Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 314/2018-T
Data da decisão: 2018-11-22  IRC  
Valor do pedido: € 1.154.480,95
Tema: IRC - Juros compensatórios - juros de mora - Pagamento por conta - Declaração de substituição
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Decisão Arbitral

 

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Alexandre Andrade e Prof. Doutor Fernando Borges de Araújo (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 12-09-2018, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A..., S.A. (doravante designada por «Requerente»), titular do número único de pessoa colectiva e de registo..., com sede na ..., n.º..., ... –... Lisboa, na qualidade de sociedade dominante do Grupo B..., veio, nos termos do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018... e da demonstração de liquidação de IRC n.º 2016 ... que integra juros compensatórios e moratórios respeitantes a pagamentos por conta de IRC do exercício de 2015, com a sua consequente anulação.

A Requerente pede ainda condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios e na indemnização pela prestação de garantia indevida.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 06-07-2018.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 23-08-2018, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 12-09-2018.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando a questão da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios por força de um acto administrativo, consubstanciado na compensação das liquidações, no âmbito de um processo de execução fiscal.

Por despacho de 26-10-2018 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Importa apreciar prioritariamente a questão de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira [artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT].

 

 

2. Questão da incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios por força de um acto administrativo, consubstanciado na compensação das liquidações, no âmbito de um processo de execução fiscal

 

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD está prevista para a apreciação da legalidade de actos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT, designadamente a actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta e actos de fixação da matéria tributável, fixação da matéria colectável e fixação de valores patrimoniais.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

            Naturalmente que, sendo objecto do processo acto de liquidação, o direito a juros indemnizatórios que pode ser reconhecido em processo arbitral restringe-se aos que devam ser devidos na sequência da anulação do acto impugnado e não de actos que tenham sido praticados em processo de execução fiscal, designadamente que tenham decidido a compensação de créditos, sem prejuízo da relevância de actos deste tipo como meio de concretizar pagamento da quantia liquidada.

No caso em apreço, a Requerente pede juros indemnizatórios como consequência da anulação da liquidação que pretende, pelo que a apreciação do pedido de juros se insere nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

Improcede, assim, a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

3. Matéria de facto

 

3.1. Factos provados

  1. A Requerente é a sociedade dominante do Grupo B..., sujeito ao RETGS e, nessa qualidade, é a entidade responsável por apresentar a declaração periódica de rendimentos do grupo;
  2. Nesse contexto, a Requerente procedeu à autoliquidação de IRC do grupo B..., relativamente ao exercício de 2014, mediante a entrega da Declaração Modelo 22 referente a esse exercício identificada pelo n.º..., com data de recepção pela AT de 27-05-2015 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. No decurso do ano de 2015, a Requerente procedeu à liquidação dos Pagamentos por Conta do IRC do Grupo referente a 2015, calculados com base no imposto liquidado no ano de 2014, nas datas de 31-07-2015, 30-09-2015 e 15-12-2015 (documentos n.ºs 6, 7 e 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
  4. Em 2016, na sequência de acontecimentos verificados após o encerramento de contas do período de 2014 e após a submissão da Declaração Modelo 22 relativa a esse exercício, a Requerente teve de proceder a algumas alterações relacionadas, designadamente, com:
  1. Programa de Apoio à Reestruturação;
  2. Acréscimo do gasto associado à anulação de créditos da C... sobre o Estado (D..., «E..., »);
  3. SIFIDE de 2014;
  4.  Reconhecimento da majoração sobre os “valores infância” atribuídos em 2014;
  5. Alteração de procedimento em termos da criação líquida de emprego;
  1. Essas alterações determinaram a necessidade de substituir a declaração Modelo 22 referente a 2014 que havia sido submetida a 27-05-2015, pelo que a Requerente apresentou declarações de substituição à Declaração Modelo 22 relativa ao exercício de 2014, uma submetida em 27-01-2016 e outra submetida em 30-05-2016 (documentos n.ºs 9 e 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  2. Das declarações de substituição Modelo 22 do exercício de 2014, entregues pela Requerente no ano de 2016, resultou imposto a pagar nos montantes de € 32.786.679,31 e de € 1.725.462,03, dado que os ajustamentos fiscais efectuados foram, na sua maioria, a favor do Estado;
  3. A Requerente pagou nas datas de 27-01-2016 e de 31-05-2016, respectivamente, o imposto a pagar ao Estado, resultante das referidas declarações de substituição (documentos n.ºs 11 e 12 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos), bem como os juros compensatórios e moratórios liquidados (documentos n.ºs 13, 14, 15 e 16 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  4. A 05-06-2017, a Requerente foi notificada da Demonstração de Liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2016 ... e respectiva Demonstração de Liquidação de Juros n.º 2017..., das quais resulta um montante a pagar de € 1.099.290,69, a título de juros compensatórios e € 55.190,26 a título de juros moratórios (documentos n.ºs 17 e 18 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  5. Na referida demonstração de juros compensatórios e moratórios incluem-se as seguintes indicações: «Juros Compensatórios de Pagamentos por Conta (artigo 107.º do CIRC)» e «Juros Moratórios (artigo 109.º do CIRC e 44.º da LGT)»;
  6. Em 05-07-2017, a Requerente requereu à Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abrigo do disposto no artigo 37.º do CPPT, a «fundamentação suficiente e completa da Demonstração de Liquidação de IRC e da Demonstração de Liquidação de Juros» (documento n.º 22 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  7. Em 26-09-2017 a Requerente foi notificada da Informação n.º ...-AIR2/2017 (que consta do documento n.º 23 junto com o pedido de pronúncia arbitral cujo teor se dá como reproduzido) em que é referido ter-se verificado que subsistiam «razões a ponto de in caso se configurar a inutilidade superveniente da lide face ao pedido ora formulado», e que «[a]nalisado o mérito do pedido ora formulado pela Requerente, somos a verificar (…) que o acto de liquidação de juros compensatórios, aqui posto em causa, já se encontra anulado, tendo sido emitida nova demonstração de liquidação de juros compensatórios»;
  8. Em Agosto de 2017, a Requerente foi citada para o processo de execução fiscal n.º ...2017..., instaurado para cobrança coerciva da referida liquidação n.º 2016 ... (documento n.º 19 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  9. Em 24-08-2017, a Requerente apresentou garantia bancária para suspender a execução e deduzir a reclamação graciosa (documento n.º 20 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), garantia essa que foi aceite pela Autoridade Tributária e Aduaneira (documento n.º 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  10. Em 12-09-2017, a Requerente foi notificada da Demonstração de Reacerto Financeiro de Liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e respectiva Demonstração de Liquidação de Juros das quais resulta um montante a pagar de € 1.099.290,69, a título de juros compensatórios e € 55.190,26 a título de juros moratórios (documentos n.ºs 2 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  11. Na Demonstração de juros compensatórios incluem-se as indicações «Juros Compensatórios – Pagamentos por Conta (artigos 102.º do CIRC e 35.º da LGT)» e «Juros Moratórios (artigo 109.º do CIRC e 44.º da LGT)»;
  12. Na sequência da substituição do acto de liquidação de juros compensatórios e da emissão da demonstração de liquidação de juros compensatórios corrigida, foi anulado o processo de execução fiscal a 11-11-2017 e cancelada a garantia bancária respectiva (documento n.º 24 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  13. A Requerente suportou custos com a constituição e manutenção da garantia bancária n.º... do F... que ascendem a € 9.643,38 (documento n.º 25 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  14. Em 05-03-2018, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra os referidos actos tributários de liquidação de juros compensatórios e juros de mora, pedindo a anulação dos mesmos com fundamento na sua ilegalidade, por erro sobre os pressupostos de facto e direito da imputação da responsabilidade por juros (documento n.º 26 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  15. Em 04-12-2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira utilizou o crédito resultante da liquidação impugnada para compensação parcial de reembolso que efectuou à Requerente (documento n.º 27 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  16. Em 10-04-2018, a Requerente foi notificada pela AT decisão de indeferimento da reclamação graciosa, com base na Informação n.º ...-AIR1/2018 incluída no documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

§ IV. DA ANÁLISE DO PEDIDO

10. Compulsado o teor da petição inicial apresentada pela Reclamante, e considerando que, nos autos, está em causa dirimir se os atos tributários a sindicar enfermam ou não dos vícios de ilegalidade que lhes são apontados, somos então a aferir da bondade dos argumentos nesta sede trazidos ao nosso conhecimento. Isto pari pasu com o itinerário percorrido pela apresentante.

Dito isto,

§ IV.I. Do cálculo de imposto

§ IV.1.1. Dos juros compensatórios e de mora

§ IV.I.I.I. Dos argumentos da Reclamante

11. A Reclamante vem contestar a liquidação de juros compensatórios e de mora referentes aos pagamentos por conta (PPC's"), por entender que aqueles não são devidos.

12. A este propósito, a Reclamante refere que embora no período de 2014 tenha entregue a sua declaração de rendimentos, "Modelo 22" ("DRM22") no prazo legalmente previsto (bem como tenha efetuado os respetivos pagamentos por conta no período de 2015, tendo como referência a autoliquidação do período anterior), em 2016, após o encerramento de contas do ano de 2014, verificou, porém, que ocorreram eventos que obrigaram à entrega de uma DRM22 de substituição, alterando o quantum de imposto apurado para este mesmo período de 2014.

13. O lucro tributável do ano de 2014 foi então incrementado através da referida DRM22.

Contudo,

14. Diz a Reclamante que essa alteração, posterior, não pode ter reflexos para efeitos de apuramento de PPC's anteriormente apurados.

15. Mais refere a Reclamante que como essa alteração somente ocorreu em momento posterior ao apuramento dos pagamentos por conta ("PPC's") a efetuar em 2015, então não são devidos nem juros compensatórios nem juros de mora, porque o apuramento dos referidos PPC's deve ser efetuado por reporte à situação tributária vigente à data do apuramento dos PPC e não por reporte à situação tributária que posteriormente se veio a verificar por via da DRM22 de substituição.

16. Ou seja, em resumo, entende a Reclamante que o que revela para os PPC's é a situação vigente no momento do apuramento dos mesmos, não sendo de admitir que qualquer alteração daquela tenha a posteriori efeitos de enformação dos citados PPC's.

Não obstante,

17. Foi a Reclamante notificada da liquidação n.º 2016..., na qual, para além do IRC propriamente dito, constava ainda o um montante de € 1.099.290,69 (um milhão, noventa e nove mil, duzentos e noventa euros e sessenta e nove cêntimos) de juros compensatórios, e de € 55.190,26 (cinquenta e cinco mil, cento e noventa euros e vinte e seis cêntimos), este a título de juros de mora.

18. Segundo a respetiva demonstração de apuramento, estes mesmos juros compensatórios e de mora encontram-se, por sua vez, conexos com os PPC's.

Ora,

19. No seguimento do seu entendimento, a Reclamante, recorrendo à norma legal que prevê os PP'c, considera que a mesma não impõe qualquer recálculo destes pagamentos em virtude da alteração do valor do imposto liquidado no ano anterior, incluindo por entrega de uma declaração de rendimentos de substituição.

20. Conforme se pode verificar, a Reclamante procedeu em conformidade com o disposto no art.º 105.º, do CIRC, "tendo entregado as prestações devidas no montante legalmente calculado e no tempo legalmente determinado", não se verificando, por isso, qualquer retardamento na liquidação.

21. A Reclamante salienta que somente em 2016 constatou que havia necessidade de substituir a declaração de rendimentos referente a 2014, por conseguinte, seria impossível à data da entrega do primeiro pagamento por conta ter conhecimento de que a sua respetiva base de cálculo viria a ser alterada.

22. No sentido de agasalhar esta sua pretensão, a Reclamante cita um Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul ("TCAS"), no qual se indica que da apresentação de uma nova declaração (de substituição) não se pode entender que “ o contribuinte não cumpriu a sua obrigação, isto é, que não pagou na totalidade o valor relativo ao 'pagamento por conta' (...)."

23. Este entendimento é, no entender da Reclamante, perfeitamente aplicável ao caso concreto, pois além de não ter obtido qualquer benefício, o art.º 122.º do CIRC, permite, em caso de ter sido liquidado imposto inferior ao devido, a apresentação de declaração de substituição, com o respetivo pagamento do imposto em falta acrescido dos juros compensatórios.

Nestes termos,

24. Considerando estes seus argumentos, vem então a Reclamante requerer nesta sede a anulação das citadas liquidações de juros compensatórios e de mora, com todas as consequências legais que ao caso caibam

§ IV.I.I.II. Da apreciação

25. A questão que importa tratar no caso concreto diz respeito à legalidade da cobrança de juros compensatórios e de mora com referência aos PPC's de 2015, em virtude de a Reclamante ter alterado o cálculo de imposto do período de 2014, o qual, consabido, recorde-se, tem reflexos no apuramento das entregas antecipadas a promover por conta do ano de 2015.

26. Em concreto, segundo nos parece, o thema decidendum gira em torno de conhecer se a alteração provocada através da DRM22 de um dado período de tributação tem ou não, a posteriori, reflexos no apuramento dos pagamentos que se suportaram na situação tributária inicial que essa mesma DRM22, de substituição, veio mais tarde alterar.

Então vejamos:

26. O PPC representa não mais que uma entrega pecuniária antecipada, feita por conta do IRC devido, a final, no período de formação do facto tributário.

27. Este pagamento tem de ser aferido face à situação contabilística da empresa no fim do período fiscal a que se refere o mesmo.

28. Não havendo qualquer quantia a ser entregue (antecipadamente) por conta do imposto devido a final, no concernente ao período de formação do facto tributário, mormente por inexistência de lucro tributável revelado pela contabilidade, aquele PPC por conta não tem fundamento substantivo.

29. A confirmar este entendimento temos o disposto no art.º 107.º, do CIRC, o qual, de modo a dar corpo a um dos princípios estruturantes do sistema fiscal português que é o princípio da tributação do rendimento real das empresas, limita a entrega dos pagamentos quando o sujeito passivo disponha de elementos que o pagamento efetuado é igual ou superior ao imposto que será devido com base na matéria coletável.

30. Fica patente aqui a existência de nexo de causalidade entre os acontecimentos decorrentes da alteração do montante de imposto formado no período de tributação anterior e os PPC's a ser efetuados no período seguinte.

31. Por sua vez, conforme se extrai do preceituado no art.º 104.º, do CIRC, após o apuramento de imposto pelos próprios sujeitos passivos nos termos do art.º 90.º do mesmo diploma legal, as regras de pagamento efetuam-se da seguinte forma:

1 – As entidades que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, devem proceder ao pagamento do imposto nos termos seguintes:

a) Em três pagamentos por conta, com vencimento em Julho, Setembro e 15 de Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável ou, nos casos dos nºs 2 e 3 do artigo 8.º, no 7º mês, no 9º mês e no dia 15 do 12º mês do respetivo período de tributação;

b) Até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração periódica de rendimentos, pela diferença que existir entre o imposto total aí calculado e as importâncias entregues por conta

c) Até ao dia do envio da declaração de substituição a que se refere o artigo 122.º, pela diferença que existir entre o imposto total aí calculado e as importâncias já pagas.

32. Para o caso em apreço, que ora nos importam a situação relevante é aquela contemplada pela al. a) e para a qual o art.º 105.º do mesmo Código vem estipular as respectivas regras de cálculo:

1 – Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efetuar esses pagamentos, líquidos da dedução a que se refere a alínea e) do n.º 2 desse artigo.

Portanto,

33. Constata-se assim que, para proceder à entrega dos PPC's, é necessário ter como base de cálculo o imposto apurado no período anterior, estando-se perante um nexo de causalidade entre duas realidades, dependentes uma da outra para estes efeitos.

34. Essa dependência é evidenciada pelo reporte dos PPC's ao quantum de IRC apurado no período de tributação imediatamente anterior- i.e. o mais próximo.

35. Por razões óbvias, os PPC's não podem ter como base o quantum do próprio período a que os mesmos dizem respeito. O legislador assim o previu.

36. Com esta solução jurídica procurou-se, entre outras razões, por um lado, conferir uma idoneidade mais próxima dos PP'C's face ao período em que os mesmos se vão inserir, e, por outro, com o menor custo de contexto, por parte dos sujeitos passivos, permitir o respetivo apuramento das entregas a efetuar a este título.

37. Note-se, no entanto, que, relativamente a esta matéria, o legislador faz referência não à situação tributária (do ano base de apuramento) ao momento dos PPC's mas sim, e apenas, à situação tributária do período de tributação (do ano base de apuramento), a qual, naturalmente, deve ter refletida todas vicissitudes que ocorram ao nível desta, maxime por força da posterior entrega de uma DRM22 de substituição.

38. É ao sujeito passivo que, materialmente, incumbe a tarefa de articular os referidos dois elementos de conexão, em termos de, ele próprio, no seu processo de apuramento, diminuir ou incrementar os PPC's, sob pena de, em falta, incorrer em juros compensatórios.

39. Se os pagamentos foram inicialmente efetuados com base numa medida que não era a certa, quando o deveria, tal facto só pode ser apontado ao próprio SP e não à AT.

40. No presente caso, a Reclamante, ao alterar a base, por via de uma DRM22, de substituição, atento um seu erro verificado aquando da "autoliquidação" inicial, implicou que, igualmente por erro seu, as entregas efetuadas a título de PPC's não se encontravam corretas, neste caso por defeito.

41. A ser alterada a base de apuramento, então, por maioria de razão, também o seria o montante das entregas efetuadas (ou, melhor, que deveriam ter sido efetuadas).

42. Na situação em pareço, considerando que a Reclamante através da DRM22, de substituição, apurou um novo montante de imposto referente a 2014, este facto, vai necessariamente influenciar 0 montante a entregar a título de pagamentos por conta em 2015, os quais deveriam ter sido em valor superior.

43. O erro na base de apuramento é da Reclamante e, como tal, por maioria de razão, também o é o erro nas entregas dos PPC's.

44. Se, por razões imputáveis apenas ao próprio sujeito passivo, deixa de haver então conexão entre a base de apuramento (o ano anterior) e o montante dos PPC's relativos ao período (o ano seguinte), passando a existir implicações ao nível dos juros compensatórios cujo regime consta no art.º 102.º, do CIRC, em articulação com o disposto no art.º 35.º, este da LGT, pois, nesta perspetiva, estamos perante um verdadeiro retardamento da entrega de imposto, uma situação em que a Fazenda Nacional sai lesada e, por conseguinte, deve ser compensada pela perda da disponibilidade da quantia que deixou de ser liquidada no momento em que o deveria ser.

Aliás,

45. A este propósito já se pronunciou o próprio Centro de Estudos Fiscais ("CEF"), através do seu Parecer n.º 77/2011, de 28 de novembro.

46. O art.º 102.º do CIRC, sob a epígrafe "Juros compensatórios", preceitua nos seguintes termos:

1 – Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega do imposto a pagar antecipadamente ou a reter no âmbito da substituição tributária ou obtido reembolso indevido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios à taxa e nos termos previstos no artigo 35.º da Lei Geral Tributária.

3 – Os juros compensatórios contam-se dia a dia nos seguintes termos:

a) Desde o termo do prazo para a apresentação da declaração até ao suprimento, correção ou deteção da falta que motivou o retardamento da liquidação;

b) Se não tiver sido efetuado, total ou parcialmente, o pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º, desde o dia imediato ao termo do respetivo prazo até ao termo do prazo para a entrega da declaração de rendimentos ou até à data da autoliquidação, se anterior, devendo os juros vencidos ser pagos conjuntamente;

c) Se houver atraso no pagamento especial por conta, desde o dia imediato ao do termo do respetivo prazo até à data em que se efetuou, devendo ser pagos conjuntamente;

d) Desde o recebimento do reembolso indevido até à data do suprimento ou correção da falta que o motivou.

4 – Entende-se haver retardamento da liquidação sempre que a declaração periódica de rendimentos a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 117º seja apresentada ou enviada fora do prazo estabelecido sem que o imposto devido se encontre totalmente pago no prazo legal.

47. Por outro lado, igualmente a este propósito, o art.º 35.º da LGT, no seu n.º 1, também sob a epígrafe "Juros compensatórios, dispõe da seguinte forma:

1 - São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.

48. Por último, ainda no que tange ainda aos juros compensatórios, diga-se também que, ao invés do pretende inferir a Reclamante, não existe qualquer duplicação dos mesmos, visto que a base de apuramento e o período de cálculo de uns e de outros são completamente distintos.

Prosseguindo:

49. Por sua vez, agora relativamente ao segmento dos juros de mora, importa-nos realçar o disposto no art.º 44.º da LGT, o qual, relembre-se, preceitua nos seguintes termos:

1 - São devidos juros de mora quando o sujeito passivo não pague o imposto devido no prazo legal.

2 - Os juros de mora aplicáveis às dívidas tributárias são devidos até à data do pagamento da dívida.

50. Quanto a este assunto a lei é muito clara e simples: havendo pagamentos fora de prazo, deverão contar-se e quantificar-se os juros de mora devidos sobre esse hiato temporal.

51. Como muito bem diz o Acórdão do TCAS, de 26 de junho de 2012, proferido no âmbito do processo n.º 04704/2011:

" Os juros de mora (resultantes da mora debitoris) pressupõem que a prestação se tenha tornado certa, exigível e líquida. O momento da constituição em mora, o qual tem a ver com a exigibilidade da prestação, depende da natureza da obrigação. Sendo a obrigação pura, só existe mora depois de o devedor ser interpelado para cumprir (cfr. art.º 805, nº.1, do C.Civil). Pelo contrário, se a obrigação tiver prazo certo, não será necessário a interpelação para que haja mora, a qual se verifica logo que vencida a obrigação (...)."

52. É assim que à situação em apreço são exigíveis juros de mora a par dos juros compensatórios, pois, a partir do momento em que a Reclamante entrega a DRM22 de substituição alterando o quantum de imposto referente a 2014, o qual, conforme se viu, vai influenciar o montante correspondente aos PPC's de 2015, então, estamos perante uma dívida certa, exigível e com prazo determinado, mas que não foi cumprido pela Reclamante.

Destarte,

53. Considerando o que até aqui foi dito, não pode, pois, assim, proceder-se à anulação dos atos tributários contestados, improcedendo, por isso, a pretensão ora formulada pela Reclamante, quer quanto aos juros indemnizatórios quer quanto aos juros de mora.

§ V. DO DIREITO DE AUDIÇÃO

54. Através de ofício emanado da UGC, a Reclamante foi devidamente notificada para, querendo, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 60.º da LGT, por sua vez conjugado com o preceituado no art.º 122.º do Código do Procedimento Administrativo ("CPA").

55. Decorrido o prazo então concedido, a Reclamante não exerceu o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, e esta UGC não descortinou quaisquer outros elementos suscetíveis de colocar em causa as conclusões anteriormente propostas.

Nestes termos,

56 Considerando-se a permanência da validade dos pressupostos que, de facto e de direito, alicerçaram o nosso anterior "Projeto de Decisão", somos então a entender pela definitividade do mesmo, com todas as consequências legais.

§ VI. DA CONCLUSÃO

Em conformidade com o anteriormente exposto e compulsados todos os elementos dos autos, designadamente o nosso anterior "Projeto de Decisão" e as peças processuais carreadas pela Reclamante, parece-nos de indeferir o pedido inserto nos autos, em conformidade com o teor do "quadro-síntese" mencionado no intróito desta nossa Informação, com todas as consequências legais, designadamente, sendo o caso, no que tange ao preceituado no art.º 163.º do CPA e, bem como, ao cumprimento do determinado pelo art.º 100.º da LGT.

Mais se informa que, em caso de Concordância Superior, se promova a notificação da Reclamante, através de ofício nos termos do previsto nos art.ºs 35.º a 41.º, todos do CPPT, com todas as consequências legais.

 

 

 

  1. Em 05-07-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

3.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre os factos provados.

 

 

4. Matéria de direito

 

 

A Requerente entregou a declaração de rendimentos modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2014, no prazo legal.

No exercício de 2015, a Requerente procedeu aos três pagamentos por conta previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º do CIRC, calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º relativamente ao período de tributação 2014, nos termos do n.º 1 do artigo 105.º do mesmo Código.

No entanto, em 2016, após o encerramento de contas do ano de 2014, a Requerente verificou que ocorreram factos que obrigaram à entrega de uma DRM22 de substituição, alterando o montante de imposto apurado para o período de 2014.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que são devidos juros compensatórios e de mora, relativamente à diferença entre o montante dos pagamentos por conta efectuados e o valor que seria pago se a Requerente tivesse considerado para o seu cálculo os valores resultantes das declarações de substituição.

A Requerente coloca as seguintes questões essenciais:

 

a) saber se, como defende a AT, o valor do pagamento por conta, devido num determinado exercício, se altera por força de correcção à declaração de rendimentos do exercício anterior que serviu de base ao cálculo daquele pagamento por conta como defende a AT, ou se, pelo contrário, o valor do pagamento por conta, devido num determinado exercício, é aquele que resulta do cálculo feito nos termos do artigo 105.º do Código do IRC; e

b) saber se, em qualquer caso, se encontram preenchidos todos os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 102.º do Código do IRC e no n.º 1 do artigo 35.º da LGT para a liquidação de juros compensatórios, designadamente a culpa no retardamento da liquidação, e os requisitos previstos no artigo 44.º da LGT, para liquidação de juros de mora.

 

A Requerente imputa à liquidação impugnada:

– vício de violação de lei por errada interpretação dos artigos 104.º e 105.º do CIRC;

– vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito de aplicação do artigo 102.º do Código do IRC;

– vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito de aplicação do artigo 44.º da LGT;

 

4.1. Questão do vício de violação de lei por errada interpretação dos artigos 104.º e 105.º do CIRC

 

Os artigos 104.º e 105.º do CIRC estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 104.º

 

Regras de pagamento

 

1 - As entidades que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, devem proceder ao pagamento do imposto nos termos seguintes:

  1. Em três pagamentos por conta, com vencimento em julho, setembro e 15 de dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável ou, nos casos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 8.º, no 7.º mês, no 9.º mês e no dia 15 do 12.º mês do respetivo período de tributação;
  2. Até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração periódica de rendimentos, pela diferença que existir entre o imposto total aí calculado e as importâncias entregues por conta;
  3. Até ao dia do envio da declaração de substituição a que se refere o artigo 122.º, pela diferença que existir entre o imposto total aí calculado e as importâncias já pagas.

 

2 – (...)

 

3 – (...)

4 - Os sujeitos passivos são dispensados de efetuar pagamentos por conta quando o imposto do período de tributação de referência para o respetivo cálculo for inferior a (euro) 200.

5 - Se o pagamento a que se refere a alínea a) do n.º 1 não for efetuado nos prazos aí mencionados, começam a correr imediatamente juros compensatórios, que são contados até ao termo do prazo para envio da declaração ou até à data do pagamento da autoliquidação, se anterior, ou, em caso de mero atraso, até à data da entrega por conta, devendo, neste caso, ser pagos simultaneamente.

6 – (...)

7 – (...)

 

Artigo 105.º

 

Cálculo dos pagamentos por conta

 

1 - Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efetuar esses pagamentos, líquidos da dedução a que se refere a alínea e) do n.º 2 desse artigo.

2 - Os pagamentos por conta dos sujeitos passivos cujo volume de negócios do período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efetuar esses pagamentos seja igual ou inferior a (euro) 500 000 correspondem a 80 % do montante do imposto referido no número anterior, repartido por três montantes iguais, arredondados, por excesso, para euros.

3 - Os pagamentos por conta dos sujeitos passivos cujo volume de negócios do período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efetuar esses pagamentos seja superior a (euro) 500 000 correspondem a 95 % do montante do imposto referido no n.º 1, repartido por três montantes iguais, arredondados, por excesso, para euros.

4 – (...)

5 – (...)

6 – (...)

7 – (...)

8 – (...)

 

 

Como resulta do teor literal do n.º 1 do artigo 105.º, «os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efetuar esses pagamentos, líquidos da dedução a que se refere a alínea e) do n.º 2 desse artigo».

Assim, nas datas de pagamento previstas no n.º 1 do artigo 104.º, o imposto a pagar é o que nesses momentos resulta da liquidação relativa ao período anterior, pois não há outro valor de referência para cálculo dos pagamentos por conta.

Apenas para as situações em que os pagamentos por conta não são efectuados nos prazos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º se prevê, no seu n.º 5, que «começam a correr imediatamente juros compensatórios, que são contados até ao termo do prazo para envio da declaração ou até à data do pagamento da autoliquidação, se anterior, ou, em caso de mero atraso, até à data da entrega por conta, devendo, neste caso, ser pagos simultaneamente».

No caso em apreço, os factos que justificaram as declarações de substituição e o aumento do imposto devido ocorreram depois de os pagamentos estarem efectuados, pelo que, obviamente, esse aumento não podia ser considerado no cálculo dos pagamentos por conta, que é efectuado «com base no imposto liquidado» relativamente ao período anterior.

Assim, tem de se concluir que não tem suporte nestes artigos 104.º e 105 do CIRC o cálculo retroactivo dos pagamentos por conta efectuado pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base em alteração da liquidação relativa ao exercício de 2014.

Não há, por isso, um regime especial de que resulte a responsabilidade por juros compensatórios derivada de alterações da liquidação que serve de base de cálculo dos pagamentos por conta posteriores à sua concretização.

Por isso, a liquidação de juros compensatórios só poderá assentar nos pressupostos gerais previstos nos artigos 102.º do CIRC e 35.º da LGT.

 

4.2. Questão do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito de aplicação do artigo 102.º do Código do IRC

 

O artigo 102.º, n.º 1, do CIRC estabelece que «sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega do imposto a pagar antecipadamente ou a reter no âmbito da substituição tributária ou obtido reembolso indevido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios à taxa e nos termos previstos no artigo 35.º da Lei Geral Tributária».

A referência que nesta norma se faz a retardamento da «entrega do imposto a pagar antecipadamente», que está em consonância com a regra geral do artigo 35.º, n.º 1, da LGT, tem potencialidade para abranger o atraso na entrega do imposto que deve ser pago a título de pagamentos por conta.

Mas, como é requisito geral da responsabilidade por juros compensatórios, há muito pacificamente afirmado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, a responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da «existência de uma dívida de imposto, da existência de um atraso na efectivação de uma liquidação de imposto, e da imputabilidade deste atraso à actuação do contribuinte». «Esta imputabilidade reclama a existência de nexo de causalidade entre a actuação do contribuinte e o retardamento referido e a possibilidade de formulação de um juízo de censura à actuação do contribuinte (culpa)». ( [1] )

No caso em apreço, não é feita sequer qualquer referência a culpa da Requerente no retardamento da liquidação e, de qualquer forma, não há qualquer indício de que pudesse ter apresentado as declarações de substituição que apresentou em 2016 a tempo de alterar os montantes do dos pagamentos por conta efectuados em 2015.

Por outro lado, se é certo que, como o Supremo Tribunal Administrativo também vem entendendo, «quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, deverá fazer-se decorrer do preenchimento da hipótese normativa a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do tipo de ilícito respectivo, não porque a culpa se presuma, mas por ser algo que em regra ou prima-facie, se liga ao carácter ilícito-típico do facto respectivo», também o é que no caso em apreço não se identifica qualquer infracção, pois a Requerente efectuou os pagamentos por conta nos montantes exactos que resultavam da lei e não há indícios de qualquer conduta dolosa ou negligente que esteja conexionada com a apresentação das declarações de substituição.

Na verdade, como vêm entendendo o Tribunal Central Administrativo Sul e o Tribunal Central Administrativo Norte, não comete a infracção prevista no artigo 114.º, n.º 2, alínea f), do Regime Geral das Infracções Tributárias, («falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final»), «0 sujeito passivo que num determinado ano procede tempestiva e integralmente ao pagamento por conta por referência ao imposto que à data desse pagamento se encontrava liquidado relativamente ao ano anterior, ainda que posteriormente, por força da apresentação de nova declaração de rendimentos (Mod. 22) venha a ser liquidado, relativamente ao ano transacto, um imposto de valor superior». ( [2] )

Por outro lado, a boa-fé da Requerente ao apresentar as declarações de substituição com base em elementos supervenientes é de presumir (artigo 59.º, n.º- 2, da LGT) e não há quaisquer elementos que permitam considerar ilidida essa presunção,

Nestes termos, verifica-se a falta de um dos requisitos da responsabilidade por juros compensatórios, pelo que a respectiva liquidação enferma de vício de violação de lei, por erro de interpretação dos artigos 102.º, n.º 1, do CIRC e 35.º, n.º 1, da LGT, que justifica a sua anulação, de harmonia com o artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

4.3. Vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito de aplicação do artigo 44.º da LGT

 

O artigo 44.º da LGT prevê a responsabilidade dos contribuintes por juros de mora, estabelecendo que «são devidos juros de mora quando o sujeito passivo não pague o imposto devido no prazo legal».

Como resulta desta norma, a responsabilidade por juros de mora tem como pressuposto a existência de «imposto devido» que não seja pago no prazo legal.

Os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que podem ser suporte de liquidação de juros de mora.

Porém, no caso em apreço, os juros compensatórios não são devidos, pelo que se referiu.

Por isso, é ilegal a liquidação de juros de mora, por violação do artigo 44.º, n.º 1, da LGT.

 

4.4. Ilegalidade da decisão da reclamação graciosa

 

A decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que manteve a liquidação impugnada, enferma dos vícios que afectam esta, pelo que se justifica também a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

5. Juros indemnizatórios

 

A Requerente formula pedido de juros indemnizatórios.

Provou-se que, em 04-12-2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira utilizou o crédito resultante da liquidação impugnada para compensação parcial de reembolso que efectuou à Requerente, o que equivale ao pagamento.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, na sequência da ilegalidade do acto de liquidação e sua anulação há lugar pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, pois a liquidação é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, a praticou sem suporte legal.

Assim, em consequência da anulação da liquidação a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou, desde a data do pagamento por compensação (04-12-2017), até à data em que for processada nota de crédito, em que são incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT).

 Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva (artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril).

 

6. Indemnização por garantia indevida

 

A Requerente prestou garantia para suspender a execução fiscal instaurada para cobrança coerciva da liquidação impugnada e formula um pedido de indemnização pelas despesas que suportou, no montante de € 9.643,38.

O artigo 171.º do CPPT estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

 

            1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

            2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

            3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

            4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, os erros subjacentes à liquidação são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois emitiu a liquidação por sua iniciativa e os erros não são imputáveis à Requerente.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pelas despesas no montante de € 9.643,38 que suportou com a garantia prestada.

 

 

7. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar improcedente a excepção da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  3. Anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018...;
  4. Anular a liquidação de IRC relativa a juros compensatórios e juros de mora n.º 2016...;
  5. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente, nos termos referidos no ponto 5 do presente acórdão;
  6. Julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar a Requerente a quantia de € 9.643,38 que esta suportou com a garantia prestada.

 

 

8. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 1.154.480,95.

 

 

9. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 15.912,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 22-11-2018

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(Alexandre Andrade)

 

 

(Fernando Araújo)

 



[1] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:

– de 23-09-1998, processo n.º 022612, publicado em Apêndice ao Diário da República de 28-12-2001, página 2505;

– de 03-10-2001, processo n.º 025034A, publicado em Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo n.º492, página 1615, e em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2080;

– de 15-01-2003, processo n.º 0891/02, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-03-2004, página 2859;

– de 12-03-2003, processo n.º 026800, publicado em Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo n.º 506, página 219, e em Apêndice ao Diário da República de 25-3-2004, página 545;

– de 19-11-2008, processo n.º 0325/08;

– de 11-03-2009, processo n.º 0961/08;

– de 16-12-2010, processo n.º 0587/10;

– de 23-04-2013, processo n.º 01195/12

– do Pleno, de 22-01-2014, processo n.º 01490/13; e

– do Pleno, de 21-01-2015, processo n.º 0632/14.

[2]              Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 09-03-2017, proferido no processo n.º 3110/15.6BESNT.

Na mesma linha, podem ver-se os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 17-03-2016, proferido no processo n.º 09374/16, e do Tribunal Central Administrativo Norte de 21-12-2017, proferido no processo n.º 00622/16.8BEAVR, e de 08-03-2018, proferido no processo n.º 00415/11.9BECBR.