Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 201/2018-T
Data da decisão: 2018-12-06  IVA  
Valor do pedido: € 55.507,20
Tema: IVA – Direito à dedução – Operações simuladas.
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Decisão Arbitral

 

 

O árbitro Dr. Henrique Nogueira Nunes designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 04-07-2018, acorda no seguinte:

 

 

1.    RELATÓRIO

 

1.1. A..., com o número de identificação fiscal ..., doravante designado por “Requerente”, requereu a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).

 

1.2. O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a declaração de ilegalidade de um conjunto de actos de liquidação de IVA e juros no valor global de € 55.507,20, pedindo a anulação das liquidações em causa e a restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

1.3. A fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que com fundamento no disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, a Requerida inverteu ilegalmente o ónus de prova fazendo uma aplicação indevida do artigo 19.º, n.º 3 do CIVA aplicável a operações simuladas.

 

E que a AT não foi além de meras suspeitas ou indícios para legitimar a sua conduta baseado quase exclusivamente na conduta de terceiros, não imputável à Requerente

 

E que tal não torna falsas todas as facturas que emitiram, nomeadamente aquelas que estão em causa nos autos.

 

Pelo que conclui que à AT não assistia o direito de recusar a dedução do IVA em apreço nos autos e que ao efectuar essas correcções e, posteriormente, elaborar as liquidações impugnadas, violou o disposto nos arts. 19º, nº 3 do CIVA e 74º, nº 1 da LGT, o que, no seu entender, constitui fundamento de impugnação dos actos de liquidação de IVA impugnados nos autos por errada qualificação e quantificação de factos tributários.

 

Pugna, assim, pela anulação dos actos tributários e pela restituição do valor pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

 

1.4. A AT, por seu turno, vem defender-se por impugnação. Sustenta que da factualidade constante do Relatório de Inspecção Tributário (RIT) se está perante indícios de que as facturas em causa nos autos são falsas, por falsa identidade dos sujeitos transmitentes dos bens/prestadores dos serviços.

 

E que verificados os indícios bastantes de que os emitentes das facturas não teriam correspondência com o verdadeiro transmitente dos bens/prestador dos serviços, cabia à Requerente demonstrar a veracidade das operações objectivamente consideradas.

 

E que esta não o demonstrou, pelo que entendeu a Requerida desconsiderar a dedução do imposto, ou seja, procedeu às liquidações adicionais ora impugnadas nos autos.

 

Entende que deverá ser dado como assente para efeitos de probatórios a factualidade descrita no RIT junto aos autos.

 

E que desconsiderada a presunção de veracidade das facturas, por existirem (manifestos no seu entendimento) indícios de que os sujeitos passivos emitentes das facturas não transmitiram aqueles bens/prestaram aqueles serviços, cabia à Requerente demonstrar que as operações eram verdadeiras, o que, diz, não logrou fazer nem em sede de procedimento, quer em sede dos presentes autos arbitrais.

 

E que as mercadorias que foram vendidas à Requerente o foram à taxa de IVA de 23% ao invés de o ter sido à taxa de 6%.

 

Conclui pela manutenção dos actos tributários de liquidação impugnados, devendo, em conformidade, o Tribunal absolvê-la do pedido.

 

 

1.5. Entendeu o Tribunal dispensar a realização da primeira reunião do Tribunal Arbitral conforme despacho arbitral notificado às partes de acordo com o disposto no artigo 18.º do RJAT.

Ambas as partes foram igualmente notificadas para apresentar Alegações, querendo, tendo ambas optado por fazê-lo.

Foi fixado prazo para o efeito de prolação da decisão arbitral até ao fim do prazo legal.

 

* * *

 

1.6. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

 

2.    QUESTÃO A DECIDIR

 

       O thema decidendum é o de se determinar se a exclusão do direito à dedução do IVA operada pela Requerida e suportado pela Requerente nas facturas em causa nos autos, com fundamento no disposto no artigo 19.º, n.º 3 do CIVA por operações simuladas, é conforme à lei, ou se, ao invés, como afirma a Requerente, existe ilegalidade nas liquidações adicionais de IVA ora impugnadas, por erro nos pressupostos, tendo este imposto sido indevidamente liquidado pela Requerida e devendo o actos tributários serem anulados e restituído o valor do imposto pago à Requerente.

 

      

3.         MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A) A Requerente é uma empresa que se dedica ao “Comércio por grosso de madeira bruto e produtos derivados”, estando inscrita no regime normal mensal de IVA (cfr. RIT junto pela Requerida nos autos e que se dá como integralmente reproduzido).

 

B) No exercício de 2013 as actividades comerciais da Requerente consistiram em venda de madeira e a título acessório de prestações de serviços de transporte de mercadorias, carga e descarga de madeira (cfr. RIT junto pela Requerida nos autos e que se dá como integralmente reproduzido).

 

C) A Requerente foi objecto de uma acção de inspecção externa realizada pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de ..., a qual deu origem às liquidações adicionais de IVA impugnadas nos autos (cfr. RIT junto pela Requerida nos autos e que se dá como integralmente reproduzido.).

 

D) Na sequência dessa acção de inspecção a Requerida procedeu à liquidação do IVA correspondente ao período de Janeiro a Dezembro de 2013, no valor global de € 46.179,47, e de juros compensatórios no montante global de 9.327,69, relativos ao mesmo período (cfr. Documentos juntos pela Requerente com a petição arbitral e identificados sob os nºs 1 a 22).

 

E) A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações adicionais de IVA e dos respectivos juros compensatórios, posto o que, apesar de não juntar os respectivos comprovativos de pagamento, a Requerida não se opôs à configuração do pedido arbitral tal como este foi formulado pela Requerente onde esta peticiona a restituição do valor pago em caso de ganho de causa, reconhecendo-o pelo que afirma no artigo 1.º da sua Resposta.

 

F) A madeira transmitida teve duas origens distintas, uma parte foi comprada diretamente pela Requerente a produtores, geralmente árvores em pé e a restante, larga maioria foi adquirida a outros sujeitos passivos. Quando a madeira foi adquirida a outros sujeitos passivos, todas as operações (aquisição, corte e transporte de mercadorias) eram de responsabilidade do fornecedor. Eram estes, que entregavam diretamente nas instalações dos clientes da Requerente (B.... SA e C...) a madeira. Nestes casos, regra geral, o transporte foi por conta do fornecedor da Requerente (cfr. página 7 do RIT junto pela Requerida nos autos e que se dá como integralmente reproduzido.).

 

G) A acção inspectiva em causa nos autos surge na sequência de comunicações efetuadas pela Direção de Finanças de ..., após identificação da Requerente como cliente da empresa D... Unipessoal, Lda (“D...”) e da empresa E..., Lda, relativamente à qual a Requerida identificou como se tratando de emitentes de faturas falsas (cfr. página 8 do RIT junto pela Requerida nos autos e que se dá como integralmente reproduzido.).

 

H) A empresa D... iniciou a sua atividade em sede de IVA em 30 de janeiro de 2013 pelo CAE 046731 - "comércio por grosso madeira bruto e produtos derivados" e cessou em 31 de dezembro de 2014 (cfr. página 8 do RIT junto pela Requerida nos autos e que se dá como integralmente reproduzido.).

 

I) O valor constante das faturas emitidas em nome das empresas fornecedoras – D... e E... é coincidente com o valor declarado pela Requerente no seu anexo de fornecedores — P (cfr. página 8 do RIT junto pela Requerida nos autos e que se dá como integralmente reproduzido.).

J) Em todas as faturas dos fornecedores em causa foi liquidado à Requerente IVA à taxa de 23% (cfr. RIT junto pela Requerida nos autos e que se dá como integralmente reproduzido.).

 

K) Os documentos comprovativos da entrada de madeira nas instalações dos clientes da Requerente não fazem referência a qualquer outro fornecedor que não a própria Requerente (cfr. RIT junto pela Requerida nos autos e que se dá como integralmente reproduzido.).

 

L) A Requerida promoveu as correcções em sede de IVA em causa nos autos com o fundamento de que as operações tituladas nas facturas em causa consubstanciam "operações simuladas" quanto aos intervenientes, pelo que com base no n.° 3 do artigo 19.º do CIVA, corrigiu as deduções de imposto efetuadas pela Requerente com base nas faturas emitidas pelos seus fornecedores. (cfr. RIT a fls 35 e 36 junto pela Requerida nos autos e que se dá como integralmente reproduzido.).

 

M) A Requerente em resposta a pedido de informações solicitado pela Requerida no decurso da acção de inspecção informou que não existia contratos escritos com nenhum daqueles fornecedores; que os contactos comerciais no que se refere a empresa D... foram feitos por "Normalmente F... (provavelmente cidadão brasileiro") e que quem entregava as facturas em nome da D... Lda e dos cheques para pagamento era “"Normalmente F... (provavelmente cidadão brasileiro/1 ou 2 vezes outro senhor, cujo nome sem certezas seria G...”) e que a pessoa que estabelecia contacto em nome da E... Lda identificava-se com o nome de “H...– tel...” e que seria este que entregava as facturas e a quem eram entregues os cheques para o seu pagamento (cfr. RIT junto pela Requerida nos autos e que se dá como integralmente reproduzido.).

 

N) Foi requerido autorização para aceder às contas bancárias dos administradores da Requerente o que veio a ocorrer (cfr. RIT junto pela Requerida nos autos e que se dá como integralmente reproduzido.).

 

O) Os documentos de transporte apresentados pela Requerente são reduzidos face ao valor total das aquisições de madeira, tendo sido igualmente detectadas pela AT algumas divergências relacionadas com as quantidades transmitidas, data de emissão das guias de transporte e as constantes no mapa resumo das facturas. (cfr. RIT, designadamente a fls 18 a 23, junto pela Requerida nos autos e que se dá como integralmente reproduzido.).

 

P) Perante a Requerente quem assumia a responsabilidade pelo transporte das mercadorias adquiridas para entrega junto dos seus clientes foram as empresas fornecedoras das mercadorias (cfr. RIT a fls 7 junto pela Requerida nos autos e que se dá como integralmente reproduzido.).

 

Q) A Requerente efetuou o pagamento aos seus fornecedores preferencialmente através de cheques bancários de contas de empresa. (cfr. RIT junto pela Requerida nos autos e que se dá como integralmente reproduzido).

R) Em todas as GEP emitidas pelos clientes da Requerente é referido como único fornecedor de bens a própria Requerente (cfr. RIT junto pela Requerida nos autos e que se dá como integralmente reproduzido).

 

S) A partir dos elementos provenientes do sistema informático da AT foi possível verificar e identificar o nome dos proprietários das viaturas que efectuaram o transporte das mercadorias fornecidas pelos fornecedores D... e E..., Lda, à Requerente e que são empresas de transporte de mercadorias (cfr. RIT a fls 23 e 24 junto pela Requerida nos autos e que se dá como integralmente reproduzido).

 

T) As empresas de transportes em causa através de vários depoimentos recolhidos pela Requerida através dos seus responsáveis identificaram nalguns casos os fornecedores das mercadorias em causa nos autos como sendo seus clientes e noutros casos empresas terceiras a quem foram facturados esses serviços, por pedidos que receberam para que tais serviços (que nunca se questionam que existiram) fossem facturados a diversas empresas. (cfr. RIT junto pela Requerida nos autos e que se dá como integralmente reproduzido).

 

U) A venda da madeira aos clientes da Requerente foi por esta facturada (cfr. RIT a fls 32 junto pela Requerida nos autos e que se dá como integralmente reproduzido).

 

V) Na recolha de informação pela Requerida junto das empresas transportadoras apurou-se que os serviços de transporte foram contratados por um tal de "I..." e a faturação destes serviços em muitos casos tê-lo-á sido para empresas relacionadas com este Senhor (cfr. RIT a fls junto pela Requerida nos autos e que se dá como integralmente reproduzido).

 

W) As correcções fiscais em causa nos autos constantes de fls. 4, 35 e 36 do RIT resultam da conclusão por parte da Requerida de que um conjunto de facturas emitidas pelas empresas D... e E..., Lda., “refletem negócio simulado quanto ao fornecedor das mercadorias”, (cfr. RIT junto pela Requerida nos autos e que se dá como integralmente reproduzido).

 

X) Em sede de IRC a Requerida expressamente reconhece que as operações tituladas pelas facturas cujo IVA dedutível se nega nos presentes autos titulam operações “económicas efectivamente ocorridas, sendo que se comprovou que a A... Lda, procedeu à entrega de madeira aos seus clientes” não tendo efectuado qualquer correcção em sede de IRC.

 

Y) No dia 20 de Abril de 2018, a Requerente apresentou um requerimento de constituição do Tribunal Arbitral junto do CAAD – cfr. requerimento electrónico no sistema do CAAD.

 

4.    FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não existem outros factos com relevo para a decisão de mérito dos autos que não se tenham provado.

 

 

5.    FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

            Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.

 

De referir que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo Requerente enquanto autor (cfr. artºs.596º, nº.1 e 607º, nºs. 2 a 4, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT).

 

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607º, nº.5, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na Lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371º, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

 

6.    DO DIREITO

 

       Antes de entrarmos na análise do caso concreto, e considerando a matéria de direito que está em causa nos autos e que se prende com a negação do direito à dedução do IVA por parte de um adquirente num alegado caso de simulação e sendo o IVA um imposto de matriz comunitária, impõe-se tecer algumas considerações previas relativamente à natureza e amplitude do direito à dedução, considerando nesta análise as regras que regem este imposto de acordo com o Direito da União Europeia, com a respetiva transposição a nível interno e com a interpretação administrativa e judicial que sobre as mesmas tem vindo a ser levada a cabo, especialmente pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). A este respeito importará analisar a questão da dedutibilidade do IVA, tendo em conta a interpretação do disposto nos artigos 168.º da Diretiva IVA (DIVA) e os artigos 19.º n.º 3 do CIVA.  

 

 

 6.1.     Do Direito à Dedução

 

       Como bem referiu a decisão arbitral do CAAD no processo n.º 767/2016-T e citando-a:

 

       “O direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado, exercendo-se imediatamente em relação à totalidade do IVA que incidiu sobre as operações a montante.

       Nesta acepção do princípio da neutralidade, o regime instituído pela DIVA permite aos sujeitos passivos deduzir o IVA que tenha onerado as aquisições de bens e serviços destinados à atividade tributada. Note-se, que o TJUE refere-se ao princípio da neutralidade do IVA ainda numa outra acepção, de acordo com a qual o sistema do IVA não deve interferir com as decisões económicas nem com a formação dos preços ao longo do circuito económico.

       Por conseguinte, o mecanismo do direito à dedução permite ao sujeito passivo expurgar do seu encargo o IVA suportado a montante retirando o efeito cumulativo e a tributação em cascata que caracterizavam sistemas anteriores de tributação do consumo. Assim, o direito à dedução assenta no designado método da dedução do imposto, método do crédito de imposto, método subtrativo indireto ou ainda método das faturas.

       De acordo com este método, e em conformidade com o disposto no artigo 19.º do Código do IVA, através de uma operação aritmética de subtração, ao imposto apurado nas vendas e prestações de serviços (outputs) e identificável nas respetivas faturas, deduz-se o imposto suportado nas compras e outros gastos (inputs). Como determina o 2.º parágrafo, do n.º 2 do artigo 1.º da DIVA “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço”.

       Tal como previsto na DIVA, o Código do IVA determina, como regra geral, a dedutibilidade do imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços feitas a outros sujeitos passivos.

       As situações expressas de exclusão do direito à dedução são excecionais e reportam-se a casos específicos enunciados pelo legislador nacional em termos taxativos, de acordo com o estatuído na DIVA, em função do tipo de despesas em causa.

       As regras do exercício do direito à dedução do imposto contemplam requisitos objetivos, mais ligados ao tipo de despesas, subjetivos, relativos ao sujeito passivo, e temporais, atinentes ao período em que é possível exercer o direito à dedução do IVA, os quais se devem verificar em simultâneo para se exercer o direito à dedução.

       Como requisitos objetivos do exercício do direito à dedução do IVA temos, nomeadamente, o facto de o imposto suportado dever constar de fatura passada na forma legal (ou seja, deverá obedecer, nos seus requisitos, aos termos gerais previstos no atual artigo 36.º, n.º 5, e artigo 40.º do Código do IVA), de se tratar de IVA português, e de a despesa, por si, conferir o direito à dedução do imposto (isto é, não se deve tratar de uma despesa excluída do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 21.º do Código do IVA).

       Como requisitos subjetivos do exercício do direito à dedução do imposto determina-se, nomeadamente, que os bens e serviços deverão estar diretamente relacionados com o desenvolvimento de uma atividade económica. Com efeito, de acordo com a DIVA, no artigo 168.º (transposto, em parte, pelo artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA), o sujeito passivo pode deduzir o IVA suportado no Estado membro em que se encontra estabelecido, nas transmissões de bens e prestações de serviços, assim como operações assimiladas nas aquisições intracomunitárias de bens e nas importações ali localizadas, desde que “os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas (…)” (sublinhado nosso).

       Note-se que o TJUE admite a possibilidade de dedução do IVA mesmo que não se assista à efetiva realização de operações tributáveis, no caso dessas operações, por factos que ultrapassem a vontade da entidade, não se venham efetivamente a concretizar, ocorrendo a liquidação da sociedade. Acresce que este normativo, em conformidade com as regras do Direito da União Europeia, vem exigir que exista um nexo de causalidade entre o bem ou serviço adquirido (input) e o output tributado, para que o IVA seja susceptível de ser dedutível. Isto é, o IVA suportado a montante numa determinada operação só é dedutível na medida em que possa estar relacionada a jusante com uma operação efetivamente tributada, devendo a relação ser aferida em função do reporte e inclusão do custo suportado, no preço da operação tributada.

       No que diz respeito aos regimes de dedução de IVA, o TJUE tem vindo a considerar que o direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do próprio imposto, que não pode em princípio ser limitado, e que se exerce em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante, sublinhando ainda que “toda e qualquer limitação do direito à dedução tem incidência ao nível da carga fiscal e deve aplicar-se de modo semelhante em todos os Estados-Membros. Em consequência, só são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela Directiva”.

       Acresce referir que qualquer limitação do direito à dedução deve observar os princípios da proporcionalidade e da igualdade o que pressupõe uma ponderação equilibrada dos benefícios derivados da medida e do sacrifício que esta implica.”. 

 

       Por outro lado, o STA, no seu Acórdão proferido no processo n.º 01455/12, de 07/10/2015[1], veio considerar que o princípio da dedução do IVA, enquanto meio de concretizar a neutralidade do imposto, impõe que todas as restrições ao direito de dedução sejam interpretadas de forma restritiva e reduzidas ao mínimo.

 

       Efectivamente, como bem se decidiu nesse aresto:

 

       “Ora, da aplicação conjugada de todas as normas invocadas, resulta demonstrado que o direito à dedução do IVA incorrido não está dependente de tal imposto ter sido devidamente liquidado pelo sujeito passivo, contrariamente ao que refere a Requerida.
Vem sendo jurisprudência unânime dos tribunais superiores que o IVA indevidamente liquidado em factura ou documento equivalente é, não obstante, devido ao Estado, competindo à entidade emitente do documento em causa a sua entrega ao Estado. Só desta forma é que se pode assegurar o princípio da neutralidade do imposto, quer para os intervenientes, quer para o próprio Estado. A título de exemplo, veja-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 04-06-2015, proferido no proc. n.o 07111/13 (disponível em www. dgsi.pt) em que se conclui que “(...) cada factura com menção de imposto, constitui um verdadeiro "cheque sobre o tesouro", pois atribui ao destinatário que seja sujeito passivo o direito de deduzir o I.V.A. nela contido. Por isso, a simples menção do I.V.A. em factura (mesmo que porventura descabida, por não haver lugar a imposto naquele caso, por qualquer razão) origine sempre a obrigação de pagar, independentemente da qualidade do emissor, isto é, seja ele ou não um sujeito passivo. Tornar-se-á, pelo simples facto da menção, um "devedor de imposto". Só assim se consegue que ao direito à dedução, que a factura atribui ao destinatário sujeito passivo, corresponda sempre uma obrigação de pagar e se assegure o funcionamento regular do sistema de pagamentos fraccionados em sede de I.V.A. (cfr.ac.S.T.A.-2a.Secção, 24/4/2002, rec.26636; ac.S.T.A.-2a.Secção, 26/9/2012, rec. 555/12; ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 17/1/2012, proc.4711/11; José Guilherme Xavier de Basto, A tributação do consumo e a sua coordenação internacional, Lições sobre harmonização fiscal na Comunidade Económica Europeia, C.T.F. 362, Abr./Jun. 1991, pág.42 e seg.; F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4a. edição, Janeiro de 1997, pág.51; Clotilde Celorico Palma e Outros, Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, Almedina, 2014, pág.47).

(...) A razão de ser desta obrigação decorre do facto dessas mesmas facturas conterem I.V.A. dedutível por parte da entidade a favor da qual foram emitidas e, nessa medida, ser necessário assegurar que o imposto delas constante tenha dado entrada nos cofres do Estado.” (sublinhado nosso).

Este entendimento do Tribunal Central Administrativo Sul vem sustentado no aí mencionado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26-09-2012, proc. n.o 555/12 (também disponível em www.dgsi.p), em que se concluiu que “(...) a simples menção do IVA em tais documentos, mesmo que porventura descabida, por não haver lugar ao mesmo, origina obrigação de imposto. Como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 24/4/2002, proc no 26636, este resultado deriva tanto do carácter rígido e formalista do IVA como do facto de o sujeito passivo destinatário da factura ter o direito de dedução respectivo. Nas palavras de XAVIER DE BASTO ( Cfr. “A harmonização Fiscal na CEE”, Ciência e Técnica Fiscal, no 362, p. 44. ), cada factura com menção de imposto, constitui “um cheque sobre o tesouro, pois atribui ao destinatário que seja sujeito passivo o direito de deduzir o IVA nela contido. Por isso, (...) a simples menção do IVA em factura (mesmo que porventura descabida, por não haver lugar a imposto naquele caso, por qualquer razão) origine obrigação de pagar, independentemente da qualidade do emissor, isto é, seja ele ou não um sujeito passivo. Tornar-se-á, pelo simples facto da menção, um “devedor de imposto”. Só assim se consegue que ao direito à dedução, que a factura atribui ao destinatário sujeito passivo, corresponda sempre uma obrigação de pagar. Assim se assegura o funcionamento regular do sistema de pagamentos fraccionados”. Aplicando o exposto ao caso em apreço, verifica-se que o recorrente não era sujeito passivo de IVA e não estava obrigado a passar a factura, cuja cópia consta do ponto c) do probatório. No entanto, ao fazê-lo, a menção na mesma do imposto atribuiu ao destinatário (no caso dos autos, à B..., SA.), o direito de deduzir com base nela o IVA. Daí que o legislador comine que a simples menção do IVA no documento em causa origine obrigação de pagar, independentemente da qualidade do emissor, que se torna “devedor do imposto”, pois só assim se consegue, como refere XAVIER DE BASTO, “que ao direito à dedução, que a factura atribui ao destinatário sujeito passivo, corresponda uma obrigação de pagar”, com vista a assegurar “o funcionamento regular do sistema de pagamentos fraccionados” (sublinhado nosso).”.

 

 

       Decorre do supra exposto que o direito à dedução do IVA é essencial ao funcionamento do mecanismo deste imposto só podendo ser limitado em situações excepcionais.


 

6.2.      Da negação do direito à dedução do IVA em negócio simulado

 

 

       Resulta da jurisprudência do TJUE não ser compatível com o regime do direito à dedução a recusa desse direito a um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou que outra operação incluída na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo referido sujeito passivo, estava viciada por fraude ao IVA[2] As disposições previstas no artigo 19.º n.ºs 3 e 4, do Código do IVA visam precisamente consagrar o impedimento do direito à dedução que resulte de operações fraudulentas. Desde logo, tendo presente que só confere direito à dedução o IVA que tenha onerado aquisições de bens e serviços destinados ao exercício da actividade tributada realizada pelo sujeito passivo, pelo que o n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA explicita que “não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente”. Este preceito legal, em face da sua formulação aplica-se quer em situações de simulação absoluta, de que constituem paradigma no âmbito do IVA as designadas “facturas falsas”, quer em situações de simulação relativa, de que uma das variantes poderá constituir a simulação do valor da operação.

 

       In casu está-se perante uma situação em que a AT qualifica de facturas falsas e negócio simulado, recorrendo ao mecanismo previsto no n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, pelo que é nesse plano e dessa perspectiva que as correcções em causa nos autos se devem analisar.

 

       No que se refere aos negócios simulados, a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores tem vindo já a debruçar-se sobre os mesmos e a sua relação com a dedutibilidade do IVA.

 

       A título de exemplo, veja-se o aresto proferido no processo 00030/05.6BEPNF, da 2.ª Secção do Contencioso Tributário, pelo TCA-Norte e datado de 14-07-2014[3] onde se lê:

 

“Neste particular, é sabido que, como tem sido jurisprudência uniforme deste Tribunal Central Administrativo Norte, quando a administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, competindo à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.

Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção - cfr. entre outros, Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.

De notar que a administração tributária não precisa de demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-10-2004, processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75.º da Lei Geral Tributária.

Neste domínio, em princípio, se os indícios denunciam que com forte probabilidade os emitentes das facturas não tinham capacidade empresarial para vender a mercadoria mencionada nas facturas, tanto bastaria para se criar um juízo sério de que aquelas transacções não existiram, ou seja, que aqueles emitentes não venderam à recorrente aqueles materiais, logo, a recorrente não os comprou, traduzindo assim a factura uma simulação de transacção entre o emitente e o utilizador da factura.

E assim dir-se-ia que bastaria à administração tributária, para cumprir o seu ónus, carrear factos relativos aos emitentes das facturas indiciadores da sua incapacidade para transaccionarem as mercadorias. E ficaria desonerada de averiguar qualquer facto na esfera do utilizador das facturas indiciador da sua participação ou conhecimento ou dever de conhecer da falsificação. Poderia limitar-se, como aconteceu no caso dos autos, a constatar na contabilidade do sujeito passivo a existência de facturas daqueles emitentes para, sem mais, considerar indevidamente deduzido o IVA, passando a competir ao sujeito passivo o ónus de demonstrar a veracidade das transacções.

Em suma, a ser assim entendido, a administração tributária, conhecedora que determinado sujeito passivo se dedicava à emissão de facturas falsas, poderia sem mais, desconsiderar os custos de qualquer outro sujeito passivo inspeccionado que tivesse contabilizado facturas daquele emitente.

Assim sendo, os indicadores de facto de que o emitente da fatura não tem capacidade para prestar o serviço não bastam, por si só, para obstar à dedutibilidade do imposto mencionado nessa fatura, se não houver razões para pôr em causa a realização desse serviço por terceiro.

Pode, à partida, parecer estranho que o legislador se tenha abstraído da relação subjacente titulada na fatura que, para ser subjetivamente verdadeira, teria que existir entre aqueles dois sujeitos (o emitente da fatura e o utilizador da fatura). Mas há uma razão para tal: é que o legislador também abstrai da relação subjacente para exigir o imposto do emitente.

Com efeito, e nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do mesmo código, o imposto também pode ser exigido ao emitente da fatura que ali o mencione indevidamente. Cada fatura onde seja mencionando imposto constitui um «cheque sobre o Tesouro» (cit. José Guilherme Xavier de Basto, in «A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional», Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 164, Centro de Estudos Fiscais 1991, pág. 140). E isto acontece precisamente porque o destinatário da fatura também não deixa, por esse facto, de ter o direito a utilizá-la, no exercício do seu direito à dedução.

Assim, não sendo a existência da relação subjacente entre aqueles dois sujeitos um requisito de dedutibilidade do imposto, esta só pode ser afastada por uma norma de exclusão.

O Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado contém várias normas que excluem especialmente o direito à dedução, mas só nos interessa analisar aqui uma delas: o n.º 3 do seu artigo 19.º. Porque foi com base nessa norma que a administração tributária procedeu às correções impugnadas.

E segundo esta norma, não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente.

No entanto, o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado também não nos diz o que se deve entender por operação simulada para os efeitos desse Código, pelo que terá que ser interpretada com o sentido que o termo tem no direito civil - artigo 11.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária.

Ora a simulação é a divergência entre a vontade real e a vontade declarada dos sujeitos do negócio jurídico, por acordo entre o declarante e o declaratário e com o intuito de enganar terceiros – artigo 240.º do Código Civil. Pode ser absoluta (quando não existe vontade de realizar negócio nenhum) ou relativa (quando existe a vontade de dissimular um outro negócio). E, neste último caso, pode ser subjetiva (quando o negócio dissimulado é realizado com outro sujeito) ou objetiva (quando o negócio dissimulado tem natureza ou conteúdo diverso, como sucede com a simulação de valor).

Analisemos mais detalhadamente a simulação subjetiva (que é a que para o caso releva). Para que haja simulação é necessário que exista um acordo entre os sujeitos os sujeitos reais da operação e o interposto (interposição fictícia). Se o acordo existe apenas entre o interposto e um dos sujeitos reais da operação, atuando aquele em nome próprio, mas no interesse e por conta desse sujeito (interposição real), não se nos apresenta uma simulação, mas antes um mandato sem representação (cfr. artigos 1180.º e seguintes do Código Civil – neste sentido, Carlos Alberto da Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição atualizada, pág. 476).

A comissão mercantil, regulada nos artigos 266.º e seguintes do Código Comercial, é uma modalidade de mandato sem representação, com a particularidade de ter por objeto, não a prática de atos jurídicos, mas a prática de atos do comércio. Também neste caso existe uma interposição real e lícita de sujeitos (e que se contrapõe, por isso, a interposição fictícia ou simulada - Pires de Lima e Antunes Varela, in «Código Civil Anotado», volume II, pág. 747). Ou seja, o negócio é realmente celebrado entre o mandatário ou comissário e o destinatário dos serviços. Mas aquele fica com a obrigação de transferir para o mandante a titularidade dos direitos que tenha adquirido em execução do mandato.

Assinale-se que o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado acolheu expressamente a figura jurídica da comissão mercantil, como decorre dos seus artigos 3.º, n.º 3, alínea c) (no caso de interposição na transferência de bens) e 4.º, n.º 4 (no caso da prestação de serviços). O que significa que, também para os efeitos deste imposto, a prestação de serviços por conta de outrem não é uma interposição fictícia ou simulada.

Assim sendo, a interposição de um sujeito entre o emitente da fatura e o seu utilizador só será uma operação simulada para efeitos do disposto no artigo 19.º, n.º 3, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e, por conseguinte, só excluirá o direito à dedução se existir acordo entre eles com o intuito de enganar terceiros, nomeadamente o fisco.

Pelo que a existência de acordo entre o verdadeiro prestador do serviço e o seu utilizador, no sentido de simular a celebração do negócio entre um deles apenas e terceiro com o intuito de enganar terceiros (e o fisco em particular) é elemento essencial da simulação subjetiva.

Passemos a outra questão, que é a de saber se compete à administração tributária provar o acordo simulatório. É o problema da repartição do ónus probatório entre a administração tributária e o sujeito passivo na aferição da legalidade do exercício à dedução.

Sobre esta matéria, dispõe com interesse o artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária que o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Assim, e tomando como modelo o procedimento de liquidação da iniciativa da administração tributária, esta terá o ónus de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação (os factos-pressupostos da existência, qualificação e quantificação do facto tributário). E o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.

Todavia, o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2003-05-07 (Processo n.º 01026/02, disponível a redação integral in www.dgsi.pt, seguindo o entendimento do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2002-04-17, processo n.º 026635, também ali disponível), firmou jurisprudência no sentido de que recai sobre o contribuinte a prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado.

A razão de ser deste entendimento é a seguinte: ao contrário do que sucede em regra, em que a administração tributária afirma a ocorrência do facto de que deriva o direito à tributação, neste caso é o sujeito passivo que afirma o facto tributário de que deriva o direito à dedução e a administração tributária que põe em causa a sua ocorrência.

Deve salientar-se, porém, que esta regra do ónus probatório só opera verdadeiramente depois de a administração tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu (no caso, que não ocorreu entre os sujeitos mencionados na fatura. Ou seja (para utilizar as palavras do mesmo aresto), depois da administração tributária ter emitido «um juízo administrativo de adequação entre os factos e as valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei».

O que, de resto, resultava já do artigo 82.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (na redação então em vigor) segundo o qual a ratificação das declarações do sujeito passivo ocorreria quando a administração tributária fundadamente considerasse que nelas figurara um imposto superior ou uma dedução superior aos devidos.

E que nem poderia ser de outra forma, porque o exercício do direito à dedução tem por base a declaração a que então aludia o artigo 28.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código. Declaração essa que, nos termos do artigo 75.º da Lei Geral Tributária, se presume verdadeira quando seja apresentada nos termos previstos na lei e os dados dela constantes se encontram inscritos na sua contabilidade ou escrita, por sua vez organizadas de acordo com a legislação comercial ou fiscal. E quando alguém tem a seu favor uma presunção legal não tem que provar o facto a que ela conduz – artigo n.º 350.º, n.º 1, do Código Civil.

Pelo que, quando o direito à dedução tenha por base declaração do sujeito passivo apresentada nos termos da lei, a administração tributária que pretenda infirmar a ocorrência do facto em que se suporta essa dedução invocando a simulação de sujeitos, não tem que demonstrar que o acordo simulatório existiu (o que seria muito difícil demonstrar, na generalidade dos casos), mas tem que reunir indicadores objetivos de que tal acordo deveria ter existido. …”.

A partir daqui, e considerando a situação particular em apreciação nos autos, tem de entender-se que para haver simulação seria necessário que a administração fiscal tivesse reunido elementos que relacionassem a utilizadora das facturas com o esquema de fraude, ou seja, que tivesse reunido indícios de que a utilizadora das facturas participou ou que sabia ou devia saber que a emitente das facturas não era o verdadeiro fornecedor da mercadoria em apreço, na medida em que pode acontecer que a utilizadora de facturas falsas não saiba nem tenha possibilidades de saber da falsidade.

Com efeito, basta que um operador, obtendo as necessárias quantidades de mercadorias, munindo-se de um livro de facturas e abrindo uma conta bancária em nome do titular da factura, se desloque às instalações de um outro revendedor, ofereça as mercadorias, acorde um preço e desconte o cheque usado como meio de pagamento.

A aceitar-se que o ónus da Fazenda Pública se basta com a recolha de indícios de falsidade relativamente aos emitentes das facturas levaria a que os utilizadores das facturas falsas, que não sabem que são falsas, não pudessem deduzir custos que efectivamente suportaram, sem que tivessem participado em qualquer esquema fraudulento.

Dir-se-á que, sempre tais utilizadores inocentes poderiam fazer prova da veracidade das transacções - na aplicação do quadro probatório acima fixado: à administração tributária cabe o ónus de demonstrar indícios da falsidade; cumprido tal ónus passa a caber ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das transacções.

Mas facilmente se percebe que tal prova, nestas circunstâncias, de fraude a montante, que desconhece, será impossível para o utilizador das facturas provar o que quer que seja para além do que resulta da sua contabilidade, e que, não se deve esquecer, goza de presunção de veracidade. Se houve fraude e o utilizador das facturas desconhece não pode provar que as mercadorias foram adquiridos aos emitentes das facturas, porque não foram; nem pode provar que os adquiriu a outrem, porque para este utilizador de facturas a mercadoria foi comprada ao emitente, desconhecendo o real vendedor.

O que pode fazer o utilizador das facturas nestas circunstâncias é tão-só esclarecer como é que as negociações se desenvolveram e com quem se desenvolveram.

 

(…)

 

Deste modo, havendo indícios de que a emitente das facturas não forneceu a mercadoria mencionada nas facturas, impunha-se que a administração fiscal indagasse da participação da ora Recorrida no esquema simulatório.

Ora, a administração tributária não diz que a recorrente sabia ou devia saber que estava a comprar a pessoa diferente da que figura na factura e o utilizador da factura não está obrigado a saber a situação empresarial ou fiscal do emitente da factura que lhe entrega a mercadoria.

Aceitar-se que um utilizador de facturas veja os custos desconsiderados sem que de alguma forma a administração tributária o ligue ao esquema fraudulento, seria violador do princípio da justiça. E poria em causa a confiança nas relações comerciais.

Este entendimento vai de encontro ao do Tribunal de Justiça que no Acórdão de 31 de Janeiro de 2013, processo C-642/11 - que tratava de uma questão de dedutibilidade de IVA, reportando-se aos casos em que as irregularidades se verificam na esfera dos emitentes, pronunciou-se assim:

«47 Assim, cabe às autoridades e aos tribunais nacionais recusar o direito a dedução, se se demonstrar, face a elementos objectivos, que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente (v., neste sentido, acórdão de 6 de Julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C-439/04 e C-440/04, Colet., p.I-6161; e acórdãos, já referidos, Mahagében e David, n.º 42, e Bonik, n.º 37).

48 Contudo, também segundo jurisprudência bem assente, não é compatível com o regime do direito a dedução prevista pela Diretiva 2006/112 sancionar, com a recusa desse direito, um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou que outra operação incluída na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo referido sujeito passivo, estava viciada por fraude ao IVA (v., especialmente, acórdão de 12 de Janeiro de 2006, Optigen e o., C-354/03, C-355/03 e C-484/03, Colet., p. I-483, n.ºs 52 e 55; e acórdãos, já referidos, Kittel e Recolta Recycling, n.ºs 45, 46, e 60, Mahagében e Dávid, n.º 47, e Bonik, n.º 41).

49 Além disso, o Tribunal de Justiça declarou, nos n.ºs 61 a 65 do acórdão Mahagében e David, já referido, que a Administração Fiscal não pode exigir de maneira geral que o sujeito passivo que pretenda exercer o direito a dedução do IVA, por um lado, verifique que o emitente da fatura referente aos bens e aos serviços em função dos quais o exercício deste direito é pedido dispõe da qualidade de sujeito passivo, possui os bens em causa e está em condições de os entregar e cumpre as suas obrigações de declaração e de pagamento do IVA, a fim de se certificar de que não há irregularidades ou fraude ao nível dos operadores a montante, ou, por outro, possua documentos a este respeito.

50 Daqui decorre que o tribunal nacional que deva decidir se, num determinado caso, existe operação tributável, tendo a Administração Fiscal alegado no processo que a existência de irregularidades cometidas pelo emitente da fatura ou por um dos seus fornecedores, como omissões contabilísticas, deve zelar por a apreciação da prova não conduza a esvaziar de sentido a jurisprudência recordada no n.º 48 do presente acórdão, obrigando de forma indireta o destinatário da fatura a proceder a verificações junto do seu contratante que, em principio, não lhe incumbem.»

E a final declarou:

«(…)

2- Os princípios da neutralidade fiscal, da proporcionalidade e da confiança legitima devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que seja o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante seja recusado ao destinatário de uma factura, por inexistência de uma operação tributável efectiva, quando, no aviso retificativo de tributação enviado ao emitente da fatura, o imposto sobre o valor acrescentado declarado pelo emitente não tiver sido corrigido. Contudo, se, por causa de fraudes ou irregularidades cometidas pelo emitente ou a montante da operação invocada como base do direito a dedução, se considerar que essa operação não foi efectivamente realizada, deve provar-se, perante elementos objectivos e sem exigir ao destinatário da fatura verificações que lhe não incumbem, que o mesmo destinatário sabia ou tinha obrigação de saber que a operação estava implicada numa fraude ao imposto sobre o valor acrescentado, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.» (sublinhado nosso).

 

 

(…)

 

No caso, repete-se, estando demonstrado que a ora Recorrida adquiriu a mercadoria em causa, teria a administração tributária que recolher indícios bastantes de que a recorrida sabia ou devia saber que quem lhe estava a vender não era a pessoa que figurava nas facturas.

E não tendo tal acontecido, concluímos que a administração tributária não recolheu indícios que legitimam a sua actuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas facturas em causa nos autos, ou seja, não cumpriu com o ónus que sobre si impendia no sentido de fundamentar as liquidações impugnadas, as quais estão, assim, feridas de ilegalidade, impondo-se assim acompanhar a decisão recorrida quando determinou a anulação das liquidações impugnadas.”.

 

       Negritos sublinhados nossos.

 

       Importa referir que este Tribunal Arbitral adere sem reservas à análise de Direito que o TCA-Norte formulou no aresto de que supra se transcreveram as partes mais relevantes.

 

 

6.3.      Análise do caso sub judicio

 

       Entende a AT que as faturas emitidas pelas empresas D... e E..., Lda à Requerente não consubstanciam transacções comerciais relevantes para efeitos de permitir a dedutibilidade do IVA incorrido pela Requerente, ou seja, que se trata de operações simuladas, pelo que de acordo com o número 3 do artigo 19.º do CIVA a Requerente não poderia ter deduzido o imposto relativo a estas aquisições simuladas.

 

       Comecemos por nos referir ao ónus da prova no âmbito das correcções em análise. Como tem sido realçado reiterada e uniformemente pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, de que no ponto anterior fizemos referência exaustiva, quando a AT desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova previstas no artigo 74.º da LGT, competindo a esta fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, que existem indícios sérios de que a operação constante das facturas não correspondem à realidade, passando então a incidir sobre o sujeito passivo do imposto o ónus probatório da veracidade da transacção.

 

       É neste plano que nos encontramos.

 

       Vejamos, então, não perdendo de vista o enquadramento jurídico gizado relativamente ao ónus da prova e considerando os factos apurados em sede inspectiva, com vista a dar resposta à questão de saber se resulta dos factos considerados provados que a AT fez prova da verificação de indícios que lhe permitiam concluir que as facturas relativamente às quais o IVA nelas inserido foi desconsiderado não tiveram subjacentes quaisquer operações económicas realizadas entre estas empresas e a Requerente.

 

       Dos factos dados como provados resulta o seguinte:

 

 - Quando a madeira foi adquirida a outros sujeitos passivos, todas as operações (aquisição, corte e transporte de mercadorias) eram de responsabilidade do fornecedor. Eram estes, que entregavam diretamente nas instalações dos clientes da Requerente (B... SA e C...) a madeira. Nestes casos, regra geral, o transporte era por conta do fornecedor da Requerente, mas perante os clientes - finais, chamemos-lhes assim - da Requerente era esta quem lhe fornecia a madeira e facturava. Era esta o seu fornecedor da mercadoria.

 

 - Foi requerido autorização para aceder às contas bancárias dos administradores da Requerente o que veio a ocorrer, nada tendo resultado daí, designadamente que estes tivessem recebido fluxos de dinheiro referente aos pagamentos que faziam às empresas fornecedoras em causa, alegadamente autoras da simulação e falsidade aqui em causa, pois sobre isso a AT nada disse no RIT presumindo-se, assim, que nada encontrou, pois se tivesse teria dito e não disse.

 

 - Perante a Requerente quem assumia a responsabilidade pelo transporte das mercadorias adquiridas para entrega junto dos seus clientes eram as empresas fornecedoras das mercadorias, eram estas que faziam o transporte da madeira, sendo que se para tanto subcontrataram esses serviços a terceiros tal não foi da responsabilidade da Requerente.

 - A Requerente efectuou o pagamento aos seus fornecedores preferencialmente através de cheques bancários de contas de empresa, meios que circulavam no circuito financeiro e que foram analisados pela AT.

 

 - Em todas as GEP emitidas pelos clientes da Requerente é referido como único fornecedor de bens a própria Requerente, o que é factual pois era esta quem fornecia (vendia) as mercadorias aos seus clientes.

 

 - A venda da madeira aos clientes da Requerente foi por esta facturada.

 

 - A ausência de contrato escrito, ainda que se trate de uma venda de mercadoria, não constitui um indício de falsidade das operações subjacentes, pois tal não é obrigatório, é certo que a aparente existência de alguma informalidade poderá não revelar-se o mais ponderado no âmbito de uma relação comercial, mas daí a extrapolar para a inexistência de uma relação contratual é algo que carece de prova que nos autos a AT não faz.

 

 - Por outro lado, em sede de IRC a AT expressamente reconhece que as operações tituladas pelas facturas cujo IVA dedutível se nega nos presentes autos titulam operações “económicas efectivamente ocorridas, sendo que se comprovou que a A... Lda, procedeu à entrega de madeira aos seus clientes” não tendo efectuado qualquer correcção em sede de IRC. Ora se a AT nega o direito à dedução do IVA com o argumento de que a operação é simulada não se entende como aceita a dedutibilidade integral dos mesmos custos em sede de IRC, no que revela uma falta de coerência que este Tribunal qualifica de insanável.

 

       Ou seja, em momento algum a AT vem negar expressamente que a ora Requerente tenha adquirido a madeira em causa, ou provando com prova bastante, que não meros indícios e insuficientes, que esta sabia ou devia saber que quem lhe estava a vender a mercadoria não era a entidade que figurava nas facturas. De facto, a esmagadora maioria da prova carreada para o processo administrativo tributário refere-se a factos praticados por entidades terceiras – os fornecedores – que alegadamente terão burlado o Estado em sede de vários impostos por falta absoluta do cumprimento das suas obrigações tributárias, mas em momento algum ligando estes à Requerente, ainda que indirectamente, provando que esta teria de saber que estes eram falsos, o que, reitera-se, no juízo deste Tribunal, não se logrou fazer.

 

       Nenhum indício relevante foi aduzido pela AT no sentido de demonstrar que a Requerente tinha conhecimento dos factos imputados às empresas emitentes das facturas, tão exaustivamente descritos no RIT.

 

       A falta de cumprimento por parte da Requerente ou dos seus fornecedores do regime jurídico estabelecido no DL 147/2003, tem como consequência a instauração do(s) correspondente(s) processo(s) contra-ordenacionais, tal como previsto neste diploma, de resto, e não a perda integral do direito à dedução do IVA suportado.

 

       Ora, a Requerente não está obrigada a averiguar da situação empresarial ou fiscal dos emitentes das facturas que lhe vendiam a mercadoria. In casu, estando demonstrado que a Requerente adquiriu a mercadoria e a vendeu aos seus clientes teria a AT que recolher indícios bastantes de que a Requerente sabia ou devia saber que quem lhe estava a vender não era a entidade que figurava nas facturas.

 

       Em suma, a conclusão que a AT retirou dos indícios que apurou no RIT quanto aos emitentes das facturas em causa nos autos não lhe permite, sem mais, extrair a conclusão de que as operações em que a Requerente esteve envolvida sejam simuladas e que, nesse pressuposto, esta perca o direito à dedução do imposto. Tinha de o provar e no juízo deste Tribunal não o fez.

 

       Por fim, já em sede de Alegações vem a Recorrida sustentar que caso se aceite que o imposto é dedutível este só o poderá ser no montante de 6%, porquanto a venda da madeira em causa nos autos está sujeita à taxa de IVA de 6% e não de 23% que foi o que a Requerente suportou porquanto lhe foi assim liquidado pelos seus fornecedores.

 

       Alega a AT que o imposto indevidamente mencionado em factura não confere o direito à dedução do IVA suportado, alicerçando a sua posição no Acórdão do TJUE de 31 de Janeiro de 2013, proferido no caso C-643/11, LVK – 56 EOOD.

 

       Vejamos transcrevendo as relevantes passagens deste aresto:

 

“59. Assim, cabe às autoridades e aos tribunais nacionais recusar o direito a dedução se se demonstrar, face a elementos objetivos, que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente (v., neste sentido, acórdão de 6 de julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C-439/04 e C-440/04, Colet., p. I-6161, n.o 55; e acórdãos, já referidos, Mahagében e Dávid, n.o 42, e Bonik, n.o 37).

60. Contudo, também segundo jurisprudência bem assente, não é compatível com o regime do direito a dedução previsto pela Diretiva 2006/112 sancionar com a recusa desse direito um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou que outra operação incluída na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo referido sujeito passivo, estava viciada por fraude ao IVA (v., especialmente, acórdão de 12 de janeiro de 2006, Optigen e o., C-354/03, C-355/03 e C-484/03, Colet., p. I-483, n.os 52 e 55; e acórdãos, já referidos, Kittel e Recolta Recycling, n.os 45, 46 e 60, Mahagében e Dávid, n.o 47, e Bonik, n.o 41).

61.Além disso, o Tribunal de Justiça declarou, nos n.os 61 a 65 do acórdão Mahagében e Dávid, já referido, que a Administração Fiscal não pode exigir de maneira geral que o sujeito passivo que pretenda exercer o direito a dedução do IVA, por um lado, verifique que o emitente da fatura referente aos bens e aos serviços em função dos quais o exercício deste direito é pedido dispõe da qualidade de sujeito passivo, possui os bens em causa e está em condições de os entregar e cumpre as suas obrigações de declaração e de pagamento do IVA, a fim de se certificar de que não há irregularidades ou fraude ao nível dos operadores a montante, ou, por outro, possua documentos a esse respeito.

62. Daqui decorre que o tribunal nacional que deva decidir se, num determinado caso, não existe operação tributável, tendo a Administração Fiscal alegado no processo a existência de irregularidades cometidas pelo emitente da fatura ou por um dos seus fornecedores, como omissões contabilísticas, deve zelar por que a apreciação da prova não conduza a esvaziar de sentido a jurisprudência recordada no n.o 60 do presente acórdão, obrigando de forma indireta o destinatário da fatura a proceder a verificações junto do seu contratante que, em princípio, não lhe incumbem.

63.No que toca ao processo principal, há no entanto que ter em conta que, segundo a decisão de reenvio, os documentos apresentados pelo destinatário das faturas litigiosas, que também estavam viciados por irregularidades, são elementos a ter em consideração na apreciação global a efetuar pelo tribunal nacional.

64.Tendo em conta as considerações que precedem, há que responder à segunda parte da terceira questão e à quarta, quinta e sexta questões que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que os artigos 167.° e 168.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 e os princípios da neutralidade fiscal, da segurança jurídica e da igualdade de tratamento não se opõem a que o direito a dedução do IVA pago a montante seja recusado ao destinatário de uma fatura, por inexistência de uma operação tributável efetiva, quando, no aviso retificativo de tributação enviado ao emitente da fatura, o IVA declarado pelo mesmo emitente não tiver sido corrigido. Contudo, se, por causa de fraudes ou irregularidades cometidas pelo emitente ou a montante da operação invocada como base do direito a dedução, se considerar que essa operação não foi efetivamente realizada, deve provar-se, perante elementos objetivos e sem exigir ao destinatário da fatura verificações que não lhe incumbem, que o mesmo destinatário sabia ou tinha a obrigação de saber que a operação estava implicada numa fraude ao IVA, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.”.

 

       Negrito nosso.

 

       In casu constata-se não ser aplicável a jurisprudência deste aresto aos autos porquanto existiu uma operação tributável na esfera da Requerente e não se provou que esta sabia ou devia saber que eram falsos os emitentes das facturas em causa.

 

 

Juros Indemnizatórios

 

       Quanto ao direito a juros indemnizatórios, peticionado pela Requerente, cumpre referir que dispõe a alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º, do RJAT que a Decisão Arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.

 

       Tal dispositivo está em sintonia com o disposto no art.º 100.º, da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 29.º, do RJAT, no qual se estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

 

       Dispõe, por sua vez, o artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

       Da análise dos elementos probatórios constantes dos presentes autos é possível concluir que a Requerida tinha total e cabal conhecimento dos elementos factuais relevantes para proceder à correcta liquidação do imposto, não o tendo feito e optando por manter as liquidações inquinadas de erro sobre os pressupostos, e por isso mesmo ilegal, estando, por isso, obrigada a indemnizar.

 

       Assim sendo, atento o disposto no artigo 61.º do CPPT e considerando que se encontram preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1 do artigo 43.º da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre a quantias já pagas no valor de € 55.507,20, a contar da data em que foi efectuado o pagamento até ao seu integral reembolso.


           

7.         DECISÃO

 

       Em face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral Singular em:

 

 

       - Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, e declarar a consequente anulação, por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, dos actos de liquidação de IVA em crise nos presentes autos, no valor global de € 55.507,20, determinando o reembolso do imposto indevidamente pago e juros compensatórios pela Requerente, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento do imposto e juros compensatórios até o reembolso integral da quantia paga.

 

 

 

* * *

 

            Fixa-se o valor do processo em Euro 55.507,20, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC. 

 

            O montante das custas é fixado em Euro 2.142,00, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

           

Notifique-se.

 

            Lisboa, 6 de Dezembro de 2018.

 

 

 

O Árbitro,

 

 

 

(Henrique Nogueira Nunes)

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

 

 



[1] Acessível em www.dgsi.pt

[2] Cfr., entre outros, acórdãos de 12 de Janeiro de 2006, Optigen C-354/03, C-355/03 e C-484/03, n.ºs 52 e 55 e Kittel e Recolta Recycling, n.ºs 45, 46 e 60, Mahagében e David, n.º 47, e Bonik, n.º 41.

[3] Acessível em www.dgsi.pt