Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 329/2018-T
Data da decisão: 2018-11-26  IUC  
Valor do pedido: € 28.102,08
Tema: IUC – Incidência Subjectiva – Exigibilidade do Imposto.
Versão em PDF


O Árbitro Marisa Almeida Araújo, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar este Tribunal Arbitral Singular, toma a seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. Relatório:

 

  1. A...– SUCURSAL EM PORTUGAL (doravante designada por “Requerente”), pessoa coletiva n.º ..., com sede em ..., ..., ..., apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral, no dia 27 de março de 2017, ao abrigo do disposto no artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida” ou “AT”).

 

  1. A Requerente pretende, no referido pedido de pronúncia arbitral, que o Tribunal Arbitral declare:
  1.  a anulação, por ilegalidade, do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa n.º ...2017... .
  2.  a anulação, por ilegalidade, das 215 autoliquidações referentes ao Imposto Único de Circulação (IUC), relativas aos anos de 2009 a 2016, inclusive, e dos correspondentes juros compensatórios, e a consequente restituição no valor de € 28.102,08.
  3.  o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, nos termos legais, e
  4.  a condenação da Requerida no pagamento da taxa arbitral e demais encargos, se os houver.

 

  1. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável e as partes não manifestaram recusar a designação, nos termos do artigo 11.º, n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e do art. 7.º do Código Deontológico.
  2.  A 19 de setembro de 2018 foi constituído o tribunal arbitral.
  3.  Notificada para o efeito a 19 de setembro de 2018, a Requerida apresentou, em 16 de outubro de 2018, a sua Resposta, pugnando pela improcedência do pedido arbitral, tendo remetido cópia do processo administrativo.
  4.  Em 31 de outubro de 2018, foi dispensada a reunião arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como foram dispensadas as alegações por a partes terem vertido as respectivos posições nas peças processuais respectivas e não haver contraditório a assegurar.
  5.  Foi fixado o prazo limite para publicação da decisão final até 03 de dezembro de 2018.

 

  1. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
  1. A Requerente é a sociedade importadora, em exclusivo, de todos os veículos automóveis da marca B... para o mercado nacional.
  2. A Requerente, no âmbito a sua atividade comercial, importa para Portugal viaturas, in casu, novas, mediante encomendas efetuadas diretamente pelos concessionários à Requerente que, por sua vez efetua a encomenda à C...- a qual coloca a ordem de fabrico na fábrica.
  3. Uma vez importados, todos os veículos são imediatamente vendidos aos concessionários da marca, que as pagam no dia seguinte à emissão da fatura, ora para entrega imediata ao cliente final, ou simplesmente para ficarem em showroom, no stand do concessionário, para fins meramente exibicionais (casos de lançamento de novos modelos) e/ou a aguardar cliente interessado.
  4. Quando as viaturas são enviadas dos concessionários para os clientes é efetuada a alteração do registo do proprietário para o nome do cliente final.
  5.        Dado que as viaturas foram vendidas aos concessionários antes da data da matrícula das mesmas, essas faturas de venda não contêm as respetivas matrículas – contendo apenas os números de chassis dos veículos vendidos aos concessionários.
  6. Só os débitos do ISV/IA aos concessionários, que ocorrem posteriormente à data das faturas de venda das viaturas aos concessionários, é que contêm a matrícula e a data da matrícula, pois só entretanto, depois da venda das viaturas aos concessionários, sustenta a Requerente, é que as viaturas foram matriculadas conforme resulta da interligação desses débitos do ISV/ IA com as anteriores faturas de venda das respetivas viaturas aos concessionários - interligação essa evidente face à coincidência do número de chassis na fatura de venda da viatura ao concessionário e no posterior débito do “Imposto s/ Veículos (ISV/IA)”.
  7. A Requerente sustenta que é sujeito passivo do ISV, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do CISV – ao contrário do que sucede no caso do IUC, imposto distinto daquele.
  8. Sendo que, em sede de ISV (Imposto sobre Veículos), a Requerente, enquanto “operador registado” responsável pela introdução da viatura no consumo, é o sujeito passivo deste imposto (ISV) – que não se confunde com o IUC, o imposto aqui concretamente em questão.
  9. Para efeitos de ISV consideram-se “Operadores registados” as pessoas em nome das quais é emitida a Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) ou a Declaração Complementar de Veículos (DCV) (cfr. artigo 3.º do Código do ISV).
  10.       Para efeitos de IUC, tendo as viaturas em questão sido vendidas pela Requerente antes da data da respetiva matrícula, é evidente que a Requerente não era, como sustenta, a proprietária das mesmas nas datas das matrículas – pelo que não está sujeita a IUC e respetivos juros compensatórios.
  11. Sustenta ainda a Requerente que, nos termos conjugados do disposto no n.º 1 e no n.º 2 do artigo 42.º do Regulamento do Registo de Automóveis, aprovado pelo DL 55/75, de 12 de fevereiro, o registo automóvel, no caso de registo inicial de propriedade, deve ser requerido no prazo de 60 dias a contar da data da atribuição da matrícula.
  12. No caso dos concretos veículos identificados nas liquidações de IUC (e respetivos juros compensatórios) ora em discussão está em questão o IUC devido com referência à data da matrícula.
  13. Os veículos em questão, discriminados na lista anexa como doc. 5 à petição inicial, não eram propriedade da Requerente nas datas das respetivas matrículas, contrariamente ao presumido pela AT, uma vez que já haviam sido vendidas aos concessionários.
  14. Nas datas de matrícula destes veículos já a Requerente os havia vendido a terceiros (aos sobreditos concessionários), conforme conclui.
  15. Embora a Requerente constasse no Registo Automóvel e junto do IMTT como proprietária dos veículos à data das respetivas matrículas, a realidade demonstra outrossim que nas datas de matrícula dos veículos em questão a Requerente já não era a sua proprietária – por terem já sido vendidos aos concessionários.
  16. Do disposto nos artigos 1.º, 2.º, n.º alínea a) e d), 3.º, 4.º, 6.º e 11.º extrai-se que o IUC incide sobre o proprietário ou adquirente com reserva de propriedade à data da matrícula do veículo, presumindo-se que o proprietário ou adquirente com reserva nessa data é aquele em nome do qual o veículo está registado ou matriculado;
  17. Todas as liquidações oficiosas de IUC reportado à data da matrícula, segundo se deduz do teor das liquidações e da demais documentação remetida pela Requerida, todavia, os veículos não eram propriedade da Requerente nas datas das respetivas matrículas, dado que a Requerente já os tinha vendido a terceiros (os sobreditos concessionários);
  18. Contrariamente ao preconizado pela Requerida no despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, este não é tempestivo apenas quanto às liquidações cujo prazo de pagamento terminou em 31.10.2014 e intempestivo em relação às demais.
  19. Entende a Requerente que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado contra as autoliquidações de IUC, todas ocorridas a partir de Dezembro de 2013, dentro do prazo de 4 anos consignado no artigo 78.º n.º 1 da LGT, tendo suscitado e pedido a declaração de ilegalidade de autoliquidações de IUC.
  20. Nos termos do artigo 16º nº 2 do CIUC a liquidação do imposto é feita pelo sujeito passivo através e nos termos do n.º 3 do mesmo preceito legal, a liquidação do imposto pode ainda ser feita em qualquer serviço de finanças, por solicitação do sujeito passivo.  Nos termos do artigo 17.º n.º 1 e 2 do CIUC, no ano da matrícula ou registo do veículo em território nacional, o imposto é liquidado pelo sujeito passivo do imposto nos 30 dias posteriores ao termo do prazo legalmente exigido para o respectivo registo e, nos anos subsequentes o imposto deve ser liquidado até ao termo do mês em que se torna exigível, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º.
  21. Entende a Requerente que, como resulta do artigo 18.º do CIUC, só excepcionalmente, quanto o contribuinte não autoliquida o IUC, é que a AT procede à liquidação oficiosa deste imposto.
  22. Sendo certo que a AT, por imposição dos princípios da igualdade, boa-fé, segurança jurídica, protecção da confiança e das legítimas expectativas dos contribuintes está juridicamente vinculada à sua própria doutrina interpretativa das normas fiscais (artigos 55º e 68º-A da LGT, 55º do CPPT, 6º e 10º do CPA e 266º nº 2 da CRP). Logo, o pedido de revisão oficiosa é tempestivo relativamente a todas as autoliquidações de imposto em apreço.
  23. A Jurisprudência do CAAD, segundo a Requerente, considera que a lei apenas estabelece uma presunção legal de propriedade em função dos dados registrais – permitindo ao interessado alegar e provar que, apesar dessa presunção derivada do registo, não é o efetivo proprietário dos veículos nas datas consideradas nos registos oficiais, citando diversas decisões arbitrais.
  24. Para assim considerar, a jurisprudência do CAAD convoca as regras de interpretação legal, designadamente o próprio elemento literal do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC, os princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da legalidade, da imparcialidade, da proporcionalidade, da justiça, da prossecução do interesse público, do inquisitório e da descoberta da verdade material (artigos 55.º e 58.º da LGT), para além da regra da unidade do sistema jurídico-fiscal; (artigos 11.º da LGT e 9.º do Código Civil (CC);
  25. Também o elemento racional ou teleológico da lei, que reside na deslocação da carga fiscal do momento da aquisição dos veículos para a fase da circulação, atento o princípio da equivalência, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições temporais em que surgiu, além do princípio da consensualidade, segundo o qual os efeitos jurídico-civis da transmissão dos veículos produzem-se de imediato, por simples acordo de compra e venda;   segundo o qual os efeitos jurídico-civis da transmissão dos veículos, em particular o efeito jurídico da transmissão da propriedade do veículo, produzem-se de imediato, por simples acordo de compra e venda entre as partes (regra “casum sentit dominus”) - sem necessidade de qualquer ato material de entrega, contrato de compra e venda escrito ou de quaisquer atos de publicidade ou registo (artigo 408º nº 1 do CC).
  26. Para além disso, atento o princípio da equivalência, segundo o qual os contribuintes devem ser onerados na medida do custo que efetivamente provocam ao ambiente e à rede viária, ou seja, em função dos efetivos prejuízos que advêm para a comunidade em consequência da utilização dos veículos automóveis (artigo 1º do CIUC).
  27. Que o artigo 7º do Código do Registo Predial (CRP), aplicável supletivamente ao registo automóvel por força do artigo 29º do CRA, dispõe que o registo constitui mera presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito - tratando-se por isso de uma presunção ilidível (juris tantum), conforme aliás é Jurisprudência unânime, inclusivamente do próprio Supremo Tribunal de Justiça.
  28.  Ou seja, tal como é Jurisprudência unânime, segundo a Requerente, o registo tem efeitos meramente declarativos, de oponibilidade do direito relativamente a terceiros, mas nunca efeitos constitutivos do direito - daí decorrendo que o registo não constitui condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador.
  29. O artigo 18.º, n.º 2 do CIUC, não prevê qualquer liquidação de juros compensatórios mas apenas uma liquidação oficiosa do IUC para pagamento voluntário em 10 dias. A exigência de juros compensatórios antes de decorrido o prazo para pagamento voluntário, padece de vício de violação de lei, além de que não estando em falta qualquer IUC a liquidação de juros compensatórios não respeita o artigo 35.º da LGT no que concerne à verificação dos pressupostos legais para a sua liquidação;
  30. Para a liquidação de juros compensatórios exigir-se-ia sempre um nexo de causalidade adequada entre o comportamento do sujeito passivo e o retardamento da liquidação do imposto, conforme jurisprudência do STA (Acórdão do STA, 2.ª seção, n.º 587/2010, de 16 de dezembro de 2010);
  31. Uma vez que as liquidações impugnadas foram pagas, a Requerente, para além da devolução dos tributos indevidamente pagos, tem direito a juros indemnizatórios, por erro de facto e de direito na emissão das liquidações, nos termos do artigo 43.º da LGT.
  32. Em suma, a Requerente sustenta que há um erro de facto e de direito na interpretação e aplicação das normas de incidência subjetiva do IUC, pelo que deve ser determinada a anulação dos 215 atos de liquidação relativos ao IUC, referentes aos veículos identificados pelo número de matrícula e, bem assim, dos correspondentes juros compensatórios, sendo tais montantes devidos à Requerente, para além de juros indemnizatórios.

 

  1. A Requerida respondeu sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e alegando, em síntese, que:
  1.       A Requerida, antes de proceder à apresentação de resposta, considerou que os referidos atos de liquidação deviam ser mantidos, face à exigibilidade dos mesmos, não pretendendo assim a opção de revogação, retificação, reforma ou conversão dos mesmos, conforme é admitido pelo artigo 13.º do RJAT.
  2. A Requerida considera que a interpretação apresentada pela Requerente não tem qualquer apoio na lei, uma vez que o legislador não utilizou no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Imposto Único de Circulação a expressão “presumem-se”, pelo que considera a Requerida que o referido normativo consagra, expressa e intencionalmente, o que se deve considerar legalmente como proprietários dos veículos.
  3. Neste caso a Requerente é quem figurava no registo como proprietária pelo que é o sujeito passivo do imposto em apreço
  4. Para o efeito alega que, no âmbito do artigo 17.º do CIUC, a introdução no consumo e liquidação de imposto sobre os veículos que não possuam matrícula nacional é titulada pela emissão de uma Declaração Aduaneira de Veículos (DAV), sendo que tal emissão constitui o facto gerador do imposto, nos termos e para os efeitos no disposto no artigo 5.º do Código do Imposto sobre Veículos (CISV).
  5.       Nos termos do artigo 117.º, n.º 4 do Código da Estrada, a matrícula é pedida ao IMTT pela entidade que proceder à admissão ou introdução no consumo do veículo e, nos termos do artigo 24.º, n.º 1 do Regulamento de Registo de Automóveis (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 55/75, de 12 de fevereiro) (RRA), “ o registo inicial de propriedade de veículos importados, admitidos, montados, construídos ou reconstruídos em Portugal tem por base o requerimento respectivo e a prova do cumprimento das obrigações fiscais relativas ao veículo”.
  6. Em sede de IUC, o n.º 1 do artigo 3.º do CIUC estabelece que “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”.
  7. Quanto ao prazo de liquidação, o n.º 1 do artigo 17.ºdo CIUC estabelece que: “No ano da matrícula ou registo do veículo em território nacional, o imposto é liquidado pelo sujeito passivo do imposto nos 30 dias posteriores ao termo do prazo legalmente exigido para o respectivo registo”.
  8. Do disposto, entende a Requerida, quanto ao âmbito de incidência subjetiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto, decorrem inequivocamente do artigo 6.º do CIUC as situações jurídicas que geram o nascimento da obrigação de imposto, ou seja, a matrícula ou o registo em território nacional.
  9. Por outro lado, o n.º 3 do mesmo artigo 6.º dispõe que “o imposto considera-se exigível no primeiro dia do período de tributação referido no n.º 2 do artigo 4.º.”
  10.       Ou seja, entende a Requerida, que o momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto apresenta uma relação direta com a emissão do certificado de matrícula, no qual devem constar os factos sujeitos a registo (n.º 2 do artigo 4.º e n.º 3 do artigo 6.º, ambos do CIUC, e n.º 1 do artigo 10.º do RRA).
  11. Por força da conjugação das normas expressas e em especial ao disposto no artigo 24.º do RRA, subjaz que o registo inicial de propriedade de veículos admitidos (como é o caso ora em apreço), tem por base o requerimento respetivo e a prova do cumprimento das obrigações fiscais relativas ao veículo.
  12. Ou seja, a emissão de certificado de matrícula implica a apresentação de uma DAV por parte da Requerente e o pagamento do montante correspondente ao ISV, e origina automaticamente o registo de propriedade do veículo, ao abrigo do artigo 24.º do RRA em nome da entidade que procedeu à importação do veículo e pedido de matrícula, ou seja, a Requerente.
  13. Assim, conclui a Requerida que o primeiro registo de cada veículo automóvel é concretizado em nome da entidade importadora, neste caso da Requerente.
  14. Esse facto encontra-se bem patente nos procedimentos encetados pela Requerida e que se encontram subjacentes aos atos de liquidação de IUC, nos quais é perentório que a Requerente figura como proprietária dos veículos automóveis aqui em causa.
  15. Consequentemente, nos termos do artigo 24.º do RRA, o importador figura no registo como primeiro proprietário do veículo e nesse sentido, é de acordo com o disposto nos artigos 3.º e 6.º do CIUC, sujeito passivo do imposto.
  16. Sendo que a atribuição à Requerente de um certificado de matrícula consubstancia, nos termos do artigo 6.º do CIUC, o facto gerador do imposto pelo que, tendo a Requerente solicitado a emissão de certificado de matricula encontrando-se o mesmo registado em nome desta, encontram-se reunidos os pressupostos do facto gerador do IUC, bem como da sua exigibilidade, sendo a Requerente sujeito passivo do imposto.
  17. O legislador tributário ao estabelecer no artigo 3.º, n.º 1 quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas o n.º 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados já que o legislador não usou a expressão “presumem-se”,
  18. A Requerida invoca de forma exemplificativa disposições normativas, como os artigos 2.º do Código do IMT, 2.º, 3.º e 4.º do Código do IRS e 4.º, 17.º, 18.º e 20.º do Código do IRC, para sustentar que o artigo 3.º, n.º 1, do CIUC não consagra qualquer presunção.
  19. A Requerida sustenta ser imperativo concluir no caso em apreço que o legislador no artigo 3.º. n.º 1, do Código do IUC, estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como proprietários as pessoas em nome das quais os veículos estão registados, preservando-se, assim, a unidade do sistema jurídico-fiscal. Mais, alegou que considerar esta norma uma presunção, seria efetuar uma interpretação contra-legem.
  20. Conclui, pois, a Requerida que o artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC não consagra uma presunção, porque o que está realmente em causa é uma opção de política legislativa, cuja intenção foi a de que sejam considerados proprietários dos veículos aqueles que constam do registo automóvel. Neste sentido, a Requerida invoca a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, no âmbito do processo n.º 210/13.0 BEPNF.
  21. Por outro lado, a Requerida refere, também, que o elemento sistemático de interpretação da lei demonstra que o entendimento da Requerente não tem apoio na lei. Neste sentido, a Requerida estabelece a articulação entre a incidência subjetiva de IUC e o facto constitutivo da obrigação de imposto, e alega que apenas as situações objeto de registo geram o nascimento da obrigação de imposto.
  22. De acordo com a Requerida o momento a partir do qual se constitui a obrigação do imposto apresenta uma relação direta com a emissão do certificado de matrícula, na qual devem constar os factos sujeitos a registo.
  23. Sustenta a Requerida que tendo ou podendo ter acesso ao Registo Automóvel e ao certificado no qual devem constar todos os atos sujeitos a registo, são conferidos à Requerida todos os elementos necessários à determinação do sujeito passivo do imposto, sem necessidade de recorrer quaisquer contratos de natureza particular que confiram esses direitos. Assim sendo, sustenta a Requerida que a falta de tal registo ou a desatualização do mesmo, nos termos do artigo 42.º, do Regulamento do Registo Automóvel, apenas é imputável ao sujeito passivo do Imposto Único de Circulação e não ao Estado.
  24. De acordo com a Requerida, o entendimento sustentado pela Requerente conduziria à impraticabilidade do Imposto Único de Circulação, uma vez que qualquer pessoa que tivesse registada na Conservatória do Registo Automóvel, poderia afastar a sua responsabilidade pelo pagamento do imposto, bastando para tal invocar a celebração de um contrato, ainda que oral, mas que não foi registado, colocando, inclusive, em causa o prazo de caducidade do imposto e a segurança e certeza jurídicas.
  25. A Requerida sustenta o seu entendimento alegando que a reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterou o regime de tributação automóvel, passando, assim, os sujeitos passivos de imposto a ser os proprietários que constam do registo de propriedade, independentemente, da circulação dos veículos, evitando-se com isto a existência de muitos veículos que não estão registados em nome do real proprietário.
  26. Ainda de acordo com a Requerida, embora as preocupações ambientais estejam patentes no Código do Imposto Único de Circulação, não se pode ignorar que o legislador fiscal pretendeu ao criar o Imposto Único de Circulação que sejam considerados sujeitos passivos deste imposto as pessoas singulares e colectivas em nome das quais os veículos estão registados, independentemente da circulação dos veículos na via pública.
  27. Por outro lado, a Requerida invoca, ainda, que a interpretação da Requerente é desconforme com a Constituição, tendo presente o princípio da confiança e segurança jurídica, o princípio da eficiência do sistema tributário e o princípio da proporcionalidade, articulados com o princípio da capacidade contributiva, porque desvaloriza a realidade registal em detrimento de uma realidade informal e insusceptível de um controlo mínimo por parte da Requerida. Neste sentido, invoca a Requerida a proposta de Lei n.º 118/X, relativa à reforma da tributação automóvel, porque visa-se também com esta reforma o aprofundamento do progresso que nos últimos tempos se tem feito ao nível da Administração tributária, particularmente, no que respeita à gestão de um sistema de informação completo, organizado e fiável.
  28. Por esse motivo, alega a Requerida que o entendimento defendido pela Requerente é ofensivo do princípio da eficiência do sistema tributário, na medida em que traduz um entorpecimento e encarecimento das competências da Requerida, impedindo o controlo do tributo e tornando inúteis os sistemas de informação registal com prejuízo para os interesses do Estado Português.
  29. A Requerida invoca, ainda, a ausência de prova da transmissão dos veículos em causa, uma vez que a Requerente apenas juntou, para efeitos de demonstração da transmissão dos veículos, cópias de facturas de venda de cada um dos veículos, as quais não constituem um documento idóneo para comprovar a venda dos veículos, acrescentando, ainda, que nas referidas facturas consta o nome da Requerente, na data em que é devido o imposto.
  30. Com efeito, considera a Requerida que as facturas não fazem prova de uma inequívoca declaração de vontade por parte do pretenso adquirente, a qual deveria ser efectuada através da junção dos meios de pagamento do preço ou dos recibos de quitação de dívida.
  31. Relativamente aos juros indemnizatórios, a Requerida entende que os actos tributários são válidos e legais e, neste sentido, não há um erro imputável aos serviços, que determine que a Requerente tem direito a estes juros.
  32. Por fim, a Requerida alegou que deve a Requerente ser considerada responsável pelo pagamento das custas arbitrais, pelo facto de ter sido esta a responsável pela dedução do pedido de pronúncia arbitral, por não ter actualizado o registo automóvel.
  33. Em suma, a Requerida considera que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente, mantendo-se assim, os actos de liquidação impugnados.

 

B) Saneador

 

  1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
  3. Não se verificam nulidades nem questões prévias processuais que atinjam todo o processo, pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

 

C) Objeto da pronúncia arbitral

 

  1. Vêm colocadas ao Tribunal as seguintes questões, nos termos atrás descritos:

 

  1. O pedido de revisão oficiosa é tempestivo em relação a todos os actos de autoliquidação de imposto em apreço?

 

  1. Devem ser declarados anulados os 215 actos de liquidação referentes ao Imposto Único de Circulação, acrescido dos correspondentes juros compensatórios, sendo os montantes pagos devolvidos à Requerente?

 

  1. Tem a Requerente direito a juros indemnizatórios?

 

  1. Quem é a responsável pelas custas e demais encargos?

 

 

D) Matéria de facto (Factos provados)

 

  1. Consideram-se como provados os seguintes factos, com relevância para a decisão, com base na prova documental junta aos autos:

 

  1. A Requerente é a sociedade importadora, em exclusivo, de todos os veículos automóveis da marca B... para o mercado nacional.
  2. A Requerente, no âmbito a sua atividade comercial, importa para Portugal viaturas, in casu todas novas, mediante encomendas efetuadas diretamente pelos concessionários à Requerente, que por sua vez efetua a encomenda à C...- a qual coloca a ordem de fabrico na fábrica.
  3.  Uma vez importados os veículos são imediatamente vendidos aos concessionários da marca e emitida a respetiva fatura, que não inclui o ISV e contem o número de chassis do veículo, mas não a matrícula, e os concessionários adquirentes pagam o valor faturado no dia seguinte à emissão daquele documento.
  4.  A Requerente solicita a matrícula de cada veículo após pedido do concessionário.
  5.   Quando as viaturas são enviadas dos concessionários para os clientes é efetuada a alteração do registo do proprietário para o nome do cliente final.
  6.  A Requerente, mediante consulta da sua situação fiscal, emitiu os documentos de cobrança dos IUC de cada uma das viaturas da listagem que junta aos autos e procedeu ao seu pagamento, no valor global de € 28.102,08.
  7.  Todas as autoliquidações ocorreram a partir de dezembro de 2013.
  8. O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 07/08/2017.
  9. A Requerente pediu a revisão oficiosa de todas as autoliquidações de IUC e juros compensatórios, no total de € 28.102,08 em apreço nos autos, a qual foi indeferida em 2018/04/09.

 

Os factos dados por provados resultam da convicção do tribunal fundada no exame dos documentos juntos ao processo e na ausência de controvérsia sobre eles.

 

  1. Não há factos não provados com interesse para a decisão da causa, considerando as possíveis soluções de direito.

 

E) Do Direito

 

  1. O pedido de revisão oficiosa é tempestivo em relação a todos os actos de autoliquidação de imposto em apreço?

 

A Requerente suscita a questão da tempestividade do pedido de revisão oficiosa em relação a alguns dos actos de autoliquidação em apreço que o tribunal, considerando a necessidade de fixação do objecto da causa, aprecia esta matéria de excepção que a Requerente suscitou como questão prejudicial.

Quanto a esta questão, perfilhamos o entendimento da Requerente. A solução prevista no art. 16.º, n.º 2 do CIUC dispõe que “a liquidação do imposto é feita pelo próprio sujeito passivo através da internet, nas condições de registo e acesso às declarações electrónicas, sendo obrigatória para as pessoas colectivas”.

Conforme resulta da decisão n.º 183/2014-T do CAAD é no momento dessa "liquidação do imposto que é emitido documento único de cobrança que, certificado pelos meios em uso na rede de cobrança, comprova o bom pagamento do imposto" (art. 16º, nº4, CIUC).

Assim, nos termos do art. 18.º, n.º 2, CIUC, não deixou de haver claramente a liquidação de imposto pelo sujeito passivo, o que constitui manifestamente um acto tributário, o qual pode ser impugnado através do pedido de pronúncia arbitral.

Desta forma, e considerando as autoliquidações de IUC dentro do prazo dos 4 anos previsto no art. 78.º, n.º 1 da LGT, o pedido de revisão oficiosa é tempestivo em relação a todos os actos sendo que, nessa esteira, são objecto de apreciação de mérito pelo tribunal arbitral.

 

  1. Da apreciação da legalidade dos actos de liquidação contestados, acrescido dos correspondentes juros compensatórios.

 

A questão subjacente ao presente pedido de pronúncia arbitral tem em consideração as liquidações de IUC que a Requerente pagou, referentes aos anos de 2009 a 2016 conforme lista anexa e liquidações juntas aos autos, num total de 215.

Para este efeito, será necessário determinar a incidência subjectiva do Imposto Único de Circulação e, bem assim, sobre o momento em que ocorre o facto gerador deste imposto.

Nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC preceitua-se que “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontram registados”.

Assim, cumpre desde já, analisar a incidência subjetiva, de acordo com o disposto no Código do IUC.

No que a esta questão diz respeito, a Requerente sustenta que tem por objeto a importação de veículos automóveis, para Portugal, da marca B... e que, quando os encomenda à C..., o faz mediante pedido dos concessionários. Neste sentido, sustenta a Requerente que o artigo 3.º, n.º 1, do Código do Imposto Único de Circulação consagra uma presunção ilidível de “propriedade”, ou seja, que admite prova em contrário, nomeadamente, através da demonstração de que os veículos em causa foram transmitidos a terceiros (aos concessionários) antes de o imposto se mostrar exigível.

Em sentido contrário, a Requerida considerou que o disposto no artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC, não dispõe uma presunção, pelo contrário, estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como proprietários as pessoas em nome das quais os veículos estão registados.

Desta forma, a questão principal estará em saber se o legislador estabeleceu na norma de incidência subjetiva aludida uma presunção, suscetível de ser ilidida, como a Requerente defende, ou consagra que as pessoas em nome de quem estejam registadas os veículos são os proprietários, conforme defendido pela Requerida.

Conforme decisão proferida no âmbito do processo n.º 207/2017-T do CAAD, com vista à apreciação cumpre analisar os efeitos do registo do veículo. Nos termos do artigo 7.º do Código do Registo Predial, aplicável ex vi artigo 29.º, do Decreto-lei n.º 54/75 (Registo automóvel), que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo define”.

Significa que o registo do direito de propriedade do veículo, tem um efeito meramente declarativo e não constitutivo do direito, pelo que se configura como uma presunção da existência do direito, nos termos em que se encontra registado, que pode ser ilidida, ou seja, admite a prova em contrário.

Não existindo, mormente ao nível do Código do IUC qualquer disposição legal que atribua ao registo do veículo qualquer efeito jurídico, incluindo condição de validade ou eficácia do negócio causal, i.e., do contrato de compra e venda do qual o veículo é seu objeto mediato.

Se assim é, ou seja, inexistindo qualquer efeito distinto a atribuir ao acto de registo e considerando que a propriedade é assim transmitida mediante a celebração de contrato de compra e venda, sem que para este haja qualquer forma legalmente imposta vigorando o princípio da liberdade de forma, nos termos do artigo 879.º, alínea a), do Código Civil, um dos efeitos deste contrato é exatamente o efeito real da transmissão da titularidade do direito.

Assim, sendo inegável que do elemento literal do artigo 3.º, n.º 1 o legislador, ao contrário do que fez anteriormente, usou a expressão “considerando-se” e não “presumindo-se”, podia questionar-se se a natureza de presunção está ou não em causa na presente norma em análise mas, a verdade é que de uma análise completa da legislação e da inexistência de qualquer preceito que confira ao registo qualquer outro efeito para além daquele referido, somos levamos a concluir que o legislador quis, de facto, usar ambas as expressões com sentido idêntico;

Na senda do referido na decisão 43/2014-T, que aqui seguimos de perto, “verifica-se, a título de exemplo, que nos artigos 243.º, n.º 3, do Código Civil e 45.º, n.º 6, e 89-A, n.º 4, da Lei Geral Tributária, também é utilizada a expressão “considera-se”, e no entanto, estamos perante presunções legais pelo que, de acordo com as normas gerais de interpretação prevista no artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil, considera-se que está assegurado o mínimo de correspondência verbal, para efeitos da determinação do pensamento legislativo que se encontra objetivado na norma em apreço – elemento literal. Atente-se que no que se refere à segunda disposição legal referida, Jorge Lopes de Sousa considera estar em causa uma presunção inilidível de notificação, para efeitos de contagem do prazo de caducidade do direito de liquidação (cfr. SOUSA, Jorge Lopes de, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, Vol. I, 6.ª Edição, Áreas Editora, S.A., Lisboa 2011, p. 388)”.

Ou seja, ambas as expressões têm sido usadas pelo legislador sem que com isso, se possa concluir que este não quis estabelecer, de facto, uma presunção legal, não podendo retirar que a alteração da expressão pudesse levar a um sentido interpretativo distinto pelo que estamos certos que o argumento semântico referido pela Requerida não nos parece merecer provimento.

Por outro lado, como se extrai da aludida decisão 43/2014-T cuja posição se sufraga “ainda no âmbito dos elementos da interpretação de acordo com o artigo 9.º do Código Civil, importa atender ao elemento histórico. Assim, recordando o Decreto-Lei n.º 599/72, de 30 de dezembro e o Decreto-Lei n.º 116/94, de 3 de maio, no que diz respeito à incidência subjectiva foi prevista a presunção de que os sujeitos passivos de IUC são as pessoas em nome das quais os veículos se encontravam matriculados à data da liquidação”.

Assim, quanto a este elemento de interpretação parece não assistir razão à Requerida.

Por outro lado, considerando o elemento racional e teleológico, o IUC tem como pressuposto o custo ambiental e viário da utilização efetiva do automóvel, não tendo, portanto, como destinatários os importadores dos veículos, já que a atividade destes não dá causa a qualquer custo ambiental.

O IUC tem, portanto, subjacente o princípio da equivalência previsto no artigo 1.º do CIUC, com vista a “onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.

Dando assim cumprimento ao comando constitucional, previsto no artigo 66.º, em que o desenvolvimento sustentável, importa que o Estado assegure “que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com a protecção do ambiente e qualidade de vida” (al. h) do n.º 2).

Promovendo um princípio de “poluidor-pagador”, cumprindo pressuposto de igualdade material entre todos os cidadãos que dão causa ao custo ambiental, corporizando, desta forma o IUC as preocupações ambientes que à política fiscal se impõem.

Ora, considerar que o legislador fiscal quis outra coisa que não fosse admitir uma presunção ilidível no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Imposto Único de Circulação seria violar o princípio da equivalência, fazendo recair sobre o proprietário constante do registo e não sobre o real proprietário o pagamento do imposto, ainda que não fosse aquele (como não seria) a dar causa ao custo ambiental e viário que a carga fiscal quis onerar.

Assim sendo, também de acordo com este elemento o artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC deve ser interpretado no sentido de estar em causa uma verdadeira presunção.

Sendo indiferente a alteração da expressão, conforme alegado pela Requerida, já que a atualmente consagrada é semelhante e com o mesmo sentido.

Concluindo-se, assim, que o artigo 3.º, n.º 1, do Código do Imposto Único de Circulação consagra uma presunção, sendo esta ilidível nos termos do artigo 73.º, da Lei Geral Tributária - “as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, pelo que são ilidíveis”.

Dando isto como assente importa verificar, agora, se a Requerente cumpre o ónus de ilidir a presunção que “contra” si recai, por ser a que consta do registo automóvel como proprietária do veículo, de ser considerada o sujeito passivo do IUC.

Por força desta presunção, a Requerente teria que demonstrar que não é, por um lado, a efetiva proprietária e, por outro, desde quando o não é.

A Requerente não juntou aos autos nenhum contrato de compra e venda de qualquer um dos automóveis, juntando, unicamente, faturas com menção das vendas de cada um dos automóveis concessionários.

Mas, ainda que as faturas consubstanciem um negócio jurídico unilateral por parte da Requerente que não corresponde ao negócio causal que das mesmas resulta descrito, a verdade é que não podemos ignorar que este negócio causal em apreço, ou seja, a compra e venda de automóvel, está sujeito a um princípio de liberdade de forma nos termos previstos no artigo 875.º do Código Civil a contrario sensu.

 

Assim sendo não se mostra necessária a existência de qualquer suporte documental para validade ou eficácia do negócio causal, também é certo que tal elemento não é, ou não pode ser, o único para prova do facto que lhe dá causa.

Desta forma, inexistindo suporte documental a prova do negócio causal é possível com recurso a outros documentos ou até a outros meios de prova, como o são as faturas juntas pela Requerente.

Face às faturas juntas, considerando a praxis que resulta do tipo de atividade comercial da Requerente e dos concessionários, bem como a relevância fiscal das faturas, todas do conhecimento da Requerida, entendemos que as faturas de venda apresentadas gozam de presunção de veracidade e, neste sentido, de idoneidade e força bastante para ilidir a presunção que resulta das liquidações, de acordo com o disposto no artigo 75.º da Lei Geral Tributária.

Neste sentido, as faturas juntas são idóneas a afastar a presunção de que a Requerente era, à data da liquidação dos IUC, a proprietária dos veículos automóveis.

Assim sendo, atendendo a que a proprietária dos veículos, à data do facto tributário, não era a Requerente, i.e., não era a Requerente o sujeito passivo do imposto, não estão verificados os requisitos do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC, o que determina a anulação dos correspondentes atos de liquidação.

Por outro lado, em matéria de liquidação e de pagamento do imposto, estabelece o n.º 1, do artigo 17.º do Código do IUC que, no ano da matrícula ou registo do veículo em território nacional, o imposto é liquidado pelo sujeito passivo do imposto nos 30 dias posteriores ao termo do prazo legalmente exigido para o respetivo registo. Sendo que, de acordo com o artigo 42.º, n.º 2, do Regulamento do Registo de Automóveis, tratando-se de registo inicial de propriedade, o veículo deverá ser registado no prazo de 60 dias a contar da data da atribuição da matrícula.

Ou seja, no ano da matrícula, apenas é possível determinar o sujeito passivo do Imposto Único de Circulação findo o prazo para registo, ou seja, o prazo de 60 dias, contados da matrícula, pelo que apenas nesse momento o imposto se mostra exigível.

Corroborando este mesmo entendimento, o Código do Imposto Único de Circulação estabelece no seu artigo 18.º, n.º 1, alínea a), (“Liquidação Oficiosa”) que, “Na ausência de registo de propriedade do veículo efectuado dentro do prazo legal, o imposto devido no ano da matrícula do veículo é liquidado e exigido: a) Ao sujeito passivo do imposto sobre veículos com base na declaração aduaneira do veículo, ou com base na declaração complementar de veículos em que assenta a liquidação desse imposto, ainda que não seja devido;

Ou seja, de acordo com esta disposição legal, apenas nas situações em que a propriedade do veículo não é registada no prazo legal de 60 dias (artigo 42.º, n.º 2, do Regulamento do Registo de Automóveis) é que o imposto é exigido ao sujeito passivo do Imposto sobre Veículos.

Mas não se confunde o sujeito passivo do Imposto sobre Veículos – o Operador Registado, aqui a Requerente – com o sujeito passivo do Imposto Único de Circulação – o proprietário efetivo do veículo que, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, se presume em nome de quem figura o registo, admitindo-se elisão da presunção nos termos referidos.

Sendo que, não obstante o sujeito passivo do Imposto sobre Veículos ser responsável pelo pagamento do imposto se, e apenas se, não for possível determinar o sujeito passivo do Imposto Único de Circulação findo o prazo legalmente estabelecido para registo.

Em todas as situações em que, como é o caso em apreço, o sujeito passivo do Imposto sobre Veículos demonstra que transmitiu os veículos em causa a terceiros antes do termo do prazo para registo, deverá concluir-se que logrou ilidir a presunção estabelecida no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Imposto Único de Circulação.

Por tudo isto, no caso concreto a Requerente, enquanto Operador Registado, embora tenha, no exercício da sua atividade comercial, importado os veículos em apreço, procedido à sua introdução no consumo, através da emissão da Declaração Aduaneira de Veículo, pago o Imposto sobre Veículos e solicitado, junto do IMTT, a atribuição de matrícula, não é sujeito passivo do Imposto Único de Circulação, uma vez que logrou demonstrar, através da junção dos meios de prova identificados, que no prazo de 60 dias para registo transmitiu os veículos a terceiros.

Ou seja, a Requerente logrou demonstrar que os veículos em apreço foram transmitidos dentro do prazo de 60 dias para registo e, consequentemente, antes do imposto se tornar exigível.

Em face do exposto, e no que diz respeito à exigibilidade do imposto, conclui-se que a propriedade dos veículos em apreço foi transmitida mediante contrato de compra e venda e, bem assim, que à data em que o IUC se tornou exigível a Requerente já não era a proprietária dos veículos, conforme resulta das faturas juntas aos autos.

O que determina a anulação dos actos de autoliquidação dos impostos e, consequentemente, não são devidos pela Requerente quaisquer juros compensatórios.

 

  1. Do direito a juros indemnizatórios:

 

A par da anulação das liquidações e consequente reembolso das importâncias indevidamente pagas, a Requerente peticiona ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

Nos termos do disposto no art.º 100.º da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT, no qual se estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

O caso constante nos presentes autos suscita a aplicação das mencionadas normas, posto que na sequência da ilegalidade dos actos referenciados neste processo terá, por força dessas normas, de haver lugar ao reembolso dos montantes pagos, quer a título de imposto, quer de juros compensatórios, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

Assim, face ao estabelecido no artigo 61.º do CPPT e preenchidos que estão os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no n.º 1 do art.º 43.º da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde a data de pagamento relativos a cada uma das liquidações anuladas.

Pelo que tem a Requerente direito, para além do reembolso dos montantes pagos indevidamente, a juros indemnizatórios, calculados sobre esses montantes referente às liquidações anuladas.

 

 

  1. Da responsabilidade pelo pagamento de custas arbitrais:

 

Nos termos do artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, ex vi 29.º, n.º 1, e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, estabelece que será condenada em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

Em face do exposto deve a Requerida ser condenada em custas arbitrais.

 

 

F) Decisão

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o presente Tribunal Arbitral decide:

 

  1. Julgar procedentes, o pedido de anulação, por ilegalidade, do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa em apreço e os pedidos de declaração de ilegalidade das 215 liquidações de IUC e juros compensatórios respeitante aos exercícios de 2009 a 2016, relativamente a todos os veículos cujas matrículas estão identificadas nos autos, anulando assim os correspondentes actos de liquidação, e dos correspondentes juros compensatórios, e a consequente restituição no valor de € 28.102,08.
  2.  Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios.
  3.  Condenar a Requerida nas custas do presente processo.

 

G) Valor do processo

 

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC e 97.º - A, n.º 1 do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 28.102,08.

 

H) Taxa de Arbitragem

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.530,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 26 de novembro de 2018

 

O Árbitro

 


 

(Marisa Almeida Araújo)