Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 195/2018-T
Data da decisão: 2018-12-21   
Valor do pedido: € 14.193,18
Tema: IVA – Inspecção Tributária – Preterição formalidades do procedimento de inspecção externo.
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Decisão ArbitraL

  1. RELATÓRIO:

A..., L.DA, titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva ..., com sede na ..., nº...–..., ...-... Matosinhos, doravante designada por Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos números 1 e 2 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT), peticionando a declaração de ilegalidade do ato de liquidação do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e juros compensatórios, relativa ao ano de 2013, no valor global de € 14.193,18, sendo € 12.017,52 respeitante ao imposto e € 2.175,66 respeitante aos juros compensatórios, com o consequente reembolso à Requerente do valor indevidamente pago e dos correspondentes juros indemnizatórios. 

Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:

  1. no âmbito dos procedimentos de inspecção abertos às sociedades “B..., L.DA” e “C..., L.DA”, a Requerente foi notificada, em Agosto de 2017, para enviar vários elementos contabilísticos;
  2. solicitação a que a Requerente deu cumprimento;
  3. em resposta, veio a Requerente a ser notificada, em Novembro de 2017, do projecto de correcções do relatório de inspecção;
  4. a Requerente exerceu a audição prévia, que não foi acolhida;
  5. tendo sido, em consequência, notificada do relatório de inspecção com as correcções que deram origem à emissão da liquidação impugnada;
  6. ao contrário da qualificação dada pela Autoridade Tributária, a acção inspectiva levada a cabo à Requerente assumiu carácter externo;
  7. a Autoridade Tributária não cumpriu as formalidades previstas para os procedimentos de inspecção externa, o que determina a anulabilidade da liquidação impugnada;
  8. qualquer outra interpretação seria violadora dos princípios constitucionais da segurança jurídica e da protecção da confiança;
  9. A Requerente juntou 4 documentos, não tendo arrolado testemunhas.

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº1 do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

O tribunal arbitral foi constituído em 4 de Julho de 2018.  

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, alegando em síntese:

  1. na medida em que os esclarecimentos remetidos pela Requerente na sequência da notificação efectuada em Agosto de 2017 tinham efeitos reflexos na situação jurídico-tributária da Requerente, foi emitida uma credencial interna, que esteve na origem do procedimento levado a cabo à Requerente;
  2. a acção inspectiva foi realizada exclusivamente nas instalações da Autoridade Tributária, mediante análise formal e de coerência dos elementos declarados, constantes do sistema informático e dos esclarecimentos prestados pela Requerente;
  3. pelo que o procedimento assumiu carácter externo;
  4. se a Autoridade Tributária, quando inicia o procedimento, já dispõe de todos os elementos que reputa necessários para fundamentar as correcções que se propõe fazer, não existe justificação para abrir um procedimento externo para repetir as diligências probatórias nas instalações dos sujeitos passivos;
  5. ainda que o procedimento tivesse sido indevidamente qualificado como interno, o tributo não caducou e o contribuinte teve acesso aos mesmos meios de defesa que teria em sede de procedimento externo;
  6. pelo que a liquidação impugnada não padece de qualquer ilegalidade;
  7. não se encontram reunidos os pressupostos para a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios,

Concluindo, assim, pela improcedência do pedido arbitral formulado.

A Requerida juntou cópia do processo administrativo, não tendo arrolado nenhuma testemunha.

Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

 

  1. SANEAMENTO:

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

Não existem nulidades que invalidem o processado.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

Não existem nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.

 

III. QUESTÃO A DECIDIR:

Atentas as posições assumidas pelas partes, são as seguintes as questões a decidir por este tribunal:

  1. saber se a acção inspectiva levada a cabo à Requerente deve ser qualificada como externa; e
  2. na afirmativa, saber se a violação das regras procedimentais relativas às acções inspectivas externas determinam a anulabilidade das liquidações subsequentes.

 

IV. MATÉRIA DE FACTO:

  1. Factos provados

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:

  1. Na sequência das acções inspectivas levadas a cabo às sociedades “B..., L.DA”  e  “C..., L.DA”, a Autoridade Tributária concluiu que entre a Requerente e estas duas empresas existia facturação cruzada que não correspondia a qualquer operação efectiva;
  2. No âmbito das acções inspectivas a que se alude em 1) anterior, a Autoridade Tributária notificou a Requerente, por oficio datado de 24/08/2017, para juntar elementos contabilísticos e prestar esclarecimentos relativos às facturas emitidas à sociedade “C..., L.DA” e emitidas pela sociedade “B..., L.DA” à Requerente;
  3. Em 19/09/2017, a Requerente juntou os elementos e prestou os esclarecimentos solicitados;
  4. Na medida em que os esclarecimentos remetidos pela Requerente tinham efeitos reflexos na sua situação jurídico-tributária, a Autoridade Tributária emitiu, em 04/10/2017, uma credencial interna, que esteve na origem do procedimento levado a cabo à Requerente;
  5. Por ofício datado de 30/10/2017, a Autoridade Tributária notificou a Requerente do projecto de correcções do relatório de inspecção e para, no prazo de 15 dias, exercer, querendo, o direito de audição;
  6. Consta do projecto de correcções do relatório de inspecção que “face ao relatado, demonstrou-se que as faturas emitidas, quer pela C... quer pela B..., não corresponderam a operações efectivas (e como tal são falsas) e apenas foram emitidas como consequência e de forma a compensar o SP pela emissão da sua fatura falsa para a C...”;
  7. Desde a notificação do ofício a que se alude em 2) anterior, mais nenhum elemento foi solicitado pela Autoridade Tributária à Requerente;
  8. A Requerente exerceu o direito de audição;
  9. Por ofício datado de 23/11/2017 foi a Requerente notificada das correcções resultantes da acção de inspecção e do respectivo relatório;
  10. A Autoridade Tributária emitiu a liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios nº 2017..., nos valores, respectivamente, de € 12.017,52 e € 2.176,66;
  11. A Requerente pagou em 15/01/2018 ambas as liquidações emitidas;
  12.  O pedido de constituição do tribunal arbitral em matéria tributária e de pronúncia arbitral foi apresentado em 13/04/2018.

 

  1. Factos não provados:

Com interesse para os autos não resultaram quaisquer factos não provados.

 

 

  1. Fundamentação da matéria de facto:

A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base a prova documental junta pelas partes, incluindo o processo administrativo, indicada relativamente a cada um dos pontos, e cuja adesão à realidade não foi questionada, bem como a matéria alegada e não impugnada.

 

V. DO DIREITO:

As questões a decidir nos presentes autos prendem-se com a interpretação do artigo 13º do RCPITA e com as consequências da violação das regras procedimentais previstas para o procedimento externo de inspecção.

Vejamos.

O artigo 13º do RCPIT dispunha, na sua versão original, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 413/98, de 31/12, o seguinte:

Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em:

  1. Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos;
  2. Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.”

Este artigo veio a manter a mesma redacção até 01 de Julho de 2016, data em que, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 36/2016, de 1 de Julho, passou a dispor o seguinte:

“Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em:

  1. Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos por esta detidos ou obtidos no âmbito do referido procedimento;
  2. Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.”

Verifica-se, pois, que a partir da entrada em vigor daquele DL 36/2016,  no âmbito de um procedimento de inspecção interno, os documentos a analisar não se têm de cingir aos já detidos pela Administração Tributária, podendo ainda englobar a análise de documentos por esta obtidos, posto que no “âmbito do referido procedimento”.

Antes de mais, importa verificar se a alteração ao artigo 13º do RCPITA operada pelo DL 36/2016, de 01 de Julho se poderá aplicar a factos tributários ocorridos antes da sua entrada em vigor, concretamente, a factos tributários ocorridos em 2013, como é o caso dos autos.

Conforme é sabido, excepto quando lhe seja atribuída eficácia retroactiva, a lei só dispõe para o futuro.

In casu, o referido DL 36/2016, de 01 de Julho nada refere em relação à sua aplicação retroactiva pelo que não será de aplicação retroactiva.

Mas a lei pode aplicar-se a factos ocorridos antes da sua entrada em vigor sem que tal constitua verdadeira retroactividade.

É o caso das leis interpretativas.

A este propósito, dispõe o artigo 13º do Código Civil que a interpretativa integra-se na lei interpretada.

Tal como ensina BAPTISTA MACHADO, in “Introdução ao Direito e ao discurso legitimador”, Almedina, Coimbra, 1994, pág. 246, “a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da LA com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas”, sendo “de natureza interpretativa aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado.”

Assim, “para que uma LN possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o interprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei.” – op. cit, pág. 247.

Regressando ao caso dos autos, antes da publicação do DL 36/2016, diversa jurisprudência se pronunciou, decidindo num e noutro sentido, sobre a qualificação do procedimento de inspecção quanto ao lugar da sua realização quando a Autoridade Tributária não se limitasse a proceder a uma análise formal e de coerência dos documentos disponíveis nas suas bases de dados mas incluísse nessa análise também documentos por esta obtidos, quer junto do próprio sujeito passivo, quer junto de terceiros, após notificação para o efeito.

Concretizando, numa hipótese em que a Autoridade Tributária notificava o sujeito passivo para juntar determinados elementos e depois procedia à sua análise dentro das suas instalações, não era unânime a posição de que tal constituía um procedimento de inspecção interno, existindo vozes que defendiam o carácter externo de tal procedimento.

O DL 36/2016 veio pôr fim a tal questão, determinando que nestas hipóteses o procedimento é interno.

Assim, por se tratar de uma questão controvertida e uma vez que “a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o interprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei”, dúvidas não restam de que a lei ora em análise assume carácter interpretativo, sendo por isso  aplicável a factos ocorridos antes da sua entrada em vigor, sem que tal represente retroactividade.

Por onde se verifica que, no âmbito de um procedimento interno de inspecção, a Administração Tributária não tem de se limitar a analisar elementos e documentos por si detidos, podendo notificar os sujeitos passivos ou terceiros que com este se relacionem para juntar elementos e documentos com vista à sua análise.

Mas estes elementos e documentos obtidos posteriormente têm, conforme decorre expressamente do artigo 13º do RCPITA, de ser obtidos “no âmbito do referido procedimento.”.

No caso dos autos, os elementos e documentos em que a Administração Tributária se baseou para efectuar correcções em sede de IVA que estiveram na base da liquidação impugnada não foram obtidos no âmbito do procedimento levado a cabo à Requerente mas sim no âmbito das acções inspectivas levadas a cabo às sociedades “B..., L.da” e “C..., L.da”.

Com efeito, conforme resulta dos factos provados – ponto 1 -, na sequência das acções inspectivas realizadas às sociedades “B..., L.da” e “C..., L.da” a Autoridade Tributária concluiu que entre a Requerente e estas duas empresas havia facturação cruzada que não correspondia a qualquer operação efectiva.

Assim, no âmbito das referidas acções inspectivas, a Administração Tributária notificou a Requerente para juntar determinados elementos contabilísticos e prestar esclarecimentos, tendo sido com base nestes elementos e esclarecimentos que a Administração Tributária determinou a abertura de procedimento de inspecção à Requerente- cfr. pontos 2 e 4 da matéria de facto provada.

Sucede, porém, que, após o envio, por parte da Requerente, dos elementos e esclarecimentos solicitados, mais nenhum elemento foi solicitado pela Autoridade Tributária, não tendo havido qualquer outra interacção com a Requerente – cfr. ponto 7 da matéria de facto provada.

Nem se diga, como faz a Administração Tributária, que após as inspecções levadas a cabo às sociedades “B..., L.da” e “C..., L.da”, designadamente após o envio, por parte da Requerente, dos elementos e esclarecimentos solicitados no âmbito das referidas acções inspectivas, já os documentos eram “detidos” pela Administração Tributária.

Quando a lei se refere a documentos “detidos” pela Autoridade Tributária não quer significar elementos que passaram a ser detidos em consequência de procedimentos inspectivos realizados a terceiros mas sim aos documentos que constam das bases de dados da Administração Tributária em consequência do cumprimento das obrigações declarativas por parte dos sujeitos passivos.

Nas palavras de JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, in RCIPT Anotado e Comentado, Coimbra Editora, 1ª Edição, página 81, “o procedimento interno é uma espécie de inspecção cadastral, efectuada dentro dos próprios serviços de inspecção, com recurso aos elementos declarados pelos sujeitos passivos, e engloba actividade de mera constatação em que a Administração se limita a verificar o cumprimento por parte dos sujeitos passivos dos seus deveres declarativos. Nestes casos a Administração limita-se particularmente a confrontar, através do cruzamento de informação disponível nas suas bases de dados, se o sujeito passivo cumpriu ou não com os seus deveres e se os elementos declarados coincidem com os elementos fornecidos pelas declarações entregues por outros obrigados tributários com quem o sujeito passivo mantém ou manteve relações. Não se trata portanto de uma actividade propriamente fiscalizadora, em sentido estrito, trata-se de uma actividade de comprovação formal para verificação da exactidão do formalmente declarado pelo sujeito passivo.”(sublinhado nosso).

In casu, os elementos em que a Administração Tributária se baseou para efectuar as correcções que estiveram na origem da liquidação impugnada foram elementos recolhidos junto de terceiros previamente à abertura do procedimento à Requerente e não quaisquer elementos disponíveis nas suas bases de dados. 

Sendo evidente que foi a actuação da Administração Tributária junto das sociedades “B..., L.da” e “C..., L.da” que possibilitou que a mesma procedesse à correcção efectuada.

Nem se diga, da mesma forma, que se a Administração Tributária já dispunha dos elementos necessários para efectuar as correcções que se propõe fazer (em virtude de os mesmos terem sido enviados à Administração Tributária no âmbito de inspecções realizadas a terceiros), “não existe justificação para abrir um procedimento externo para repetir as diligências probatórias nas instalações ou dependências dos sujeitos passivos”.

No caso, a Administração Tributária não teria de instaurar qualquer procedimento externo. O que se lhe impunha era que, no âmbito do procedimento aberto à Requerente, recolhesse quer junto da Requerente, quer junto das outras sociedades envolvidas, os elementos e esclarecimentos necessários.

E para tal não teria a Administração Tributária de realizar quaisquer diligências nas instalações dos sujeitos passivos, bastando notificá-los para o efeito, como, aliás, fez à Requerente no âmbito das acções inspectivas levadas a cabo às sociedades “B..., L.da” e “C..., L.da”.

O que não pode é a Administração Tributária fazer uso dos elementos e documentos recolhidos no âmbito de outro procedimento inspectivo para fundamentar as correcções operadas no âmbito do procedimento inspectivo à Requerente, tendo todos os elementos probatórios de ser produzidos no âmbito do respectivo procedimento.

Assim, não tendo os elementos que estiveram na origem das correcções efectuadas sido obtidos no âmbito do procedimento levado a cabo à Requerente, não pode o respectivo procedimento ser qualificado como interno.

Pelo que, o procedimento levado a cabo à Requerente assumiu carácter externo.

Posto isto, o RCPITA estabelece especificidades dos procedimentos de inspecção externa, designadamente ao nível da notificação do início do procedimento (49º).

Especificidades essas que, in casu, manifestamente não foram cumpridas atento o facto de a Administração Tributária ter qualificado o procedimento como interno.

Importa, assim, analisar quais as consequências do incumprimento destas formalidades.

A este propósito, invoca a Requerente que tal incumprimento determina a anulabilidade da liquidação que resulte de tal procedimento.

Ao invés, a Administração Tributária defende que tal incumprimento não tem a virtualidade de determinar a anulabilidade da liquidação, invocando que o tributo não caducou, o contribuinte teve acesso aos mesmos meios de defesa que teria em sede de procedimento externo e não assaca qualquer vício à liquidação.

No que lhe assiste razão.

Com efeito,

As normas procedimentais previstas no RCPITA para o procedimento de inspecção externa visam garantir a segurança jurídica e os direitos dos contribuintes.

Em concreto, a obrigatoriedade de expedição de uma carta-aviso, com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início, tem como objectivo evitar as inspecções-surpresa, pelo que a preterição desta formalidade apenas poderá gerar a anulabilidade do procedimento e de todos os actos subsequentes no caso de o contribuinte não ter tido conhecimento do procedimento e de não lhe ter sido dada oportunidade de nele intervir.

Conforme tem vindo a ser defendido quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, “quanto à notificação prévia que o n.º 1 do art. 49.º do RCPIT impõe seja efectuada ao sujeito passivo no procedimento externo de inspecção, ainda que o mesmo tivesse sido omitido no caso sub judice, nunca esta omissão teria efeito invalidante da inspecção. É que o sujeito passivo, a ora Recorrido, em nada viu diminuídos os seus direitos ou interesses legítimos de participação. Na verdade, «[a] falta de comunicação do início do procedimento só deverá, no entanto, gerar invalidade se se demonstrar que o interessado não teve conhecimento do procedimento e respectivo objecto, e que por força dessa ausência de conhecimento não pode nele intervir tempestivamente. Assim, se o contribuinte inspeccionado […] foi notificado do projecto de conclusões do relatório do relatório de inspecção, a eventual falta de notificação da carta aviso degrada-se numa mera irregularidade, sem efeitos invalidantes» ( JOAQUIM FREITAS DA ROCHA e JOÃO DAMIÃO CALDEIRA, ob. cit., pág. 270).” – cfr. Ac. do STA de 29JUN2016, processo nº 01095/15, in www.dgsi.pt.

No caso dos autos, pese embora a inspecção tenha assumido, ao contrário da qualificação dada pela Autoridade Tributária, carácter externo, a verdade é que, conforme veio a resultar provado, a Requerente foi notificada do projecto de relatório de inspecção tributária e para exercer o direito de audição prévia, nos termos do disposto nos artigos 60º da LGT e 60º do RCPITA, direito que exerceu – cfr. pontos 5 e 8 da matéria de facto provada.

Por onde se conclui, como no referido Ac. do STA, que “a falta da notificação prévia prevista no art. 49.º do RCPIT não gera a anulabilidade da decisão do procedimento, degradando-se tal formalidade em mera irregularidade, sem efeitos invalidantes, se ao interessado foi dado conhecimento do procedimento e do seu objecto a tempo de nele participar e se lhe foi dada a possibilidade legal de exercer o seu direito de audição durante o procedimento inspectivo.

Neste sentido, veja-se, também o Ac. do STA de 08MAIO2013, processo nº 841/11, in www.dgsi.pt, citado no Ac. a que vem de fazer-se referência.

Não se vislumbrando como possa, como defende a Requerente, qualquer outra interpretação ser violadora dos princípios constitucionais da segurança jurídica e da protecção da confiança, já que a Requerente teve oportunamente conhecimento do procedimento de inspecção e teve possibilidade de nele intervir, como aliás sucedeu.

Em face de tudo quanto ficou exposto, não tendo o tributo caducado à data da sua liquidação e não tendo a Requerente assacado qualquer outro vício às liquidações impugnadas, não se verifica qualquer ilegalidade geradora da anulabilidade do procedimento de inspecção nem das liquidações que se lhe seguiram, as quais devem, assim, manter-se na ordem jurídica.

Não se verificando qualquer vicio que inquine as liquidações impugnadas, não se encontra a Autoridade Tributária obrigada a pagar à Requerente qualquer valor a título de juros indemnizatórios.

 

 

VI. DISPOSITIVO

Em face do exposto, improcede in totum o pedido formulado, dele se absolvendo a Requerida.

***

Fixa-se o valor do processo em € 14.193,18, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

***

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 4 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerente, por ser a parte vencida.

***

Registe e notifique.

Lisboa, 21 de Dezembro de 2018

O Árbitro,

 

Alberto Amorim Pereira

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.