Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 672/2018-T
Data da decisão: 2019-03-25  IRS  
Valor do pedido: € 125.881,68
Tema: Inutilidade Superveniente da Lide.
Versão em PDF

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Luís Menezes Leitão e Marcolino Pisão Pedreiro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 21 de Dezembro de 2018, A..., S.A., contribuinte n.º..., com domicílio fiscal na ..., ... ..., ..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IVA n.º..., referente ao período 201612M, num montante global de €125.881,68.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese que o referido acto de liquidação enferma de erro de facto e de direito.

 

3.            No dia 26-12-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 14-02-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 06-03-2019.

 

7.            A Requerida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou resposta ao pedido arbitral formulado.

 

8.            No dia 16-11-2017, a Requerida apresentou requerimento no processo com o seguinte teor:

“A DIRECTORA-GERAL DA AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, entidade Requerida nos autos à margem referenciados vem informar que, por despacho do Exmo. Sr. Subdiretor-Geral com competências delegadas na área do IVA, Dr. B..., proferido a 26/02/2018, foi revogado o ato de liquidação impugnado nos presentes autos.

Nestes termos, requer-se a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 277.º, al. e) do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA e artigo 29.o do RJAT.”

 

9.            A 27-11-2017, a Requerente, notificada para o exercício do contraditório, apresentou requerimento no processo com o seguinte teor:

“Na sequência do requerimento apresentado pela Fazenda Pública no passado dia 08.03.2019, e do despacho arbitral proferido na mesma data, vimos, pelo presente, informar que não mantemos o interesse no prosseguimento da acção, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 13.º do RJAT, uma vez que o acto tributário impugnado foi objecto de revogação por parte da Autoridade Tributária.

Adicionalmente, requeremos que seja decretada a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, bem como condenada a Autoridade Tributária no pagamento das custas do processo por lhe ser imputável a referida inutilidade, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 277.º e dos n.ºs 3 e 4 do artigo 536.º, ambos do Código de Processo Civil”

 

10.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 2, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            Por despacho do Exmo. Sr. Subdiretor-Geral da AT - Autoridade Tributária e Aduaneira com competências delegadas na área do IVA, proferido a 26/02/2018, foi revogado o acto de liquidação de IVA sobre a Requerente n.º..., referente ao período 201612M, num montante global de €125.881,68.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar as matérias provada e não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos, considerara-se provado, com relevo para a decisão, o facto acima elencado.

 

B. DO DIREITO

 

                O objecto dos presentes autos é constituído pelo acto de liquidação de IVA sobre a Requerente n.º..., referente ao período 201612M, num montante global de €125.881,68.

                Conforme resulta do facto dado como provado, por despacho do Exmo. Sr. Subdiretor-Geral da AT - Autoridade Tributária e Aduaneira com competências delegadas na área do IVA, proferido a 26/02, foi revogado o acto tributário referido.

                Face ao ocorrido, torna-se inútil o prosseguimento da presente lide, na medida em que, do prosseguimento da mesma, não resultará qualquer efeito sobre a relação jurídica material controvertida, no que as partes estão, de resto, de acordo.

Com efeito, verifica-se a inutilidade superveniente da lide quando, por facto ocorrido na pendência da causa, a solução do litígio deixe de ter interesse e utilidade, o que justifica a extinção da instância (cfr. artigo 277.º, al. e), do Código de Processo Civil). Como referem LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA, RUI PINTO , a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide “dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou se encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio”.

Assim, se, por virtude de factos novos ocorridos na pendência do processo, o escopo visado com a pretensão deduzida em juízo já foi atingido por outro meio, então a decisão a proferir não envolve efeito útil, pelo que ocorre, nesse âmbito, inutilidade superveniente da lide.

                Decorre da actuação administrativa dada como provada que a pretensão formulada pela Requerente, que tinha como finalidade a declaração de ilegalidade e anulação por este Tribunal do acto sindicado, ficou prejudicada porquanto a supressão desse acto e seus efeitos da ordem jurídica foi conseguida por outra via, depois de iniciada a instância. Na verdade, a prática posterior do acto expresso de revogação da liquidação impugnada (cfr. art. 79.º, n.º 1 da LGT) implica que a instância atinente à apreciação da legalidade dessas liquidações se extingue por inutilidade superveniente da lide, dado que, por terem sido eliminados os seus efeitos pela revogação anulatória, perde utilidade a apreciação, em relação a tais liquidações, dos vícios alegados em ordem à sua invalidade, ficando sem objecto a pretensão impugnatória contra elas deduzida.

Nestes termos, este Tribunal julga verificar-se a inutilidade superveniente da lide no que concerne ao pedido de anulação do acto tributário objecto do presente processo, o que implica a extinção da correspondente instância nos termos do disposto no artigo 277.º, al. e) do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT.

 

*

                A presente acção foi, de forma causalmente adequada, consequência do acto de liquidação que constituem o seu objecto, acto esse revogado pela própria AT, que, ao fazê-lo, deu igualmente causa à extinção da lide.

                Deste modo, entende-se que é a Requerida quem deve ser responsabilizada pelas correspondentes custas, nos termos do artigo 536.º/3 do CPC.

 

*

 

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar superveniente inútil a presente lide, absolvendo a Requerida da instância, condenando-se esta nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 125.881,68, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que a mesma deu causa à presente acção arbitral, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 25 de Março de 2019

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Luís Menezes Leitão)

 

O Árbitro Vogal

(Marcolino Pisão Pedreiro)