Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 186/2018-T
Data da decisão: 2018-12-20  Selo  
Valor do pedido: € 1.866,14
Tema: IS – Verba 17.1 – Cessão de créditos.
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Decisão Arbitral

 

I. Relatório

1. A contribuinte A...- SGPS, S.A., com o n.º de identificação fiscal ... (doravante designado por “Requerente”), com sede na Rua do..., n.º..., ..., apresentou, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), pedido de constituição de Tribunal Arbitral de forma a ser declarado ilegal o indeferimento da Reclamação Graciosa deduzida com vista à anulação da liquidação de Imposto do Selo referente ao exercício de 2013, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).

A) Constituição do Tribunal Arbitral

2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro do tribunal singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 5 de junho de 2018.

3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante a comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 25 de junho de 2018.

B) História processual

4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticiona a ilegalidade do indeferimento da Reclamação Graciosa deduzido com vista à anulação da liquidação de Imposto do Selo n.º 2017..., juntamente com a respetiva liquidação de juros compensatórios, as quais acrescem ao montante de Euro 1.866,14, emitidas por respeito ao exercício de 2013, sendo igualmente peticionado o reembolso do montante pago, bem como o pagamento, por parte da AT, de juros indemnizatórios.

5. A AT apresentou resposta, peticionando, por sua vez, a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não se verificar qualquer vício de violação de lei, solicitando que o ato tributário em análise, por não violar qualquer preceito legal ou constitucional, seja mantido na ordem jurídica.

6. Por despacho de 23 de novembro de 2018, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em resultado da simplicidade das questões em apreço, bem como por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial.

7. Tendo ambas as partes, no contexto do exercício do direito do contraditório, optado por, tempestivamente, apresentarem as suas alegações adicionais, às quais não cabe, contudo, referência, por se limitarem a reforçar a posição já sufragada nas já peças apostas e sob apreciação do Presente Tribunal Arbitral (i.e., o Pedido de Pronúncia Arbitral e a Resposta).

8. Decidiu o presente Tribunal Arbitral, em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, não ser necessária a produção de alegações orais, por estarem perfeitamente definidas as posições das partes nos respetivos articulados, tendo igualmente dispensado, pelo mesmo motivo, a audição das testemunhas citadas pela Requerente.

9. Tendo em consideração o supra exposto, o presente Tribunal Arbitral fixou como prazo limite para a decisão arbitral o dia 21 de dezembro de 2018.

10. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas exceções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.

11. Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

II. Questão a decidir

12. A questão fulcral a apreciar e decidir relativamente ao mérito da causa, tal como se retira das peças processuais das partes, é a de saber se é devido Imposto do Selo sobre o montante do crédito objeto de cessão.

III. Decisão da matéria de facto e sua motivação

13. Examinada a prova documental produzida, o presente tribunal julga como provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

I.     A Requerente é uma sociedade comercial anónima cuja atividade se prende com a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta do exercício de atividades económicas, sendo a entidade dominante de um grupo de sociedades.

II.   As entidades em que a Requerente participa são as seguintes: B... SGPS, S.A., C...– SGPS, S.A. e D...– SGPS; S.A..

III. No âmbito de uma ação inspetiva de natureza externa e âmbito geral, referente ao exercício de 2013, a AT constatou que foram celebrados dois contratos de cessão de créditos datados de 30/09/2013 e 28/10/2013, em que a Requerente figurou como cessionária.

IV. Do contrato celebrado em 30/09/2013 resultou que a ora Requerente passasse a deter um crédito sobre a participada B..., SGPS, S.A. no montante de Euro 5.000.000 e um crédito sobre os E..., S.A. (entidade na qual a ora Requerente não participa), no montante Euro 1.327.709,50.

V.   Na sequência do referido procedimento inspetivo, a Requerente foi notificada do Projeto de Correções do Relatório de Inspeção, tendo reagido tempestivamente, através do Direito de Audição Prévia, contra as correções aí expostas.

VI. Desconsiderando os argumentos apresentados pela ora Requerente em sede de Audição Prévia, a AT procedeu à emissão do Relatório Final de Inspeção, de onde resultaram correções em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e Imposto do Selo.

VII.   Como fundamento para as correções em sede de Imposto do Selo, a AT alegou, em suma, que a ora Requerente deveria ter liquidado Imposto do Selo sobre o montante do crédito cedido sobre os E..., S.A., por este não se encontrar abrangido por qualquer uma das isenções previstas para operações financeiras no artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.

VIII. Neste contexto, por entender tratar-se de um crédito em conta corrente, a AT aplicou a taxa de 0,04% sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30.

IX.  Por não se conformar com as referidas liquidações a ora Requerente reclamou graciosamente, tendo-se sido indeferida a referida reclamação.

X.   Optando por regularizar a sua situação face à AT, a Requerente efetuou o pagamento integral do imposto em falta, sem prejuízo de se encontrar, presentemente, a solicitar ao presente Tribunal Arbitral que se decida pela ilegalidade do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa interposta com vista à anulação da liquidação de Imposto do Selo e respetivos juros compensatórios, supra referida, solicitando o reembolso do pagamento efetuado acrescido de juros indemnizatórios.

14. A convicção do presente tribunal sobre os factos dados como provados resultou dos documentos anexados aos autos e constantes do pedido e das alegações, não impugnadas, das partes, conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.

15. Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.

IV. Do Direito

A) Quadro jurídico

16. Dado que a questão jurídica a decidir no presente processo exige que se interpretem os textos legais pertinentes, importa, em primeiro lugar, elencar as normas que compõem o quadro jurídico relevante, à data da ocorrência dos factos.

17. Neste sentido, a atentando à temática do presente caso, cumpre atentar na redação da verba 17.1 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo, a qual dispunha, à data dos factos, o seguinte:

Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título exceto nos casos referidos na verba 17.2, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato - sobre o respetivo valor, em função do prazo:

(…)

17.1.4 - Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30.

18. Efetivamente, a questão controvertida do presente caso, conforme disporemos adiante, prender-se-á, sobretudo, com a interpretação do referido preceito normativo face ao caso em concreto, no sentido de aferir se a presente cessão de créditos cai sob a norma de incidência da verba 17.1 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo.

19. Mantendo este enquadramento legislativo em mente, debruçar-nos-emos agora sobre os argumentos apresentados pelas Partes.

B) Argumentos das Partes

20. No presente Pedido de Pronúncia Arbitral vem a Requerente alegar, em suma, que a liquidação de Imposto do Selo que se pretende agora anular padece de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e vício de violação de lei, por não ser devido qualquer Imposto do Selo sobre o montante do crédito objeto de cessão à ora Requerente (a cessionária no contrato).

21. Sustentando a sua posição, a Requerente propugna que a operação de cessão de crédito não é sujeita a Imposto do Selo, na medida em que o contrato em causa não envolveu qualquer tipo de financiamento à cessionária – a Requerente.

22. Adicionalmente, não existiu também qualquer utilização do crédito por parte da E..., S.A..

23. Paralelamente, a Requerente sustenta que, ainda que se entendesse que a operação de cessão de créditos seria sujeita a Imposto do Selo, esta sujeição seria pela utilização do crédito pelo beneficiário (a E..., S.A.), e não pela concessão do crédito.

24. Alega a Requerente que “Efetivamente, na cessão de créditos em questão não se verificou qualquer fluxo financeiro (financiamento), mas apenas a cessão de um direito de crédito (…), não se verificando qualquer crédito de “conta corrente” entre a Requerente e a E..., S.A..” (artigos 20.º e 21.º do Pedido de Pronúncia Arbitral).

25. Assim, conclui a ora Requerente que a verba 17.1 apenas se aplica quando ocorre efetiva utilização de fundos por parte do respetivo beneficiário do crédito (a E..., S.A.), circunstância que não se sucedeu.

Pelo que,

26. A liquidação de Imposto do Selo aqui reclamada padece de erro nos pressupostos de facto e de vício de violação de lei.

27. Por último, e por entender que se encontra perante um erro imputável aos serviços, solicita a ora Requerente que sejam exigidos à AT juros indemnizatórios sobre o montante de imposto pago.

28. Por seu turno, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual, em síntese, sustentou que o legislador pretendeu tributar, em sede de Imposto do Selo, o crédito, em virtude da sua concessão a qualquer título, incluindo a cessão de créditos.

29. Propugna a Requerida que, na cessão de créditos, pretendeu-se alargar a tributação “«ao cessionário, não excluindo o cedente, sempre que a cessão envolva financiamento a um ou a outro consoante o caso». Assim, o facto tributário não é a cessão, mas sim o financiamento associado a essa operação financeira.” (artigo 21.º da Resposta).

30. Neste contexto, a Requerida entende que “quando a cedente (D..., SGPS, S.A.) cedeu à Requerente (cessionária) o crédito, no valor de € 1.327.709,50, que detinha sobre a E... S.A. (devedora), e que esta aceitou, conforme referido no contrato de 30/09/2013, a Requerente passou a ter o direito de receber da E... S.A. aquele montante, conforme é referido no ponto III.2.1. do relatório inspetivo.” (Artigo 26.º da Resposta).

31. Constata ainda Requerida que o crédito integra o ativo da Requerente e encontra-se relevado na rúbrica “Outros Ativos Financeiros”, na conta corrente #27840001, pelo que se entende existir, no presente contrato de cessão de crédito, uma efetiva concessão de um crédito, sujeita a Imposto do Selo.

32. Adicionalmente, refere a Requerida que, à luz das alíneas g), h) e i) do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, apenas estão isentas de Imposto do Selo as operações financeiras quando realizadas por detentores de capital a favor de entidades nas quais detenham diretamente uma participação no capital de pelo menos 10%, o que não é o caso da ora Requerente relativamente à E..., S.A..

33. Por fim, conclui a Requerida que o ato de liquidação adicional, em crise nestes autos, não enferma de qualquer vício que ponha em causa a sua legalidade e validade, razão pela qual não há lugar ao pagamento de quaisquer juros indemnizatórios.

C) Apreciação do tribunal

34. Conforme referido, aos olhos deste Tribunal Arbitral, a questão decidenda prende-se com determinar se é devido Imposto do Selo sobre o montante de Euro 1.327.709,50, respeitante ao montante do crédito objeto de cessão à ora Requerente, detido sobre a sociedade E..., S.A..

35. Para responder a tal questão, será necessário ao presente Tribunal Arbitral aferir se a mencionada cessão de crédito está, ou não, sob o âmbito de sujeição da verba 17.1 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo.

36. A título preliminar, cumpre esclarecer determinados conceitos. Assim, a cessão de créditos, prevista nos artigos 577.º e seguintes do Código Civil, é definida juridicamente como um negócio gratuito ou oneroso, pelo qual o credor de uma obrigação (cedente) transfere, no todo ou em parte, a terceiro (cessionário), independentemente do consentimento do devedor (cedido), a sua posição na relação obrigacional, com todos os acessórios e garantias, salvo disposição em contrário, sem que se opere a extinção do vínculo obrigacional.

37. Esta figura jurídica não se confunde com a novação subjetiva, uma vez que a cessão de créditos não origina uma obrigação nova, ou seja, o contrato de crédito inicialmente celebrado mantém-se em vigor durante a cessão.

38. Não há, portanto, lugar a um novo crédito, apenas se verifica uma sucessão do direito de crédito, no sentido em que o credor da obrigação passa a ser um terceiro (o cessionário) que adquire o direito ao valor do património do cedente.

39. Neste sentido, o devedor passa a cumprir com sua obrigação para com o cessionário, mantendo-se a relação obrigacional já existente e apenas mudando a identidade do credor.

40. Analisando o contrato disponibilizado nos autos, o presente Tribunal Arbitral entende que estamos perante, indubitavelmente, um contrato de cessão de créditos, em que a Requerente se substitui na posição do credor original, passando a deter um crédito no montante de Euro 1.327.709,50 sobre a sociedade E..., S.A..

41. Cumpre elencar, para efeitos de clareza, que a operação de cedência de crédito é realizada com três intervenientes:

i. A cedente é a sociedade D..., SGPS, S.A. (entidade detida em 100% pela Requerente),

ii. A cessionária é a Requerente, e, por fim,

iii. A beneficiária do crédito é a sociedade E..., S.A (entidade não participada pela Requerente.

42. Neste contexto, da leitura do referido contrato de cessão de créditos, é o entendimento do presente Tribunal Arbitral que ocorreu um movimento financeiro de encontro de contas entre a Requerente e a cedente, designadamente:

i. Inicialmente, a Requerente detinha uma conta a receber por parte da entidade cedente,

ii. A entidade cedente celebra o contrato de cessão de créditos no montante de Euro 1.327.709,50,

iii. A conta a receber detida pela Requerente na entidade cedente é reduzida no montante do crédito cedido;

iv. A Requerente passa a deter uma conta a receber da entidade beneficiária (a sociedade E..., S.A.).

 

43. Mantendo em mente a factualidade estabelecida, cumpre agora verificar se a cessão de créditos será sujeita a tributação de acordo com a verba 17.1 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo.

44. A este respeito, é o entendimento geral da AT que o legislador pretende tributar em sede de Imposto do Selo o ato de concessão de crédito, a qualquer título, incluindo, por isso, na previsão legal da verba 17.1, o ato de cessão de crédito, factoring e as operações de tesouraria, quando as mesmas constituam um financiamento.

45. Efetivamente, a Circular 15/2000, de 5 de julho de 2000, vem clarificar o entendimento da AT relativamente a certos pontos do Código do Imposto do Selo, estabelecendo no seu artigo 24.º que a verba 17.1 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo pretende tributar “a utilização de crédito, em virtude da sua concessão a qualquer título” (sublinhado nosso).

46. Adicionalmente, salienta ainda a referida Circular que “a enumeração constante daquela norma é meramente exemplificativa e não taxativa”, significando, portanto, que sempre que a substância de um contrato tenha por base um financiamento, será devido Imposto do Selo.

47. Saliente-se que, embora as Circulares emitidas pela AT não sejam vinculativas perante terceiros, tendo apenas força para obrigar a própria AT, estas revelam-se instrumentos úteis para a interpretação da lei, desde que esta interpretação, claro está, seja realizada dentro dos limites da própria letra da lei e do espírito do legislador, o que consideramos que, no caso concreto, sucede.

48. No caso específico da cessão de crédito, o legislador pretendeu estender a tributação ao cessionário, não excluindo o cedente, sempre que a cessão envolva financiamento a um ou a outro, consoante o caso.

49. Neste contexto, o facto tributário não é a cessão per si, mas, sim, o financiamento associado.

Ora,

50. É de considerar que uma cessão de créditos poderá constituir um financiamento caso o contrato seja celebrado com possibilidade de recurso, ou seja, quando o cessionário retenha o direito de receber do cedente o valor do crédito, caso o devedor não pague o valor em dívida.

51. Aplicando este pensamento legislativo ao caso concreto, e após a análise cuidada do contrato de cessão de créditos constante dos autos, o presente Tribunal Arbitral conclui que não é feita qualquer menção à possibilidade de recurso, devendo, então, entender-se que esta não é expressamente afastada ou consagrada pelas partes.

Ora,

52. Atendendo ao supra exposto, cumpre, nesta fase, aferir a quem pertencia, nos termos da Lei, a obrigação de provar que o presente contrato de cessão de crédito consubstanciava, ou não, um financiamento à ora Requerente.

53. Neste contexto, refira-se, em primeiro lugar, que, tal como resulta do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

54. Com o propósito de aclarar a aludida norma, recorre-se ao auxílio dos autores Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa , que, relativamente àquela premissa, esclarecem que “a administração tributária terá o ónus da prova dos pressupostos dos factos constitutivos dos direitos que pretender exercer no procedimento, enquanto que os sujeitos passivos terão o ónus de provar os factos que possam servir de suporte à concretização desses direitos[1] (sublinhado nosso).

55. Note-se que aqueles autores vão ainda mais além ao defender, com base no artigo 58.º da LGT, que a AT não deve apenas “procurar carrear para o procedimento provas dos factos que aproveitem à sua posição, pois, nessa matéria, mantém-se o seu dever, derivado do princípio do inquisitório, de realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade (…)” (sublinhado nosso).

56. Importa, assim, referir que aquele parece ter sido o entendimento acolhido pela maioria da doutrina que se debruçou sobre o tema. De facto, veja-se, a título de exemplo, o que preconizou António Lima Guerreiro sobre o presente assunto, “na falta de regras especiais, ou seja, salvo presunção legalmente consagrada, é assim, à administração fiscal que cabe demonstrar os pressupostos de facto da sua atuação, designadamente a existência dos factos tributários em que assenta a liquidação do tributo que não tenham sido declarados pelo contribuinte[2] (sublinhado nosso).

57. E, no mesmo sentido, se tem pronunciado a jurisprudência. Com efeito, atente-se no Acórdão n.º 00624/05, do Tribunal Central Administrativo Norte, no qual se estabeleceu que “cabe à Administração Tributária o dever de demonstrar os pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), impendendo, por seu turno, sobre os administrados apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos”.

58. Nestes moldes, e em relação à presente temática, pode, desde já, o presente Tribunal Arbitral concluir que pertencia à AT o ónus de demonstrar, com os meios que tinha ao seu dispor, que o presente contrato de cessão de crédito se consubstanciava, ou não, num financiamento à ora Requerente.

59. Note-se, aliás, que a AT teve ampla oportunidade para fazer esta prova, visto que as correções aqui contestadas resultaram de processo inspetivo instaurado em sede da ora Requerente, no âmbito do qual poderiam ter sido indagados quaisquer factos comprovativos que permitissem demonstrar, inequivocamente, que o contrato de cessão de créditos se tratava de um financiamento.

60. Neste sentido, na opinião do presente Tribunal Arbitral, a AT não cumpriu tal obrigatoriedade legal, não se demonstrando capaz de demonstrar com factos tal pressuposição.

61. Por último, acrescente-se que, nos termos do artigo 75.º da LGT, nos casos em que AT não questiona a credibilidade e veracidade da contabilidade dos sujeitos passivos, as declarações fiscais dos mesmos irão beneficiar das presunções de veracidade e de boa-fé, cabendo, posteriormente, à primeira (AT) ilidir tais presunções.

62. Neste contexto, esta premissa vem reforçar o argumento anteriormente esgrimido, no sentido em que, no caso em apreço, competia à AT, antes de realizar eventuais ajustamentos ao resultado fiscal da Requerente, demonstrar que, na falta de referência expressa no contrato de cessão de crédito sobre a possibilidade, ou não, de recurso, este contrato consubstanciava um efetivo financiamento à ora Requerente,

63. O que entende o presente Tribunal Arbitral, face aos meios de prova presentes nos autos, a Requerida não logrou fazer.

Posto isto,

64. Não pode o presente Tribunal Arbitral concordar com a posição sufragada pela Requerida, visto que, face aos meios de prova disponibilizados, esta não logrou demonstrar que a cessão de créditos aqui controvertida se tratava de um financiamento e, portanto, sujeita à verba 17.1 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo.

65. Cabe, por último, apreciar, ao abrigo do disposto no artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente.

66. Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

67. É, por isso, condição necessária para a atribuição dos referidos juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços.

68. Neste contexto, como não poderá deixar de se concluir pelos factos apresentados pelas partes, considera o presente Tribunal Arbitral existir erro imputável à AT, dado que praticou o ato de liquidação de Imposto do Selo ilegal por sua iniciativa, não tendo procurado demonstrar pelos meios que tinha a seu dispor que o contrato de cessão de créditos se tratava de um financiamento.

Pelo que,

69. Se conclui pela procedência do referido pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente.

 

70. Face ao exposto, este tribunal arbitral entende que:

A) O indeferimento da Reclamação Graciosa enferma de vício de violação de lei por erro sobre pressupostos de direito e de facto, devendo ser anulada e, consequentemente,

B) A liquidação de Imposto do Selo n.º 2017..., juntamente com a respetiva liquidação de juros compensatórios, as quais acrescem ao montante de Euro 1.866,14, deverão ser anuladas, com as legais consequências.

V. Decisão

71. Termos em que decide este Tribunal Arbitral:

A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal e anular o ato de liquidação de Imposto do Selo mencionado supra, por referência a 2013,

B) Determinar o reembolso da quantia de Euro 1.866,14;

C) Condenar a Requerida, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), no pagamento dos juros indemnizatórios, à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, calculados sobre a quantia paga de Euro 1.866,14, desde o dia em que foram pagas as liquidações mencionadas supra e até ao dia do integral reembolso do montante referido; e

D) Condenar a Requerida nas custas do processo.

VI. Valor do processo

72. Fixa-se o valor do processo em Euro 1.866,14, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

VII. Custas

73. De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em Euro 306, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência do pedido.

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 20 de dezembro de 2018

 

O Árbitro

(Sérgio Santos Pereira)

 



[1] Vide Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in “Lei Geral Tributária anotada e comentada”, 4.ª edição, 2012

[2] Vide António Lima Guerreiro, in “Lei Geral Tributária Anotada”, Rei dos Livros, 2001