Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 147/2018-T
Data da decisão: 2018-11-22  IRC  
Valor do pedido: € 26.367,41
Tema: IRC - Excepção de incompetência em razão da matéria – Goodwill - Gasto fiscal - Artigo 45-ºA do Código do IRC.
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DECISÃO ARBITRAL

                              

  1.  RELATÓRIO

“A... – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.”, pessoa colectiva
n.º..., com sede na ..., n.º..., ...-..., Lisboa, e “B..., S.A.”, pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ..., ...,  doravante designadas, em conjunto, por “Requerentes”, requereram a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e dos artigos 96.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

As Requerentes deduziram pedido de pronúncia arbitral contra o indeferimento tácito do Recurso Hierárquico por si apresentado contra o indeferimento (também tácito) da Reclamação Graciosa da autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2015 ... relativa ao exercício de 2014 pretendendo, em suma, que o Tribunal Arbitral:

  1. Anule a decisão de indeferimento tácito do Recurso Hierárquico supra melhor identificado e, por consequência, do indeferimento (tácito) da Reclamação Graciosa da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC)
    n.º 2015 ... relativa ao exercício de 2014; e

 

  1. Ordene a dedução do montante de €.107.622,08 ao lucro tributável individual da sociedade B..., S.A. relativo ao exercício de 2014 e o reflexo dessa correcção no lucro tributável apurado pelo Grupo, determinando-se a restituição do montante de €.24.753,08 a título de IRC e o montante de €.1.614,33 a título de Derrama Municipal, no montante global de €.26.367,41.

Para fundamentar o seu pedido as Requerentes alegam, em suma, que:

 

  1.       A declaração Modelo 22 de IRC da Requerente “B..., S.A.” apresenta erros de preenchimento, quer ao nível da dedução do gasto fiscal associado ao reconhecimento autónomo de um activo intangível, quer ao nível da não dedutibilidade do gasto associado à perdas por imparidade reconhecidas no período de 2014;

 

  1.      Estes alegados erros tiveram impacto no apuramento do lucro tributável do Grupo apurado pela “A...– Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.” na qualidade de sociedade dominante;

 

  1. A “B..., S.A” procedeu, no exercício de 2014, ao reconhecimento autónomo de um activo intangível no montante de €.5.107.583,94 relativo ao goodwill gerado no âmbito de uma operação de concentração de empresas;

 

  1.        Este goodwill cumpre os requisitos previstos na alínea b) do artigo 45.º-A do Código do IRC e, em consequência, poderá ser aceite como gasto fiscal, em partes iguais, durante os primeiros 20 períodos de tributação após o reconhecimento inicial sendo que, no exercício de 2014, este montante ascende a €.255.379,20;

 

  1.       A “B..., S.A.” reconheceu também uma perda por imparidade sobre o referido activo intangível no montante de €.147.757,12 que, contudo, não cumpre os requisitos previstos no artigo 31.º - B do Código do IRC e que, por isso, não poderá ser considerado não dedutível para efeitos fiscais;

 

  1.       Em consequência a “B..., S.A.” poderá deduzir ao lucro tributável individual apurado no período de tributação de 2014, o montante de €.107.622,08;

 

  1. Tal situação tem consequências ao nível do lucro tributável do Grupo de Sociedades que a “B..., S.A.” integra bem como da Derrama Municipal suportada que deverão ser reduzidas em conformidade.

As Requerentes arrolaram 2 (duas) testemunhas e juntaram 8 (oito) documentos.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

O Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro singular do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, nos termos do disposto nos artigos 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 2 do Código Deontológico do CAAD.

As partes, oportunamente notificadas, não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos previstos no Código Deontológico do CAAD, e o Tribunal Arbitral foi constituído em 7 de Junho de 2018, de acordo com a alínea c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT.

A Requerida apresentou Resposta e juntou o processo administrativo. Na Resposta apresentada, e em síntese:

  1.      Invoca a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação da segunda parte do pedido das Requerentes, isto é, “(…) a restituição à Requerente do IRC pago em excesso no montante global de €.26.367,41” (cfr. §.12.º e 17.º da Resposta da Autoridade Tributária);

 

  1.      Quanto à questão de fundo, defende que, em consonância com a informação prestada na IES pela B..., o valor contabilizado como perda por imparidade corresponde, na realidade, à amortização fiscal permitida pela alínea b) do n.º 1 do artigo 45.º - A do Código do IRC calculada numa base de prorata temporis, pelo que o procedimento adoptado pela B... de não efectuar a correcção ao lucro tributável das designadas perdas por imparidade está em conformidade com a aplicação daquele preceito;

 

  1. Tal implica que, no exercício de 2014, não deva ser efectuada qualquer correcção negativa ao lucro tributável de montante equivalente à diferença [€.107.622,08] entre o valor da perda por imparidade e o valor anual da amortização fiscal, resultante da aplicação da taxa de 5% (1/20) ao montante atribuído ao goodwill, porquanto, a B... tem direito a recuperar essa diferença no final do prazo de 20 anos;

 

  1.       Refere ainda que não existe prova, nos presentes autos, do cumprimento das normas contabilísticas aplicáveis na determinação pela B... do montante de goodwill reconhecido autonomamente, no período de 2014 (€.5.107.583,94), pelo que não poderá ser aceite o pedido das Requerentes no sentido de beneficiarem do regime previsto no artigo 45.º-A do CIRC;

 

  1.       Solicitou a dispensa de produção de prova testemunhal e concluiu pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por falta de suporte legal.

Notificadas, em 13/07/2018, para, ao abrigo do princípio do contraditório previsto na alínea a) do artigo 16.º do RJAT, se pronunciarem sobre a excepção invocada pela Requerida, vieram as Requerentes, em 07/09/2018, responder, pugnando pela improcedência da mesma.

Em 12/09/2018, foram as Requerentes notificadas, nos termos do disposto nas alíneas c) e e) do artigo 16.º RJAT, para indicar a que matéria pretendiam que respondessem as testemunhas por si arroladas, por referência aos artigos do seu pedido de pronúncia arbitral. As Requerentes apresentaram resposta em 24/09/2018.

Por considerar que os factos indicados pelas Requerentes não eram passíveis de prova testemunhal ou que a prova pretendida produzir já se encontrava efectuada nos autos por documentos, o Tribunal Arbitral proferiu, em 01/10/2018, despacho de dispensa de produção da prova testemunhal, bem como da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT.

Neste despacho, foram ainda as Partes notificadas da data limite para a prolação da decisão, que se fixou em 30 de Novembro de 2018, com advertência das Requerentes para, até essa data, procederem ao pagamento da taxa arbitral subsequente nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicarem esse pagamento ao CAAD.

  1. SANEAMENTO
  1. Pressupostos Processuais

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cfr. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto na alínea a), do n.º 1, do artigo 10.º do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

A cumulação de pedidos e autores é admissível pois estamos perante as mesmas circunstâncias de facto e a interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (cfr. artigo 3.º, n.º 1 do RJAT).

O processo não enferma de nulidades.

  1. Da excepção invocada pela Autoridade Tributária

 

Na Resposta apresentada, invoca a Requerida a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação da segunda parte do pedido das Requerentes, isto é, “(…) a restituição à Requerente do IRC pago em excesso no montante global de €.26.367,41” (cfr. §.12.º da Resposta da Autoridade Tributária).

Apreciando, dir-se-á, desde logo, que assiste razão à Autoridade Tributária.

Não obstante a autorização legislativa vertida no artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, tivesse amplitude suficiente para permitir que o processo arbitral tributário constituísse uma alternativa à “à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”, a verdade é que o legislador não utilizou, nessa parte, aquela autorização legislativa.

Tal decorre, com clareza meridiana, do RJAT. Desde logo, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro onde se refere: “Fixam-se com rigor quais as matérias sobre as quais se pode pronunciar o tribunal arbitral. Assim, encontram-se abrangidas pela competência dos tribunais arbitrais apreciação da declaração de ilegalidade de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e os de pagamento por conta, a declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais (…)”.

Na verdade, decorre dos artigos 2.º e 10.º do RJAT, que apenas se incluíram nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD questões da legalidade de actos de liquidação ou de actos de fixação da matéria tributável e actos de segundo grau que tenham por objecto a apreciação da legalidade de actos daqueles tipos.

É certo que, quanto aos pedidos de declaração de ilegalidade de actos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, e dentro dos limites definidos pela vinculação que a Autoridade Tributária e Aduaneira (circunscritos pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm as mesmas competências que os Tribunais Tributários em processo de impugnação judicial, ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT.

Mas, na falta de qualquer disposição legal que permita concluir em contrário, o âmbito dos processos arbitrais restringe-se às questões da legalidade dos actos dos tipos referidos no artigo 2.º, não podendo, designadamente, definir os termos em que devem ser executados julgados anulatórios que vierem a ser proferidos.

Essa competência, como decorre do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, pertence à Autoridade Tributária que, no entanto, deve executar a decisão nos exactos termos definidos na decisão arbitral. De referir que, em caso de litígio quanto aos termos da execução da decisão arbitral, podem os contribuintes recorrer para os tribunais tributários (note-se que, nos termos do artigo 23.º do RJAT, os tribunais arbitrais dissolvem-se na sequência da decisão arbitral) e, através do meio processual adequado, ver apreciada a sua pretensão.

Neste sentido, foi assim já entendido pela jurisprudência arbitral. Invoquem-se, neste sentido, por exemplo, os Acórdãos do CAAD datados de 15/01/2015 e 11/12/2015 e proferidos, respectivamente, nos processos n.ºs 587/2014-T (Jorge Lopes de Sousa) 30/2015-T (Fernanda Maçãs).

Assim, procede a excepção de incompetência quanto ao pedido na parte em que se solicita que o Tribunal “ordene a dedução do montante de €.107.622,08 ao lucro tributável individual da sociedade B..., S.A. relativo ao exercício de 2014 e o reflexo dessa correcção no lucro tributável apurado pelo Grupo, determinando-se a restituição do montante de €.24.753,08 a título de IRC e o montante de €.1.614,33 a título de Derrama Municipal, no montante global de €.26.367,41de dedução do montante de €.107.622,08 ao lucro tributável individual da sociedade B..., S.A. relativo ao exercício de 2014 e o reflexo dessa correcção no lucro tributável apurado pelo Grupo, determinando-se a restituição do montante de €.24.753,08 a título de IRC e o montante de €.1.614,33 a título de Derrama Municipal, no montante global de €.26.367,41” .

Em consequência do que antecede, absolve-se a Requerida da instância quanto a este pedido.

Sublinhe-se, no entanto, que esta incompetência para apreciar um dos pedidos formulados pelas Requerentes em nada afecta a competência do Tribunal Arbitral para apreciar os restantes (se existentes) e relativamente aos quais tenha competência. É o que decorre do disposto no n.º 4 do artigo 186.º do CPC quando refere “(…) ainda que um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal».

Ora, no caso sub judice, para além do pedido acima referido, as Requerentes solicitam também a anulação do indeferimento tácito do Recurso Hierárquico que, por sua vez, recaiu sobre o indeferimento (também tácito) da Reclamação Graciosa da autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas relativa ao exercício de 2014.

A competência deste Tribunal Arbitral para apreciar este pedido não é contestada e é inequívoca, pelo que será, de seguida, objecto de apreciação.  

III.   FUNDAMENTAÇÃO

A. DE FACTO

§.1. Factos Provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente “A...– Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.” é a sociedade dominante de um grupo de empresas tributado ao abrigo do Regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS) o qual era constituído, para além desta, pelas seguintes sociedades:

- C..., S.A., NIF...;

- D..., S.A., NIF…;

- E..., S.A., NIF…;         

- F..., S.A., NIF…;

- G..., S.A., NIF…;

- H..., Lda., NIF ...;

- I..., S.A., NIF ...;

- J..., S.A., NIF...;

- K..., S.A., NIF…;

        - L..., Lda., NIF...;

        - M..., NIF...;

        - N..., Lda., NIF...;

        - B…, S.A., NIF…;

        - O..., Lda., NIF...; e

        - P..., S.A., NIF...; [Acordo].

 

  1. A Sociedade Dominada tem por objecto social a distribuição de produtos alimentares através de máquinas de vending; [Acordo]

 

  1. No dia 7 de Fevereiro de 2014, a Sociedade Dominada celebrou um contrato de compra e venda de uma unidade de vending com a sociedade Q... Lda; [documento
    n.º 7 junto pelas Requerentes]

 

  1. No âmbito desse contrato a sociedade Dominada adquiriu as máquinas de vending e os contratos de exploração das mesmas, as viaturas afectas à exploração do negócio, o quadro de pessoal e os produtos que, à data da transacção, integravam o recheio das referidas máquinas – cfr. Considerando B), Cláusula Primeira (“Unidade de Vending”) e Cláusula Terceira do contrato; [documento n.º 7 junto pelas Requerentes];

 

  1. Em consequência desse contrato a Sociedade Dominada reconheceu, no exercício de 2014, um activo intangível no montante de €.5.107.583,94 relativo ao goodwill gerado com a aquisição da unidade de negócio; [Acordo]

 

  1. A Sociedade Dominada reconheceu uma perda por imparidade no montante total de €.147.757,12, o que determinou o registo do activo intangível associado à compra da área de negócio pelo montante global de €.4.959.826,82 [documento n.º 8 junto pelas Requerentes];

 

  1. A B..., S.A. não efectuou qualquer ajustamento relativamente ao referido activo intangível [documento n.º 1 junto pelas Requerentes];

 

  1. Não existem relações especiais entre a Sociedade Dominada e a sociedade Q..., Lda; [Acordo]

 

  1. As Requerentes procederam, no dia 28 de Maio de 2015, à submissão das respectivas declarações individuas de rendimentos Modelo 22 de IRC, relativas ao ano de 2014; [documentos n.ºs 1 e 2 juntos pelas Requerentes];

 

  1. A Sociedade Dominante procedeu à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC do Grupo a 29 de Maio de 2015; [documento n.º 3 junto pelas Requerentes];

 

  1. Dessa Declaração resultou um lucro tributável de €.13.155.674,88 e imposto a pagar de €.1.986.359,55 (incluindo IRC, derrama estadual, derrama municipal e tributações autónomas); [documento n.º 3 junto pelas Requerentes];

 

  • As Requerentes apresentaram, em 1 de Junho de 2017, Reclamação Graciosa da autoliquidação de IRC do grupo relativa ao exercício de 2014; [documento n.º 4 junto pelas Requerentes];

 

  1. A Autoridade Tributária não decidiu a referida Reclamação pelo que, em 01 de Outubro de 2017, ocorreu a presunção de indeferimento; [facto notório]

 

  • No dia 30 de Outubro de 2017, as Requerentes apresentaram Recurso Hierárquico da referida presunção de indeferimento; [documento n.º 5 junto pelas Requerentes]

 

  • No dia 29 de Dezembro de 2018 ocorreu, nos termos legais, a presunção de indeferimento do referido Recurso Hierárquico; [facto notório]

 

  1. Em 27 de Março de 2018, as Requerentes apresentaram pedido de constituição do Tribunal Arbitral no sistema informático do CAAD; [conhecimento do Tribunal por virtude do exercício das suas funções]

§.2. Factos não provados

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

§.3. Motivação quanto à matéria de facto

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes e documentos juntos, cuja veracidade não foi posta em causa, bem como no processo administrativo.

 

 

 

B) DE DIREITO

§ 1. Delimitação das questões a decidir

Está unicamente em causa nos presentes autos saber se o goodwill gerado no âmbito da aquisição de uma unidade de vending pela Requerente B..., S.A. à sociedade “Q..., Lda” pode, ou não, beneficiar do regime previsto no artigo 45.º-A do Código IRC.

§ 2. Apreciação

Sob a epígrafe “Ativos intangíveis, propriedades de investimento e ativos biológicos não consumíveis” dispõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 45.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (Código do IRC):

1 — É aceite como gasto fiscal, em partes iguais, durante os primeiros 20 períodos de tributação após o reconhecimento inicial, o custo de aquisição dos seguintes ativos intangíveis quando reconhecidos autonomamente, nos termos da normalização contabilística, nas contas individuais do

a) (…)

b) O goodwill adquirido numa concentração de atividades empresariais.” 

Por outro lado, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito.

“4 — O disposto no n.º 1 não é aplicável: 

a) Aos ativos intangíveis adquiridos no âmbito de operações de fusão, cisão ou entrada de ativos, quando seja aplicado o regime especial previsto no artigo 74.º; 

b) Ao goodwill respeitante a participações sociais; 

c) Aos ativos intangíveis adquiridos a entidades residentes em país, território ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.”

O racional desta norma encontra-se expresso no designado “Anteprojecto de Reforma” da autoria da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas – 2013[1]. Pretendeu o legislador, e citamos, “conferir um tratamento fiscal competitivo e ambicioso aos ativos intangíveis sem período de vida útil definido. (…) Assim, e muito embora se tratem de ativos que – justamente por não terem o seu período de vida útil definido –, não estão sujeitos a depreciação, a Comissão considerou vantajoso que a lei fiscal reconheça a possibilidade de o seu custo de aquisição ser dedutível, em partes iguais, ao longo de vinte períodos de tributação”.

Decorre deste normativo que a aplicabilidade do benefício aí previsto depende do cumprimento cumulativo dos seguintes requisitos:

  1. Que o activo intangível em causa assuma a natureza, entre outros, de goodwill.
  2. Que esse goodwill seja reconhecido autonomamente, nos termos da normalização contabilística, nas contas individuais do sujeito passivo;
  3. Que tenha sido adquirido no âmbito de uma operação de concentração de actividades empresariais;
  4. Que essa operação de concentração não consista numa operação de fusão, cisão ou entrada de ativos que tenha beneficiado do regime especial previsto no artigo 74.º; 
  5. Que esse goodwill não respeite a participações sociais; e
  6. Que não resulte de uma operação com entidades residentes em país, território ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável. 

Como resulta da factualidade assente, no caso em apreço, todos os referidos requisitos estão preenchidos no caso em apreço.

            Desde logo, não é contestada a natureza do activo intangível aqui em causa como goodwill e que, de resto, foi relevado na IES apresentada pela Requerente “B... S.A.” relativa ao exercício de 2014 e citada pela Requerida nos §.43.º e 58.º da Resposta por si apresentada.

Por outro lado, e como resulta do doc. n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, a 31 de Dezembro de 2014, a Requerente “B..., S.A.” tinha registado nas suas contas um activo intangível de €.4.959.827,00.

Acresce que o referido goodwill tem origem numa operação de concentração de actividades empresariais como resulta da Norma Contabilística e de Relato Financeiro 14 e, em particular, do §7.º e não respeita a participações sociais.

É ainda manifesto que a operação em apreço não podia ter beneficiado do regime previsto no artigo 74.º do Código do IRC até porque não tem enquadramento no referido preceito[2].

Por fim, e como resulta dos autos, a operação que deu origem ao goodwill envolveu, única e exclusivamente, sociedades domiciliadas em Portugal.

Quanto às dúvidas suscitadas pela Requerida quanto aos valores considerados pela Requerente “B..., SA” a título de goodwill, dir-se-á que os registos contabilísticos dos contribuintes gozam da presunção de veracidade nos termos previstos no n.º 1 do artigo 75.º da Lei Geral Tributária.

Determina o referido preceito, que se presumem “verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízos dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”

Como referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, “no n.º 1 deste preceito estabelecem-se presunções legais de veracidade das declarações apresentadas pelos contribuintes à administração tributária e dos dados que constarem da sua contabilidade e escrita, se estiverem de acordo com a legislação comercial e fiscal.” E prosseguem: “nestes casos, se a administração tributária não demonstrar a falta de correspondência entre o teor de tais declarações, contabilidade ou escrita e a realidade, o seu conteúdo será de considerar como verdadeiro.”

Acresce que este ónus da prova da Administração Tributária “persiste no caso de o contribuinte ter apresentado declaração de substituição e, depois, ter impugnado judicialmente com fundamento em não corresponder à realidade o afirmado nessa declaração”[3].

Como refere J.L. Saldanha Sanches (embora a propósito do revogado artigo 78.º do CPT com plena validade para o artigo 75.º da LGT): “transpondo tal princípio para o Direito Fiscal, não se trata de o fazer valer apenas em caso de litígio, mas antes de lhe atribuir um alcance geral com particular validade para a hipótese do litígio, em que a Administração põe em causa a veracidade dos factos fornecidos pelo sujeito passivo. Sempre que tal suceda é necessário que a Administração ilida a presunção de veracidade dos registos, demonstrando que se verificam «erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte»”[4].

No caso em apreço, as Requerentes invocam um erro na qualificação jurídico-tributária de uma determinada realidade (goodwill resultante de uma operação de concentração de actividades empresariais) tendo logrado demonstrar a ocorrência de tal erro.

Acresce que a Requerida não alegou, como lhe impunham o n.º 1 dos artigos 74.º da LGT e n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, quaisquer factos susceptíveis de se subsumirem a qualquer das situações previstas no n.º 2 do artigo 75.º da LGT, pelo que os valores inscritos nas demonstrações financeiras da Requerente “B..., SA” ter-se-ão de considerar válidos. Com efeito, e face às regras que regulam o ónus da prova no procedimento tributário, era à Requerida que cabia fazer a prova da eventual incorrecção daqueles registos e não o inverso como de resto resulta claro da regra vertida no n.º 1 do artigo 350.º do Código Civil nos termos do qual “quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz”.

Tal não impede, note-se, que, verificados os requisitos legais para tal, a Requerida, ao abrigo das respectivas competências legais, desenvolva as diligências consideradas necessárias ao apuramento da situação tributária das Requerentes aferindo, nessa sede, a correcção dos respectivos registos contabilísticos e ilidindo, se for o caso, a presunção de veracidade dos mesmos.

Nos presentes autos, porém, é manifesto que a referida presunção não foi ilidida pelo que a pretensão das Requerentes deverá ser julgada procedente com as devidas e legais consequências.

 

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IV. DECISÃO

Nos termos expostos, decide este Tribunal Arbitral:

  1. Julgar procedente a excepção dilatória invocada pela AT absolvendo-a do pedido na parte em que se requer que o Tribunal Arbitral “ordene a dedução do montante de €.107.622,08 ao lucro tributável individual da sociedade B..., S.A. relativo ao exercício de 2014 e o reflexo dessa correcção no lucro tributável apurado pelo Grupo, determinando-se a restituição do montante de €.24.753,08 a título de IRC e o montante de €.1.614,33 a título de Derrama Municipal, no montante global de €.26.367,41de dedução do montante de €.107.622,08 ao lucro tributável individual da sociedade B..., S.A. relativo ao exercício de 2014 e o reflexo dessa correcção no lucro tributável apurado pelo Grupo, determinando-se a restituição do montante de €.24.753,08 a título de IRC e o montante de €.1.614,33 a título de Derrama Municipal, no montante global de €.26.367,41”;
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a decisão de indeferimento tácito do Recurso Hierárquico apresentado pelas Requerentes e, em consequência, a decisão de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa interposta da autoliquidação de IRC n.º 2015..., relativa ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas do exercício de 2014, com todas as legais consequências;
  3. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira e a Requerente no pagamento das custas do presente processo na proporção de 90% e 10%, respectivamente.

 

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de €.26.367,41 (vinte e seis mil, trezentos e sessenta e sete Euros e quarenta e um cêntimos).

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CUSTAS

Custas no montante de €.1.530.00 na proporção do decaimento que se estabelece em 10% para as Requerentes e 90% para a Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

Lisboa, 22 de Novembro de 2018.

O Árbitro,

Isaque Marcos Lameiras Ramos

  

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT.

A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

 



[1] Cfr. o Anteprojecto de Reforma do IRC disponível, por exemplo, em https://www.portugal.gov.pt/media/1157091/20130726%20seaf%20rel%20final%20anteprojeto%20reforma%20irc.pdf. Para mais desenvolvimentos numa perspectiva de direito comparado, António Neves, Carlos Lobo, João Sousa, Et al., O Novo IRC, Ernst & Young, Almedina, Lisboa, 2013, pág. 72 e António Carlos dos Santos, André Ventura (Coord.), a Reforma do IRC, Do processo de decisão política à revisão do Código, Vida Económica, Lisboa, 2014, pág. 239.

[2] Esta norma aplica-se apenas a operações de fusão, cisão e entrada de activos e não a operações de simples aquisições de activos como a que está subjacente aos presentes autos.

[3] Cfr. Benjamim Silva Rodrigues, Diogo Leite de Campos, Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª Edição, 2012, pág. 664.

[4] Cfr. J.L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, 2.ª Edição, Lex, Lisboa, 200. Do mesmo autor, por exemplo, J. L. Saldanha Sanches, Estudos de Direito Contabilístico e Fiscal, Coimbra, 2000, pág. 133.