Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 131/2018-T
Data da decisão: 2018-11-27  IUC  
Valor do pedido: € 12.028,58
Tema: IUC – Incidência subjetiva.
Versão em PDF

 

Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

I. Relatório

 

1. A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., nº..., ..., ..., em ..., requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária suscitando pedido de pronúncia arbitral contra o ato de indeferimento expresso de reclamação graciosa e, consequentemente, contra os atos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e juros moratórios, relativos a diversos períodos de tributação do ano de 2014 (Docs.1 a 6). Como consequência da referida anulação, requer a condenação da Administração Tributária ao reembolso da importância que considera indevidamente cobrada, no montante global de € 12 028,58, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos legais.

 

2. Os questionados atos de liquidação têm por base elementos factuais, apurados em sede de inspeção tributária, que, conforme entendimento expresso no RIT, indiciam violação da norma do n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA. Segundo consta do referido Relatório de Inspeção, estão em causa regularizações de imposto a favor da Requerente, com base em notas de crédito emitidas com o propósito anular o imposto respeitante a montantes inicialmente faturados a título de adiantamentos.

 

3. Nas referidas circunstâncias, segundo o mesmo Relatório, estaria vedado à Requerente a possibilidade de regularizar a seu favor o montante de imposto inicialmente liquidado sobre aqueles adiantamentos, dado não dispor na sua posse, no momento da regularização, de comprovativo de que os destinatários tomaram conhecimento da nota de crédito ou que haviam sido reembolsados do imposto pago.

 

4. Como fundamento do pedido, apresentado em 20-03-2018, a Requerente alega, em síntese, que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa se encontra ferida de vício de falta de fundamentação e, no tocante às questionadas liquidações de IVA e juros, que se não verificam os pressupostos legais em que as mesmas se suportam.

 

5. Neste sentido, alega a Requerente que os destinatários dos serviços tomaram conhecimento e foram efetivamente reembolsados do imposto a que respeitam as notas de crédito emitidas. Com efeito, segundo alega, as faturas finais relativas àquelas prestações foram emitidas pelo preço total do serviço prestado, sobre o qual foi calculado o IVA correspondente. Porém, apenas foi cobrado do cliente a diferença entre o preço total e o valor total do adiantamento, com o respetivo imposto.

 

6. Considerando, ainda, estar em causa a aplicação de normas comunitárias, designadamente, o nº 1 do artigo 90º da Diretiva do nº 2006/112/CE, do Conselho, de 28/11, a Requerente solicita que, antes da pronúncia de mérito, seja suscitada “ a seguinte questão ao TJUE (e outras, a definir pelo Tribunal), a título de reenvio prejudicial (cfr. artº. 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) O disposto no nº 1 do artigo 90º da Diretiva 2006/112/CE aplica-se a nota de crédito emitida para efeitos de regularização de adiantamento efetuado por cliente particular em momento precedendo a realização da prestação de serviços, quando essa nota crédito seja emitida aquando da realização da prestação de serviços para cancelar a fatura inicial, sendo emitida fatura final pelo preço total mas havendo lugar apenas à cobrança do diferencial entre o preço total faturado e o valor do adiantamento ?”

 

7. Em resposta ao solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados e, em conformidade, pela absolvição da entidade Requerida.

 

8. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

9. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo, oportunamente, notificado as partes.

 

10. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

11. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral singular foi constituído em 01-06-2018.

 

12. Regularmente constituído, o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

13. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

14. Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas questões prévias ou exceções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito, encontrando-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

 

15. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

 

II. Matéria de facto

 

16. Com relevância para a apreciação das questões suscitadas no presente pedido de pronúncia arbitral, destacam-se, com base nos elementos constantes dos autos, designadamente do RIT, os seguintes elementos factuais que, não sendo contestados pelas Partes, se consideram documentalmente provados:

 

16.1. A A..., S.A. (A...), é um sujeito passivo de IVA, enquadrado no regime normal, com periodicidade mensal, que tem por objeto, entre outras atividades, a indústria hoteleira, de restauração, empreendimentos turísticos e similares, atividade que exerce por meio de várias unidades operacionais localizadas em território nacional.

 

16.2. As várias unidades hoteleiras, que integram a atividade da A..., como é usual no sector, utilizam um sistema de reservas dos serviços, sendo que a quase totalidade das regularizações de IVA a favor do sujeito passivo decorrem da regularização de adiantamentos efetuados pelos clientes relativamente a tais reservas de alojamentos ou eventos.

 

16.3. No momento do recebimento do adiantamento, a A... procede à emissão da respetiva fatura, em observância do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 29.º do Código do IVA.

 

16.4. Considerando que, conforme decorre da alínea c) do nº 1 do artigo 8º do Código do IVA, o imposto é exigível no momento em que o pagamento é efetuado, pelo montante do recebimento, a Requerente evidencia o valor do IVA liquidado no campo 4 das respetivas declarações periódicas.

 

16.5. Posteriormente, aquando da prestação do serviço, a A... procede à emissão de nota de crédito para regularização do adiantamento constante da fatura inicial e à emissão de nova fatura pelo preço total da prestação de serviços, reportando o IVA liquidado no campo 4 da declaração periódica relativa ao período de emissão da fatura final e, no campo 40, o valor do IVA a regularizar constante da nota de crédito emitida.

 

16.6. No período que decorre entre 09-09-2015 e 15-02-2016, a Requerente foi destinatária de uma ação inspetiva, que incidiu sobre diversos períodos de tributação de 2014 e 2015, em sede de IVA, a coberto da Ordem de Serviço (OS) n.º OI2015..., de 20-08-2015.

 

16.7. A referida ação inspetiva teve como objeto o controlo das regularizações de IVA a favor do sujeito passivo, declaradas no campo 40 das declarações periódicas de IVA, dos períodos de 2014 e 2015.

 

16.8. Considerando que, aquando a regularização do imposto a seu favor, a Requerente não tinha na sua posse a prova prevista no n.º 5 do artigo 78.º do CIVA em relação a diversas notas de crédito, a Administração Tributária, com base na factualidade e fundamentação constantes do RIT promoveu as seguintes liquidações de IVA e juros (Docs.2 e 3):

  

16.9. As referidas liquidações adicionais resultam da desconsideração das regularizações, a favor do sujeito passivo, do imposto incluído nas seguintes notas de crédito:

 

16.10. Conforme consta do RIT, “foi solicitado ao SP elementos no sentido de comprovar se o IVA foi liquidado relativamente às faturas em que constam deduzidos os adiantamentos. Analisado o extrato da conta 243 e as listagens PMS e POS, verifica-se que o IVA das faturas finais se mostra liquidado pelo valor total dos serviços prestados...”

 

16.11. No mesmo Relatório se conclui que, “Nas situações em que a regularização de IVA resulta de dedução do adiantamento na fatura final, considera-se que o adquirente tomou conhecimento da anulação efetuada, aquando da receção da fatura final.

Nas situações em que é emitida nota de crédito, que visa anular uma fatura, o SP tem que ter em sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento de retificação, conforme dispõe o n.º 5 do artº 78.º do CIVA, prova essa, que não foi apresentada pelo SP para as notas de crédito mencionadas no quadro seguinte...”

 

16.12. Pelo que “Sem que o sujeito passivo tenha na sua posse confirmação escrita efectuada pelos seus clientes de que receberam comunicação evidenciando o montante do IVA retificado, ou de que foram reembolsados do respectivo imposto, consideram-se não cumpridas as disposições estabelecidas no n.º 5 do artº 78.º do CIVA, tornando-se indevida a respectiva regularização de imposto. Face ao exporto, conclui-se que não se mostram reunidos os requisitos enunciados no n.º 5 do artigo 78.º necessários para que a regularização a favor do SP possa ser efectuada.”

 

16.13. Na sequência da notificação das liquidações adicionais de imposto e juros acima mencionadas, e não obstante ter efetuado o respetivo pagamento (Doc.4), a Requerente, em 19-06-2016, deduziu reclamação graciosa (Doc.5).

 

16.14. Foi esta reclamação objeto de indeferimento, na totalidade, por despacho de 13-12-2017, do Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de..., proferido ao abrigo de delegação de competência.

 

16.15. A decisão em causa, notificada à Requerente por ofício de 17-12-2017, fundamenta-se, no essencial, na factualidade constante do Relatório de Inspeção, no sentido de que “a reclamante não apresentou prova cabal de que alguns adquirentes dos serviços prestados tomaram conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, tornando-se, portanto, indevidas as respetivas regularizações de IVA.”

 

17. Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

III. Da cumulação de pedidos

 

18. O presente pedido de pronúncia arbitral reporta-se a diversas liquidações oficiosas de IVA. Todavia, atendendo à identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, o tribunal considera que nada obsta, face ao disposto nos artigos 3.º do RJAT e 104.º do CPPT, à cumulação de pedidos.

 

IV. Do direito

 

19. No presente caso, a questão de fundo consiste em saber se relativamente às regularizações em causa a Requerente deu cumprimento ao disposto no artigo 78.º, n.º 5, do Código do IVA, conforme pretende a Requerente ou se, diversamente, não se mostram cumpridos os requisitos estabelecidos na referida norma, conforme entendimento da Requerida.

 

Posição da Requerida

 

20. A posição da Requerida encontra-se, essencialmente, expressa no Relatório de Inspeção, sendo na factualidade e conclusões que deste constam que se fundamenta a decisão de indeferimento da reclamação graciosa oportunamente deduzida pela Requerente.

 

21. Com efeito, extrai-se do RIT (Doc. 1 junto aos autos):

 

22. Como acima referido, é perante a factualidade detalhadamente descrita no RIT e conclusões que no mesmo se expressam que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa - que constitui objeto imediato do presente pedido de pronúncia arbitral – se fundamenta.

 

23. Esta posição vem, igualmente expressa na Resposta da Requerida, que se pronuncia no sentido de dever ser julgado improcedente o pedido, na mesma se reafirmando que “O diferendo entre a Requerente e Requerida em apreço nos presentes autos, assenta na aplicabilidade ou não do n.º5 do art.º 78.º do CIVA às regularizações de imposto a favor do sujeito passivo, decorrentes da emissão de notas de crédito cuja emissão tenha como propósito anular os montantes inicialmente facturados a título de adiantamentos, quando mais tarde seja facturada a totalidade do serviço e liquidado imposto sobre a totalidade do preço e não sobre a diferença entre este e o montante inicialmente pago a título de adiantamento.

Pese embora o alegado pela Requerente, é manifestamente pacífico, que não pode o SP regularizar a seu favor o imposto inicialmente liquidado a título de adiantamento, se não tiver aquando de tal regularização, na sua posse, comprovativo de que o adquirente dos bens/destinatário dos serviços, tomou conhecimento da nota de crédito ou tenha sido reembolsado do imposto pago.”

 

Posição da Requerente

 

24. Por seu lado, sustenta a Requerente que do procedimento por ela adotado nos casos evidenciados no RIT não resulta que tenha havido lugar a um efetivo “reembolso” ao cliente seguido de nova cobrança do mesmo montante, esclarecendo que: “

“ No momento da emissão da nota de crédito não existe lugar a um “reembolso material/físico” (devolução ao cliente do preço inicialmente adiantado) seguido de nova cobrança desse montante, mas ao invés uma segunda cobrança do montante correspondente ao diferencial entre o preço total da prestação de serviços e o valor do adiantamento.

 

Em termos práticos não se concretiza a devolução do montante inicialmente cobrado seguido de nova cobrança, embora em termos operacionais a emissão da nota de crédito crie e formalize o direito do cliente a um crédito, crédito esse que é materializado no momento da prestação efetiva do serviço mediante a sua dedução ao valor total a pagar pelo cliente!

 

O cliente não é chamado a confirmar ter sido reembolsado do valor inicialmente pago, na medida em que em termos operacionais tal reembolso não sucede, porquanto, em momento algum foi cobrado ao cliente duas vezes o mesmo montante de que resultasse a obrigação de reembolso do montante inicialmente cobrado, conforme evidência obtida a partir da informação associada à emissão da fatura inicial, da nota de crédito e da fatura final, que se envia, em anexo, como Doc. nº 11. Conforme se pode verificar através da análise do Doc. nº 11, aquando da emissão da fatura final o cliente somente paga o diferencial entre o valor dessa fatura final e os adiantamentos anteriormente efetuados e anulados por nota de crédito.”

 

Do IVA nos adiantamentos

 

25. De acordo com o artigo 29.º, n.º1, alínea b), do Código do IVA, o sujeito passivo está obrigado a proceder à emissão de fatura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, independentemente da qualidade do adquirente dos bens ou destinatário dos serviços, ainda que estes não a solicitem, bem como pelos pagamentos que lhe sejam efetuados antes da data de transmissão de bens ou da prestação de serviços.

 

26. Resulta do artigo 8.º, n.º 1, do mesmo Código, que “sempre que a transmissão de bens ou prestação de serviços dê lugar à obrigação de emitir fatura nos termos do artigo 29.º, o imposto torna-se exigível:

- se o prazo para a emissão for respeitado, no momento da sua emissão;

- se o prazo não for não for respeitado, no momento em que termina.

 

27. Porém, estabelece a alínea c) n.º 1 do referido artigo 8.º, que se a transmissão de bens ou a prestação de serviços der lugar ao pagamento, ainda que parcial, o imposto torna-se exigível no momento de recebimento desse pagamento, pelo montante recebido.

 

28. Por seu lado, o artigo 36.º n.º 1 alínea c), do referido Código, prevê que a emissão da fatura deve ser realizada na data do recebimento, no caso de pagamentos relativos a uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços ainda não efetuada - como é o caso dos adiantamentos - ou quando o pagamento coincide com o momento em que o imposto é devido nos termos do artigo 7.º do Código do IVA.

 

29. Dos elementos do processo, designadamente do RIT, extrai-se que a Requerente, relativamente aos adiantamentos efetuados pelos seus clientes, vem observando as normas legais acima referidas.

 

30. Tendo, assim, havido lugar a adiantamentos e consequente liquidação de IVA, deverá, no momento em que for concluída a operação – transmissão de bens ou prestação de serviços, consoante for o caso - ser emitida uma fatura, com observância da forma legal, podendo proceder-se do seguinte modo no tocante à liquidação do IVA:

- Sobre a diferença entre o valor da fatura final e o valor do adiantamento, ou;

- Sobre o valor total da operação, na fatura final.

 

31. Se o sujeito passivo optar por liquidar o IVA sobre o valor total da operação, poderá regularizar o imposto a seu favor devendo, se assim acontecer, o adquirente – caso seja sujeito passivo do IVA – regularizar o IVA a favor do Estado, observando-se, nesta opção, o disposto no artigo 78º do CIVA, nomeadamente os condicionalismos elencados nos nº 5 e nº 14 desse normativo.

 

Da regularização do IVA

 

32. Porém, o fornecedor dos bens ou dos serviços apenas poderá efetuar a regularização a seu favor quando “tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução.”

 

33. Salienta-se que a norma transcrita não faz qualquer referência ao tipo de prova relevante para o efeito, inferindo-se, no entanto, que deverá tratar-se de prova documental passível de estar na posse do sujeito passivo.

 

34. Por se tratar de matéria não isenta de dúvidas, a própria AT divulgou, através do Ofício-Circulado n.º 33 129, de 02-04-1993, o seguinte entendimento:

“Tendo sido colocada a este Serviço, com alguma frequência, a questão de saber quais os documentos que constituem o meio de prova a que se refere o nº 5 do art. 71º do CIVA, com a redacção dada pelo Dec. Lei nº 198/90, de 19.06, divulga-se o seguinte entendimento:

1. O nº 2 do art. 71º [i] do CIVA contempla os casos em que a base tributável é reduzida, depois de ter sido efectuado o registo das transmissões de bens e prestações de serviços efectuadas pelo sujeito passivo. O fornecedor ou prestador poderá rectificar o imposto anteriormente liquidado a mais, até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificaram as circunstâncias que determinaram a rectificação.

2. As regularizações consignadas no nº 2 do art. 71º do CIVA são uma faculdade concedida ao sujeito passivo e não uma obrigatoriedade. No entanto, sempre que o sujeito passivo opte por tais regularizações, deverá atender ao disposto no nº 5 do mesmo artigo.

3. De acordo com o nº 5 do art. 71º, a regularização do imposto a favor do sujeito passivo só poderá ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que a respectiva dedução será considerada indevida.

4. Para efeitos do nº 5 do art. 71º são considerados idóneos, satisfazendo os condicionalismos aí enunciados, os seguintes documentos emitidos pelo cliente e na posse do fornecedor do bem ou prestador do serviço:

a) Qualquer um dos meios de comunicação escrita - carta, ofício, telex, telefax, telegrama - com referência expressa ao conhecimento da rectificação do IVA;

b) Nota de devolução ou nota de recebimento do cheque, com menção à regularização do IVA;

c) Fotocópia da nota de crédito, após assinatura e carimbo do adquirente, constituindo documento por ele enviado após tomada de conhecimento da regularização do imposto a efectuar.

5. Sem que o sujeito passivo tenha na sua posse confirmação escrita efectuada pelos seus clientes de que receberam comunicação evidenciando o montante do IVA rectificado, ou de que foram reembolsados do respectivo imposto, consideram-se não cumpridas as disposições estabelecidas no nº 5 do art. 71º do CIVA, tomando-se indevida a respectiva regularização de imposto.”

 

35. Da norma e do entendimento administrativo acima transcritos decorre que, entre outras exigências a regularização de IVA a favor do sujeito passivo pressupõe que este tenha na sua posse prova documental de que o adquirente dos bens ou destinatário dos serviços tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto.

 

36. No presente caso, e conforme consta do RIT, não foram oportunamente facultados à AT quaisquer elementos de prova de que os destinatários dos serviços tomaram conhecimento da retificação ou de que foram reembolsados do imposto por qualquer das formas referidas no ofício-circulado acima referido.

 

37. Porém, alega a Requerente que muito embora na fatura final emitida aos clientes após a prestação dos serviços tenha procedido à liquidação de IVA sobre o valor total da prestação, apenas cobrou dos clientes a importância corresponde a esse valor deduzido dos adiantamentos anteriormente faturados. Ou seja, nas palavras da Requerente, “aquando da emissão da fatura final o cliente somente paga o diferencial entre o valor dessa fatura final e os adiantamentos anteriormente efetuados e anulados por nota de crédito.”

 

38. Tal facto encontra-se devidamente comprovado através de cópia das faturas finais que integram o presente processo (Doc.11), podendo, delas se extrair que, ainda que de forma pouco usual, os clientes foram efetivamente “reembolsados” dos adiantamentos efetuados por via da sua dedução ao custo final dos serviços adquiridos.

 

39. Resultando, assim, inequívoco, em face da prova produzida, ter havido duplicação de liquidações de IVA, sobre o valor dos adiantamentos efetuados e, posteriormente, sobre o valor total dos serviços, devem as liquidações questionadas ser objeto de anulação com a consequente restituição das importâncias indevidamente cobradas.

 

Do reconhecimento a juros indemnizatórios

 

40. A par da anulação das liquidações, e consequente reembolso das importâncias indevidamente pagas, a Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito as juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

41. Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido." Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.

 

42. O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

 

43. De todo o circunstancialismo exposto concluímos que as liquidações de IVA, cuja anulação ora se determina, resultam de erro imputável aos serviços da AT que, vinculados ao princípio do inquisitório, poderiam, e deveriam, ter procedido à realização das diligências necessárias à descoberta da verdade material

 

44. Assim se decidindo, ficam prejudicadas as demais questões suscitadas pela Requerente.

 

V. Decisão

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular as liquidações de IVA e de juros moratórios identificadas na petição;
  3. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira ao reembolso das importâncias indevidamente cobradas acrescidas de juros indemnizatórios, contados nos termos legais.

 

Valor do processo: € 12 028,58

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 918,00, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 27 de novembro de 2018

 

O árbitro, Álvaro Caneira



[i]  Renumerado pelo Decreto-Lei n.º102/2008, de 20 de Junho, corresponde ao atual artigo 78.º.