Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 169/2018-T
Data da decisão: 2018-12-24  IRC  
Valor do pedido: € 57.937,43
Tema: IRC – determinação do lucro tributável no âmbito da compra e venda de imóveis; artigo 64.º do Código do IRC.
Versão em PDF

 

Decisão Arbitral

O Árbitro Miguel Durham Agrellos, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 14 de junho 2018, decide no seguinte:

  1. Relatório

A Requerente A... Lda, pessoa coletiva número..., com sede na Rua ... (...), ...– ... ..., veio, nos termos da alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral Singular, para se pronunciar sobre a ilegalidade do ato tributário de liquidação oficiosa de IRC e Juros Compensatórios, número 2017..., no valor global de EUR 57.937,43, pedindo a restituição do montante de imposto indevidamente liquidado e consequentemente pago. Mais requer a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado aos Requerentes e à Requerida em 14 de junho de 2018.

Nos termos do disposto do n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 23 de maio de 2018, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 14 de junho 2018.

Em 6 de setembro de 2018, a Requerida apresentou Resposta em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente por não provado e absolvida a Requerida de todos os pedidos. Caso assim não se entenda, requer a Requerida que, por apelo ao disposto no artigo 280.º, n.º 3 da CRP e no artigo 72.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional, seja determinada a notificação ao Ministério Público. A Requerida apresentou igualmente o Processo Administrativo.

Por despacho de 26 de novembro de 2018, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas, tendo sido, ainda, notificada a Requerente para pagamento da taxa de arbitragem subsequente.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, nos termos do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, ambos do RJAT.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.

O processo não enferma de nulidades.

  1. Factos
    1. Factos provados
  1. Em 8 de outubro de 2012, a Requerente adquiriu a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão, para comércio armazém e escritório no primeiro andar, armazém na cave, e que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito no Lugar ..., freguesia e concelho de ..., descrita na conservatória do Registo Predial de Paredes sob o número ... (“Imóvel”), por arrematação judicial, no processo de insolvência .../11...T…, pelo valor de €62.500,00.
  2. O Imóvel foi reconhecido na contabilidade em 2014.
  3. Em 16 de janeiro de 2014, a Requerente celebrou escritura pública de compra e venda relativa ao Imóvel, através da qual alienou à sociedade B..., Lda. o prédio. O preço constante da escritura pública de compra e venda é de €65.000,00.
  4. O valor patrimonial tributável (“VPT”) do Imóvel à data da alienação era de €314.050,00.
  5. Na contabilidade e na declaração de rendimentos, para efeitos da determinação do resultado fiscal, a Requerente considerou como componente positiva o preço de venda de €65.000,00 e, como componente negativa, o preço de compra de €62.500,00.
  6. A Requerente foi sujeita a um procedimento de inspeção externo, credenciado pelas Ordens de Serviço n.º OI2017... e OI2017..., destinada a verificar a omissão de rendimentos nos exercícios de 2014 e 2015, com início em 18 de abril de 2017 e término a 4 de agosto de 2017.
  7. No Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) a Requerida considerou que, em consequência da venda do Imóvel por valor inferior ao VPT, a Requerente deveria ter inscrito no campo 745 do quadro 7 da declaração Modelo 22, a diferença positiva entre o VPT definitivo do imóvel alienado e o valor do contrato.
  8. A Requerida procedeu à correção à matéria tributável da Requerente, no exercício de 2014, no valor de €249.050,00.
  9. Em consequência da correção oficiosa à matéria tributável do exercício de 2014, a Requerente foi notificada da liquidação oficiosa de IRC número 2017..., no valor global de € 58.077,16, e da subsequente demonstração de acerto de contas n.º 2017... .
  10. A Requerente não utilizou o procedimento de previsto no artigo 139.º do Código do IRC a fim de ilidir a presunção constante do artigo 64.º n.º 2 do compêndio legal.
  1. Factos não provados

Com relevo para a decisão arbitral, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

  1. Fundamentação da matéria de facto

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pelas Partes. A Requerida não questiona os factos apresentados pela Requerente.

  1. Direito
    1. Posição das partes

A Requerente defende, sumariamente, que o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, em virtude do prazo fixado para a sua instauração, constitui uma garantia ténue para o contribuinte, incapaz de fazer valer os princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real.

Entende, pois, a Requerente que, quando o sujeito passivo, nomeadamente por desconhecimento, não tenha lançado mão do procedimento previsto no artigo 139.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) para prova do preço efetivo, o apuramento do lucro tributável, em consequência da alienação de imóvel, deve, nos termos do artigo 64.º, n.os 1 a 3 do Código do IRC considerar “como componente negativa do resultado fiscal o valor patrimonial, se superior ao preço de compra, sempre que seja relevada como componente positiva o valor patrimonial aquando da venda e se superior ao preço, independentemente de aquela compra ser feita ou não em processo de insolvência ou outro processo judicial”.

A Requerida entende, de acordo com o fundamento do ato de liquidação no segmento em causa que, no caso em análise, o imóvel foi adquirido por arrematação judicial, pelo que, a este propósito refere o artigo 12.º do Código do IMT, na regra 16.ª, do seu n.º 4 que “o valor dos bens adquiridos ao Estado, às Regiões Autónomas ou às autarquias locais, bem como dos adquiridos mediante arrematação judicial ou administrativa, é o preço constante do ato ou do contrato”. Assim, defende, verificada esta situação, o valor de aquisição a considerar corresponde ao preço efetivo constante do ato. Pelo que, por o imóvel ter sido adquirido por arrematação judicial, aquando da venda em 2014 não beneficia da correção do valor de aquisição pela conjugação do n.º 1 do artigo 64.º do Código do IRC, com a regra n.º 16, do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT.

Mais defende, que o mecanismo consagrado no artigo 139.º, cumpre plenamente o princípio da capacidade contributiva.

  1. Questão decidenda

Pretende a Requerente a pronúncia deste Tribunal quanto à legalidade do ato de liquidação, por violação do disposto no artigo 64.º, n.os 1 a 3 do Código do IRC, por entender que o valor de compra para efeitos de quantificação da mais-valia, deveria considerar o VPT e não o valor pelo qual ocorreu a arrematação, uma vez que é também o VPT considerado para efeitos de fixação do valor de venda. Subsidiariamente, defende que caso se acolha a interpretação seguida pela Requerida, tal conduz à inconstitucionalidade das normas em causa por violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação segundo o rendimento real.

A questão decidenda foi já objeto de decisão por tribunal arbitral, no processo n.º 180/2015-T do CAAD, formado por coletivo composto por José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Vasco Valdez e Ana Duarte, cujo sentido e fundamentos se acolhem, onde se decidiu que:

«o artigo 64.º/1 CIRC dispõe que os “valores normais de mercado (...) não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto”.

Este será, assim, o ponto de partida do percurso hermenêutico a trilhar; haverá que averiguar se foi liquidado IMT ou, não o sendo, qual o valor que serviria de base àquela liquidação, se houvesse.

No caso, como não houve lugar à liquidação de IMT, tem de se apurar o valor que serviria de base àquela liquidação, se a houvesse, o que, no caso, decorre do artigo 12.º do CIMT, que dispõe que:

“1 - O IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.

2 - No caso de imóveis omissos na matriz ou nela inscritos sem valor patrimonial tributário, bem como de bens ou direitos não sujeitos a inscrição matricial, o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do CIMI.

3 - Ao valor patrimonial tributário junta-se o valor declarado das partes integrantes, quando o mesmo não esteja incluído no referido valor patrimonial. (...)

4 - O disposto nos números anteriores entende-se, porém, sem prejuízo das seguintes regras:

16.ª O valor dos bens adquiridos ao Estado, às Regiões Autónomas ou às autarquias locais, bem como o dos adquiridos mediante arrematação judicial ou administrativa, é o preço constante do acto ou do contrato”;

No caso, como bem considerou a AT, estamos perante uma situação reconduzível ao conceito de “arrematação judicial”, utilizado na regra que vem de se transcrever.

Com efeito, e conforme se escreveu no Ac. do STA de 05-11-2014, proferido no processo 01508/12:

“II - A ratio legis da norma constante da regra 16ª, do nº 4, do artº 12º do CIMT prende-se com a maior segurança da correspondência e conformidade do valor declarado ao valor real da transacção nas situações em que o acto da venda é realizado mediante a intervenção das autoridades judiciais e administrativas, admitindo-se que existirá sempre um controlo daquelas autoridades sobre o valor da alienação, apesar de a venda ser efectuada após negociação entre um negociador nomeado por aquele órgão e o comprador.

III - A venda de imóvel efectuada pelo administrador em processo judicial de falência e sob controlo judicial (arts. 158º e 161º do CIRE) integra o conceito de arrematação judicial para efeitos da regra 16ª, do n.º 4 do art.º 12º do CIMT.”

Deste modo, se tivesse havido liquidação de IMT, o valor que lhe serviria de base seria o declarado nos contratos por meio dos quais a Requerente adquiriu os imóveis em causa, pelo que será esse o “valor patrimonial definitivo” de referência para efeitos do artigo 64.º/1 do CIRC.

Posto isto, julga-se que o n.º 2 do mesmo artigo, embora comporte a interpretação – ora sustentada pela Requerente – segundo a qual sempre que “o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.”, dever ser lido em conjugação com o n.º 1 que a precede, o que decorre, desde logo, da expressão “Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior”.

Efectivamente, a ratio legis do n.º 1 do artigo 64.º é a de assegurar a “segurança da correspondência e conformidade do valor declarado ao valor real da transacção”, para efeitos da tributação das empresas, por meio da aplicação das regras do CIMT, sendo tal ratio prosseguida no n.º 2, que deverá operar, por força, justamente, da sua ratio legis, unicamente nas situações em que o “valor de mercado” a que se refere o n.º 1 seja inferior ao valor que serviu de base à liquidação de IMT, ou que serviria, se a ela houvesse lugar.

Lida, com a devida atenção, a norma do n.º 1 em questão verifica-se que ela impõe que os “valores normais de mercado” não podem ser inferiores aos “valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto”. Ou seja: esta norma, inclui no conceito de “valores patrimoniais tributários definitivos” os valores que “serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto”, pelo que se terá de concluir que aquela expressão não se reporta ao VPT, stricto sensu, mas ao valor que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT, independentemente de tal valor ser, ou não, o VPT.

Ao ser repristinada no n.º 2 a expressão “valor patrimonial tributário definitivo”, deverá a mesma ser lida – coerentemente – da mesma forma que no n.º 1, ou seja, como não se reportando ao VPT, stricto sensu, mas ao valor que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT, independentemente de tal valor ser, ou não, o VPT.

Compreendido, deste modo, o quadro normativo aplicável, haverá, então, que concluir pela conformidade com o mesmo das liquidações impugnadas, devendo, nessa parte, improceder, portanto, o pedido arbitral formulado» (realçado nosso).

Aliás, e em complemento aos elementos de interpretação referidos, sempre se dirá que o elemento literal do artigo 64.º, n.º 2 e n.º 3 aponta para a sua inaplicabilidade a situações de arrematação judicial uma vez que a transmissão ocorre por ato de arrematação e não por “contrato”.

Pelo que, entende este tribunal que o valor de aquisição a considerar, para efeitos de cálculo do resultado fiscal da venda em causa, deverá corresponder ao valor da arrematação.

No que respeita ao valor de venda, a existência do mecanismo próprio previsto no artigo 139.º, n.º 3 do Código do IRC — que permite ilidir a presunção de venda pelo valor patrimonial tributário —, visa acautelar precisamente o princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), o princípio da capacidade contributiva ou o princípio da tributação segundo o rendimento real (artigo 104.º, n.º 2 da CRP). A Requerente não lançou mão de tal mecanismo no prazo legal, nem tão pouco procurou suscitar a revisão do ato de liquidação, permitindo a sua consolidação na ordem jurídica.

Desta forma, julga-se improcedente o pedido de anulação do ato de liquidação de IRC e Juros Compensatórios bem como o consequente pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

  1. Decisão

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e condenar a Requerente no pagamento das custas devidas.

Valor do processo

€ 57.937,43 (de harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária).

Custas

Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Porto, 24 de dezembro de 2018

 

O Árbitro,

 

(Miguel Durham Agrellos)