Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 153/2018-T
Data da decisão: 2018-12-11  IVA  
Valor do pedido: € 71.986,26
Tema: IVA – Erro de escrita ou de cálculo – Rectificação.
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Raquel Franco e Jorge Carita, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 27 de Março de 2018, Banco A..., S.A., NIPC..., com sede na ..., ..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IVA n.º ... de 11-04-2017, relativa ao período de imposto 201412, no valor de €71.986,26, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve aquele acto de liquidação como objecto.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:
  1. vício de violação de lei por preterição do artigo 23.º, n.º 6 e artigo 98.º, n.º2 do Código do IVA;
  2. preterição dos princípios da neutralidade fiscal, da proporcionalidade, da efectividade e da equivalência.

 

  1. No dia 28-03-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 21-05-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 12-06-2018.

 

  1. No dia 03-09-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas Requerente, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. A Requerente é uma sociedade comercial anónima com sede e direcção efectiva em território português, enquadrada, para efeitos de IVA, no regime geral de periodicidade mensal.
  2. A Requerente é um sujeito passivo misto, praticando quer operações que conferem direito à dedução do IVA, como sejam a locação financeira mobiliária e imobiliária, quer operações que não conferem esse direito.
  3. Em 10-02-2015, a Requerente submeteu electronicamente a sua declaração periódica de IVA do mês de Dezembro de 2014, à qual foi atribuído o n.º... .
  4. Na referida declaração, a Requerente inscreveu no campo 40 – Regularizações a favor do sujeito passivo – a importância de € 573.002,39.
  5. No ano de 2017, a Requerente verificou que não incluiu no numerador da fracção destinada ao apuramento da percentagem definitiva de dedução do imposto, as operações tributadas do mês de Dezembro de 2014.
  6. Na sequência, no dia 10 de Fevereiro de 2017, a Requerente apresentou uma declaração de substituição da sua declaração periódica de IVA de Dezembro de 2014, à qual foi atribuído o n.º... .
  7. Na declaração de substituição, a Requerente inscreveu no campo 40 (“regularizações a favor do sujeito passivo”) a importância de EUR 644.988,65, incluindo assim nesse valor as operações tributadas do mês de Dezembro de 2014.
  8. A Requerente foi alvo de um procedimento de inspecção tributária a coberto da Ordem de Serviço n.º OI2016..., levada a cabo pelos serviços de inspecção tributária da Divisão de Inspecção a Bancos e Outras Instituições Financeiras (DIBIF), da Unidade dos Grandes Contribuintes.
  9. Os Serviços de Inspecção Tributária solicitaram à Requerente, através de e-mail enviado em 13-02-2017, a discriminação dos cálculos e a justificação daquele acréscimo evidenciado na declaração periódica de substituição.
  10. Em resposta a esse e-mail, a Requerente informou que:

“O valor de €71.986,26 reportado adicionalmente no campo 40 da declaração de substituição do período de 2014/12 corresponde à regularização de IVA conforme abaixo se detalha.

O Banco A... é um sujeito passivo que realiza simultaneamente operações que conferem o direito à dedução e operações que não conferem tal direito.

Para efeitos de dedução do IVA dos recursos comuns às duas tipologias de operações o Banco A... recorre ao método da afectação real com base num critério de imputação calculado em observância do Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, porque de entre as operações que conferem direito à dedução encontra-se o leasing imobiliário.

No final do ano de 2014, o Banco A... apurou um critério de imputação de 9% e no campo da declaração periódica de Dezembro de 2014 foi incluído o valor de €478.567,26 relativo à regularização do IVA dedutível resultante da diferença entre o critério provisório utilizado entre Janeiro e Novembro do ano de 2014 e o critério de imputação definitivo.

Recentemente, o Banco A... verificou que a percentagem apurada – de 9% - estava incorrecto porque, por lapso demonstrado, não foi considerado no numerador o valor das operações tributadas de Dezembro de 2014 (reportadas na declaração periódica desse mesmo mês).

O coeficiente de imputação corrigido é de 10%.

  1. Através do Ofício n.º..., de 07-04-2017, a Requerente foi notificada do relatório de inspecção tributária.
  2. No Relatório de Inspecção Tributária constavam correcções em sede de IVA, no montante de € 71.986,26, relativas a Dezembro de 2014, correspondentes à diferença entre os valores corrigidos pela Requerente (€644.988,65) e os valores inicialmente declarados pela Requerente (€573.002,39) no campo 40 da declaração periódica de IVA, referente àquele período.
  3. Do Relatório de Inspecção Tributária consta o seguinte:


 

                      

 

 

 

              

 

 

 

           

 

 

 

          

 

 

                            

 

  1. Por email de 11 de agosto de 2016, a Requerente enviou para os inspetores email ao qual anexou o documento de suporte do apuramento do pro rata inicial de 9%, referente ao ano de 2014.
  2. Em 17 de fevereiro de 2017, a Requerente facultou à AT a respectiva justificação para a correcção da percentagem de pro rata para o montante de 10%, onde é referido que:

«Recentemente, o Banco A... verificou que a percentagem apurada - de 9% - estava incorreta porque, por lapso demonstrado, não foi considerado no numerador o valor das operações tributadas de dezembro de 2014 (reportadas na declaração periódica desse mesmo mês)».

  1. As operações tributadas da Requerente no mês de Dezembro de 2014, encontram-se reflectidas na declaração periódica daquele mês, oportunamente entregue à AT e constam do documento de suporte do coeficiente de imputação específico de 2014.
  2. Em 12-04-2017, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IVA, relativa a Dezembro de 2014.
  3. Por força da emissão desta liquidação, o crédito de imposto da Requerente foi reduzido em EUR 71.986,26, tendo passado a perfazer o montante global de EUR 9.981.136,53 (EUR 10.053.122,79 – EUR 71.986,26).
  4. Em 10-08-2017, a Requerente apresentou reclamação graciosa n.º ...2017... tendo por objecto a referida liquidação adicional de IVA.
  5. Em 27-12-2017, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

 

A.2. Factos dados como não provados

  1. Os Serviços de Inspecção Tributária, no decurso do procedimento de inspecção tributária solicitaram à Requerente esclarecimentos e elementos adicionais, no entanto, a Requerente não prestou tais esclarecimentos ou forneceu tais elementos.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

O facto dado como não provado resulta da ausência de prova que o sustente suficientemente.

Como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Ora, o certo é que nas suas alegações (cfr. ponto B.5 das alegações), a Requerente impugna as asserções constantes do RIT, segundo as quais não prestou informações e esclarecimentos necessários e que da documentação disponível nos autos, e concretamente do PA junto pela Requerida, em obediência ao disposto no art.º 17.º/2 do RJAT, nada consta que permita corroborar o quanto consta do RIT.

Acresce, ainda, que o RIT, referindo genericamente, no que ao denominador da fracção do pro rata diz respeito, a “insuficiência da informação disponibilizada”, não concretiza, minimamente, qual a informação claudicante, nem qual a relevância da mesma para a aferição da correcção daquele denominador, única questão sub iudice.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

A situação litigiosa sub iudice reveste-se de contornos simples, e reconduz-se, em suma, a determinar o enquadramento jurídico-fiscal, em sede de IVA, dos seguintes factos:

- O Requerente verificou em 2017 que na percentagem de pro rata apurada na última declaração periódica do ano de 2014, entregue a 10-02-2015, não foi considerado no numerador o valor das operações tributadas em Dezembro de 2014;

- Assim, em 10-02-2017, apresentou declaração de substituição da declaração de imposto primitiva, refazendo os cálculos, tendo em conta a inclusão no numerador do pro rata o valor das operações tributadas em Dezembro de 2014;

- Na sequência de procedimento de inspecção tributária, a AT veio a emitir liquidação adicional, “revertendo o aumento da dedução de imposto incluído no campo 40 da declaração periódica de substituição de IVA” supra-referida, apresentada pelo Requerente em 10-02-2017.

Antes de prosseguir com o enquadramento jurídico da situação descrita, cumpre, previamente, enquadrá-la, no sentido de definir se a mesma se reconduz à correcção de um erro – de direito, como pretende o Requerente, ou outro.

 

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Ressalvado o respeito devido a outras opiniões, crê-se não assistir razão à Requerente quando sustenta que, no caso concreto, estamos perante um erro de direito.

Com efeito, sempre ressalvado o respeito devido, o erro em questão não emerge de uma errada aplicação do direito aos factos, ou seja, da errada identificação da norma aplicável, ou de uma errada interpretação desta (a Requerente seguramente não estava convencida que do regime legal aplicável resultava que o mês de Dezembro não entrava para o cálculo do pro-rata do ano).

De resto, no próprio requerimento de reclamação graciosa (pontos 29 e ss), o próprio Requerente enquadra a situação ora em causa como erro como de cálculo.

E, efectivamente, a análise da Declaração Periódica de Dezembro de 2014, entregue em 10 de fevereiro de 2015, permite melhor perceber o erro cometido pelo Requerente.

Na Demonstração da liquidação de IVA, no Quadro “Base Tributável” no campo 3 está inscrita a verba de € 4.223,688,97.

O Requerente não teve dúvidas de que essa verba que já constava da própria declaração periódica por si preenchida, deveria, à partida, ser inscrita no numerador da fração, para cálculo do pro rata.

O que verifica é que esse valor foi omitido na transcrição para o Mapa de Apuramento do coeficiente de imputação específica, o mesmo tendo acontecido com o valor inscrito nessa mesma Declaração, mas no Campo 5 - € 40.930,54.

Assim, e em suma, o Requerente nunca teve dúvidas de que estes valores, porque refentes a operações tributadas, devem ser considerados relevantes para efeitos da forma de cálculo do pro rata, inserido no numerador da fração, conforme resulta cristalinamente da lei.

Estamos, assim, perante, não um erro de direito, mas perante um erro material, tal como decorre do art.º 249.º do Código Civil, “revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita”, bem como do art.º 95.º-A/2 do CPPT[2], que refere que “Consideram-se erros materiais ou manifestos, designadamente (...) as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexactidão ou lapso.

 

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Conforme decorre do RIT, a AT fundamentou correcção contra a qual o Requerente aqui se insurge, peticionando a respectiva anulação, porquanto, e para o que ao caso importa, entendeu que:

de acordo com o preceituado no n° 6 da mesma disposição legal [art.º 23.º do CIVA] a percentagem ou percentagens de dedução a aplicar ao imposto suportado nos inputs, independentemente do método de dedução utilizado, pro rata genérico ou pro rata específico, calculada provisoriamente com base nas operações efetuadas no ano anterior, é corrigida de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a regularização das deduções inicialmente consideradas, as quais devem constar da declaração do último período a que respeitam.

Torna-se assim evidente que, nos termos deste preceito, quaisquer correções no cálculo do valor da dedução ou da(s) percentagem(ns) de dedução utilizada(s) (provisória(s)) durante um determinado exercício devem ser a priori efetuadas no final desse ano, tendo por base os valores definitivos das operações realizadas pelo sujeito passivo no decurso do mesmo.

Poder-se-á pois concluir que o artigo 23.º do CIVA não prevê a possibilidade de um sujeito passivo que, no momento em que se constitui o direito à dedução do IVA, tenha optado por um coeficiente para cálculo do direito à dedução do imposto suportado em bens e serviços de utilização mista, possa alterar ou corrigir retroativamente esse coeficiente, recalculando a dedução inicial efetuada e já regularizada nos termos do n.º 6.

Deste preceito decorre que as correções aos critérios de dedução e ao cálculo do coeficiente de imputação devem ser feitas no final do ano em causa e também que devem ser refletidas na declaração referente ao último período.

Exercida a dedução inicial, o sujeito passivo só pode proceder a correções a essa dedução, nas condições previstas no artigo 23.º já descritas, bem como nos termos dos artigos 24.º a 26º e 78.º do CIVA.

Relativamente à assumida possibilidade de correcções à dedução nos termos do art.º 78.º do CIVA, considerou o RIT que:

Vejamos então o que estabelece o artigo 78.°, designadamente o seu n.º 6 (...).

A fim de se determinar o sentido dos “erros materiais ou cálculo” uma vez o legislador não o ter delimitado, atentemos então, em observância do disposto do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, como outros ramos do direito conceptualizaram a expressão em causa.

Face a estes conceitos, poder-se-á concluir que a interpretação da Administração Fiscal veiculada logo em 1985 e posteriormente reafirmada no ponto 9.3 do Ofício-Circulado 30082/2005, de 17 de novembro DSIVA, no sentido de que se consideram erros materiais ou de cálculo aqueles que resultam de erros internos da empresa e que não têm qualquer interferência na esfera de terceiros, não se afasta, em substância, dos mesmos.

Podemos, assim, considerar que os erros materiais ou de cálculo, abrangem os erros de transposição de dados dos documentos de suporte para a contabilidade, ou, desta para a declaração periódica, ou erros ariméticos cometidos na contabilidade ou nas declarações.

Ora, como já se salientou, relativamente aos bens e serviços de utilização indistinta em operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, o artigo 23.º impõe dois métodos de dedução do imposto suportado naqueles inputs: o método da afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados (n.º 2) e o pro rata genérico [n.º 1, alínea b)] deixando, porém, à escolha dos sujeitos passivos a opção por um deles. A Administração fiscal só intervirá, a posteriori, na escolha efetuada, se verificar que a mesma provoca distorções significativas na tributação e isto porque, a implementação de um método de afetação real que permita determinar o grau de utilização dos inputs nas operações a jusante exige uma análise casuística e o sujeito passivo é o melhor conhecedor da atividade que desenvolve e da estrutura organizativa e administrativa de que dispõe.(...)

Por tudo o que foi dito se conclui que as alterações retroativas aplicadas no cálculo do direito à dedução de bens e serviços de utilização mista, não tem subjacente os erros materiais ou de cálculo previstos no artigo 78.º ou erros de qualquer outra natureza, pois nos termos do artigo 23.º o sujeito passivo fez uma opção no momento do nascimento do direito à dedução, conforme estabelecido no n.º 1 do artigo 22.º do CIVA, a qual se encontra no âmbito da autonomia de atuação permitida pelo imposto e é materializada na autoliquidação efetuada pelo sujeito passivo.

De notar que no mesmo sentido já a Direção de Serviços do IVA se pronunciou, através do supramencionado Oficio-Circulado n.º 30082/2005, esclarecendo no ponto 8 que "as regularizações previstas no artigo 71.º do CIVA (atual artigo 78.º) destinam-se a corrigir, a favor do sujeito passivo ou a favor do Estado, o imposto já entregue ou já deduzido num determinado período de imposto, por força de diversas circunstâncias ocorridas após o envio da declaração periódica e que não estejam contempladas noutros normativos legais. Nesse sentido, os mecanismos previstos no artigo 71.º (atual 78.º) não poderão ser utilizados noutras situações, nomeadamente:

• alteração do método de dedução do imposto nos sujeitos passivos mistos;

• apuramento de pro rata;

• regularizações de IVA sobre imóveis e outros bens do ativo imobilizado ou relativas à afetação de imóveis a fins distintos daqueles a que se destinam.

Estas situações deverão ser regularizadas ao abrigo dos artigos 23.º, 24.º, 24.º-A (atual 25.º) e 25.º

(atual 26.º) do CIVA, consoante o caso".

E esta interpretação decorre, aliás, do próprio artigo 22.º, ao salvaguardar, de forma expressa, no seu n.º 2, o preceituado no artigo 78.º: "Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior (...)"

Ora, ressalvada sempre o respeito devido, julga-se não ser de acolher a fundamentação exarada pela AT, que, ademais, assenta numa falácia de raciocínio.

Com efeito, e se bem se interpreta o quanto foi vertido no RIT, e se vem de transcrever, o entendimento da AT reconduz-se a considerar que a fixação do pro rata é uma faculdade do sujeito passivo, cuja opção é exercida na declaração periódica respectiva, e que não é susceptível de ser afectada por erro material ou de cálculo[3], pelo que não poderemos estar perante um erro material ou de cálculo (quod erat demonstrandum).

Ou seja: em lugar de apurar se está perante um erro (material ou de cálculo), a AT começa por definir que, in casu, não podem existir erros materiais ou de cálculo, para depois concluir que não há qualquer erro desse tipo.

A evidência de tal falácia é facilmente exposta, com recurso ao exemplo de, por erro material ou de cálculo o sujeito passivo, ao inscrever a percentagem do pro rata se equivocar num número (por exemplo: em vez de inscrever 23%, que seria, no exemplo, o correcto, inscrever 13% ou 33%).

Perante tal erro material, o entendimento da AT, segundo o qual está exclusivamente em causa uma opção do sujeito passivo, insusceptível de erro material ou de cálculo, não haveria possibilidade de corrigir tal erro, porquanto “se encontra no âmbito da autonomia de atuação permitida pelo imposto e é materializada na autoliquidação efetuada pelo sujeito passivo”!

Posto isto, crê-se evidente que as premissas de que parte a AT não sustentam a conclusão que a mesma retira.

Efectivamente, uma coisa são as opções do sujeito passivo, pela aplicação dos métodos de afectação real, do pro rata genérico ou do pro rata específico, que poderá discutir-se se são, ou não, susceptíveis de revisão[4], outra coisa são as operações de concretização da opção escolhida, que, evidentemente, poderão enfermar de erros ou lapsos rectificáveis.

Ora, o próprio RIT reconhece que “independentemente do método de dedução utilizado, pro rata genérico ou pro rata específico, calculada provisoriamente com base nas operações efetuadas no ano anterior, é corrigida de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a regularização das deduções inicialmente consideradas.” (sublinhado nosso).

E é isto que está em causa: se os valores considerados na declaração de substituição corrigida estão, ou não, “de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam”, e é isso que o RIT não logra demonstrar.

Pelo contrário, todos os dados de facto disponíveis apontam no sentido de que a declaração de substituição está efectivamente “de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam”.

De resto, a desconformidade da declaração original, decorre de uma situação que é expressamente qualificada pelo próprio RIT como de erro material, designadamente, “os erros de transposição de dados dos documentos de suporte para a contabilidade, ou, desta para a declaração periódica, ou erros ariméticos cometidos na contabilidade ou nas declarações” (sublinhado nosso).

Ora, como se referiu e, no fundo, o próprio RIT o reconhece, o erro material ou de cálculo é rectificável nos termos do art.º 78.º/6 do CIVA aplicável, que dispõe que:

A correção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efetuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respetivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.”.

            A propósito da contagem deste prazo de 2 anos, a AT considerou já, no Ofício-Circulado n.º 30.082, de 17 de Novembro de 2005, que “A regularização deste tipo de erros é facultativa se for a favor do sujeito passivo e só pode ser efectuada no prazo de dois anos [...]. Para os erros verificados no preenchimento das declarações periódicas, a contagem do novo prazo far-se-á a partir da data da sua apresentação ou da data em que o prazo legal de apresentação termine, nos casos em que este não tenha sido observado” (sublinhado nosso), entendimento do qual não se vê fundamento para divergir.

            Deste modo, tendo sido apresentada a declaração periódica primitiva a 10-02-2015, e a declaração de substituição, rectificadora do erro material em questão, no dia 10-02-2017, haverá que julgar a mesma tempestiva.

            Assim, e face ao exposto, tendo procedido a incorrecta aplicação do art.º 23.º/6 e 78.º/6[5] do CIVA, incorreu a correcção sub iudice em erro de direito, devendo, como tal ser anulada, e procedendo o pedido arbitral.

 

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Não obstará à conclusão que vem de se retirar a alegação da Requerida, na sua Resposta, de que “apesar de solicitados esclarecimentos e elementos adicionais, que permitissem aos SIT aferir do direito (material) à correcção efectuada pela Requerente, esta nunca prestou tais esclarecimentos ou forneceu tais elementos”.

Com efeito, embora tal circunstância venha referida no RIT, não vem minimamente concretizada, nem sequer resulta dos elementos do PA junto pela Requerido, em cumprimento do dever consagrado no art.º 17.º/2 do RJAT, motivo pelo qual não foi dado como provado.

Por outro lado, como se escreveu nos Acórdãos arbitrais proferidos nos processos 58/2016-T[6] e 22/2018-T[7]: “nos casos de impugnação administrativa (nomeadamente de reclamação graciosa e recurso hierárquico de actos de liquidação), se a respectiva decisão mantém o acto impugnado com diferente fundamentação, deverá entender-se que se opera revogação por substituição daquele acto, passando a subsistir na ordem jurídica um novo acto que, apesar de manter o mesmo conteúdo decisório, terá como suporte a nova fundamentação.”.

Ora, compulsada a decisão da reclamação graciosa, verifica-se que a mesma é totalmente omissa em relação ao putativo inadimplemento do dever de colaboração do Requerente, ou à carência de elementos necessários à aferição da regularidade do pro rata decorrente da declaração de substituição que foi corrigida, referindo-se ali expressamente que “a apreciação da legalidade das regularizações de IVA efetuadas pelo sujeito passivo e que aqui se encontram em análise passa a centrar-se na discussão quanto ao mecanismo de regularização do imposto que, dentro do quadro legalmente previsto, se mostra aplicável ao caso em apreço”.

Deste modo, e pelo exposto, é esta a única questão a ser apreciada na presente sede, sendo que, nos termos previamente expostos, haverá que concluir pela procedência do pedido arbitral.

 

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            Com o pedido anulatório, a Requerente cumula o pedido de condenação da AT à restituição da quantia correspondente à liquidação adicional ora anulada, acrescida do pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43.º/1 da LGT, que dispõe que:

São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

            Conforme resulta da matéria de facto dada como provada, não se apura que tenha ocorrido pagamento da dívida tributária, mas, meramente, que ocorreu uma redução do crédito de imposto da Requerente.

            Nestes termos, não se apurando os pressupostos da referida norma do art.º 43º/1 da LGT, não poderá proceder o pedido em causa da Requerente, devendo, se necessário, em sede de execução do presente acórdão, aquela fazer valer os eventuais direitos ressarcitórios que entenda assistirem-lhe.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Anular o acto de liquidação adicional de IVA n.º ... de 11-04-2017, relativa ao período de imposto 201412, no valor de €71.986,26, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve aquele acto de liquidação como objecto;
  2. Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 71.986,26, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 11 de Dezembro de 2018

 

O Árbitro Presidente

 

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Raquel Franco)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Jorge Carita)

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] Dirigido à AT, mas que não poderá, até por força do princípio da igualdade, de aplicar-se aos contribuintes.

[3]as alterações retroativas aplicadas no cálculo do direito à dedução de bens e serviços de utilização mista, não tem subjacente os erros materiais ou de cálculo previstos no artigo 78.º ou erros de qualquer outra natureza, pois nos termos do artigo 23.º o sujeito passivo fez uma opção no momento do nascimento do direito à dedução

[4] A este propósito, não se referindo especificamente ao IVA, mas a opções do sujeito passivo em sede de IRS, podem-se consultar os Acs. do TCA-Sul de 13-09-2018 (p. 1136/13.3BELRS), e do STA de 29-06-2016 (p. 099/16).

[5] O Requerente não invoca expressamente, no pedido a violação desta norma, mas pronuncia-se sobre a mesma, máxime no ponto B.4 das suas alegações, sendo certo que, “Em matéria de direito, o tribunal não está sujeito à alegação das partes, nem sequer no que respeita à qualificação jurídica dos factos por elas efectuada, e goza de liberdade na indagação, interpretação e aplicação do Direito (art. 664.º do CPC).” (Ac. do STA de 05-06-2013, proferido no processo 0433/13).