação e repartição dos custos incorridos pela prestação de serviços da B... com cada outra sociedade do grupo para as quais esta laborava e todas as faturas continham os elementos de identificação do prestador de serviços, a B..., os elementos de identificação do adquirente dos serviços, a Requerente, bem como, os correspondentes números de identificação fiscal de ambas as entidades.

62.          Continham igualmente o (i) o valor da contraprestação, líquido de imposto e os outros elementos incluídos no valor tributável; (ii) as taxas aplicáveis e o montante de imposto de IVA devido, sendo que taxa era sempre a normal devido à natureza dos serviços prestados; (iii) a data em que os serviços foram prestados ou colocados à disposição do adquirente.

63.          E continham igualmente a extensão e natureza dos serviços prestados, não obstante ser este o ponto essencial da discórdia no caso sub juditio.

64.          No que tange à extensão dos serviços prestados, haverá que assinalar que todas as faturas são emitidas com referência ao período coincidente com o mês de calendário.

65.          Quanto à natureza dos serviços prestados, conforme se pode constatar de cada fatura emitida, todas têm como descrição da sua natureza, “Serviços Administrativos” e “Serviços de Marketing”.

66.          Foi colocada uma nota para cada uma dessas descrições, na qual se menciona que os “Serviços Administrativos”, consistem em “elaboração de contabilidade, serviços informáticos, gestão financeira, controlo de cobranças, gestão de fornecedores e gestão de recursos humanos.”

67.          Os “Serviços de Marketing” são descritos como “gestão de registo de marcas, designa de rotulagem, packaging e catálogos, preparação de feiras, concursos de comunicação institucional”.

68.          Por outro lado, todas as faturas eram acompanhas por documentação de suporte que continham (i) tabelas de sumário do mapa de análise de custos e (ii) mapas de análise de custos da B... referentes ao período sobre o qual se baseia a imputação de custos.

69.          Pois bem: para uma perceção global e efetiva e para o controlo das prestações de serviços intra-grupo, há que atender (i) aos contratos de prestação de serviços entre a Requerente e a B..., (ii) aos anexos integrantes desses contratos, nos quais estão reguladas as imputações a cada sociedade do grupo, (iii) às faturas emitidas aquando do pagamento desses serviços, (iv) aos documentos de suporte à faturação, nomeadamente mapas de custos para o período de referência de cada fatura

70.          Resulta dos autos que foram emitidas as faturas pela prestação de serviços constante dos contratos referidos que se encontram discriminadas no doc. 20 junto à PI, sempre de acordo com o disposto nos contratos e anexos respetivos, a cujos valores acresceu o IVA à taxa normal.

71.          Todavia, a AT considerou que a Requerente efetuou pagamentos, tendo deduzindo esses gastos, mas cujas faturas “não cumprem com os requisitos e condições impostas pelo artigo 23.º do Código do IRC, ou seja, não se encontram descriminados e quantificados «per si» (sic) os serviços prestados, referindo-se apenas de forma geral «serviços administrativos e de marketing». ”

72.          Na respetiva fundamentação a AT invoca artigos que, ou não estavam de todo em vigor para o ano fiscal de 2013 ou com a letra da lei alterada para o ano de 2014.

73.          Os anos sob análise (de 2013 a 2015), têm como períodos tributários, em sede de IRC, bem como de toda organização da Requerente e em especial em termos contabilísticos, os seguintes:

•             Ano fiscal 2013-A – de 1 de Janeiro de 2013 a 30 de Abril de 2013; Ano fiscal 2013-B – de 1 de Maio de 2013 a 30 de Abril de 2014; Ano fiscal de 2014 - de 1 de Maio de 2014 a 30 de Abril de 2015;

•             Ano fiscal de 2015 - de 1 de Maio de 2015 a 30 de Abril de 2016.

74.          É de conhecimento público e é facto notório que a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, procedeu a uma reforma profunda do Código de IRC.

75.          No que tange à aplicação desta lei no tempo, o seu artigo 14.º, sob a epigrafe “Produção de efeitos”, estipulava o seguinte: “Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de Janeiro de 2014.”

76.          Esta alteração legislativa revela-se de extrema importância para a análise do caso sub juditio, tendo em consideração que a análise material do RIT incidia simultaneamente sobre períodos anteriores e posteriores à entrada em vigor da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro.

77.          Da evolução legislativa, conclui-se desde logo, que a AT aplica, para o ano de 2013-A e 2013-B, corretamente o artigo 23.º, n.º 1, do Código de IRC (na letra da lei em vigor previamente à produção de efeitos da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro).

78.          No entanto, já não o faz corretamente quando pretende aplicar essa mesma redação aos exercícios de 2014 e de 2015, pois a norma de aplicação da lei no tempo determina que aos períodos tributários iniciados em ou após 1 de Janeiro de 2014 se aplica o artigo 23.º, n.º 1, do Código de IRC, na redação introduzida pela Lei n.º 2/2014.

79.          Com a alteração legislativa, resultante da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a dedutibilidade de gastos e perdas deixa de estar condicionada à indispensabilidade, sendo no entanto exigido que os gastos e as perdas sejam incorridos ou suportados para “obter ou garantir” os rendimentos sujeitos a IRC, isto é, desapareceu o requisito da indispensabilidade de custos, no que se refere à dedutibilidade dos mesmos.

80.          Deste modo, ao aplicar o artigo 23.º, n.º 1, na letra da lei em vigor em 2013, a exercícios fiscais que se iniciaram depois de 1 de Janeiro de 2014, como era o caso para o exercício fiscal da ora Requerente, iniciado a 1 de Maio de 2014, a AT incorre, na verdade, em erro na aplicação do direito decorrente da aplicação de lei revogada a factos tributários ocorridos na vigência da nova lei, em violação do artigo 12.º da Lei Geral Tributária e artigo 12.º, do CC, ilegalidade esta que inquina as liquidações de imposto sub judice, tornando-as anuláveis nos termos do artigo 163.º do CPA, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea d), do CPPT.

81.          A indispensabilidade não significa, pois, um nexo de causalidade obrigatória com rendimentos/proveitos, nem que, a posteriori, se devem verificar ou comprovar necessariamente efeitos económicos lucrativos decorrentes de tais gastos.

82.          Desde que os gastos resultem de atos de gestão que, com base na informação conhecida aquando da sua execução, pudessem ter como objetivo a obtenção esperada de rendimentos ou a manutenção da fonte produtora (física, intangível, financeira ou outra) tal deverá conduzir à aceitação da sua dedutibilidade.

83.          Conforme resulta da exposição factual exposta é inequívoca a relação empresarial no seio do mesmo grupo societário entre a Requerente e a B... .

84.          Numa ótica de especialização e otimização da divisão do trabalho no seio do grupo societário, em especial no que tange à centralização dos serviços administrativos e de marketing, a B... era a sociedade incumbida de prestar esses serviços para as restantes unidades do grupo.

85.          Ora, não podemos aceitar que se coloque em crise a questão da necessidade que a ora requerente tinha na prestação de serviços auxiliares de apoio à sua atividade.

86.          O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do grupo societário como um todo. Não cabe à AT fazer qualquer tipo de juízo sobre a organização societária do grupo, nem o modo como as várias sociedades do grupo colaboravam umas com as outras na prossecução dos seus fins.

87.          Numa perspetiva económico-empresarial, os serviços que a B... prestava eram necessários e essenciais no apoio à atividade principal do grupo societário, em especial, à atividade produtiva da ora Requerente.

88.          Assim, ao excluir a dedução de encargos e gastos da ora Reclamante com as prestações de serviços da B..., considerando que tais gastos incorridos ou suportados para a obtenção ou garantia dos rendimentos sujeitos, a AT incorre em erro na aplicação do direito decorrente da violação do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, com a letra da dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ilegalidade esta que inquina as liquidações de imposto sub judice, tornando-as anuláveis nos termos do artigo 163.º do CPA, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea d), do CPPT.

89.          O mesmo erro de aplicação da lei no tempo ocorre na fundamentação à luz do artigo 23.º-A, do Código do IRC para períodos tributários para os quais este nem sequer existia.

90.          O artigo 23.º-A, do Código do IRC, foi aditado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, tendo somente entrado em vigor para períodos tributários iniciados em ou após dia 1 de Janeiro de 2014.

91.          Nesse sentido, ao aplicar esse artigo aos períodos tributários de 2013-A e 2013-B, ou seja, anteriores à vigência da norma, a AT procede ou pretende uma aplicação retroativa do artigo 23.º-A, do Código do IRC, aditado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro.

92.          Assim é que quer ao aplicar o artigo 23.º,-A, o seu n.º 2, ou qualquer outro número ou alínea deste artigo, numa redação em vigor somente a partir de 1 de Janeiro de 2014, a exercícios fiscais anteriores a essa data, nomeadamente o período fiscal 2013-A e 2013-B, quer ao aplicar o artigo 23.º, n.º 3 e 4, do Código de IRC, com a letra da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a exercícios fiscais que anteriores à sua entrada em vigor, a AT incorre em erro na aplicação do direito decorrente da aplicação retroativa da lei a atos tributários ocorridos antes da respetiva vigência, em violação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, e em violação do artigo 12.º da Lei Geral Tributária e do artigo 12.º, do CC, ilegalidade esta que inquina as liquidações de imposto sub judice, tornando-as anuláveis nos termos do artigo 163.º do CPA, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea d), do CPPT.

93.          E, para o período tributário de 2014, para o qual já vigorava o artigo 23.º, n.º 3 e 4, do Código de IRC, com a letra da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a AT erra novamente na interpretação e aplicação do mesmo.

94.          Com efeito, o legislador criou uma remissão, em sede de comprovação documental dos gastos incorridos ou suportados para efeitos de IRC, para os requisitos formais das faturas no âmbito do Código do IVA

95.          Porém, os requisitos formais da emissão de faturas no IVA são mais exigentes que aqueles que constam do artigo 23.º, n.º do 4 do Código de IRC.

96.          No entanto, o artigo 365º, do CIVA, resulta da transposição para o direito nacional do artigo 226.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado do IVA, doravante “Diretiva do IVA”.

97.          Dada a prevalência do direito comunitário derivado neste domínio, as regras nacionais devem ser interpretadas e aplicadas em conformidade com aquele quadro normativo, obedecendo, sempre que necessário, ao sentido que a esse direito tem vindo a ser dado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, adiante “TJUE”.

98.          Pois bem, todas as faturas revelam os elementos de identificação do prestador de serviços, a B..., os elementos de identificação do adquirente dos serviços, a Requerente, bem como, os correspondentes números de identificação fiscal de ambas as entidades — estando assim integralmente cumpridos os requisitos formais do artigo 36.º, n.º 5, alínea a), do Código do IVA.

99.          E, para além disso, continham igualmente as sobreditas faturas o (i) preço, líquido de imposto e os outros elementos incluídos no valor tributável; (ii) as taxas aplicáveis e o montante de imposto devido, sendo que taxa era sempre a normal devido à natureza dos serviços prestados; (iii) a data em que os serviços foram prestados ou colocados à disposição do adquirente — cumprindo-se deste modo com os requisitos formais do artigo 36.º, n.º 5, alíneas c), d) e f), do Código do IVA.

100.       E também referenciavam a extensão e natureza dos serviços prestados, fundamentando que os requisitos formais da alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º, do Código do IVA se encontram igualmente integralmente cumpridos.

101.       Ora a interpretação teleológica do artigo 36.º, n.º 5, alínea b), do Código do IVA, com apoio em vasta jurisprudência do TJUE é a de que a menção à natureza e extensão dos serviços prestados é, por definição, genérica e abstrata, não sendo necessário (nem às vezes possível) uma descrição exaustiva.

102.       Por isso é que, ao excluir a dedução de encargos e gastos da ora Reclamante com as prestações de serviços realizadas pela B..., considerando que tais gastos não são comprovados por documentação que cumpra os requisitos formais, quer os que decorrem do artigo.º 23, n.º 3 e n.º 4, do Código de IRC, quer os que decorrem do artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA, a AT incorreu em erro na aplicação do direito decorrente da violação do desses mesmos artigos, ilegalidade essa que inquina as liquidações de imposto sub juditio, tornando-as anuláveis nos termos do artigo 163.º do CPA, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea d), do CPPT.

 

A Resposta da AT

A Autoridade Tributária e Aduaneira na sua Resposta, alega, resumidamente, o seguinte:

103.       As correções preconizadas, efetuadas ao lucro tributável dos períodos de tributação de 2013-A e de 2013-B, ao abrigo do regime transitório, previsto no art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, que se prendem com ajustamentos aos inventários, designadas por “Acertos de existências”, no montante de €145.283,04 (= €726.415,20/5), e com os ajustamentos relativos às indemnizações do pessoal por despedimentos, de €15.696,50 (=78.482,46/5), são, conforme a própria Requerente faz questão de lembrar, correções positivas que replicam as realizadas, pela AT, ao lucro tributável dos exercícios de 2010, 2011 e de 2012.

104.       Os três primeiros fundamentos apontados pela Requerente como motivadores do pedido de declaração de ilegalidade das liquidações aqui em análise, foram inicialmente suscitados no âmbito de um outro procedimento inspetivo – OI2013... para o exercício de 2010 – e ainda discutidos em sede de reclamação graciosa.

105.       Na sequência do indeferimento daquela reclamação graciosa, a aqui Requerente apresentou impugnação judicial que ainda corre os seus termos no TAF de ... sob o nº .../15...B....

106.       Estando a apreciação do pedido arbitral dependente, em parte, da ação que corre no TAF de ..., deverá ser ordenada a suspensão da instância, nos termos do nº1 do artigo 272º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º nº1 al. E) do RJAT, até à decisão da causa prejudicial.

107.       Mesmo que venha a não ser considerado procedente o pedido de suspensão da instância, a Requerida entende que a impugnação não merece provimento

108.       De acordo como regime transitório, tal como definido nos números 1 e 5 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, os efeitos nos capitais próprios que resultem do reconhecimento ou desreconhecimento de ativos ou passivos, ou das alterações na sua mensuração, que sejam considerados fiscalmente relevantes, nos termos do Código do IRC e de legislação complementar, concorrem para a formação do lucro tributável, em partes iguais, no período de tributação em que se adotam aqueles normativos e nos quatro períodos seguintes.

109.       Tendo a Requerente alterado o período de tributação em 2013, os ajustamentos de transição foram efetuados aos períodos de tributação de 2010, 2011, 2012, período de tributação intercalar de 2013 e período anual de 2013.

110.       A correção relativa a “acerto de existências” compreende o desreconhecimento de ativos pelo valor constante dos inventários em 31.12.2009, de €120.836,65, e, posteriormente, reconhecidos pelo valor realizável líquido (VRL); e ainda de €24.446,39, respeitante a desreconhecimento de ativos que foram considerados obsoletos e descontinuados.

111.       No que concerne aos ajustamentos designados por “acerto de existências”, para além dos fundamentos aduzidos pelos serviços de inspeção tributária nos relatórios das ações inspetivas para sustentar as correções (para onde se remete e que aqui se dá por integralmente reproduzido), que têm a ver com a ausência de elementos de prova idónea, fiável e suficiente, cabe ainda realçar que os ajustamentos efetuados pela Requerente não têm enquadramento nos ajustamentos de transição do POC para o SNC.

112.       Com efeito, não se está perante uma alteração na mensuração de ativos (cf. alínea d) do § 7 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro 3 – Adoção pela Primeira Vez das Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF).

113.       Efetivamente, relativamente aos critérios de mensuração das existências, o POC (Ponto 5.3.4 – Critérios de Valorimetria) já previa, à semelhança da NCRF 18 - Inventários, §9 que, quando o custo de aquisição ou de produção das existências fosse superior ao preço de mercado, seria este o utilizado, entendendo por “preço de mercado” (Ponto 5.3.7) “O custo de reposição ou o valor realizável líquido, conforme se trate de bens adquiridos para a produção ou de bens para venda.”

114.       Pese embora o facto de a terminologia das contas a movimentar para refletir a perda de valor das existências ter sido alterada - no POC, a conta 39 Provisão para depreciação de existências ou Ajustamentos de existências e no SNC, a conta 339 Perdas por imparidade acumuladas -, em substância e valor informativo da contabilidade, não mudou.

115.       Em sintonia com a contabilidade, o Código do IRC (na versão até 31.12.2009) na alínea b) do n.º 1 do art.º 34.º, previa a dedução das provisões destinadas a cobrir as perdas de valor que sofrerem as existências e o art.º 36.º definia as regras de cálculo da provisão.

116.       A partir de 01.01.2010, o art.º 28.º do Código consagra a dedução dos ajustamentos em inventários reconhecidos no período de tributação até ao limite da diferença entre o custo de aquisição ou de produção dos inventários e o valor realizável líquido.

117.       Assim sendo, ao contrário do que defende a Requerente, os ajustamentos efetuados aos valores dos inventários, no montante de € 604.183,27 não preenchem os pressupostos necessários para serem abrangidos pelo regime transitório previsto no art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009.

118.       Quanto aos ajustamentos em existências motivados por abates, que se traduziram numa variação patrimonial negativa de € 122.231,97, a repartir por cinco anos, além das considerações já avançadas pelos SIT relativas aos elementos de prova sobre o destino dos bens, não se vislumbra por que razão foram registados como ajustamentos de transição do POC para o SNC, pois, já antes existia a conta (POC) 693- Perdas em existências que, passou para a conta (SNC) 684 Perdas em inventários.

119.       Acresce que os ofícios dirigidos ao Chefe do Serviços de Finanças de ... a comunicar, para efeitos do artigo 86º do Código do IVA, que “(…) que pretendemos proceder à destruição/abate de embalagens e produtos dos nossos stocks que se encontram obsoletas para o fim a que se destinavam”, são datados de 15.03.2011, pelo que inexiste qualquer base legal, seja por força do no.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC, seja ao abrigo do regime transitório previsto no art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, para a aceitação da dedutibilidade ao lucro tributável dos períodos de tributação de 2013-A e de 2013-B,  da importância de €24.446,39.

120.       Quanto às correções efetuadas relativamente às amortizações de ativo intangível a Requerida entende que dispõe o n.º 1 do art.º 29.º do Código do IRC que “São aceites como gastos as depreciações e amortizações de elementos do ativo sujeitos a deperecimento (…) que, com carácter sistemático, sofram perdas de valor resultantes da sua utilização ou do decurso do tempo”.

121.       Todavia, quando se trate de elementos da propriedade industrial, precisa a alínea b) do n.º 2 do art.º 16.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14/09, que são amortizações, quando: (i) adquiridos a título oneroso, e (ii) cuja utilização exclusiva seja reconhecida por um período limitado de tempo.

122.       Apesar de o primeiro requisito estar preenchido, o mesmo não sucede com o segundo, uma vez que a aquisição da marca confere o direito da sua utilização por período de tempo não limitado.

123.       Na verdade, resulta do próprio contrato de compra e venda da marca que não está previsto um período de utilização exclusiva com duração definida, e como esclarece o §87 da NCRF 6.

124.       Nos termos do §90 “O termo ‘indefinida’ não significa ‘infinita’. (…)” revelando, porém, que não há parâmetros ou fatores que possibilitem prever a duração do período de tempo durante o qual o ativo proporcionará benefícios económicos ao seu detentor.

125.       No entanto, o n.º 3 do mesmo artigo 16.º ainda admite a aceitação fiscal da amortização dos elementos de propriedade industrial, quando não se verifiquem as condições referidas na alínea b) do n.º 2, em caso de deperecimento efetivo devidamente comprovado, reconhecido pela AT.

126.       Ora, torna-se forçoso reconhecer que a redução das vendas de 2010 para 2011 não permite delinear uma tendência de utilidade decrescente de forma sustentada, pois um período de doze meses não é suficiente para lhe reconhecer um carácter “sistemático”.

127.       De igual modo, quanto às mudanças dos hábitos dos consumidores num produto anunciado como de qualidade, também não são comprovadas com a (por exemplo) realização de qualquer estudo de mercado que forneça indicações sobre a previsível evolução da procura deste tipo de produto.

128.       Nesse sentido, não pode ser reconhecido o deperecimento efetivo da marca “...”, pelo que a amortização praticada não é aceite como gasto dedutível, com fundamento no art.º 16 do Decreto Regulamentar n.º 25/2009 e na alínea a) do n.º 1 do art.º º34.º do Código do IRC.

129.       Quanto à correção referente a gastos não aceites fiscalmente, a AT pretende igualmente que o pedido arbitral seja indeferido em virtude da desconformidade das faturas com o disposto na lei.

130.       Considera que as faturas “contêm uma descrição demasiado vaga e genérica” o que, por si só, não seria suficiente para desconsideração da dedutibilidade dos gastos se as faturas e os documentos justificativos que lhe servem de suporte contivessem elementos que evidenciassem o pool de gastos suportados pela B... para a prestação dos serviços faturados, ie, os critérios utilizados na repartição dos gastos e a identificação dos trabalhos realizados ou prestados.

131.       Todavia, na ausência destes documentos não se torna possível verificar se, nos períodos de tributação de 2013-A e 2013-B, estão preenchidos os requisitos da indispensabilidade dos gastos para a obtenção dos rendimentos ou para a manutenção da fonte produtora (cf., n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC) e se, no período de tributação de 2014, tais gastos são suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, na medida em que a sua identificação não é feita de forma a avaliar a sua real natureza (cf., números 1,3 e 4 do art.º 23.º do mesmo Código).

132.       Da análise do contrato de prestação de serviços resulta que apenas são referidas as percentagens debitadas a cada uma das empresas do grupo, bem como uma descrição geral dos serviços qualificados como “serviços administrativos” e “serviços de marketing”.

133.       Atente-se ainda que, nos termos do n.º 2 do art.º 16.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21/12, a documentação dos acordos de prestação de serviços intra-grupo celebrados entre entidades relacionadas deve conter, além do contrato, a descrição dos serviços prestados e a identificação dos encargos que são imputados aos serviços, bem como os critérios utilizados para a respetiva prestação.

134.       Os contratos celebrados em 29.12.2011 e 27.12.2012, entre a B... e seis sociedades do grupo, com entrada em vigor em 01.01.2012, contempla um leque variado de serviços, listados em 19 alíneas, prevendo-se no Anexo I as percentagens a aplicar na repartição, pelas entidades destinatárias dos gastos, aos serviços prestados arrumados em seis categorias, e que o preço dos serviços a prestar constantes das alíneas l) a s) será determinado em conformidade com os gastos incorridos em cada operação, podendo ser acrescidos de uma margem que permita cobrir os custos de funcionamento.

135.       As chaves de repartição dos gastos, estabelecidos em todos os anexos, não resultam claras, para permitir averiguar se refletem de forma adequada a natureza e utilização dos serviços prestados, porquanto não atendem a qualquer indicador suscetível de identificação, nomeadamente dos previstos no n.º 7 do art.º 12.º da Portaria n.º 1446-C/2001, a saber: o volume de vendas, a margem de lucro bruto, as despesas com pessoal, e as unidades produzidas ou vendidas.

136.       Com efeito, comparando os critérios de repartição apresentados não é possível extrair qualquer conclusão válida.

137.       Deste modo assiste razão à AT, quando refere que a descrição dos serviços parece não corresponder à sua real natureza, uma vez que a tipologia dos mesmos extravasa os serviços administrativos e de marketing mencionados nos contratos e, além disso, os critérios de imputação das percentagens carecem de justificação que permitam concluir sobre a sua adequação e validade.

138.       Donde resulta que não estando preenchidas as condições de que a lei – nºs 1, 3 e 4 do art.º 23.º e alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º-A do Código do IRC – faz depender a dedutibilidade destes gastos, no montante de € 50.562,25 (período de tributação intercalar 2013-A), de € 598.036,73 (período de tributação 2013-B) e de € 171.727,74 (período de tributação 2014), devem manter-se na ordem jurídica as correções ao lucro tributável promovidas pela AT.”

 

Alegações finais das partes

 

As partes apresentaram alegações nas quais ambas mantiveram o essencial das posições assumidas nos articulados anteriores, tendo a Requerente expresso também a sua posição quanto à pretensão suscitada pela Autoridade Tributária sobre a existência de causa prejudicial justificativa da suspensão da instância.

 

 

Saneador

O Tribunal é competente, a petição é tempestiva e não se descortina qualquer impedimento legal na cumulação de pedidos uma vez que na sua apreciação têm que ser consideradas para todos os exercícios as mesmas circunstâncias quanto à matéria de facto, quanto à interpretação e aplicação dos mesmos princípios legais, tudo com base no mesmo Relatório de Inspeção.

 

A questão prejudicial. Suspensão da instância

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que deve ser suspensa a instância até que seja decidida a impugnação judicial que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de ....

No seu entender, as correções aqui em causa efetuadas ao lucro tributável dos períodos de 2013-A e 2013-B, ao abrigo do regime transitório previsto no art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, que se prendem com ajustamentos aos inventários, designadas por “Acertos de existências”, no montante de €145.283,04 (= €726.415,20/5), e com os ajustamentos relativos às indemnizações do pessoal por despedimentos, de €15.696,50 (=78.482,46/5), são correções positivas que replicam as realizadas, pela AT, ao lucro tributável dos exercícios de 2010, 2011 e de 2012”. Por isso se verifica, assim, uma manifesta relação de dependência material entre o pedido de pronúncia arbitral relativo aos exercícios de 2013 a 2015, e a impugnação relativa a 2010 que se encontra pendente no TAF de ....

Decidindo este pedido:

Para efeitos do disposto no art. 272º, do CPC, uma causa está dependente do julgamento de outra já proposta quando a decisão desta pode afetar e/ou prejudicar o julgamento da primeira, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser, o que acontece, designadamente, quando, na causa prejudicial, esteja a ser apreciada uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem que ser considerada para a decisão do outro pleito. Para além disso, pode ainda tratar-se de questão prévia não suscetível de ser decidida ou apreciada noutro Tribunal, por este não ser materialmente competente para tal (v. g., uma questão de natureza criminal essencial para uma decisão de natureza civil, administrativa, fiscal, etc).

Entende-se, assim, por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.

Tal como acontece nas situações de litispendência ou caso julgado, visa-se aqui também, embora não só, evitar o risco de incompatibilidade de fundo entre as decisões a proferir em ambas as acções e que poderia decorrer do seu prosseguimento simultâneo.

A possibilidade de suspensão da instância na causa prejudicial – como forma de evitar a incompatibilidade de julgados – é reforçada nas situações em que os fundamentos invocados para a pretensão deduzida na causa prejudicial são os mesmos que já haviam sido invocados na contestação da causa dependente, para obstar à procedência da pretensão aí deduzida ou, na situação mais recorrente, de estar a ser discutida no Tribunal competente para o efeito (v. g., um tribunal criminal, tributário, arbitral, do trabalho) uma questão com manifesto interesse para a decisão de um litígio pendente noutro Tribunal.         

Ora no caso específico dos autos não se antolha necessidade/utilidade na suspensão da instância porquanto ambas as ações – a arbitral e administrativa - com fundamentos e pedidos diversos, não constituem, reciprocamente, causa prejudicial uma da outra na medida em que a decisão (seja ela qual for ou vier a ser) de uma dessas ações não vai acarretar quaisquer consequências para a outra, designadamente em termos de uma decisão contrariar a outra em termos diferentes daqueles que diariamente ocorrem adentro da liberdade de julgamento de todos os Tribunais, sem que as suas decisões constituam, salvo as exceções (que não é a situação dos autos) caso julgado fora da concreta relação material controvertida.

Recorde-se que as questões colocadas no presente processo são atinentes à apreciação da legalidade das liquidações de IRC de 2013-A, de 2013-B, 2014 e 2015 e, naturalmente, que não existe qualquer dependência ou prejudicialidade para a decisão a tomar de nenhuma questão que só o outro tribunal tem competência para decidir, mesmo que as razões que são apreciadas no escrutínio da legalidade dos atos tributários relativos a diversos exercícios anteriores possam ser as mesmas, nomeadamente por terem como origem e fundamentos o mesmo Relatório de Inspeção.

Por outro lado, aguardar o desfecho duma ação em que se pede uma decisão sobre a legalidade de um ato administrativo com repercussões ou natureza vinculativa futura no sentido da interpretação vinculante para a AT duma norma em situações ocorridas posteriormente à situação dos autos, seria pouco mais que um ato inútil e que atrasaria grave, desnecessária e inevitavelmente a decisão num processo todo ele enformado, entre outros, pelo princípio da celeridade como é o processo arbitral.

Vai assim e sem mais indeferido o pedido de suspensão da instância formulado pela AT (Cfr., v. g., Ac. Rel. de Coimbra nº 131/13.7, de 15/09/2015).

 

O Mérito do pedido

Objeto dos autos é, no essencial e como se assinalou anteriormente, a alegada ilegalidade dos atos de liquidações adicionais de IRC, de juros compensatórios e moratórios, relativas aos períodos de tributação entre janeiro de 2013 e 30 de abril de 2016.

Fundamentou a AT esses atos de liquidação, no essencial, do seguinte modo:

(i)           A Requerente realizou ajustamentos de existências não enquadráveis à luz do artigo 5º-1, do DL nº 159/2009;

(ii)          Foram realizados ajustamentos relativos ao “desreconhecimento” do passivo que não se enquadram no disposto no artigo 5º-1, do DL 159/2009, em conjugação com o artigo 17º, do IRC;

(iii)         Praticou a Requerente amortizações sobre ativos intangíveis não aceites como custo fiscal nos termos dos artigos 16º, do Dec Regulamentar nº 25/2009 e 34º, do CIRC;

(iv)         A requerente deduziu gastos que não aceites devem sê-lo para efeitos fiscais por incumprirem o artigo 23º-4, do CIRC

Recordam-se os factos essenciais provados:

a.            A Requerente é uma sociedade comercial inscrita para o exercício de atividades de produção de vinhos comuns e licorosos, bem como, de fabricação de aguardentes preparadas.

b.            A Requerente, no ano de 2013, para efeitos de IRC, optou por um período de tributação não coincidente com o ano civil e cujo período de tributação vai de 1 de maio a 30 do mês de abril do ano civil seguinte.

c.            Dada esta circunstância, os anos em análise, em sede de IRC, passaram a ser os seguintes:

Ano fiscal de 2013-A – de 1 de janeiro de 2013 a 30 de Abril de 2013; Ano fiscal 2013-B – de 1 de Maio de 2013 a 30 de Abril de 2014; Ano fiscal de 2014 - de 1 de Maio de 2014 a 30 de Abril de 2015; Ano fiscal de 2015 - de 1 de Maio de 2015 a 30 de Abril de 2016.

d.            As liquidações adicionais de IRC atrás indicadas e ora sindicadas resultaram de procedimentos de inspeção, externos, de âmbito geral, efetuados ao abrigo das Ordens de Serviço n.º OI2016... (2013), n.º OI2016... (2014) e n.º OI2016... (2015), datadas de 16.02.2016, pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) de ... .

e.            A AT, no âmbito desses procedimentos, efetuou correções, em sede de IRC que, de acordo com o conteúdo e conclusões do Relatório de Inspeção (RIT constante do PA), abrangem:

- “(...) para o exercício de 2013-A (período de 01-01-2013 a 30-04-2013) foram considerados

v.            acertos de existências não aceites para efeitos fiscais, que não se enquadram no n.º 1 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de €145.283,04 (pág. 7 do RIT);

vi.           ajustamentos relativos ao desreconhecimento referente a “indemnização de pessoal por reconhecer em 2010”de passivo que não se enquadra no n.º 1 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, conjugado com o art.º 17.º do Código do IRC, no montante de €15.696,50 (pág. 9 do RIT);

vii.          amortizações praticadas sobre ativos intangíveis não aceites como custo fiscal nos termos do art.º 16.º do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, conjugado com o art.º 34.º do Código do IRC, de €16.666,68 (pág. 10 do RIT);

viii.         gastos não aceites para efeitos fiscais por incumprimento do n.º 4 do art.º 23.º do Código do IRC, de €50.562,25 (pág. 10 do RIT)

para o exercício de 2013-B (período de 01-05-2013 a 30-04-2014) foram considerados

v.            ajustamentos de existências não aceites para efeitos fiscais, que não se enquadram no n.º 1 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de €145.283,04 (pág. 7 do RIT);

vi.           ajustamentos relativos ao desreconhecimento de passivo que não se enquadra no n.º 1 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, conjugado com o art.º 17.º do Código do IRC, de €15.696,50 (pág. 7 do RIT);

vii.          amortizações praticadas sobre ativos intangíveis não aceites como custo fiscal nos termos do art.º 16.º do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, conjugado com o art.º 34.º do Código do IRC, de €50.000,00 (pág. 8 do RIT);

viii.         gastos não aceites para efeitos fiscais por incumprimento do n.º 4 do art.º 23.º do Código do IRC, de €598.036,73 (pág. 13 do RIT)

 

- para todo período de 2013- Correção negativa a imposto (tributações autónomas)

ii.            eliminação da majoração de 10% da taxa de tributação autónoma por passar de prejuízo a lucro fiscal tributável – 6 957,67€ (pág. 13 do RIT).

para o exercício de 2014

iii.           amortizações praticadas sobre ativos intangíveis não aceites como custo fiscal nos termos do art.º 16.º do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, conjugado com o art.º 34.º do Código do IRC, de €50.000,00 (pag.8 do RIT);

iv.           gastos não aceites para efeitos fiscais por incumprimento do n.º 4 do art.º 23.º do Código do IRC, de €171.727,74 (pag.13 do RIT).

 

para o exercício de 2015

ii.            amortizações praticadas sobre ativos intangíveis não aceites como custo fiscal nos termos do art.º 16.º do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, conjugado com o art.º 34.º do Código do IRC, de €50.000,00 (pag.13 do RIT).

 

O Direito: As questões suscitadas e seu enquadramento

 

Relembrando as questões que estão suscitadas, passa-se de seguida à respetiva abordagem e seu enquadramento.

1ª Da não aceitação como gasto fiscal dos ajustamentos realizados em activos reconhecidos em inventários e mensurados pelo valor realizável líquido, no âmbito dos ajustamentos de transição do POC para o SNC, ao abrigo do regime transitório previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho

A Requerente procedeu a diversos ajustamentos nos inventários, não corrigidos ou impugnados pela Inspeção Tributária no seu Relatório final.

O que é contestado pela AT nesta matéria é tão somente o critério ou os critérios utilizados pela Requerente para fixação dos valores atribuídos aos ativos em causa.

Não há, no entanto, nos autos, elementos que permitam pôr em causa os valores mencionados.

                Na verdade, os ajustamentos realizados aos inventários da Requerente, no exercício de 2010, foram efetuados nos termos da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (“NCRF”) 3, designadamente dos parágrafos 5, 7 e 8, e NCRF 18, e ao abrigo do disposto no regime transitório previsto no Decreto-Lei nº 159/2009, de 13 de Julho.

Pela análise conjugada dos art.ºs 28º, nº 1,  2, e 4 do CIRC, e  parágrafo 7 da NCRF18, fácil é perceber que o valor realizável líquido atribuído a quem incumbe a mensuração do ativo é uma estimativa (ou uma quantia que se espera realizar), que se pode basear em preços oficiais (ou impostos por autoridades), em preços anteriores (últimos) praticados pelo sujeito passivo ou em preços correntes no mercado.

No caso em apreço, os departamentos de qualidade, enologia e comercial da Requerente mensuraram os inventários em análise, utilizando para o efeito dois dos critérios do artigo 26.º, n.º 4, do Código do IRC: os últimos preços praticados e os correntes no mercado.

E dessa forma deram também cumprimento ao disposto na NCRF 18 que, em particular no seu parágrafo 28, dispõe o seguinte: “O custo dos inventários pode não ser recuperável se esses inventários estiverem danificados, se se tornarem total ou parcialmente obsoletos ou se os preços de venda tiverem diminuído. (…) A prática de reduzir o custo dos inventários (write down) para o valor realizável líquido é consistente com o ponto de vista de que os ativos não devem ser escriturados por quantias superiores aqueles que previsivelmente resultariam da sua venda ou uso”.

Assinale-se que a NCRF 18 em lado algum considera como condição essencial para determinar o valor realizável líquido das matérias-primas conhecer os produtos acabados onde as mesmas podem vir a ser incorporadas, ainda mais quando as mesmas se destinem a ser diretamente comercializadas, dado que o que o parágrafo 31 da NCRF 18 refere é que a estimativa para determinar esse valor também deve tomar em consideração a finalidade pela qual as matérias-primas são detidas em inventário, pelo que esse será apenas mais um dado a ter em consideração.

Assim, e no âmbito dos ajustamentos de transição do POC para o SNC, são de considerar como gasto fiscal e, como tal, suscetíveis de beneficiar do regime transitório previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, os ajustamentos realizados nos ativos mensurados pelo valor realizável líquido, uma vez que foram cumpridas todas as exigências legais e devidamente demonstradas as estimativas efetuadas.

Ou seja: a Requerente, concluindo que as matérias-primas (vinhos a granel) correspondentes a vinhos DOC (denominação de origem controlada), VQPRD (vinho de qualidade produzida em região demarcada) e regionais IGP (indicação geográfica protegida) já não reuniam os requisitos qualitativos exigidos para serem utilizados nessas categorias - por se tratar de vinhos de colheitas antigas - reclassificou-os como vinhos comuns ou de mesa.

                Por tudo quanto se mostra exposto será aceitável concluir que, no âmbito dos ajustamentos de transição do POC para o SNC, são de considerar como gasto fiscal e, como tal, suscetíveis de beneficiar do regime transitório previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, os ajustamentos realizados nos ativos mensurados pelo valor realizável líquido, uma vez que foram cumpridas todas as exigências legais e devidamente demonstradas as estimativas efetuadas.

                Ou, por outras palavras: as correções efetuadas pela AT não são materialmente relevantes para alterar o enquadramento no ajustamento de transição do POC para o SNC.

 

2ª Da não aceitação como gasto fiscal dos ativos desreconhecidos pelo valor inscrito no inventário reportado a 31/12/2009, por terem sido considerados como obsoletos ou descontinuados e, posteriormente, destruídos, no âmbito dos ajustamentos de transição do POC para o SNC, ao abrigo do regime transitório previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho

 

A Requerente juntou listas de inventário, denominadas como “Ajustamentos de Conversão de Saída”, com a identificação dos artigos/produtos que foram desreconhecidos da rubrica de inventários a 01/01/2010, por terem sido sujeitos a abate.

Tais listas de inventário da Requerente eram integradas por materiais secos que compunham os artigos correspondentes a rótulos, contra-rótulos, cápsulas, fitas auto-adesivas, caixas, etiquetas, gargantilhas e invólucros.

Os departamentos de qualidade, enologia e comercial da Requerente concluíram que esses materiais secos, ou por se encontrarem danificados ou obsoletos, ou por se destinarem a serem aplicados em produtos descontinuados, já não poderiam ser utilizados ou aplicados.

                Em consequência, foi decidido que esses materiais secos fossem desreconhecidos e deitados ao lixo ou vendidos para reciclagem.

                Os “Ajustamentos de Conversão de Saída” n.º 12/2010 respeitam aos materiais secos existentes nas instalações da Requerente em ... e os “Ajustamentos de Conversão de Saída” n.º 14/2010 a 24/2010 aos materiais secos existentes nas instalações da Requerente em ...– cfr. Documentos já juntos como n.º 7.

                Sucede que a Requerente deu efetivo conhecimento à Inspecção Tributária das faturas de venda para sucata de material de embalagem durante o ano de 2010 — cfr. Documentos que se juntam sob o n.º 8.

                A Requerente justificou os abates realizados, por meio de duas cartas datadas de 08/01/2010, dirigidas ao Chefe da Repartição de Finanças de ... não havendo qualquer razão para a sua não aceitação como gasto fiscal.

                Determinava o artigo 23.º do Código do IRC que “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.

                Verifica-se, desta forma, que os produtos desreconhecidos da rubrica de inventários e sujeitos a abate deveriam ter sido aceites como gastos porque não permitiam já gerar rendimentos futuros.

                A Requerente recebeu do Chefe do Serviço de Finanças de ... um ofício, datado de 01/04/2011, o qual remetia para o oficio-circulado n.º 35264, de 24/10/1986, emitido pela Direção de Serviços do IVA, e que informava o tipo de procedimentos a adotar para o abate de bens.

                A Requerente efetivamente agiu em conformidade com as instruções desse ofício circulado, conforme resulta inequívoco dos autos de destruição testemunhados por funcionários da Requerente, de 28/01/2010 e 29/01/2010 pelo que não pode a Inspeção Tributária concluir que não lhe foi informado o destino que a Requerente deu aos bens desreconhecidos da rubrica de inventários.

                Assim é que, no âmbito dos ajustamentos de transição do POC para o SNC, são de considerar como gasto fiscal e, como tal, suscetíveis de beneficiar do regime transitório previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, os ativos desreconhecidos pelo valor inscrito no inventário reportado a 31/12/2009, que foram considerados como obsoletos ou descontinuados e, posteriormente, destruídos, uma vez que foram cumpridas e devidamente demonstrado o cumprimento de todas as exigências legais.

                Ou seja: por terem sido considerados descontinuados e/ou obsoletos pela Requerente, são de considerar como gasto fiscal e suscetíveis de beneficiar do sobredito regime transitório (artigo 5º-1, do DL nº 159/2009), os ativos desreconhecidos pelo valor inscrito no inventário reportado a 31-12-2009.

 

3ª Da não aceitação como gasto fiscal das indemnizações por despedimento (artigo 5º-1, do DL nº 159/2009)

 

A ora Requerente optou por diferir em três exercícios os gastos com indemnizações, por entender que - sendo despesas ou encargos de projeção económica plurianual - o montante deve ser repartido por um período mínimo de três exercícios.

À data da transição do POC para o SNC - atendendo ao facto do ativo não cumprir os requisitos de reconhecimento de acordo com o novo referencial contabilístico, SNC – procedeu a Requerente ao seu desreconhecimento e, tal como previsto no nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei 159/2009, ao diferimento fiscal em cinco exercícios.

Do artigo 5º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 159/2009, evidencia-se que os efeitos nos capitais próprios resultantes do desreconhecimento de ativos e passivos concorrem em partes iguais para a formação do lucro tributável.

Por outro lado, a alteração de normativo não pode prejudicar o sujeito passivo, que anteriormente adotando um determinado procedimento contabilístico releva fiscalmente e somente porque tal deixa de ser possível pela aplicação de outro normativo, deixa de relevar fiscalmente.

Ora, como prevê a NCRF 3, no §5: “Uma entidade deve preparar um balanço de abertura de acordo com as NCRF na data de transição para as NCRF. Este é o ponto de partida da sua contabilização segundo as NCRF e servirá para comparativo nas primeiras demonstrações financeiras de acordo com as NCRF.”

Deste modo, as entidades estão dispensadas de emitirem um documento contabilístico para reexpressarem os valores na sua contabilidade, desde que se trate dos valores de abertura.

A reconciliação do Capital Próprio e do Resultado Líquido segundo os “Princípios Contabilísticos Geralmente Aceites” anteriores e as NCRFs encontra-se demonstrada na nota 0502-A, tanto do “Anexo ao Balanço e Demonstração de Resultados” como na própria “Informação Empresarial Simplificada”.

Daí a conclusão de que, no âmbito dos ajustamentos de transição do POC para o SNC, são de considerar como custo/gasto fiscal e, como tal, suscetíveis de beneficiar do regime transitório previsto no nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 159/2009, de 13 de Julho, as indemnizações de pessoal por despedimento, uma vez que foram cumpridas todas as exigências legais.

 

 

4ª Das amortizações de ativo fixo intangível

 

Dispõe o Dec Regulamentar nº 5/2009:

 

Artigo 16º

Activos intangíveis

1 — Os activos intangíveis são amortizáveis quando sujeitos a deperecimento, designadamente por terem uma vigência temporal limitada.

2 — São amortizáveis os seguintes activos intangíveis:

a) Despesas com projectos de desenvolvimento;

b) Elementos da propriedade industrial, tais como patentes, marcas, alvarás, processos de produção, modelos ou outros direitos assimilados, adquiridos a título oneroso e cuja utilização exclusiva seja reconhecida por um período limitado de tempo.

3 — Excepto em caso de deperecimento efectivo devidamente comprovado, reconhecido pela Direcção-Geral dos Impostos, não são amortizáveis:

a) Trespasses;

b) Elementos mencionados na alínea b) do número anterior quando não se verifiquem as condições aí referidas.

 

No “Projeto de Correções do Relatório de Inspeção”, a Inspeção Tributária entendeu que a amortização praticada no valor de 50.000 € da marca “...” não deve ser aceite para efeitos fiscais, fundamentando esse entendimento na cláusula terceira do “Contrato de Compra e Venda de Marca” que titulou essa transmissão, em particular no facto de aí ter ficado a constar que a transmissão da marca é feita “com todos os direitos a ela inerentes sem quaisquer restrições” e “por todo o tempo da sua duração”; concluiu que estas duas frases traduzem uma utilização exclusiva da marca e por uma periodicidade ilimitada.

A estimativa da vida útil deste ativo intangível foi calculada pela Requerente em 20 anos.

E como estimativa que é – e, consequentemente, sem possibilidade de demonstração inequívoca – baseou-se nas previsíveis quebras de vendas futuras nos produtos (aguardentes) identificados sob essa marca, resultantes da alteração dos hábitos das populações consumidoras desse tipo de produtos (é facto público e notório que a aguardente é um tipo de bebida alcoólica, cujo consumo vem caindo gradualmente ao longo dos últimos anos, em virtude do surgimento de produtos novos e mais apelativos e do envelhecimento do consumidor tipo), com a inerente perda de notoriedade da marca que poderá levar ao seu desuso.

É, por outro lado, absolutamente irrelevante na perspetiva que ora interessa, o facto da marca em questão ser quase centenária, para daí retirar-se elementos conducentes à conclusão expressa pela Inspeção Tributaria.

E tanto assim é que a Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro, aditou o artigo 45º-A ao Código do IRC, o qual veio aceitar como gasto fiscal, durante o período de 20 anos, o custo de aquisição de marcas, independentemente da sua duração.

Daí ser aceitável considerar, para efeitos fiscais a amortização da marca “...”.

 

5ª Dos gastos não aceites para efeitos fiscais - Contratos entre a Sociedade B..., S.A. e a A... S.A.

No âmbito da organização empresarial do grupo, a Requerente celebrou com a B..., prestadora de serviços administrativos e de marketing, intra-grupo, um contrato de prestação, em 29/11/2011, o mesmo que todas as restantes sociedades do grupo que consta em anexo (doc 16);

Os termos principais do contrato seriam o elenco dos diversos serviços especificamente prestados e a repartição dos custos por todas as empresas.

E no respetivo artigo 2.º a estipulação de que os preços dos serviços seriam determinados em conformidade com o Anexo I, válido para o período tributário 2013-A, de Janeiro a Abril de 2013 (cuja cópia constitui o doc. 17).

Este contrato foi válido para o período de 2013-A.

Para este período tributário - com início em maio de 2013 e fim em abril de 2014 (período 2013-B) - foi acordada uma nova distribuição da imputação de custos pelas diversas sociedades do grupo, através de novo anexo ao contrato (doc. 18)

Para o período de exercício de 2014 (maio de 2014 a abril de 2015) foi realizado um novo contrato e respetivo anexo, nos quais se acordou uma nova distribuição da imputação de custos pelas diversas sociedades do grupo (doc. 19).

Foram emitidas as devidas faturas pelo pagamento de tais serviços, numa base de imputação e repartição dos custos incorridos pela prestação de serviços da B... com cada outra sociedade do grupo para as quais esta laborava e todas as faturas continham os elementos de identificação do prestador de serviços, a B..., os elementos de identificação do adquirente dos serviços, a Requerente, bem como, os correspondentes números de identificação fiscal de ambas as entidades.

Continham igualmente o (i) o valor da contraprestação, líquido de imposto e os outros elementos incluídos no valor tributável; (ii) as taxas aplicáveis e o montante de imposto de IVA devido, sendo que taxa era sempre a normal devido à natureza dos serviços prestados; (iii) a data em que os serviços foram prestados ou colocados à disposição do adquirente.

E continham igualmente a extensão e natureza dos serviços prestados, não obstante ser este o ponto essencial da discórdia no caso sub juditio.

No que tange à citada extensão dos serviços prestados, haverá que assinalar que todas as faturas são emitidas com referência ao período coincidente com o mês de calendário.

Quanto à natureza dos serviços prestados, conforme se pode constatar de cada fatura emitida, todas têm como descrição da sua natureza, “Serviços Administrativos” e “Serviços de Marketing”.

Foi colocada uma nota para cada uma dessas descrições, na qual se menciona que os “Serviços Administrativos”, consistem em “elaboração de contabilidade, serviços informáticos, gestão financeira, controlo de cobranças, gestão de fornecedores e gestão de recursos humanos.”

Os “Serviços de Marketing” são descritos como “gestão de registo de marcas, designa de rotulagem, packaging e catálogos, preparação de feiras, concursos de comunicação institucional”.

Por outro lado, todas as faturas eram acompanhas por documentação de suporte que continham (i) tabelas de sumário do mapa de análise de custos e (ii) mapas de análise de custos da B... referentes ao período sobre o qual se baseia a imputação de custos.

Pois bem: para uma perceção global e efetiva e para o controlo das prestações de serviços intra-grupo, há que atender (i) aos contratos de prestação de serviços entre a Requerente e a B...,  (ii) aos anexos integrantes desses contratos, nos quais estão reguladas as imputações a cada sociedade do grupo, (iii) às faturas emitidas aquando do pagamento desses serviços, (iv) aos documentos de suporte à faturação, nomeadamente mapas de custos para o período de referência de cada fatura

Resulta dos autos que foram emitidas as faturas pela prestação de serviços constante dos contratos referidos que se encontram discriminadas no doc. 20 junto à PI, sempre de acordo com o disposto nos contratos e anexos respetivos, a cujos valores acresceu o IVA à taxa normal.

Todavia, a AT considerou que a Requerente efetuou pagamentos, tendo deduzido esses gastos, mas cujas faturas “não cumprem com os requisitos e condições impostas pelo artigo 23.º do Código do IRC, ou seja, não se encontram descriminados e quantificados «per si» (sic) os serviços prestados, referindo-se apenas de forma geral «serviços administrativos e de marketing». ”

Na respetiva fundamentação a AT invoca artigos que, ou não estavam de todo em vigor para o ano fiscal de 2013 ou com a letra da lei alterada para o ano de 2014.

Os anos sob análise (de 2013 a 2015), têm como períodos tributários, em sede de IRC, bem como de toda organização da Requerente e em especial em termos contabilísticos, os seguintes:

•             Ano fiscal 2013-A – de 1 de Janeiro de 2013 a 30 de Abril de 2013;

•             Ano fiscal 2013-B – de 1 de Maio de 2013 a 30 de Abril de 2014;

•             Ano fiscal de 2014 - de 1 de Maio de 2014 a 30 de Abril de 2015;

•             Ano fiscal de 2015 - de 1 de Maio de 2015 a 30 de Abril de 2016.

É de conhecimento público e é facto notório que a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, procedeu a uma reforma profunda do Código de IRC.

No que tange à aplicação desta lei no tempo, o seu artigo 14.º, sob a epigrafe “Produção de efeitos”, estipulava o seguinte: “Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de Janeiro de 2014.”

Esta alteração legislativa revela-se de extrema importância para a análise do caso sub juditio, tendo em consideração que a análise material do RIT incidia simultaneamente sobre períodos anteriores e posteriores à entrada em vigor da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro.

Da evolução legislativa, conclui-se desde logo, que a AT aplica, para o ano de 2013-A e 2013-B, corretamente o artigo 23.º, n.º 1, do Código de IRC (na letra da lei em vigor previamente à produção de efeitos da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro).

No entanto, já não o faz corretamente quando pretende aplicar essa mesma redação aos exercícios de 2014 e de 2015, pois a norma de aplicação da lei no tempo determina que aos períodos tributários iniciados em ou após 1 de Janeiro de 2014 se aplica o artigo 23.º, n.º 1, do Código de IRC, na redação introduzida pela Lei n.º 2/2014.

Com a alteração legislativa, resultante da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a dedutibilidade de gastos e perdas deixa de estar condicionada à indispensabilidade, sendo no entanto exigido que os gastos e as perdas sejam incorridos ou suportados para “obter ou garantir” os rendimentos sujeitos a IRC (sublinhado nosso), isto é, desapareceu o requisito da indispensabilidade tout court de custos, no que se refere à dedutibilidade dos mesmos.

Deste modo, ao aplicar o artigo 23.º, n.º 1, na letra da lei em vigor em 2013, a exercícios fiscais que se iniciaram depois de 1 de Janeiro de 2014, como era o caso para o exercício fiscal da ora Requerente, iniciado a 1 de Maio de 2014, a AT incorre, na verdade, em erro na aplicação do direito decorrente da aplicação de lei revogada a factos tributários ocorridos na vigência da nova lei, em violação do artigo 12.º da Lei Geral Tributária e artigo 12.º, do CC, ilegalidade esta que inquina as liquidações de imposto sub juditio, tornando-as anuláveis nos termos do artigo 163.º do CPA, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea d), do CPPT.

A indispensabilidade não significa, pois, um nexo de causalidade obrigatória com rendimentos/proveitos, nem que, a posteriori, se devem verificar ou comprovar necessariamente efeitos económicos lucrativos decorrentes de tais gastos.

Desde que os gastos resultem de atos de gestão que, com base na informação conhecida aquando da sua execução, pudessem ter como objetivo a obtenção esperada de rendimentos ou a manutenção da fonte produtora (física, intangível, financeira ou outra) tal deverá conduzir à aceitação da sua dedutibilidade.

Conforme resulta da exposição factual exposta é inequívoca a relação empresarial no seio do mesmo grupo societário entre a Requerente e a B... .

Numa ótica de especialização e otimização da divisão do trabalho no seio do grupo societário, em especial no que tange à centralização dos serviços administrativos e de marketing, a B... era a sociedade incumbida de prestar esses serviços para as restantes unidades do grupo.

Ora, não é aceitável que se coloque em crise a questão da necessidade que a ora requerente tinha na prestação de serviços auxiliares de apoio à sua atividade.

O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é matéria do foro exclusivo da gestão do grupo societário como um todo. Não cabe à AT fazer qualquer tipo de juízo sobre a organização societária do grupo, nem o modo como as várias sociedades do grupo colaboravam umas com as outras na prossecução dos seus fins.

Numa perspetiva económico-empresarial, os serviços que a B... prestava eram necessários e essenciais no apoio à atividade principal do grupo societário, em especial, à atividade produtiva da ora Requerente.

Assim, ao excluir a dedução de encargos e gastos da ora Reclamante com as prestações de serviços da B..., considerando que tais gastos incorridos ou suportados para a obtenção ou garantia dos rendimentos sujeitos, a AT incorre em erro na aplicação do direito decorrente da violação do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, com a letra da dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ilegalidade esta que inquina as liquidações de imposto sub juditio,  tornando-as anuláveis nos termos do artigo 163.º do CPA, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea d), do CPPT.

O mesmo erro de aplicação da lei no tempo ocorre na fundamentação à luz do artigo 23.º-A, do Código do IRC para períodos tributários para os quais este nem sequer existia.

O artigo 23.º-A, do Código do IRC, foi aditado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, tendo somente entrado em vigor para períodos tributários iniciados em ou após o dia 1 de Janeiro de 2014.

Nesse sentido, ao aplicar esse artigo aos períodos tributários de 2013-A e 2013-B, ou seja, anteriores à vigência da norma, a AT procede objetivamente a uma aplicação retroativa do artigo 23.º-A, do Código do IRC, aditado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro.

Assim é que, quer ao aplicar o artigo 23.º,-A, o seu n.º 2, ou qualquer outro número ou alínea, numa redação em vigor somente a partir de 1 de Janeiro de 2014, a exercícios fiscais anteriores a essa data, nomeadamente o período fiscal 2013-A e 2013-B, quer ao aplicar o artigo 23.º, n.º 3 e 4, do Código de IRC, com a letra da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a exercícios fiscais anteriores à sua entrada em vigor, a AT incorre em erro na aplicação do direito decorrente da aplicação retroativa da lei a atos tributários ocorridos antes da respetiva vigência, em violação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, e em violação do artigo 12.º da Lei Geral Tributária e do artigo 12.º, do CC (Código Civil), ilegalidade esta que inquina as liquidações de imposto sub juditio, tornando-as anuláveis nos termos do artigo 163.º do CPA, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea d), do CPPT.

E, para o período tributário de 2014, para o qual já vigorava o artigo 23.º, n.º 3 e 4, do Código de IRC, com a letra da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a AT faz indevida aplicação/interpretação desses normativos.

Com efeito, o legislador criou uma remissão, em sede de comprovação documental dos gastos incorridos ou suportados para efeitos de IRC, para os requisitos formais das faturas no âmbito do Código do IVA

Porém, os requisitos formais da emissão de faturas no IVA são mais exigentes que aqueles que constam do artigo 23.º, n.º do 4 do Código de IRC.

No entanto, o artigo 365º, do CIVA resulta da transposição para o direito nacional do artigo 226.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado do IVA, doravante “Diretiva do IVA”.

Dada a prevalência do direito comunitário derivado neste domínio, as regras nacionais devem ser interpretadas e aplicadas em conformidade com aquele quadro normativo, obedecendo, sempre que necessário, ao sentido que a esse direito tem vindo a ser dado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, adiante “TJUE”.

Pois bem, todas as faturas revelam os elementos de identificação do prestador de serviços, a B..., os elementos de identificação do adquirente dos serviços, a Requerente, bem como, os correspondentes números de identificação fiscal de ambas as entidades. Ou seja: revelam cumprimento dos requisitos formais do artigo 36.º, n.º 5, alínea a), do Código do IVA.

E, para além disso, continham igualmente as sobreditas faturas o (i) preço, líquido de imposto e os outros elementos incluídos no valor tributável; (ii) as taxas aplicáveis e o montante de imposto devido, sendo que taxa era sempre a normal devido à natureza dos serviços prestados; (iii) a data em que os serviços foram prestados ou colocados à disposição do adquirente — cumprindo-se deste modo com os requisitos formais do artigo 36.º, n.º 5, alíneas c), d) e f), do Código do IVA.

E também referenciam a extensão e natureza dos serviços prestados, fundamentando que os requisitos formais exigíveis pela alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º, do Código do IVA.

Ora a interpretação teleológica do artigo 36.º, n.º 5, alínea b), do Código do IVA, com apoio em vasta jurisprudência do TJUE é a de que a menção à natureza e extensão dos serviços prestados é, por definição, genérica e abstrata, não sendo necessário (nem às vezes possível) uma descrição exaustiva. Assinale-se que na versão do artigo 226.º da Diretiva IVA citada, de uma forma mais explícita, refere-se que a fatura deve conter “a quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados”, já que os serviços prestados, como é óbvio, não são mensuráveis em “quantidades”.

Por isso é que, ao excluir a dedução de encargos e gastos da ora Reclamante com as prestações de serviços realizadas pela B..., considerando que tais gastos não são comprovados por documentação que cumpra os requisitos formais, quer os que decorrem do artigo.º 23, n.º 3 e n.º 4, do Código de IRC, quer os que decorrem do artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA, a AT incorreu em erro na aplicação do direito decorrente da violação do desses mesmos artigos, ilegalidade essa que inquina as liquidações de imposto sub juditio, tornando-as anuláveis nos termos do artigo 163.º do CPA, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea d), do CPPT.

Assinale-se, como nota não despicienda, o princípio da presunção de veracidade da contabilidade organizada com o consequente corolário de que compete à AT o ónus de ilidir essa presunção, ou seja, demonstrar que os factos contabilizados ou espelhados na contabilidade, não traduzem a realidade, sem prejuízo do ónus a cargo do contribuinte de demonstração da indispensabilidade dos custos para realização dos proveitos (ou manutenção da fonte produtora) quando tal é, naturalmente, contestado pela Autoridade Tributária.

Reafirme-se, todavia a este propósito, o que anteriormente se deixou explicitado, ou seja, que, com a alteração legislativa resultante da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a dedutibilidade de gastos e perdas deixou de estar condicionada à indispensabilidade, mas antes subordinada à obtenção ou garantia de obtenção pelo sujeito passivo dos rendimentos sujeitos a IRC. Ou seja: desapareceu da Lei o requisito da indispensabilidade de custos, no que se refere à dedutibilidade dos mesmos. Ou dito eventualmente doutro modo: a indispensabilidade passou a ser aferida em função da obtenção ou garantia de obtenção de rendimento sujeitos a IRC.

 

6ª As liquidações de juros

 

Procedendo como irá proceder integralmente o pedido de anulação das liquidações adicionais objeto do pedido, procede necessária e igualmente o pedido de anulação das liquidações de juros também objeto dos autos e do pedido arbitral.

 

III  DECISÃO

 

Pelo supra exposto, este Tribunal Coletivo decide:

 

A)           Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela demandante A..., SA;

B)           Anular, em consequência, as liquidações adicionais de IRC e juros indemnizatórios e de mora nºs 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017... e 2017..., objeto dos autos e

C)           Condenar a demandada, Autoridade Tributária e Aduaneira, nas custas deste processo.

 

VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em €91.870,26, nos termos do art. 97º-1/a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artº 29º, do RJAT e do nº 2, do art. 3º, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do nº 2 do art. 12º e do nº 4 do artº 22º, ambos do RJAT, a suportar pela Demandada, Autoridade Tributária e Aduaneira, conforme já anteriormente decidido, por ser a parte vencida.

 

•             Notifique-se.

 

 

 

Lisboa e CAAD, 31 -1-2019

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

(José Poças Falcão)

(Cristiana Maria Leitão Campos)

(José Ramos Alexandre)