Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 177/2018-T
Data da decisão: 2018-12-17  IRS  
Valor do pedido: € 127.601,11
Tema: IRS – indemnização por cessação do contrato de trabalho – art. 2.º, n.º 4, alíneas a) e b) do CIRS.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Drª Nina Aguiar e Dr. Miguel Luís Cortês Pinto de Melo (vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:   

 

  1. Relatório

 

  1. A..., com o número de identificação fiscal n.º ... e B..., com o número de identificação fiscal n.º..., solicitaram pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), com vista à apreciação da legalidade da nota de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2017..., de 4 de Dezembro de 2017, e respetivos juros compensatórios, respeitante ao ano de 2013, no valor de € 127.601,00.

Os Requerentes apresentaram o pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação das liquidações, com as demais consequências legais.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.

As Partes foram notificadas da designação dos árbitros não tendo arguido qualquer impedimento.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 18 de Junho de 2018.

Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

  1. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral os Requerentes alegam, em síntese, o seguinte:
  1. As decisões do Conselho de Administração (”CA”) da B... (“B...”) eram tomadas pelos administradores em funções (todos residentes em território espanhol, exceto o Requerente) e implementadas pelo Requerente;
  2. Existia um vínculo laboral e uma subordinação jurídica, encontrando-se o Requerente sujeito a ordens e direção do Grupo espanhol, pelo que atuava com controle e superintendência do Grupo espanhol D...;
  3. Apesar de ser trabalhador dependente assumiu funções de administrador delegado da C... para poder implementar as decisões do CA;
  4. A retribuição mensal do Requerente era decidida pela D... (“D...”) que definia como distribuir o encargo na sociedade espanhola, sendo o remanescente pago pela C... (cf. Anexo 6);
  5. Após 17 anos o Requerente chega a acordo com a entidade patronal (D...), tendo-lhe sido paga uma indemnização no valor de 236.013,74€ (cf. Anexo 4);
  6. Quanto à C... uma vez que o mesmo renunciou ao cargo não foi paga qualquer indemnização;
  7. Foi entregue declaração de IRS referente a 2013 (anexo J) com a indicação de que o Requerente havia auferido de fonte estrangeira o valor de 121.344,62€;

  1. Os rendimentos obtidos resultam da celebração de contrato com a empresa espanhola (cf. Anexo 5);
  2. Em Portugal não foi recebida qualquer indemnização uma vez que o contrato foi cessado unilateralmente;
  3. Considera o Requerente que, tendo a indemnização sido paga pela D..., na qual exercia funções de direção, será aplicável o artigo 2.º/4/b), excluindo de tributação a parte que não exceda o valor correspondente ao valor médio das remunerações regulares, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora (cf. Anexo 7);
  4. O contrato de indemnização entre D... e C... e o Requerente na qual vem mencionado que a empresa espanhola paga a quantia de € 236.013,74;
  5. Do referido resulta que:

  1. Como a indemnização correspondeu a 236.013,74€, a mesma está abaixo do limiar referido acima, e por isso, isenta de tributação;
  2. Em alternativa, adianta a possibilidade de se se considerar para efeitos do cálculo da isenção apenas o rendimento obtido em Espanha, sendo que neste caso o montante sujeito a tributação seria de € 37.727,62.

 

  1. A autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) apresentou resposta e juntou processo instrutor, invocando em síntese, o seguinte:
  1. O Requerente é sujeito passivo de IRS, o qual incide sobre a totalidade dos rendimentos obtidos (artigo 13.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e artigo 15.º/1 do CIRS);
  2. No contrato de rescisão refere-se o pagamento pela D... o montante de 236.013,76€ a título de indemnização pela cessão do contrato de trabalho em 2013, o que a AT refere ter verificado no recibo de vencimento emitido por aquela empresa e no extrato bancário a transferência efetuada pela mesma (Anexo 8);
  3. A AT espanhola comunica, entretanto, à AT portuguesa que o Requerente auferiu rendimentos de trabalho dependente no valor de 352.026€ que, de acordo com os artigos 15.º e 16.º do CIRS, são tributados em Portugal;
  4. A sociedade C... declarou um rendimento auferido pelo referente em 2013 no montante de 108.358,53€;

  1. O Requerente entregou a declaração de IRS relativa ao ano de 2013 com o valor no anexo A de 108.358,53€ (igual ao declarado pela C...) e no anexo J de 121.344,62€ (parte dos rendimentos declarados pela D...);
  2. O Requerente foi membro do conselho de administração da C..., S.A. durante os anos antecedentes;
  3. O Requerente recebe remunerações mensais referentes à categoria de administrador delegado da C... (AT refere constar nos recibos) e da sociedade D... referentes à categoria de diretivo;
  4. Não foram declarados todos os rendimentos nos termos do artigo 2.º/3/e), 2.º/4/a) e 15.º/1 do CIRS;
  5. Considera a AT que parte da indemnização se refere à extinção da relação laboral que o Requerente detinha com todas as empresas do grupo e que deverá ser imputada, na sua quota-parte, à C..., a qual será tributada na sua totalidade, uma vez que o Requerente era administrador da empresa (cf. Anexo 2);
  6. A imputação a considerar é a seguinte:

  1. Assim, de acordo com o artigo 2.º/4/a), a quota-parte da indemnização referente à C... deverá ser tributada pela sua totalidade, ma vez que o cargo exercido era de administrador, correspondendo a 100.538,21€;
  2. De acordo com o artigo 2.º/4/b), a quota-parte da indemnização referente à D... está isenta de tributação uma vez que o cargo exercido era de direção e o valor de 135.475,52€ se encontra abaixo do limiar de isenção calculado nos termos daquele artigo.

 

  1. Por não haver razões que o justificassem o tribunal dispensou a realização da primeira reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo. O Tribunal designou o dia 18 de dezembro para o efeito da prolação do acórdão.

 

  1. Os Requerentes e a Requerida apresentaram alegações reiterando os argumentos apresentados nas anteriores peças processuais.  

 

  1. Saneamento

 

6.1. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

6.2. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

6.3. O processo não enferma de nulidades.

6.4. Não foram suscitadas exceções.

6.5. Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

  1. Mérito

 

III.1. Matéria de facto

 

Factos provados

 

  1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, prévias, e de mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

 

  1. Em 1 de maio de 1997 foi assinado contrato de trabalho por conta de outrem entre A... e a D..., S.A. com sede em Espanha, tendo-lhe sido atribuída a categoria de “Diretivo”;
  2. O Requerente exerceu funções noutras empresas do Grupo E...;
  3. Com efeitos a partir de 01 de julho de 1977, o Requerente passou também a exercer funções de Administrador-delegado da C..., SA., cargo que manteve até agosto de 2013;
  4. Com efeitos em 1 de julho de 2001 o Requerente é incorporado na empresa do Grupo F..., S.A. com sede em Espanha, onde manteve as condições contratuais inicialmente celebradas com a D..., S.A.;
  5. Não obstante as fusões dentro do Grupo E... o Requerente manteve o seu vínculo laboral com o grupo espanhol por um período correspondente a 17 anos;
  6. Resulta do RIT que no extrato da conta n.º..., consta a transferência da D..., no valor de € 286.436,25;
  7. E que a sociedade “C..., SA” procedeu à entrega das Declarações Mensais de Remunerações (DMR) durante o ano de 2013, das quais constam os rendimentos do trabalho dependente auferidos pelo Requerente no montante de € 108.358,53 e respetivas retenções no valor total de € 42.977,00, de contribuições obrigatórias para regimes de proteção social no valor total de € 5.170,18 e retenção de sobretaxa no valor de € 1.743,25;
  8. Os Requerentes, residentes em território português, conforme disposto no artigo 16.º do CIRS, preencheram o anexo A da declaração Modelo 3 de IRS com valores iguais aos declarados pela entidade C..., SA e o anexo J com o valor de € 121.344,62 (parte dos rendimentos auferidos por D..., SA);
  9. Em 30 de agosto de 2013 o Requerente cessou funções por mútuo acordo com a D..., S.A., recebendo uma indemnização de 236.013,74€, a ser paga por esta, destacando-se do acordo de rescisão (cf Anexo 4), no essencial:

“De uma parte, D..., S.A. (en adelante, "D...") (…)De  otra  parte,  C...,  S.A. (en  adelante "C..."), (…) Y de otra parte, D. A... (…) manifiestan y acuerdan (…)”

“D...y el Sr. A... han accedido a la resolucion definitiva por mutuo acuerdo de la relacion laboral existente entre las mismas, con efectos del dia 30 de agosto de 2013, en virtud de lo dispuesto en el articulo 49.1.a) del Estatuto de los Trabajadores. Como compensation por la extincion de su relacion laboral, D... abonara al Sr. A... la cantidad de 236.013,74 euros brutos. Asimismo, D... abonara al Sr. A... la cantidad  de 14.873,17  euros  brutos  en concepto de liquidation, saldo y finiquito, de conformidad con el desglose incluido en el anexo al presente Acuerdo.”

“El abono de las cantidades mencionadas en los apartados Primero y Segundo se realizara antes del 30 de septiembre de 2013 mediante transferencia bancaria en la cuenta en la que el Sr. A... venia percibiendo sus haberes. El Sr. A... deciara que con el percibo de las cantidades mencionadas en este Acuerdo, da per excinguida, saldada y finiquitada a su entera satisfacion la relacion laboral que le unia conD... , no teniendo nada alas que pedir ni reciamar a D... ni a ninguna otra compafila del Grupo E... - con excepcion de la liquidacion, saldo y finiquito a realizar per C... per ningtin etre concepto, salarial o extrasalarial, de naturaleza indemnizatoria o de cualquier etre tipo, incluyendo, a titulo meramente enunciativo, cualquier  derecho  o  cantidad  que  le  pudiera  corresponder  come consecuencia de la jubilation, beneficios o cualesquiera otras cornpensaciones, tales como las correspondientes a horas extraordinarias, vacaciones, econornato, bonus per cumplimiento de objetivos, retribution variable, incentives a largo plaza, atrasos de convenio, gastos, suplidos, aportaciones a planes de pensiones, o cua lesquiera mejoras voluntarias.”

“El Sr. A..., presenta en el dia de hoy su dimision coma miembro del consejo de administracion de C... con efectos del 30 de agosto de 2013, para lo que realizara todos aquellos tramites, comunicaciones y cualquier otra formalidad que le sean requeridos por C..., ademas de entregar firmada la carta que constituye anexo al presence Acuerdo.

Asimismo se  comprornete  a  presentar  su  dimision  en  codas  las   asociaciones profesionales u otras entidades en las que actue en representation de C... o del Grupo E..., con la misma fecha de efectos.”

“El Sr. A... declara expresamente dar por extinguida la carta de garantias suscrita con la G..., S.A.U. (G...) en fecha 30 de junio de 2001, la cual queda sin efectos desde el dia de la firma del presence Acuerdo. En consecuencia, la relacion laboral del Sr. A... con G... ha pasado de estar suspendida a encontrarse totalmente extinguida, y reconoce, sin reserva de acciones, que no le queda cuestian alguna que pedir a reclamar por concepto alguno a G... ni a las restantes empresas del Grupo E... en que haya prestado servicios.” (cf. Anexo 4, que se dá por integralmente reproduzido);

  1. O Requerente renunciou ao cargo de administrador delegado da C... em 30 de agosto de 2013;
  2. Em 2017, o Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção tributária interna, que se iniciou com a Ordem de Serviço OI 2017..., notificada ao Requerente, e terminou em 23 de novembro de 2017;
  3. Notificado do projeto de correção, resultante do procedimento de inspeção, o Requerente exerceu o direito de audição;
  4. O Requerente foi notificado da liquidação adicional, que resulta em (cf. Anexo 2):
  • Rendimento líquido do Requerente de 2013 corrigido para 413.052,18€ (face aos 312.513,97€ declarados)
  • Correção aritmética de 100.538,21€
  • Nota de liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2013 no valor de 127.601,11€ (cf. Anexo 1)
  • Não obstante a não concordância, os Requerentes procederam ao pagamento da liquidação adicional de IRS.

 

Factos dados como não provados

 

  1. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

Fundamentação da matéria de facto

 

  1. A factualidade provada teve por base a posição das partes livremente apreciada pelo Tribunal e, bem assim, os documentos junto aos autos incluindo o processo administrativo.

 

III.2. Matéria de Direito

 

III.2.1. Da ilegalidade da liquidação adicional impugnada

 

  1. A questão que se coloca no caso em apreço é a de saber se o montante recebido pelo Requerente a título de indemnização, por rescisão do contrato de trabalho celebrado com a D..., SA, onde exercia as funções de “Diretivo”, se encontra excluído de tributação, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.ºs 1 alínea a), e 4 alínea b), do CIRS, como defende em primeira linha o Requerente ou se, pelo contrário, na tese da Requerida, não está excluída de tributação, na parte da remuneração que lhe era atribuída pela C..., SA., nos termos do artigo 2.º/4/a) do CIRS.

 

  1. Os preceitos relevantes do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”) que relevam para a questão em apreço Código têm a seguinte redação desde 2011.

 

Artigo 2.º- Rendimentos da Categoria A

1 - Consideram-se rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular provenientes de:

a) Trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado;

(…)

3. Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente:

e) Quaisquer indemnizações resultantes da constituição, extinção ou modificação de relação jurídica que origine rendimentos do trabalho dependente, incluindo as que respeitem ao incumprimento das condições contratuais ou sejam devidas pela mudança de local de trabalho, sem prejuízo do disposto no número seguinte e na alínea f) do n.º 1 do artigo seguinte;

(…)

4. Quando, por qualquer forma, cessem os contratos subjacentes às situações referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, mas sem prejuízo do disposto na alínea d) do mesmo número, quanto às prestações que continuem a ser devidas mesmo que o contrato de trabalho não subsista, ou se verifique a cessação das funções de gestor público, administrador ou gerente de pessoa coletiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente, as importâncias auferidas, a qualquer título, ficam sempre sujeitas a tributação:

a) Pela sua totalidade, na parte que corresponda ao exercício de funções de gestor público, administrador ou gerente de pessoa colectiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente;

b) Na parte que exceda o valor correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos, salvo quando nos 24 meses seguintes seja criado novo vínculo profissional ou empresarial, independentemente da sua natureza, com a mesma entidade, caso em que as importâncias serão tributadas pela totalidade.

10 - Considera-se entidade patronal toda a que pague ou coloque à disposição remunerações que, nos termos deste artigo, constituam rendimentos de trabalho dependente, sendo a ela equiparada qualquer outra entidade que com ela esteja em relação de grupo, domínio ou simples participação, independentemente da respetiva localização geográfica.

 

Artigo 9.º Rendimentos da categoria G

1 - Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:

b) As indemnizações que visem a reparação de danos não patrimoniais, excetuadas as fixadas por decisão judicial ou arbitral ou resultantes de acordo homologado judicialmente, de danos emergentes não comprovados e de lucros cessantes, considerando-se neste último caso como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão;

 

Artigo 13.º Sujeito passivo

1 - Ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.

 

Artigo 15.º Âmbito da sujeição

1 - Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.

 

    

Vejamos.

 

  1. Como resulta dos factos dados como provados, o Requerente celebrou contrato de trabalho, em 1 de maio de 1997, com a G..., S.A., com sede em Espanha, tendo-lhe sido atribuída a categoria de “Diretivo”.

 

  1. Resulta igualmente dado como provado que foi com base e a partir desse contrato de trabalho que o Requerente exerceu funções noutras empresas do “Grupo E...”.

 

  1. A G..., S.A. sempre pagou ao requerente, enquanto ele exerceu funções de administração na sociedade de direito português, C..., S.A., uma remuneração qualificada de rendimento de trabalho dependente, que apenas se justifica a título do exercício das funções de “Diretivo” por parte do Requerente e fora do território português.

 

  1. O Código das Sociedades Comerciais português, no seu artigo 398.º, proibiria ao Requerente, durante o período para o qual tivesse sido designado administrador da empresa portuguesa, o exercício, na sociedade ou em sociedades que esta estivessem em relação de domínio ou de grupo, quaisquer funções temporárias ou permanentes ao abrigo de contrato de trabalho, subordinado ou autónomo.

 

  1. Assim não parece suceder em Espanha, onde a Ley de Sociedades de Capital, cujo texto refundido foi aprovado pelo Real Decreto Legislativo n.º 1/2010, de 2 de julio, não contém norma similar, de resto não invocada pela Requerida.,

 

  1. Aliás, do acordo de rescisão resulta claro que as funções exercidas pelo Requerente o eram, no seio do Grupo E... o que não é posto em causa pela Requerida.

 

  1. Com efeito, refere a Requerida na Contestação “Assim sendo, não restam dúvidas de que através da outorga do documento datado de 2013/08/30, o Requerente cessa funções com o grupo espanhol D..., o que significa que o valor da indemnização de € 236.073,73 refere-se à cessação laboral que o mesmo detinha nas sociedades dominadas (D..., SA e C..., SA) e que pertenciam ao grupo espanhol D...” (ponto 22).

 

  1. “Até, porque, como bem salienta o RIT, se assim não fosse (o que não se concebe), para efeito de cálculo do valor da indemnização o Requerente não tinha somado o valor pago pela sociedade "C... SA" - na qual detinha o cargo de administrador delegado - (conforme fez e é referido no artigo 22.º do requerimento do direito de audição)” (ponto 23).

 

  1. Conclui a Requerida que haverá uma parte da indemnização, que corresponde à remuneração da C... (100.538,21€), deverá ser tributada, por força do n.º 4, alínea a), do artigo 2.º do CIRS, uma vez que o cargo exercido aí era o de administrador delegado.  

 

  1. Apoia-se para chegar a esta conclusão nas declarações mensais de remunerações entregues pela C..., SA., durante o ano de 2013 e declaração de rendimentos do Requerente.  

 

  1. Acontece que para a Requerida tributar os rendimentos pagos ao Requerente pela C... ao abrigo da alínea a) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS teria o ónus de demonstrar que tal remuneração corresponde de facto ao exercício do cargo de administrador delegado e que nessa qualidade foi integrada no montante global da indemnização recebida.

 

  1. Ou ainda demonstrar que, considerando apenas a remuneração auferida em Espanha para cômputo do cálculo exigido pela norma de delimitação negativa de incidência, existiria um excesso sujeito a tributação face ao montante total da indemnização, o que não fez.

 

  1. Sendo que tal não consta do processo nem tão pouco resulta do acordo de rescisão cujo conteúdo não é posto em causa pela Requerida.

 

  1. Alega ainda a Requerida que se o valor da indemnização respeitasse, apenas, às funções de "Diretivo", como o Requerente pretende demonstrar, funções que exercia na sociedade D..., SA, nada obstava a que, quando cessou o contrato de trabalho com esta empresa, continuasse a deter o cargo de administrador delegado na sociedade dominada "C..., SA" e a ser remunerado pelo cargo que detinha na mesma.

 

  1. Ora este argumento pode entender-se precisamente em sentido contrário.

 

  1. Do acordo de rescisão resulta, na verdade, que a extinção da relação laboral com a D..., SA., materializada no contrato de cessação de trabalho, teve como consequência a renúncia ao cargo de administrador na C..., SA..

 

  1. Verifica-se, assim, que as funções de administrador que ligavam o Requerente à C..., SA., eram meramente instrumentais ou funcionais estreitamente dependentes do contrato de trabalho celebrado a D..., SA., e que teriam de cessar necessariamente com o acordo de rescisão celebrado com esta empresa. Dito por outras palavras, a renúncia ao cargo de administrador em Portugal foi consequência necessária da rescisão do contrato de trabalho que o Requerente havia celebrado com a D..., SA..

 

  1. Mas daqui não resulta, qualquer argumento a favor da tese da Requerente.

 

  1. Com efeito, nada impede que a remuneração recebida pelo Requerente e paga pela C..., SA., não corresponda a remuneração autónoma recebida pelo exercício do cargo de administrador.

 

  1. Mas antes resulte da mera repartição de encargos decidida pela D..., SA., ou no seio do grupo, enquanto ato de gestão que lhes é próprio.

 

  1.  De facto, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 399.º do Código das Sociedades, compete à assembleia geral de acionistas ou a uma comissão por aquela nomeada fixar as remunerações de cada um dos administradores, tendo em conta as funções desempenhadas e a situação económica da sociedade.

 

  1. Tinha a Requerida, na sua disponibilidade, a obtenção, junto da C..., S. A., da ata da assembleia geral ou da deliberação da comissão por aquela nomeada que tivesse fixado a remuneração de administrador.

 

  1. No contexto em que o Requerente era pago, é manifestamente insuficiente, para sustentar a prova pretendida, invocar o recibo de remunerações emitido pela C..., S. A., como se dele constasse “a” remuneração que lhe era devida pelas funções de administração.

 

  1. E também parece manifestamente insuficiente, ainda que fosse essa a remuneração por exercício de funções de administração, concluir que o montante fixado para a indemnização pela cessação do contrato de trabalho, e só por essa cessação nos termos do respetivo acordo, a tinha tido em conta, uma vez que o Requerente tinha uma componente igual ou superior de remuneração pelo exercício de funções de “Diretivo”, estas inquestionavelmente elegíveis para a determinação do montante excluído da tributação.

 

  1. Por outro lado, sendo o Requerente residente em Portugal os rendimentos auferidos em Portugal sempre teriam de ser tributados, sendo igualmente irrelevante este argumento.

 

  1. Em suma, a posição sustentada pela Requerida parte da presunção de que parte da indemnização respeita igualmente à cessação do cargo de administrador na C..., SA.

 

  1. Acontece que tal presunção carece de base legal, o que invalida a liquidação.

 

  1. Resulta do art. 74.º, n.º1, da LGT que “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

 

  1. Recai assim sobre a Requerida o ónus da prova dos “pressupostos dos factos constitutivos dos direitos que pretende exercer no procedimento, enquanto que os sujeitos passivos terão o ónus de provar os factos que possam servir de suporte à concretização desses direitos” (DIOGO LEITE CAMPOS e Outros, Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4ª.ed., 2012, p.654 ss.

 

  1. Referem os Autores que a AT, ao abrigo do art. 58.º da LGT, não deve apenas “procurar carrear para o procedimento provas dos factos que aproveitem à sua posição, pois nessa matéria, mantém-se o dever, derivado do princípio do inquisitório, de realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade.”

 

  1. Ora para tributar os rendimentos declarados em Portugal ao abrigo do art. 2.º, n.º4, alínea a), do CIRS, teria a Requerida de demonstrar, repete-se, que tais rendimentos estavam associados ao exercício das funções de administrador delegado em Portugal e que nessa qualidade integravam o valor de indemnização recebido pelo Requerente, o que não acontece.

 

  1. Acresce que, quer os factos dados como provados, quer as regras da experiência, atento o quadro em que o trabalhador exerceu funções, dentro de um grupo empresarial e tendo por referência um contrato de trabalho com uma empresa dominante desse grupo, apontam no sentido do defendido pelos Requerentes, ainda que com fundamentos diversos.

 

  1. Termos em que, pelas razões expostas, assiste razão aos Requerentes, devendo ser julgado procedente o pedido, com a consequente anulação da liquidação adicional ora impugnada.

 

 

III.2. 2. Quanto ao pedido de juros indemnizatórios 

 

  1. Por último os Requerentes pedem a condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios em virtude do pagamento indevido do montante correspondente a € 60.412,37, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º1 do artigo 43.º da LGT.

 

  1. De acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT «A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso:

(…)

b) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito. (…)».

 

  1. No mesmo sentido, o artigo 100.º da LGT prevê que «A Administração está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros, nos termos e condições previstos na lei».

 

  1. A doutrina e jurisprudência têm defendido que se enquadra no âmbito das competências dos tribunais arbitrais a fixação dos efeitos das suas decisões, nos mesmos termos previstos para a impugnação judicial, designadamente, quanto à condenação em juros indemnizatórios ou a condenação por indemnização por garantia indevida (cfr. Carla Castelo Trindade (2016), Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, p. 121, e Jorge Lopes de Sousa (2013), Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, p. 116).           

 

  1. Com efeito, na autorização legislativa concedida ao Governo para aprovação do RJAT, constante do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, proclama-se, indubitavelmente, a intenção de uma verdadeira alternatividade entre o processo judicial e o processo arbitral tributários, ali se lendo que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

  1. Assim, pese embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais tributários, não fazendo referência expressa a decisões constitutivas (anulatórias) e decisões condenatórias, deverá entender-se, de harmonia com a autorização legislativa supra transcrita e, bem assim, com os efeitos assacados às decisões arbitrais previstos no artigo 24.º do RJAT, que se compreendem nas competências dos tribunais arbitrais tributários os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais judiciais tributários em relação aos atos cuja apreciação de (i)legalidade se insere nas suas competências.

 

  1. Deste modo, se apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação – conforme o disposto nos artigos 99.º e 124.º do CPPT – pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida, idêntica conclusão deverá resultar no âmbito do processo arbitral tributário.

 

  1. Quanto aos juros indemnizatórios, prevê o artigo 43.º, n.º 1, da LGT que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

 

  1. No caso sub judice, como ficou dito, o pedido dos Requerentes é julgado totalmente procedente, sendo que, na sequência da ilegalidade da liquidação adicional impugnada, há lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

 

  1. Os Requerentes têm, ainda, direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, relativamente ao valor do imposto e juros indevidamente pagos, contados desde a data em que tais valores foram indevidamente pagos até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

 

 

  1. Decisão

 

  1. Termos em que acorda o presente Tribunal em:
  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do ato tributário de liquidação adicional de IRS n.º 2017... de 4 de dezembro de 2017, respeitante ao ano de 2013;
  2. Anular a referida liquidação adicional;
  3. Condenar a Requerida na restituição do imposto indevidamente pago, com os correspondentes juros indemnizatórios, desde a data em que os Requerentes efetuaram o pagamento do imposto em causa nos autos até ao integral reembolso do montante indevidamente pago.

 

  1. Valor do Processo

 

  1. De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 127.601,11.

 

  1. Custas
  1. De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas € 3060,00, a cargo da Requerida.  

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 17 de dezembro de 2018.

 

 

Os árbitros,

 

Fernanda Maçãs (presidente)

 

 

Nina Aguiar (Vogal).

 

 

Miguel Luís Cortês Pinto de Melo (Vogal)