Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 273/2018-T
Data da decisão: 2018-11-26  IRC  
Valor do pedido: € 236.546,63
Tema: IRC – Benefício fiscal à interioridade – Início do período – Tributações autónomas – RFAI – Benefício Fiscal – Dedução à colecta.
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Decisão Arbitral

 

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Pedro Miguel Bastos Rosado e Dr. Isaque Marcos Lameiras Ramos (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 06-08-2018, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A..., S.A., NIPC ... (anteriormente denominada por B..., S.A. e C..., S.A.), que teve sede em..., ..., ...-... ..., registada na CRC de ..., incorporada por fusão na sociedade D..., S.A., NIPC ... (anteriormente denominada por E..., S.A.), e por esta aqui representada, com sede em ..., ..., ...-... ..., (doravante designada por “Requerente”), veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.

A Requerente pretende:

  1. Declaração de ilegalidade do Despacho de Indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa n.º...2016... da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (doravante IRC), e anulação na parte em que indeferiu a pretensão da Requerente de aplicar a taxa reduzida de IRC de 10% em 2012, por aplicação do Regime Fiscal da Interioridade;
  2. Declaração de ilegalidade do Despacho de Indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa n.º...2016... da Direção de Serviços do IRC, e anulação na parte em que indeferiu a pretensão da Requerente de deduzir benefícios fiscais do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (de agora em diante, abreviadamente designado por “RFAI”) disponíveis à colecta da Tributação Autónoma em 2011 (no montante de €16.960,63) e à colecta da Tributação Autónoma em 2012 (no montante de €19.586,00);
  3. Declaração de ilegalidade da autoliquidação de IRC de 2012 na parte em que não foi aplicada a taxa reduzida de IRC de 10%, por aplicação do Regime Fiscal da Interioridade;
  4. Declaração de ilegalidade das autoliquidações de IRC de 2011 e 2012 na parte em que não foi permitida a dedução do valor dos benefícios fiscais do RFAI disponíveis ao montante das colectas de Tributação Autónoma, no valor de, respetivamente, €16.960,63 e €19.586,00;
  5. Condenar a AT a reembolsar a Requerente da quantia de €36.546,63 indevidamente pagas a título de colecta de Tributação Autónoma (€16.960,63 pago em 2011 + €19.586,00 pago em 2012); e,
  6. Condenar a AT a pagar à Requerente juros indemnizatórios calculados sobre a referida quantia de €36.546,63.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 30-05-2018.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 16-07-2018 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 06-08-2018.

A Administração Tributária e Aduaneira apresentou Resposta, em que suscitou a excepção da «incompetência material do tribunal arbitral decorrente da circunstância do pedido de pronúncia arbitral ter sido formulado na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa» e defendeu a improcedência dos pedidos.

Por despacho de 01-10-2018 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

            O tribunal arbitral foi regularmente constituído à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Importa apreciar prioritariamente a questão de incompetência suscitada (artigo 13.º do CPTA aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).

 

2. Excepção da incompetência material do tribunal arbitral decorrente da circunstância do pedido de pronúncia arbitral ter sido formulado na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que o artigo 2.º, alínea a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, através da qual a Autoridade Tributária e Aduaneira ficou vinculada à jurisdição arbitral exclui as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, através de reclamação graciosa, nos termos do artigo 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Apreciando, dir-se-á que a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária foi vinculada àquela jurisdição pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.

Na alínea a) do art. 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles artigos 131.º a 133.º do CPPT, para  cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (artigo 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do artigo 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.

No caso em apreço, é pedida a declaração de ilegalidade de acto de autoliquidação, na sequência do indeferimento de um pedido de revisão de actos tributários efectuado após o decurso do prazo de dois anos previstos no artigo 132.º.

Assim, importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão do acto tributário, previstos no artigo 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo artigo 2.º do RJAT.

Na verdade, neste artigo 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de actos tributários» e «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação».

No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele artigo 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.

Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.

Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa. ([1])

O mesmo sucede com a decisão do recurso hierárquico, expressamente indicada na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT como termo inicial do prazo de apresentação de pedido de constituição do tribunal arbitral.

A referência expressa aos artigos 131.º a 133.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos dos tipos aí referidos.

Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».

Quanto a correspondência entre a interpretação e a letra da lei, basta «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) o que só impedirá que se adoptem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa.

Por isso, a letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação declarativa, que explicite o alcance do teor literal, nem mesmo interpretação extensiva, quando se possa concluir que o legislador disse menos do que o que, em coerência, pretenderia dizer, isto é, quando disse imperfeitamente o que pretendia dizer. Na interpretação extensiva «é a própria valoração da norma (o seu “espírito”) que leva a descobrir a necessidade de estender o texto desta à hipótese que ela não abrange», «a força expansiva da própria valoração legal é capaz de levar o dispositivo da norma a cobrir hipóteses do mesmo tipo não cobertas pelo texto». ([2])

A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.

É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos dos tipos referidos nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de actos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.

Na verdade, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para essa exigência, o facto de estar prevista reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os actos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos actos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.

Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no n.º 3 do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º», regime este que é aplicável aos actos de retenção na fonte por remissão do n.º 6 do artigo 132.º do CPPT. Na verdade, em situações deste tipo, houve uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de autoliquidação ou retenção na fonte e é esse facto que explica que deixe de exigir-se a reclamação graciosa necessária.

Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação ou retenção na fonte é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º e 3 e 6 do artigo 132.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. ([3])

Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de actos de autoliquidação, pois estes foram expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT e no n.º 2 do artigo 54.º da mesma Lei estabelece-se a aplicabilidade à autoliquidação e à retenção na fonte das garantias dos contribuintes previstas no n.º 1, em que se inclui a revisão oficiosa.

E aos actos de autoliquidação, praticados pelo sujeito passivo, são equiparáveis, por mera interpretação declarativa, os de retenção na fonte que são praticados pelo substituto tributário, que é considerado sujeito passivo (artigo 18.º, n.º 3, da LGT).

Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de autoliquidação e retenção na fonte e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.

Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência aos artigos 131.º a 133.º do CPPT, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de actos dos tipos referidos, acabaram por incluir referência aos artigos 131.º a 133.º que não esgotam as possibilidades de apreciação administrativa desses actos.

Aliás, é de notar que esta interpretação não se cingindo ao teor literal até se justifica especialmente no caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições: uma, é associar a fórmula abrangente «recurso à via administrativa» (que referencia, além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do acto tributário) à «expressão nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa; outra é utilizar a fórmula «precedidos» de recurso à via administrativa, reportando-se às «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos», que, obviamente, se coadunariam muito melhor com a feminina palavra «precedidas».

Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto de a redacção daquela norma ser manifestamente defeituosa.

Para além disso, assegurando a revisão do acto tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.

E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adoptada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do acto tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adopção da interpretação que consagre a solução mais acertada.

É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de retenção na fonte que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.

No que concerne à alegação da Autoridade Tributária e Aduaneira de que assim de que esta interpretação impõe-se igualmente por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT, afigura-se que não tem fundamento.

Na verdade, a Constituição não impõe que a interpretação dos diplomas normativos tenha de cingir-se ao teor literal e, no caso em apreço, como se explicou, devidamente interpretadas as normas do artigo 2.º, n.º 1, do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, conclui-se que a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrange os casos em que actos de autoliquidação foram precedidos de pedidos de revisão oficiosa. Por isso, a interpretação que se fez não aumentou a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira em relação ao que está regulamentado, antes definiu exactamente os seus termos, que resultam do diploma regulamentar.

Por outro lado, ao interpretar e aplicar as normas jurídicas, este Tribunal Arbitral está a desempenhar a função que lhe está constitucionalmente atribuída (artigos 202.º, n.º 1, 203.º e 209.º, n.º 2, da CRP), pelo que nem se vislumbra como possa existir violação dos princípios da separação de poderes, do Estado de Direito e da legalidade, pois o decidido por este tribunal evidencia, precisamente, a perfeita concretização desses princípios: a Assembleia da República autorizou o Governo a legislar (artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril); o Governo, no uso de poderes legislativos, emitiu o RJAT; a Administração, através de dois membros do Governo, emitiu a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março; o Tribunal Arbitral interpretou e aplicou os diplomas normativos referidos.

No que respeita ao princípio da legalidade, traduz-se no cumprimento da lei, na interpretação que dela for feita pelos tribunais, que se impõe às interpretações dos outros órgãos estaduais (artigo 205.º, n.º 2, da CRP). É precisamente a aplicação da legalidade que se faz ao reconhece a competência dos tribunais arbitrais para o conhecimento de pedidos de declaração de ilegitimidade de actos de autoliquidação precedidos de acesso à via administrativa através de pedido de revisão oficiosa.

Quanto à invocação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, definido no artigo 30.º, n.º 2, da LGT afigura-se-nos deslocada. Na verdade, nos termos deste preceito, «o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributário». Ora, nesta matéria, o Tribunal Arbitral limita-se a decidir sobre a sua competência (material) para analisar um litígio e fá-lo nos mesmos exactos termos que quaisquer Tribunais, mormente os Tribunais Administrativos e Fiscais recorrendo a normas adjectivas e não a normas de incidência tributária que subjazem ao princípio da indisponibilidade dos créditos tributários.

Por outro lado, a Autoridade Tributária e Aduaneira nem sequer identifica qual é o crédito de que seja titular que esteja a ser objecto de disposição pelo Tribunal Arbitral.

Para além disso, o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários aplica-se à Administração e não aos Tribunais, como entendeu o Tribunal Constitucional, na esteira da generalidade da doutrina. ([4])

Improcede, assim, esta excepção de incompetência com fundamento na não apresentação de reclamação graciosa da autoliquidação.

Essencialmente neste sentido, relativamente a actos de autoliquidação, pode ver-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27-04-2017, proferido no processo
n.º 08599/15.

No que concerne às questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pode ver-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 244/2018, de 11-05-2018, proferido no processo n.º 636/2017, em que se entendeu que “não julgar inconstitucional a norma que considera os pedidos de revisão oficiosa equivalentes às situações em que existiu «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», para efeito da interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, encontrando-se tais situações, por isso, abrangidas pela jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD”.

 

 

3. Matéria de facto

3.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente A..., S.A., NIPC ... era anteriormente denominada por B..., S.A. e C..., S.A., que foi incorporada por fusão na sociedade D..., S.A., NIPC ... (anteriormente denominada por E..., S.A.);
  2. Relativamente ao exercício de 2012, a D..., S.A. apurou uma matéria colectável não isenta de €2 040 796,09 (campo 346 do Quadro 09 da Declaração Modelo 22 de IRC de substituição n.º ... junta como documento n.º 3 com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. A D..., S.A. aplicou nesse exercício a taxa de 25% de IRC, apurando a colecta de €510 199,02 (Campo 351 do Quadro 10 da declaração referida);
  4.  Posteriormente, a D..., S.A tomou conhecimento da Informação vinculativa que se refere no documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  5. A Requerente iniciou a sua actividade, para efeitos fiscais, em 01-10-2007 (documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  6. A D..., S.A. desenvolve sua actividade principal de natureza industrial no concelho de ... desde 2009;
  7. Em 2008 a sede da sociedade era em ..., Distrito de ... (Certidão Permanente da D..., S.A., que consta do documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  8. Em 08-05-2008, a C..., S.A., celebrou com o Município de ... um Memorando de Entendimento que previa a cedência de terrenos para a construção e instalação da unidade industrial na região (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  9. Em 18-06-2008, a assembleia geral da C..., S.A. deliberou alterar a sede social (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  10. A Câmara Municipal de ... deliberou ceder terrenos à C..., S.A. a partir de Setembro de 2008 (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  11. O início da construção da unidade industrial da C..., S.A ocorreu em 2009 (cópia de Alvará de Obra emitido pelo Município de ... em Maio de 2009, que consta do documento n.º- 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  12. Em 26-11-2009, foi celebrado o contrato de investimento entre a C..., S.A. e a F..., EPE (F...) que consta do documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  13. O Ministério da Economia, Inovação e Desenvolvimento concedeu, em 28-05-2010, à Requerente a Licença de Exploração Industrial n.º .../2010 que a autorizava a desenvolver a actividade de fabricação de papel e cartão e fabricação de artigos de papel para uso doméstico e sanitário em ... (documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  14.  Nos períodos de tributação compreendidos entre 2008 e 2011, a D..., S.A. não chegou a beneficiar dessa taxa reduzida de 10% de IRC ao abrigo do regime de benefícios fiscais a interioridade, seja porque não apurou lucro tributável no período (2008 e 2009) ou porque, tendo-o apurado, utilizou prejuízos fiscais reportáveis que resultaram em inexistência de matéria coletável (2010 e 2011) (artigo 46.º do pedido de pronúncia arbitral, não impugnado);
  15. Em 28-03-2016, a D..., S.A apresentou o pedido de revisão oficiosa das autoliquidações relativas aos exercícios de 2011 e 2012, que veio a ter o n.º ...2016..., em que pediu que relativamente a esse exercício:

▪ Fosse aplicável a taxa reduzida de 10% à matéria coletável apurada em 2012, no valor de €2 040 796,09 e, por isso, que a colecta que tinha sido inicialmente declarada, de €510 199,02, fosse alterada;

▪ Na medida em que o referido benefício se encontrava então limitado ao montante máximo de €200 000, e uma vez que a D..., S.A. não beneficiou da aplicação desse regime nos quatro períodos de tributação anteriores a 2012, a colecta desse exercício fosse reduzida nesse montante máximo de €200 000, fazendo com que fosse corrigida para €310 199,02 (ou seja, €510 199,02 – €200 000 = €310 199,02);

▪ A utilização de benefícios fiscais utilizados no período de tributação contra a colecta de IRC fosse corrigida e reduzida para os indicados €310 199,02 de colecta apurada;

▪ A dedução de benefícios fiscais à colecta de tributações derrama estadual e de tributações autónomas;

(documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  1. Em relação aos períodos de tributação de 2011 e 2012, a D..., S.A. não pôde, dado que o sistema informático de submissão da declaração periódica de rendimentos em sede de IRC não o permitia, proceder à dedução de quaisquer benefícios fiscais a colecta Tributação Autónoma desses exercícios;
  2. Entre os benefícios fiscais susceptíveis de serem utilizados e deduzidos nesses exercícios pela D..., S.A. encontram-se os relativos ao RFAI ainda não utilizados no montante de €38 859,39 para 2011 e €569 548,49 para 2012 – (declaração de TOC a demonstrar existência e disponibilidade de créditos de RFAI para os exercícios em causa que consta do documento n.º 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, não impugnado)
  3. Nos exercícios de 2011 e 2012, a D..., S.A. apurou colecta de Tributação Autónoma de €16 960,63 em 2011 (campo 365 do Quadro 10 do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido) e de €19 586 em 2012 (campo 365 do Quadro 10 do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em anexo);
  4. Relativamente ao exercício de 2011, a D..., S.A. solicitou, no seu pedido de Revisão Oficiosa, que à referida colecta de Tributação Autónoma de €16 960,63 fossem deduzidos benefícios fiscais relativos ao RFAI disponíveis, à data, em montante superior ao da colecta;
  5.  Relativamente ao exercício de 2012, a D..., S.A. solicitou, no seu pedido de Revisão Oficiosa, que fossem deduzidos à referida colecta de Tributação Autónoma de €19 586,00 deduzidos os benefícios fiscais relativos ao RFAI disponíveis, à data, em montante superior ao da colecta;
  6. Em relação ao exercício de 2012, a D..., S.A. solicitou, no seu pedido de Revisão Oficiosa, um reembolso no valor de €72 722,21, sendo que tal valor incluía €53 136,21 pagos a título de Derrama Estadual (€19 586,00 + €53 136,21 = €72 722,21), valor este que, todavia, já foi estornado pela AT dando razão à pretensão da sociedade, pelo que em causa na presente ação encontra-se apenas em causa, quanto a 2012, o referido valor de €19 586,00;
  7. Em 06-03-2018, a Requerente foi notificada do despacho de indeferimento parcial do pedido de revisão oficiosa, proferido em 21-02-2018, sendo na decisão considerado ser inútil pronunciar-se sobre a dedução à colecta de derrama estadual, por já ter sido concretizada;
  8. A decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa baseia-se numa informação, cuja cópia consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

2.1 Regime dos Benefícios Fiscais à Interioridade - período de tributação de 2012

Discorda da posição da AT referente à não aplicação, no período de tributação de 2012, da taxa de IRC de 10% prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF, por se encontrar ultrapassado o prazo estabelecido nesta norma.

Vem a requerente argumentando que, no ano de 2007 apenas foi constituída a então sociedade C... e cumprida a obrigação cadastral de comunicação do seu início formal de atividade. Contudo, considera que a requerente/C... "instalou-se" de facto apenas em 2008 (e não 2007) em ... pois entende que o legislador ao introduzir o conceito de "instalação" para efeitos de ser aplicável o benefício fiscal não pretendia obviamente se referir única e formalisticamente à data de constituição da sociedade (ou transferência da sede da sociedade) ou comunicação de início de atividade meramente para fins de cumprimento de obrigações cadastrais. Apenas em maio de 2008 foi assinado um memorando de entendimento com o Município de ... para a cedência de terrenos que permitiriam a construção da unidade industrial que veio a concretizar-se em setembro do mesmo ano tendo subsequentemente sido submetido o pedido de alvará de construção da unidade industrial ao município apenas emitido em 2009, o qual veio permitir a construção da unidade industrial. Assim considera que em 2012 era ainda aplicável "O regime fiscal da interioridade" à requerente e, por isso, aplicável a taxa reduzida de IRC de 10%.

 

2.2 - Da não consideração das tributações autónomas liquidadas em 2011 e 2012 como coleta para efeitos de aplicação do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC.

Relativamente a esta matéria reitera a requerente que há hoje jurisprudência e doutrina clara no sentido da sua legalidade.

 

3. Análise do direito de audição

3.1 - Regime dos Benefícios Fiscais à Interioridade - período de tributação de 2012

Antes de mais relembramos o teor da norma em apreço nos presentes autos. Assim, referia o artigo 43.º do EBF antes da revogação efetuada pelo n.º 1 do artigo 146.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012):

"1 - As empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas éreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias», são concedidos os benefícios fiscais seguintes:

a) É reduzida a 15% a taxa de IRC, prevista no n.º1 do artigo 60.º do respectivo Código, para as entidades cuja actividade principal se situe nas áreas beneficiárias;

b) No caso de instalação de novas entidades, cuja actividade principal se situe nas éreas beneficiárias, a taxa referida no número anterior é reduzida a 10 % durante os primeiros cinco exercícios de actividade-"

Decorre diretamente da letra da lei que, no caso de implantação de novas entidades, cuja atividade económica principal se situe nas áreas beneficiárias dos incentivos à interioridade, o intervalo temporal de aplicação da taxa de IRC de 10% nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 43.º do EBF está limitada aos "primeiros cinco exercícios da atividade".

Ou seja, para estas novas empresas que situem a sua atividade principal nas áreas beneficiárias dos incentivos à interioridade, a contagem do período durante o qual podem usufruir de uma taxa de IRC de 10% principia no exercício em que declaram o início da atividade.

A menção no texto da lei a "instalação de novas entidades" tem um sentido muito mais amplo do que o pretendido pela requerente, referindo-se ao estabelecimento, implantação, nascimento de novas empresas nas áreas beneficiárias, cuja atividade principal seja nelas desenvolvida constituindo-se assim como verdadeiros catalisadores da recuperação económica dessas regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade.

Ora, no caso em apreço e tal como a requerente reconhece, o início da atividade ocorreu indubitavelmente em 2007, exercício em que ocorreu a constituição da requerente publicada em 05 de setembro de 2007 (Portal do Ministério da Justiça) e em que foi declarado, fiscalmente, o início de atividade com referência a 01 de outubro de 2007, e não em 2008 como defende a requerente.

Logo, no período de tributação de 2012, a requerente não pode beneficiar da taxa reduzida de 10% prevista na alínea b) do n º 1 do artigo 43.º do EBF, por decorrência da lei.

 

3.2 - Da natureza e finalidade das tributações autónomas e da Impossibilidade de aplicação do n.º 2 do art.º 90.º do CIRC

Vem a requerente insistindo que o montante pago a título de tributação autónoma apurado nos termos do art.º 88.º do CIRC pode aproveitar das deduções à coleta referidas no n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, nomeadamente da dedução de benefícios fiscais.

Relativamente a esta questão, convém nunca descurar que as regras aplicáveis às tributações autónomas, não devam ser contrárias ao espírito que as determinou sendo imprescindível avaliar a intenção do legislador, expressa no texto legislativo, compreendido como um todo.

Recordamos que temos de recuar ao ano de 1990 para encontrarmos a primeira intervenção do legislador no sentido de sujeitar determinadas despesas a tributação autónoma, ocorrida com a publicação do Decreto-Lei n.º 192/80, de 9 de junho, cujo artigo 4º previa que «as despesas confidenciais ou não documentadas efetuadas no âmbito do exercício de atividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 5.º e 9.º do respetivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10%, sem prejuízo do disposto na alínea h) d on.º1 do artigo 41º do CIRC.»

Esta norma foi sendo objeto de diversas alterações legislativas posteriores que, sucessivamente, procederam ao aumento da taxa de tributação nela prevista. Assim, a referida taxa começou por ser de 10% na versão originária do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho, tendo passado para 25% com a Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 1995 (cfr. artigo 29.º da Lei n.º 3-B/94, de 27 de dezembro), foi elevada para 30% (ou, no caso de as despesas serem efetuadas por sujeitos passivos de IRC, total ou parcialmente isentos ou que não exerçam, a título principal, atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola, para 40%) com a Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 1997 (cfr. artigo 31.º, da Lei n.º 52-C/96, de 27 de dezembro), taxas estas que foram ainda aumentadas, respetivamente, para 32% e 60%, com a Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 1999 (cfr. artigo 31.º, da Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro).

Posteriormente, com a "Reforma da tributação do rendimento", aprovada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, foi revogado o Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho, e aditou-se ao Código de IRC, o artigo 69.º-A (atual artigo 88.º) e ao Código do IRS o artigo 75.º-A (atual artigo 73.º), através dos quais, para além de se prever, a exemplo do que já acontecia com o referido Decreto-Lei 192/90, de 9 de junho, a tributação autónoma das despesas não documentadas, estendeu-se tal tributação às despesas de representação, às despesas com viaturas e às despesas correspondentes a importâncias pagas a entidades não residentes e sujeitas a regime fiscal mais favorável. Também esta norma foi sendo objeto de diversas alterações legislativas posteriores que, sucessivamente, procederam ao alargamento das despesas sujeitas a este tipo de tributação e ao agravando das respetivas taxas.

Através de sucessivas alterações legais, o legislador tem vindo a alargar o âmbito da tributação autónoma, tendo passado a incluir, com a Lei do Orçamento do Estado de 2010, os encargos relativos a indemnizações pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estes cessem funções, e, bem assim, os encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas ultrapassem certos limiares. O relatório do Orçamento de Estado para 2010 justifica essas medidas como uma forma de assegurar "uma distribuição mais justa dos encargos tributários e & uma moralização progressiva das políticas remuneratórias das empresas". Como a doutrina tem reconhecido, trata-se, neste caso, de mecanismos de tributação autónoma que se afastam do desígnio inicial de combater a fraude e a evasão fiscais - como sucedia com as despesas não documentadas, mas que se enquadram no objetivo de limitar/prevenir a realização de despesas exageradas e/ou dispensáveis do ponto de vista do interesse empresarial que artificiosamente afetem negativamente o rendimento coletável das empresas e reduzam a receita fiscal.

Ora, tal como todas as normas antiabuso, a tributação autónoma deve B sua existência aos comportamentos evasivos e fraudatórios dos sujeitos passivos em matéria fiscal e na necessidade de estabelecer meios de reação adequados por forma a garantir o cumprimento do principio da igualdade na repartição da carga tributária e na prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas (cfr. art. 103.º, n.º 1, da CRP),

Ou seja, visando a tributação autónoma reduzir, a vantagem fiscal alcançada com a dedução dos gastos sobre os quais incide, e ainda combater a evasão fiscal que esta tipo de despesas, pela sua natureza potência, concedendo-lhe um caráter antiabuso, seria contrário à intenção do legislador implícita na determinação das tributações autónomas já em 1990 e ao espirito do sistema, permitir que, por força das deduções a que se refere o n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, fosse retirado às tributações autónomas esse caráter antiabusivo que presidiu à sua implementação no sistema do IRC. Sempre foi entendimento dos Serviços a impossibilidade de proceder a qualquer dedução à coleta produzida pelas tributações autónomas, sob pena de se subverter toda a teleologia que esteve presente na sua génese e esvaziar de conteúdo as próprias regras de liquidação do IRC.

As deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, quando aplicadas às tributações autónomas, neutralizam os objetivos por elas visados, visto que se a intenção é penalizar (ou prevenir) certo tipo de despesas excessivas e/eu desnecessárias do ponto de vista do interesse empresarial que diminuem habilidosamente a matéria tributável do IRC e a respetiva coleta, não faz sentido - e até é contraditório - permitir que esta coleta das tributações autónomas se esvazie com deduções que visam direta o exclusivamente o desagravamento fiscal da matéria coletável a da coleta de IRC a que a mesma respeita.

De forma a evidenciar essa autonomia e a título meramente exemplificativo vejamos o caso da tributação autónoma das despesas não documentadas, despesas que podendo ter origem em situações de diversa natureza, pela própria essência (confidencial ou não documentada), dificilmente a AT poderá conhecer a identidade do beneficiário do rendimento.

Assim, a opção do legislador foi, desde o início deste regime, a de sujeitar desde togo a tributação, mediante a aplicação de uma taxa autónoma que será, pelo menos, equivalente àquela que seria aplicável caso aquele rendimento fosse tributado em sede de impostos sobre o rendimento e demais contribuições obrigatórias. Ou seja, o legislador perante a impossibilidade/dificuldade de conhecer o fundamento daquela despesa/gasto s o beneficiário da despesa confidencial, e consciente de que esta entidade irá, quase certamente, ocultar o rendimento que por essa via auferiu, optou pela tributação daqueles montantes na esfera da empresa, evitando a exclusão tributária daquele rendimento.

Ora, tendo em consideração a teleologia presente na génese das tributações autónomas, é lógica e juridicamente indefensável considerar-se o tributo liquidado a de tributação autónoma relativo a estas despesas não documentadas {que aqui utilizámos corno exemplo extremo atendendo à sua natureza iminentemente evasiva), como coleta de IRC nos termos do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, e consequentemente abrangidas pelas deduções à coleta, destruindo-se assim o sentido antiabusivo que lhes estão inerentes. Pois, ao ventilar-se essa possibilidade de dedução, p.e. aos PEC3 efetuados ao longo do ano, que relembramos têm por objetivo aproximar o momento da produção dos rendimentos sujeitos a imposto, do momento da sua tributação (tributação dos rendimentos ao longo do ano e não somente aquando do apuramento da coleta efetuado no final de cada período de tributação), estaríamos a transgredir gravemente a opção do legislador de tributar autonomamente aquelas despesas não documentadas na esfera da empresa que as realiza por forma a evitar a exclusão tributária daquele rendimento na esfera do beneficiário e a recuperar algum do imposto que deixou de ser pago pelo beneficiário dos rendimentos. Em última análise poderia verificar-se que os PEC efetuados seriam utilizados, não em função da coleta de IRC apurada com base ria matéria coletável termos do art.º 15.º do CIRC, mas sim inteiramente em função de um somatório de tributações autónomas referente a diversos encargos/despesas suportadas pela empresa e legalmente tipificadas no art.º 88.º do CIRC retirando-se todo o propósito e racionalidade subjacente a criação desta norma, de desincentivo à realização dessas despesas pelas empresas e de combate à fraude e evasão fiscal que tais despesas ocasionam, não apenas em sede de IRC e IRS, mas também em relação às correspondentes contribuições para Segurança Social (entidade pagadora e entidade que aufere os rendimentos). Não se verificaria a almejada transferência da responsabilidade tributária do beneficiário do 'rendimento" para a esfera de quem paga aquele tipo de despesas que, tradicionalmente, são usados também fora do âmbito da atividade empresarial ou têm alguma componente remuneratória na sua génese.

Ou seja, também por aqui se verifica que a natureza e a finalidade das tributações autónomas são inconciliáveis com a dedução, ao correspondente tributo, das deduções à coleta previstas no n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC.

Refere-se ainda a introdução do n.º 21 do art.º 88.º do Código do IRC pela Lei do Orçamento de Estado para 2016, principalmente quando refere que à liquidação das tributações autónomas em IRC não serão de efetuar quaisquer deduções atribuindo-lhe ainda natureza interpretativa, este constitui apenas mais um argumento entre todos os outros que fundamentam o entendimento que vinha sendo defendido e aplicado, tanto pela AT como pelos sujeitos passivos de IRC e IRS em geral, relativamente a esta questão. Esta também será a intenção do legislador já que, veio, de novo, através da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro de 2017 (Lei do Orçamento de Estado para 2018), alterar, com natureza interpretativa, o n.º 21 do art.º 88.º do CIRC. De notar que estando as tributações autónomas em vigor desde 1990, apenas muito recentemente (processos de 2014 e 2015) com a intervenção do tribunal arbitral(CAAD) é que surgiram decisões controversas, umas no sentido de que o PEC e os benefícios fiscais podiam ser deduzidos à coleta das tributações autónomas, e outras em sentido contrário, tendo o legislador fixado o sentido com que a norma em geral já vinha sendo aplicada desde a sua criação.

Ainda com referência à questão subjudice (será de considerar as tributações autónomas para efeitos de aplicação do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC?), importa recordar os preceitos legais em causa, na redação vigente em 2011 a 2012:

Dispunham os n.ºs 1 e 2 do art.º 90,º e n.º 1 do art º 15.º ambos do CIRC:

(...)

Ou seja, a liquidação do IRC (coleta de IRC) a que se refere o art.º 90.º do CIRC, quando esteja em causa uma autoliquidação, como ocorre nos presentes autos, é apurada com base na matéria coletável determinada nos exatos termos definidos pelo art.0 15.º do IRC que conste nessa liquidação/autoliquidação (cfr. a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC: "tem por base a matéria colectável que delas conste"), sendo 03 créditos de imposto decorrentes de benefícios fiscais cuja legislação assim o admita (SIFIDE e RFAI por exemplo), o crédito por dupla tributação internacional ou mesmo o pagamento especial por conta, deduzidos apenas à coleta apurada com base na matéria coletável (cfr. n.º 2 do art.º 90.º do CIRC: "Ao montante apurado nos termos do número anterior") e não a outro tributo que não tenha por base a matéria coletável, como vem defendendo a requerente.

Ora, como referimos anteriormente a tributação autónoma embora prevista no CIRC e liquidada conjuntamente com o IRC para efeitos de cobrança, nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros imputáveis ao exercício económico da empresa, uma vez que incidem sobre certas despesas que constituem factos tributários autónomos que o legislador, por razões de política fiscal, quis tributar separadamente mediante a sujeição a uma taxa predeterminada que não tem qualquer relação com o volume de negócios da empresa (acórdão do STA de 12 de abril de 2012, Processo n º 77/12). Incide sobre certas despesas tipificadas na lei fiscal que tenham sido efetuadas pela empresa, e apenas sobre essas despesas, e não visa a tributação dos rendimentos empresariais que tenham sido auferidos no respetivo período de tributação, mas antes desencorajar a realização de despesas que possam repercutir-se negativamente na receita fiscal e reduzir artificiosamente a própria capacidade contributiva da empresa.

Sendo ainda de ressaltar o facto de o legislador definir categoricamente o conceito de matéria coletável aplicável no código do IRC no seu art," 15.º, sendo que, no caso das sociedades comerciais sob forma comercial, se obtém pela dedução ao lucro tributável, determinado nos termos dos artigos 17.º e seguintes do CIRC, dos montantes correspondentes a prejuízos fiscais, nos termos do artigo 52º CIRC e dos benefícios fiscais eventualmente existentes que consistam em deduções naquele lucro. Ou seja, até pela via da interpretação puramente literal do art.º 90.º do CIRC decorre que apenas à coleta apurada com base na matéria coletável, perfeitamente definida pelo legislador sem margem para dúvidas (vide art.º 15.º do CIRC), serão de efetuar as deduções previstas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC.

 

4 - Conclusão

Com referência à pretensão da requerente atendida no projeto de decisão, em deduzir à coleta composta pelo somatório do IRC propriamente dito e da derrama estadual, os benefícios fiscais a que a requerente tem direito, ao abrigo do disposto pela alínea b) do n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, verificamos que tal pretensão lá se encontra integralmente concretizada na liquidação de IRC referente à declaração periódica de rendimentos de substituição do período de tributação de 2012 entregue pela requerente «m 2014-05-30 que deu origem ao reembolso de IRC n.º 2014 ... no montante de €67.477,62. Verifica-se, em consonância com o pretendido pela requerente nos presentes autos, terem sido deduzidos à coleta corresponde à soma do IRC (€510.199,02) com a derrama estadual (€53.136,21), benefícios fiscais no montante de €563.335,23 (campo 355 do quadro 10 da declaração de rendimentos modelo 22), ao abrigo do disposto pela alínea b) do n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, pelo que nos abstemos de pronúncia nos presente autos por inutilidade superveniente da lide.

Relativamente às restantes matérias peticionadas pela requerente no pedido de revisão oficiosa em apreço nomeadamente quanto à aplicação, no período de tributação de 2012, da taxa de IRC de 10% nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 43.º do EBF e das tributações autónomas liquidadas em 2011 e 2012 nos termos do art.º 88.º do CIRC poderem aproveitar das deduções à coleta referidas no n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, mantem-se a decisão de indeferimento constante do projeto de decisão.

Pelo exposto, o pedido de revisão oficiosa em apreço deve ser Indeferido.

 

  1. Em 29-05-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

3.2 Factos não provados

 

Não se provou que a Requerente reunisse todos os requisitos exigidos para poder usufruir dos benefícios fiscais que estão em causa, designadamente os previstos nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 43.º do EBF e na alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do RFAI.

Não se provou também se os montantes que no documento n.º 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido se indicam como «benefício para reporte» até aos anos de 2015 e 2016 vieram ou não a ser utilizados para dedução à colecta de IRC de algum ou alguns dos exercícios subsequentes ao de 2012.

3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e que constam do processo administrativo, não tendo sido impugnados pela Autoridade Tributária e Aduaneira os factos alegados.

Os factos considerados não provados justificam-se por não ter sido alegado nem apresentada qualquer prova de que estejam satisfeitas as condições aí referidas.

 

4. Matéria de direito

 

4.1. Questão do benefício fiscal à interioridade

 

A Requerente formulou um pedido de revisão oficiosa, pretendendo que lhe fosse reconhecido um benefício fiscal à interioridade, no período de tributação de 2012, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

O artigo 43.º do EBF, na redacção resultante da republicação operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho, veio a ser revogado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.

Antes da republicação, o texto deste artigo constava do artigo 39.º-B, aditado pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que foi alterado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro.

 Na redacção desta Lei, a alínea b) do n.º 1 deste artigo, que aqui está em causa, estabelecia o seguinte:

 

1 - Às empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias», são concedidos os benefícios fiscais seguintes:

 

b) No caso de instalação de novas entidades, cuja actividade principal se situe nas áreas beneficiárias, a taxa referida no número anterior é reduzida a 10 % durante os primeiros cinco exercícios de actividade;

 

A Requerente entende, em suma, que, apesar de a C..., S.A. se ter constituído em 2007, só se «instalou» posteriormente, após o Município de ..., em Setembro de 2008, ter efectuado a cedência dos terrenos que permitiriam a construção da unidade industrial e ter sido emitido em 2009 o alvará de construção da unidade industrial.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, no entanto, entendeu, na decisão do pedido de revisão oficiosa, o seguinte:

– «para estas novas empresas que situem a sua atividade principal nas áreas beneficiárias dos incentivos à interioridade, a contagem do período durante o qual podem usufruir de uma taxa de IRC de 10% principia no exercício em que declaram o início da atividade»;

– «a "instalação de novas entidades" tem um sentido muito mais amplo do que o pretendido pela requerente, referindo-se ao estabelecimento, implantação, nascimento de novas empresas nas áreas beneficiárias, cuja atividade principal seja nelas desenvolvida constituindo-se assim como verdadeiros catalisadores da recuperação económica dessas regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade»;

– «o início da atividade ocorreu indubitavelmente em 2007, exercício em que ocorreu a constituição da requerente publicada em 05 de setembro de 2007 (Portal do Ministério da Justiça) e em que foi declarado, fiscalmente, o início de atividade com referência a 01 de outubro de 2007, e não em 2008 como defende a requerente».

 

            Assim, a tese da Autoridade Tributária e Aduaneira reconduz-se a que a «instalação de novas entidades» ocorre com a constituição e declaração de início de actividade e não com a criação das condições práticas necessárias para desenvolvimento da actividade produtiva.

            A Requerente entende, em suma, o seguinte:

– artigo 43.º, n.º 1, alínea b) do EBF não remete para o critério da comunicação do início formal de atividade por uma empresa, impondo que exista efectiva actividade, o que só aconteceu em 2009;

– o texto do n.º 1 e da alínea b) apontam nesse sentido ao referirem «empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica» e «instalação de novas entidades, cuja actividade principal»;

– não há uma presunção de que o «início de actividade» formal corresponda à «instalação» e, a existir, seria ilidível, por força do disposto no artigo 73.º da LGT;

– neste caso, «nem sequer a morada da sede da D..., S.A. se encontrava em ...»;

– o período de investimento começou em Novembro de 2008, na sequência do contrato com a F... e o início da actividade apenas ocorreu em 2009, após a obtenção da licença de exploração industrial.

 

Afigura-se ser claro que a Requerente tem razão.

Na verdade, por um lado, a letra das normas referidas, que é o primeiro elemento de interpretação a atender, aponta manifestamente no sentido de o benefício fiscal depender do real exercício de uma actividade económica, que tem de ser a principal, pelo que, antes desse exercício, não pode usufruir do benefício fiscal nem se justifica que se considere que esteja a decorrer o período durante o qual pode dele usufruir.

Por outro lado, a razão de ser do benefício fiscal corrobora a interpretação que decorre do teor literal, pois, tratando-se de um benefício fiscal que se destina a incentivar investimentos no interior do país, não pode ser suficiente para sua obtenção a mera apresentação de uma declaração de início de uma actividade principal, declarada como única ou principal, sem que se siga um real investimento e uma actividade económica principal efectiva.

Por isso, se as empresas só podiam usufruir do benefício fiscal com o exercício de uma actividade, não pode deixar de ser o momento do início desse exercício efectivo o relevante para a determinação dos cinco anos durante os quais podiam usufruir deste o benefício fiscal.

Assim, a interpretação defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, para além de não ter suporte textual consistente, pois a lei não faz referência ao momento da apresentação da declaração de início de actividade, não se compagina com a intenção legislativa subjacente à criação daquele benefício fiscal, pelo que ao argumento literal se alia o argumento racional.

Doutra perspectiva, a solução a que conduz a interpretação da Autoridade Tributária e Aduaneira seria manifestamente desacertada e, por isso, tem de presumir-se não ter sido consagrada na lei, como impõe o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil.

Pelo exposto, a autoliquidação relativa ao exercício de 2012 bem como a decisão do pedido de revisão oficiosa, enfermam de vício de violação de lei, quanto a este benefício fiscal, o que justifica a sua anulação, na parte respectiva, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos dos artigos 2.º, alínea c), da LGT e 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.

 

4.2. Questão da dedução dos valores que beneficiam do RFAI à colecta de tributações autónomas

 

A Administração Tributária e Aduaneira indeferiu o pedido de revisão oficiosa no que concerne ao pedido de dedução dos valores que nos exercícios de 2011 e 2012 a Requerente dispunha que estavam em condições de beneficiar do RFAI.

Para solução desta questão importa também apreciar a relevância de leis posteriores, a que foi atribuída natureza interpretativa.

 

4.2.1. Aplicabilidade dos artigos 89.º e 90.º do CIRC ao cálculo das tributações autónomas

 

Os artigos 89.º e 90.º do CIRC estabelecem o seguinte, na redacção vigente nos anos de 2011 e 2012 (resultante da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril):

 

 

Artigo 89.º

 

Competência para a liquidação

 

A liquidação do IRC é efectuada:

a) Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º;

b) Pela Direcção-Geral dos Impostos, nos restantes casos.

 

Artigo 90.º

 

Procedimento e forma de liquidação

 

1 - A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:

a) a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

 

2 – Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação internacional;

b) A relativa a benefícios fiscais;

c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

d) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

3 – (Revogado)

4 – Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efectuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.

5 – As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respectivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.

6 – Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

7 – Das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.

8 – Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efectuadas nos termos dos n.ºs 2 a 4.

9 – Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efectuadas anualmente liquidações com base na matéria colectável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria colectável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.

10 – A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.

 

 

 

Os referidos artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas as declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas.

Na verdade, é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC. De resto, para além da jurisprudência, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.

Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código.

Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo, com vigência nos anos de 2011 e 2012, qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.

Assim, nos anos de 2011 e 2012, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que, por sua vez, tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.

Mas, as formas de liquidação que se prevêem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.

No entanto, a circunstância de uma liquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais, com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis, não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes, seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).

Aliás, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º do CIRC que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º do mesmo compêndio legal ( [5] )

De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária a liquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efectuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e é com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente.

Aliás, se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que não haveria qualquer norma que, em 2011 e 2012, previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».

Refira-se ainda a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, independentemente de ser ou não qualificável como verdadeiramente interpretativa ([6]), em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores». Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.º) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à Administração Tributária, nos termos do artigo 89.º, é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no
n.º 1 do artigo 90.º, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidação cabe à Administração Tributária e Aduaneira, com «base nos elementos de que a administração fiscal disponha», que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a Autoridade Tributária e Aduaneira dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos.

O mesmo se passa com a redacção dada àquele n.º 21 do artigo 88.º pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro.

Por isso, quer antes, quer depois da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, e da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável à liquidação de tributações autónomas.

 

 

4.2.2. Aplicabilidade das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC à colecta de IRC resultante de tributações autónomas

 

Pelo que se referiu, pelo menos até à Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, não havia qualquer disposição legal que indicasse qualquer procedimento especial de liquidação do IRC resultante das tributações autónomas, pelo que, sob pena de inconstitucionalidade por violação do n.º 3 do artigo 103.º, por a liquidação não ser efectuada «nos termos da lei», tinha de ser feita aplicação do procedimento previsto no artigo 90.º do CIRC.

 Sendo a colecta de IRC, quer a resultante do lucro tributável, quer a resultante de tributações autónomas, apurada através do procedimento de liquidação previsto no artigo 90.º do CIRC, são potencialmente aplicáveis a tal colecta as deduções previstas no n.º 2 o mesmo artigo, que se reportam «ao montante apurado nos termos do número anterior», sem qualquer distinção sobre a natureza dos tipos de colecta de IRC que nesse montante estão incluídos.

Por isso, do teor literal do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, não resulta qualquer obstáculo à aplicação das deduções à parte do montante apurado nos termos do n.º 1 derivado de tributações autónomas, pelo que a sua aplicação só pode ser afastada com base numa interpretação restritiva.

Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, de 31-05-2017, proferido no processo n.º 466/16, «a autonomia da tributação em apreço quanto à sua base de incidência, quanto às taxas aplicáveis e até quanto ao momento de pagamento, só por si, não determina – nem lógica nem juridicamente – a irrelevância da coleta obtida com as tributações autónomas no âmbito do apuramento da coleta do próprio IRC  – questão regulada, em geral, no artigo 90.º, n.º 1, do CIRC –, nomeadamente quanto à integração daquela nesta última e, por conseguinte, quanto à admissibilidade de consideração do valor da citada coleta para efeito da realização das deduções legalmente previstas no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC. Tal questão, na ausência de norma específica de sentido contrário – como aquela que, por exemplo, veio a ser consagrada no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC – releva da própria configuração legislativa do IRC, nesta incluída a relevância ou irrelevância, para efeitos de apuramento da coleta final de IRC, dos montantes pagos a título de tributações autónomas».

Na verdade, só com a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que aditou ao artigo 88.º do CIRC um n.º 21, passou a existir uma norma em que se afasta a possibilidade de aplicação das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC ao montante apurado com tributações autónomas, estabelecendo-se o seguinte:

 

21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.

 

Na parte final desta norma, restringe-se o âmbito de aplicação das deduções previstas no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC à colecta de IRC derivada do lucro tributável.

A Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, veio reafirmar o afastamento da aplicabilidade das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC à colecta de IRC resultante de tributações autónomas ao estabelecer o seguinte:

 

21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado, ainda que essas deduções resultem de legislação especial.

 

A este n.º 21 do artigo 88.º do CIRC foi atribuída natureza interpretativa, pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016 e pelo artigo 233.º da Lei n.º 114/2017, respectivamente.

No entanto, o Tribunal Constitucional, no citado acórdão n.º 267/2017, já afirmou a inconstitucionalidade daquele artigo 135.º na parte em que, por efeito do carácter meramente interpretativo que atribui à 2.ª parte do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, afasta a possibilidade de dedução ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC de deduções permitidas em anos fiscais anteriores a 2016.

Esta decisão do Tribunal Constitucional baseou-se no n.º 3 do artigo 103.º da CRP, que estabelece que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroactiva, de que o Tribunal Constitucional entendeu resultar que «o legislador não pode criar impostos com tal natureza ou introduzir nos impostos existentes modificações que, com efeitos retroativos, os agravem» e que «está em causa a proibição de estatuir consequências jurídicas novas que constituam ex novo ou agravem situações fiscais já definidas, nomeadamente o quantum devido a título de certo imposto e previamente definido em razão da verificação de todos os factos relevantes à luz do direito aplicável antes da estatuição das consequências jurídicas novas».

Por isso, na linha desta jurisprudência, a constitucionalidade da interpretação restritiva do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, de forma a excluir a possibilidade de deduções à colecta de IRC resultante de tributações autónomas, depende de ela já dever ser efectuada à face do regime anterior àquela lei n.º 7-A/2016, pois é constitucionalmente inadmissível a retroactividade desfavorável aos contribuintes de normas fiscais de que resulte obrigação de pagamento de impostos.

Deve notar-se, porém, desde logo, que a nova redacção dada pela Lei n.º 114/2017 ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, ao afastar a possibilidade de deduções ao montante global das tributações autónomas «ainda que essas deduções resultem de legislação especial» esclarece, com natureza interpretativa (nesta parte sem problemas de constitucionalidade, por se tratar de retroactividade favorável aos contribuintes), que existia legislação especial de que resultava que fossem feitas deduções ao montante das tributações autónomas, vindo assim, reconhecer, com a autoridade legislativa de uma interpretação autêntica, o que já vinha sendo paciente e reiteradamente explicado pela jurisprudência arbitral maioritária (como se justificava e justifica em face das dificuldades manifestadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 127.º das suas alegações, em que confessa que, para si, se trata de «incompreensíveis e ininteligíveis teses»).

Por isso, sendo constitucionalmente inadmissível, pelo que referiu o Tribunal Constitucional no acórdão citado, que esta nova lei venha afastar a possibilidade de deduções admissíveis à face da legislação vigente até a entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, a questão que se coloca, para solucionar as questões de legalidade da liquidação e da decisão da reclamação graciosa que são colocadas no presente processo, é a de saber se, antes desta lei, já deveria fazer-se a interpretação restritiva que nela veio a ser explicitada, já deveriam fazer-se restrições à aplicação das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC à parte da colecta de IRC resultante de tributações autónomas.

Na verdade, o facto de a letra do n.º 2 do artigo 90.º apontar no sentido da aplicação das deduções à colecta resultante das tributações autónomas essa dedutibilidade, não excluía a possibilidade de interpretação restritiva, se «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)». ([7])

Como fundamento para uma interpretação restritiva poderia, numa primeira análise, aventar-se o facto de que algumas tributações autónomas, designadamente algumas das que têm por base de incidência «despesas» ou «encargos» ( [8] ), visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes susceptíveis de afectarem o lucro tributável, e, consequentemente, diminuírem a receita fiscal, e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respectiva colecta poder ser objecto de deduções.

No entanto, como foi legislativamente reconhecido pela redacção dada ao n.º 21 do artigo 88.º pela Lei n.º 114/2017 (aqui com força interpretativa constitucionalmente irrepreensível à face do artigo 103.º, n.º 3, da CRP), há legislação especial de que resultam deduções à colecta derivadas de tributações autónomas, que são necessariamente situações em que, legislativamente, se deu preferência a satisfação dos interesses que justificam as deduções em relação aos que se visam com as tributações autónomas, o que sucede com as normas sobre benefícios fiscais dedutíveis à colecta de IRC.

 Por outro lado, a natureza de normas antiabuso, destinadas a evitar a fraude e a evasão fiscal, não exclui a possibilidade de deduções à colecta de IRC que com a aplicação dessas normas for determinada, o que é manifesto em relação à colecta proporcionada por correcções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso, como, por exemplo, as relativas aos preços de transferência ou subcapitalização e também as correcções resultantes da aplicação da norma geral antiabuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT.

Ainda por outro lado, é também evidente que a natureza antiabuso de algumas das tributações autónomas que visam desincentivar despesas e evitar evasão fiscal não poderia servir para justificar a não dedução dos benefícios fiscais a toda a colecta de IRC resultante de tributações autónomas, pois a prevista no n.º 11 do artigo 88.º do CIRC não incide sobre despesas ou encargos, mas sim sobre «lucros», sendo uma forma de tributação de lucro complementar ou alternativa em relação à prevista para a generalidade dos rendimentos. Para além disso, a tributação autónoma prevista no n.º 8 do artigo 88.º não tem subjacente qualquer intenção de desincentivar a realização das operações a que se refere, mas sim impor aos contribuintes especiais deveres probatórios em situações em a tributação mais favorável dos destinatários das despesas pode suscitar dúvidas sobre a realidade e normalidade das operações, pois a tributação autónoma é afastada «se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado».

Para além disso, mesmo em relação a algumas tributações autónomas que incidem sobre despesas, não seria compatível com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade impor tributação com fundamento numa hipotética intenção legislativa de desincentivar a utilização de motociclos para certas actividades para que eles são indispensáveis, como sucede com os espectáculos com motociclos, ou para que têm evidente adequação, correspondendo a sua utilização a manifesta boa gestão empresarial ( [9] ) e seria especialmente inconcebível incluir no âmbito dessa intenção desincentivadora o próprio pagamento dos «impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização», a que se refere a parte final do n.º 5 do artigo 88.º, que até deverá ser assegurado coercivamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no caso de o contribuinte se sentir desincentivado a efectuar esse pagamento.

Assim, o entendimento de que todas as tributações autónomas visam tributar despesas ou desincentivar ou sancionar comportamentos, que pode resultar de uma primeira análise aligeirada, depara, numa percepção mais incisiva, com uma incontornável falta de correspondência com a realidade, sendo mais coerente, como explicação global, a ideia de que estamos «perante um mecanismo cujo objetivo último é o de contribuir para a “normalização” da tributação em sede de IRC, isto é, para o funcionamento deste imposto na sua forma mais pura e mais próxima das suas raízes de imposto sobre o lucro obtido pelas pessoas coletivas. Nesse sentido, as tributações autónomas não são mais do que mecanismos coadjuvantes do eixo central do IRC, que é o de tributar lucros permitindo a dedução das despesas em que os sujeitos passivos têm que incorrer com vista à realização dos rendimentos tributáveis». ( [10] )

            Como também se refere no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 59/2014-T, as tributações autónomas em IRC, devem ser consideradas uma forma de tributação de rendimentos empresariais:

«A Exposição de Motivos que consta da Proposta de Lei n.º 46/VIII, que veio dar origem à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que ampliou enormemente as situações de tributações autónomas, não deixa margem para dúvidas de que se trata de uma amplificação consciente e pretendida das entorses previamente existentes, por se ter entendido que elas eram necessárias, em suma, para compensar outras distorções resultantes de significativa fraude e evasão fiscais e, assim, aumentar a equidade da repartição da carga fiscal entre cidadãos e empresas».

(...)

«as tributações autónomas incidentes directamente sobre certas despesas, no âmbito de impostos que originariamente incidiam apenas sobre rendimentos, são consideradas entorses do sistema de tributação directa do rendimento que se visava com o IRC, mas um valor que legislativamente se considerou ser mais relevante do que a coerência teórica dos impostos, como é a implementação da justiça fiscal, impôs uma opção por essas formas de tributação, por estarem em consonância com os princípios da equidade, eficiência e simplicidade.

 (...)

Mas, esta tributação indirecta não deixa de ser efectuada no âmbito do IRC, como resulta da inclusão das tributações autónomas no respectivo Código, que tem como corolário a aplicação das normas gerais próprias deste imposto, que não contendam com a sua especial forma de incidência.

Assim, se é certo que as tributações autónomas constituem uma forma diferente de fazer incidir impostos sobre as empresas, que poderia constar de regulamentação autónoma ou ser arrumada no Código do Imposto do Selo, também não deixa de ser certo que a opção legislativa por incluir tais tributações no CIRC revela uma intenção de considerar tais tributações como inseridas no IRC, o que se poderá justificar por serem uma forma indirecta, mas, na perspectiva legislativa, equitativa, simples e eficiente, de tributar rendimentos empresariais que escapam ao regime da tributação com directa incidência sobre rendimentos».

 

Na verdade, as tributações autónomas em sede de IRC, em face da crescente amplitude que o legislador lhes tem vindo a atribuir ([11]), para serem compagináveis com o princípio constitucional da tributação das empresas incidindo fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP), devem ser entendidas como formas indirectas de tributar rendimentos empresariais, através da tributação de certas despesas e encargos que revelam capacidade contributiva, ou mesmo, nos casos das tributações autónomas previstas nos n.ºs 8 e 11 do artigo 88.º, como formas complementares de tributar directamente rendimentos, em situações em que eles serão presumivelmente gerados, sem tributação, na esfera jurídica de terceiros.

Aliás, é um facto que a imposição de qualquer despesa sem contrapartida a uma pessoa colectiva tem como corolário um potencial decréscimo do seu rendimento, pelo que a imposição de uma obrigação tributária unilateral, mesmo calculada com base em despesas realizadas ou encargos suportados, constitui uma forma de tributar indirectamente o seu rendimento. ([12])

O novo artigo 23.º-A do CIRC, introduzido pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao dizer que «não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros», deixa entrever que, na perspectiva legislativa, o IRC e as tributações autónomas são impostos que incidem directa ou indirectamente sobre os lucros, pois é esse entendimento que pode justificar que se inclua a expressão «quaisquer outros impostos», que pressupõe que o IRC e as tributações autónomas também são impostos destes tipos, são impostos que directa ou indirectamente incidem sobre os lucros reais ou presumidos.

Por isso, sendo as tributações autónomas previstas no CIRC, em última análise, formas indirectas de tributar o rendimento empresarial, não se vê que haja necessariamente incompatibilidade entre elas e as regras gerais que prevêem a forma de efectuar a liquidação de IRC.

De qualquer modo, uma interpretação restritiva só pode resultar, à face da redacção anterior à Lei n.º 7-A/2016, da conclusão de que o texto do n.º 2 do artigo 90.º, em alguma medida, não corresponde ao pensamento legislativo, designadamente se se puder concluir que a razão que justifica alguma ou algumas das deduções, apenas se compagina com a sua aplicação à colecta de IRC resultante do lucro tributável.

E, naturalmente, em face da proibição constitucional da aplicação retroactiva do afastamento global da dedutibilidade a situações anteriores à Lei n.º 7-A/2016, serão de aplicar as deduções quando elas resultam da legislação especial a que se refere a redacção do n.º 21 do artigo 88.º introduzida pela Lei n.º 114/2017.

Na verdade, pelo menos nestes casos em que as deduções resultam de lei especial, estará afastada necessariamente a possibilidade de as afastar por via de uma interpretação restritiva do n.º 2 do artigo 90.º, pois é essa lei especial, precisamente por o ser, que impõe a sua aplicação, já que as leis especiais se sobrepõem às leis gerais nos seus específicos domínios de aplicação.

É a esta luz que importa apreciar cada uma das situações em que a Requerente pretende efectuar dedução à colecta de IRC resultante de tributações autónomas.

 

 

4.2.3 Dedutibilidade de despesas de investimento previstas no RFAI às quantias devidas a título de tributações autónomas

 

O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento realizado em 2009 (RFAI 2009) foi aprovado pela Lei n.º 10/2009, de 10 de Março, sendo posteriormente integrado também no referido Código Fiscal do Investimento.

No que concerne ao IRC, o referido regime traduziu-se num benefício fiscal previsto no artigo 3.º daquela Lei que, no que aqui interessa, estabelece o seguinte:

 

Artigo 2.º

 

Âmbito de aplicação e definições

 

1 - O RFAI 2009 é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam, a título principal, uma actividade:

a) Nos sectores agrícola, florestal, agro-industrial, energético e turístico e ainda da indústria extractiva ou transformadora, com excepção dos sectores siderúrgico, da construção naval e das fibras sintéticas, tal como definidos no artigo 2.º do Regulamento (CE) n.º 800/2008, da Comissão, de 6 de Agosto;

 

b) No âmbito das redes de banda larga de nova geração.

 

2 - Para efeitos do presente regime, consideram-se como relevantes os seguintes investimentos desde que afectos à exploração da empresa:

 

a) Investimento em activo imobilizado corpóreo, adquirido em estado de novo, com excepção de:

i) Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em projectos de indústria extractiva;

ii) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris ou afectos a actividades administrativas;

iii) Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas;

iv) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afecto a exploração turística;

v) Equipamentos sociais, com excepção daqueles que a empresa seja obrigada a ter por determinação legal;

vi) Outros bens de investimento que não estejam directa e imprescindivelmente associados à actividade produtiva exercida pela empresa;

 

b) Investimento em activo imobilizado incorpóreo, constituído por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, 'saber-fazer' ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente.

 

3 - Podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente regime os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:

 

a) Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade;

b) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indirectos;

c) Mantenham na empresa e na região durante um período mínimo de cinco anos os bens objecto do investimento;

d) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações ou tenham o pagamento dos seus débitos devidamente assegurado;

e) Não sejam consideradas empresas em dificuldade nos termos da comunicação da Comissão - orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação a empresas em dificuldade, publicada no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 244, de 1 de Outubro de 2004;

f) Efectuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período de dedução constante dos n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º

 

4 - No caso de sujeitos passivos de IRC que não se enquadrem na categoria das micro, pequenas e médias empresas, tal como definida no anexo i do Regulamento (CE) n.º 800/2008, da Comissão, de 6 de Agosto, as despesas de investimento a que se refere a alínea b) do n.º 2 não podem exceder 50 % dos investimentos relevantes.

5 - Considera-se investimento realizado em 2009 o correspondente às adições, verificadas nesse exercício, de imobilizações corpóreas e bem assim o que, tendo a natureza de activo corpóreo e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições às imobilizações em curso.

6 - Para efeitos do número anterior, não se consideram as adições de imobilizações corpóreas que resultem de transferências de imobilizado em curso transitado de exercícios anteriores, excepto se forem adiantamentos.

 

 

Artigo 3.º

 

Incentivos fiscais

 

1 - Aos sujeitos passivos de IRC residentes em território português ou que aí possuam estabelecimento estável, que exerçam a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola abrangida pelo n.º 1 do artigo anterior que efectuem, em 2009, investimentos considerados relevantes, são concedidos os seguintes benefícios fiscais:

a) Dedução à colecta de IRC, e até à concorrência de 25 % da mesma, das seguintes importâncias, para investimentos realizados em regiões elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos com finalidade regional:

i) 20 % do investimento relevante, relativamente ao investimento até ao montante de (euro) 5 000 000;

ii) 10 % do investimento relevante, relativamente ao investimento de valor superior a (euro) 5 000 000;

(...)

2 - A dedução a que se refere a alínea a) do número anterior é efectuada na liquidação respeitante ao período de tributação que se inicie em 2009.

3 - Quando a dedução referida no número anterior não possa ser efectuada integralmente por insuficiência de colecta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos quatro exercícios seguintes.

(...)

5 - O montante global dos incentivos fiscais concedidos nos termos dos números anteriores não pode exceder o valor que resultar da aplicação dos limites máximos aplicáveis ao investimento com finalidade regional para o período de 2007-2013, em vigor na região na qual o investimento seja efectuado, constantes do artigo 7.º

 

           

Como se vê pela alínea a) do n.º 1 deste artigo 3.º, o benefício fiscal concretiza-se através de «dedução à colecta de IRC».

Pelo que já atrás se referiu, a colecta derivada de tributações autónomas previstas no CIRC é «colecta de IRC», pelo que a expressão utilizada no RFAI não exclui a dedução dos investimentos elegíveis à colecta proporcionada por aquelas tributações, antes a inclui.

Por isso, só com uma interpretação restritiva se poderá excluir a possibilidade de as quantias que devem beneficiar do RFAI serem deduzidas à colecta de IRC derivada de tributações autónomas.

A viabilidade de uma interpretação restritiva encontra, desde logo, um obstáculo de ordem geral, que é o de que as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que, na falta de regra especial, devem ser interpretadas nos seus precisos termos, como é jurisprudência pacífica. ( [13] ) No caso dos benefícios fiscais, prevê-se explicitamente a possibilidade de interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), mas não de interpretação restritiva, pelo que, em regra, o benefício fiscal não deve ser interpretado com menor amplitude do que a que, numa interpretação declarativa, resulta do teor da norma que o prevê.

De qualquer modo, como se referiu, uma interpretação restritiva apenas se justifica quando «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer».

Ora, mesmo relativamente às tributações autónomas que visam desincentivar despesas, o desincentivo de comportamentos é justificado apenas pelas preocupações de protecção da receita fiscal e os benefícios fiscais concedidos são, por definição, «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

Isto é, no caso em apreço, ao estabelecer um benefício fiscal por dedução à colecta de IRC, o legislador optou por prescindir da receita fiscal que este imposto poderia proporcionar, na medida da concessão do benefício fiscal. Para esta ponderação relativa dos interesses em causa (receita fiscal versus estímulo forte ao investimento) é indiferente que essa receita provenha de cálculos efectuados com base no artigo 87.º ou no artigo 88.º do CIRC. Na verdade, seja qual for a forma de cálculo dessa receita fiscal, está-se perante dinheiro cuja arrecadação o legislador considerou ser menos importante do que a prossecução da finalidade económica referida. Das duas alternativas que se deparavam ao legislador relativamente ao incentivo aos investimentos previstos no RFAI, que eram, por um lado, manter intactas as receitas provenientes de IRC (incluindo as de tributações autónomas) e não ver incentivado o investimento e, por outro lado, concretizar esse incentivo com perda de receitas de IRC (na expectativa de ganhos tributários futuros), a ponderação que necessariamente está subjacente ao RFAI é a da opção pela criação do incentivo com prejuízo das receitas. E, naturalmente, sendo a criação do incentivo ao investimento melhor, na perspectiva legislativa, do que a arrecadação de receitas, não se vislumbra como possa ser relevante que as receitas de IRC que se perdem para concretizar o incentivo provenham da tributação geral de IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º ou das tributações a taxas especiais previstas nos n.ºs 4 a 6 do mesmo artigo, ou das tributações autónomas previstas no artigo 88.º: em todos os casos, a alternativa é a mesma entre criação do incentivo e arrecadação de receitas de IRC e a ponderação relativa que se pode fazer dos interesses conflituantes é idêntica, quaisquer que sejam as formas de determinar o montante de IRC de que se prescinde para criar o incentivo.

Assim, não se vê fundamento legal, designadamente à face da intenção legislativa que é possível detectar, para, com fundamento numa interpretação restritiva, afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do RFAI à colecta de IRC derivada de tributações autónomas que resulta directamente da letra do artigo 3.º, n.º 2, do respectivo diploma, conjugado com o artigo 90.º do CIRC.

Por outro lado, e descortinando a ratio legis, dir-se-á que a eventual limitação da aplicação do benefício fiscal a empresas que apresentassem lucro tributável no período da enorme crise económica posterior a 2008, reconduzir-se-ia a uma fortíssima restrição do seu campo de aplicação, já que, como é facto público, grande parte das empresas apresentava constantemente prejuízos fiscais, embora pagasse IRC por outras vias.

            Na verdade, segundo a estatística publicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no ano de 2011, mais de metade das declarações de IRC apresentavam valor líquido negativo e no período de tributação de 2011 apenas 26% dos sujeitos passivos apresentaram IRC Liquidado (Quadro 7), e cerca de 71% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC (Quadro 8), por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.). ( [14] ).

Por isso, é manifesto que a aplicabilidade do benefício fiscal a empresas que, embora apresentassem prejuízos fiscais, pagavam IRC, inclusivamente a título de tributações autónomas, ampliava fortemente o número de empresas potencialmente beneficiárias e, consequentemente, compagina-se melhor com a intenção legislativa subjacente ao RFAI, de incentivar o investimento.

Por outro lado, como se referiu, não se pode olvidar que as tributações autónomas visam proteger ou aumentar as receitas fiscais e que os benefícios fiscais concedidos são, por definição, «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

No caso do benefício fiscal do RFAI, as razões de natureza extrafiscal que justificam o incentivo com perda de receita são de enorme relevo, como se vê pela exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 247/X, que deu origem à Lei n.º 10/2009, de 10 de Março, que aprovou o RFAI, que o justifica como medida de reacção à profundidade e a extensão da crise financeira internacional que vinha agravando as perspectivas de crescimento económico mundial, medida essa alinhada com a política da União Europeia, cujos Estados-Membros vinham lançando, «de forma coordenada, iniciativas tendentes a reforçar a confiança e a assegurar o regular funcionamento dos sistemas financeiros», e entendendo-se que «perante o agravamento da conjuntura externa e ciente dos riscos que tal representa para a sua economia, Portugal não pode deixar de se associar ao esforço comum agora iniciado, sem prejuízo do rigor das suas finanças públicas».

            Por isso, é seguro que se está perante benefício fiscal cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais provenientes de IRC, seja qual for a base do seu cálculo, pois o que está em causa é sempre prescindir ou não de determinada quantia em dinheiro para criar um incentivo ao investimento.

            Neste contexto, a natureza das tributações autónomas e as soluções legislativamente adoptadas, em geral, em relação a elas, não têm qualquer relevância para a apreciação desta questão, pois esta tem de ser apreciada à face dos específicos interesses que na sua ponderação se entrechocam.

Na verdade, o que está em causa é, exclusivamente, determinar o alcance do RFAI, que estabelece um regime de natureza excepcional, que visou prosseguir determinados interesses públicos, e não contribuir para a decisão de qualquer questão conceitual sobre a natureza das tributações autónomas, matéria sobre a qual não se vislumbra quer no texto da lei, quer nos trabalhos preparatórios, a menor preocupação legislativa.

Pela mesma razão de que o que está em causa é interpretar o alcance do diploma de natureza especial que é o RFAI, não pode ser atribuída relevância, para este efeito, à norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, na parte em que se refere que não são «efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», apesar da pretensa natureza interpretativa que lhe foi atribuída.

Com efeito, não há qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento para 2016, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão «dedução à colecta de IRC» que consta de uma norma especial de um diploma avulso, como é o RFAI.

E, na falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil), que tem a justificação o facto de que «o regime geral não inclui a consideração das condições particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial». ( [15] )

De resto, foi o próprio legislador que, recentemente, através da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, veio reconhecer expressa e inequivocamente, com explícita intenção interpretativa declarada no seu artigo 233.º (constitucionalmente admissível na medida em que não for desfavorável aos contribuintes), que existem normas especiais de que resulta que deveriam ser feitas deduções ao montante apurado com as tributações autónomas, ao dar nova redacção ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC com o seguinte teor:

«21. A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado, ainda que essas deduções resultem de legislação especial.

 

Assim, se é certo que esta norma esclarece que é intenção legislativa que não sejam feitas deduções ao montante global apurado com as tributações autónomas, também o é que nela se reconhece que resultava de legislação especial que fossem feitas deduções, sendo esse, precisamente, o caso das normas que prevêem benefícios fiscais por dedução à colecta de IRC.

Mas, se dessas normas especiais resultava que fossem feitas deduções ao montante global apurado das tributações autónomas, é manifesto que não é compaginável com o princípio constitucional da proibição da retroactividade das normas que criem impostos (artigo 103.º, n.º 3, da CRP) o afastamento desse resultado por uma lei posterior, a todos os que, ao abrigo dessas leis especiais em que confiaram, criaram as condições para obter as deduções anunciadas legislativamente como resultado para os seus investimentos.

Para além disso, as referidas regras do RFAI têm em vista incentivar os sujeitos passivos de IRC a efectuarem investimentos no período previsto para a sua aplicação, pelo que, sendo o benefício fiscal uma contrapartida da adopção do comportamento legislativamente desejado e incentivado, seria incompaginável com o princípio constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP), não reconhecer a esses comportamentos os efeitos fiscais favoráveis previstos na lei vigente no momento em que eles ocorreram.

Na verdade, a interpretação da lei que aqui se faz, que se consubstancia em as deduções resultarem de lei especial que assegura a sua dedutibilidade à colecta de tributações autónomas, era algo com que os contribuintes tinham razões para razoavelmente contar, como evidencia a já abundante e maioritária jurisprudência arbitral que adopta esta interpretação, com o reconhecimento de constitucionalidade que lhe foi dado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017 e com a confirmação legislativa de que, em boa interpretação da lei, havia deduções a tributações autónomas que resultavam de legislação especial, que veio a ser imperativamente dada pela Lei n.º 114/2017.

Por isso, o n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, nas redacções da Lei n.º 7-A/2016 e da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, bem como os artigos 135.º da primeira e 233.º da segunda, que atribuíram natureza interpretativa às novas redacções, são materialmente inconstitucionais, por violação dos princípios da confiança e da proibição da retroactividade dos impostos, na medida em que sejam interpretados como afastando o direito à dedução à colecta de IRC derivada de tributações autónomas que resulta de investimentos abrangidos pelo RFAI, efectuados antes da entrada em vigor da primeira.

Pelo exposto, os elementos literal e racional relevantes para interpretação do artigo 3.º n.º 2, alínea a), do RFAI convergem no sentido de que as despesas de investimento nele previstas são dedutíveis «à colecta de IRC», independentemente da sua origem, pelo que é de concluir que não há fundamento para uma interpretação restritiva quanto a este benefício fiscal.

Por isso, aquelas despesas de investimento que a Requerente dispunha para beneficiar do RFAI são dedutíveis à globalidade dessa colecta, que engloba, para além, da derivada da tributação dos lucros em cada período fiscal, a que resulta de outras componentes da colecta, designadamente de tributações autónomas.

Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão, sendo ilegais a autoliquidação e o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, nas partes correspondentes.

Estas ilegalidades justificam a anulação da autoliquidação e da decisão de indeferimento do pedido de revisão, na parte em causa, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Sendo esta uma interpretação da lei efectuada por um Tribunal, no exercício da competência constitucionalmente atribuída aos tribunais para dirimir litígios, não se vê fundamento para a colocação da questão da violação do princípio da separação de poderes, que a Autoridade Tributária e Aduaneira aventa.

 

4. Reembolso dos montantes pagos

 

A Requerente pede o reembolso dos montantes que pagos a título de tributações autónomas no valor global de € 36.546,63 (€16.960,63 pago em 2011 + €19.586,00 pago em 2012).

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD restringe-se à apreciação da legalidade de actos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT, acrescida, quando há elementos seguros para tal, da apreciação dos pedidos de reembolso e de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida, apreciação esta que vem sendo pacificamente admitida pela jurisprudência no meio processual paralelo que é o processo de impugnação judicial.

No entanto, sendo a realização de reembolsos matéria própria da execução de julgados, só deverá haver condenação não quando essa realização for uma consequência necessária da anulação da liquidação e pode não o ser, quando haja possibilidade de a Administração Tributária, sem ofender o julgado, puder praticar um novo acto em substituição do anulado, dentro do prazo para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alíneas a) e d), do RJAT.

No caso em apreço, não se fez prova de que estejam reunidas todas as condições necessárias para a Requerente poder usufruir do benefício fiscal do RFAI nos exercícios de 2011 e 2012, designadamente as conexionadas com a regularidade da situação tributária, matéria sobre a qual nada foi alegado nem provado.

A isto acresce, quanto ao benefício fiscal do RFAI, que no documento n.º 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral se indicam montantes a reportar até aos anos de 2015 e 2016 e não se fez prova de que esses reportes não se tenham materializado em deduções à colecta de IRC de algum ou alguns dos anos posteriores a 2012, sendo certo que só pode haver lugar a reembolso se a sua utilização em anos posteriores a 2012 não tiver ocorrido.

Assim, sem prejuízo de o eventual direito a reembolso das quantias pagas relativas a tributações autónomas com referência aos exercícios de 2011 e 2012 dever ser apreciado em execução do presente acórdão, em sintonia com o aqui decidido, não pode ser julgado procedente o pedido de reembolso.

 

5. Juros indemnizatórios

 

A Requerente pede juros indemnizatórios calculados sobre a quantia das tributações autónomas que pagou nos anos de 2011 e 2012, no valor global de € 36.546,63 (€16.960,63 pago em 2011 + €19.586,00 pago em 2012).

O n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito a juros indemnizatórios quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06.

Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT».

Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa da autoliquidação ou pedido de revisão no prazo de dois anos previsto no artigo 131.º, n.º 1, do CPPT.

Nestes casos de revisão do acto tributário, o contribuinte não tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido, mas apenas a partir da data em que se completou um ano depois de ter apresentado o pedido de revisão do acto tributário, nos termos da referida alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, desde que o atraso não seja imputável à Administração Tributária.

Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 28-03-2016 e foi decidido por despacho datado de 21-02-2018.

É inequívoco, à face do que consta do processo administrativo, que o atraso é imputável à Administração Tributária, pois não houve intervenção da Requerente ou de terceiros que tenha provocado o atraso na decisão.

Assim, só pode ser reconhecido à Requerente direito a juros indemnizatórios ao abrigo daquela alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, a partir de 28-03-2017, quando se completou um ano após a apresentação do pedido de revisão ([16]).

Por isso, se antes de 28-03-2017 as referidas quantias do RFAI tiverem sido utilizadas para deduções à colecta de IRC (o que equivale ao seu reembolso), a Requerente não terá direito a juros indemnizatórios e, no caso contrário, a Requerente terá direito a juros indemnizatórios até ao reembolso da quantia de € 36.536.63 que pagou relativamente às tributações autónomas.

Os juros indemnizatórios são calculados sobre a quantia de € 36.546,63 e com base na taxa legal supletiva (artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril).

 

6. Decisão                      

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade da decisão da revisão oficiosa n.º...2016... e anular o respectivo despacho de indeferimento;
  2.  Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade da autoliquidação de IRC de 2012 na parte em que não foi aplicada a taxa reduzida de IRC de 10%, com fundamento em inaplicabilidade do benefício fiscal previsto no artigo 43.º, n.º 1, alínea b), do EBF ao exercício de 2012;
  3. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade das autoliquidações de IRC de 2011 e 2012 na parte em que não foi efectuada a dedução do valor dos benefícios fiscais do RFAI disponíveis ao montante das colectas de IRC derivadas de tributações autónomas, nos valores de, respetivamente, €16 960,63 e €19 586,00;
  4. Julgar improcedente o pedido de reembolso sem prejuízo de o direito dever ser apreciado em execução de julgado, nos termos do ponto 4 deste acórdão;
  5. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, nos termos do ponto 5 deste acórdão.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 236.546,63.

 

7. Custas

 

            Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 26-11-2018

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(Pedro Miguel Bastos Rosado)

 

 

 

 

(Isaque Marcos Lameiras Ramos)

 

 



[1]              Como se entendeu no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-6-2006, proferido no processo n.º 402/06.

[2]              BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado, 4.ª edição, página 100.

[3]              Essencialmente neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14-11-2007, proferido processo n.º 565/07.

[4]              Acórdão n.º 177/2016, de 29-3-2016, processo n.º 126/15.

[5]                     O n.º 6 do artigo 87.º do CIRC foi revogado pela Lei n.º 55/2013, de 8 de Agosto, depois dos exercícios de 2011 e 2012 que aqui estão em causa, mas, de qualquer forma, tem relevância para o efeito de demonstrar que, fora do âmbito das tributações autónomas, havia e há cálculos parciais de IRC com base em taxas especiais aplicáveis a determinadas matérias colectáveis.

[6]            Será materialmente inconstitucional, por violação da proibição constitucional da retroactividade dos impostos, que consta do n.º 3 do artigo 103.º da CRP, como entendeu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017.

[7]              BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 186.

[8]                     Actualmente apenas em relação a algumas tributações autónomas se poderá encontrar a natureza de normas antiabuso, pois, como ensina CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 543, «é, porém, evidente que o alargamento e agravamento de que tais tributações autónomas têm presentemente uma finalidade clara de obter mais receitas fiscais».

[9]              Como, por exemplo, a distribuição de pizzas ao domicílio nas cidades ou de correio nas zonas rurais, situações que já foram apreciadas em decisões arbitrais proferidas nos processos n. 628/2014-T e 553/2016-T.

[10]            Como bem se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 210/2013-T.

[11]            Como adiante se refere, tem-se constatado reiteradamente que a colecta primacial de IRC resultante directamente do lucro tributável é muito inferior à colecta global de IRC.

[12]                   Não se pode esquecer, neste contexto da identificação da natureza de um tributo, que, levando a análise ao limite, como ensinava o saudoso Prof. Doutor SALDANHA SANCHES, «o destinatário do imposto é sempre a pessoa singular - a tributação da sociedade comercial é instrumental e a sua tributação é sempre um pagamento por conta do imposto que mais tarde vai ser suportado pelo titular do capital da sociedade».

[13]                   Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2000, processo n.º 025446, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 501, páginas 150-153, em que se cita abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Supremo Tribunal de Justiça.

                Este Boletim do Ministério da Justiça está disponível em:

                http://www.gddc.pt/actividade-editorial/pdfs-publicacoes/BMJ501/501_Dir_Fiscal_a.pdf

[14]                   Este texto está disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/70E81137-189A-440E-AF11-88B4A6CC1C9A/0/Notas_Previas_IRC_20092011.pdf.

                De resto, há já vários anos que apenas uma minoria de contribuintes pagava IRC com base no lucro tributável do respectivo exercício, como se pode ver nos documentos estatísticos publicados em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/dgci/divulgacao/estatisticas/estatisticas_ir/:

      – 29% no período de tributação de 2010, em que cerca de 76% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.).;

      – 31% no período de tributação de 2009, em que de 77% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores;

      – 34% no período de tributação de 2008, em que 79% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores;

      – 36% no período de tributação de 2007, em que 80% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores.

 

                 

 

[15]                   OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral, página 260.

[16]            Pedida a revisão oficiosa do acto de liquidação e vindo o acto a ser anulado, na impugnação contenciosa do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia indevidamente paga.

                Neste sentido tem vindo a pronunciar-se reiteradamente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos: de 6-07-2005, processo n.º 0560/05; de 02-11-2005, processo n.º 0562/05; de 17-05-2006, processo n.º 016/06; de 24-05-2006, processo n.º 01155/05; de 02-11-2006, processo n.º 0604/06; de 15-11-2006, processo n.º 028/06; de 10-01-2007, processo n.º 523/06; de 17-01-2007, processo n.º 01040/06; de 12-12-2006, processo n.º 0918/06; de 15-02-2007, processo n.º 01041/06; de 06-06-2007, processo n.º 0606/06; de 10-07-2013, processo n.º 390/13; de 18-01-2017, processo n.º 0890/16; de 10-5-2017, processo n.º 01159/14.