Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 213/2018-T
Data da decisão: 2018-11-08  IRC  
Valor do pedido: € 1.052.316,49
Tema: IRC – Variações patrimoniais positivas – Coberturas de prejuízos.
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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

 

            Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos outros Árbitros), Prof. Doutor Rui Duarte Morais e Prof. Doutor Sérgio Vasques, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 10-07-2018, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

           

A..., S.A., contribuinte fiscal n.º..., com sede em ..., ...-... ..., Distrito de ..., (doravante abreviadamente designada por “A..." ou "Requerente"), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).

A Requerente pretende:

  1. a declaração da ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e juros compensatórios n.º 2017..., relativa ao exercício de 2014, da qual resultou um valor total de IRC e de juros compensatórios a pagar de € 1.052.316,49;
  2. a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) em indemnização pela apresentação de garantia indevida e, em concreto, pelas despesas incorridas pela Requerente com a emissão e manutenção da garantia bancária n.º..., emitida pelo B... CRL, em 16 de Abril de 2018, no montante global fixado de € 1.343.659,03, com vista à suspensão do processo de execução fiscal identificado com o n.º ...2018..., o qual foi instaurado na sequência da falta de pagamento voluntário da liquidação referida.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 27-04-2018.

Em 19-06-2018, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 10-07-2018.

A AT apresentou resposta em que defendeu que deve julgar-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 08-10-2018 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações facultativas.

As Partes apresentaram alegações.

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou a questão da intempestividade das alegações da Requerente.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Questão da intempestividade das alegações da Requerente

 

Foi fixado o prazo de 10 dias para alegações da Requerente.

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão da intempestividade das alegações da Requerente porque, «considerando que as partes foram notificadas por correio electrónico de 2018-10-08, tal notificação presume-se efectuada em 2018-10-11, terceiro dia posterior à data da elaboração e expedição do despacho, atendendo ao disposto no artigo 248.º do Código de Processo Civil vigente, aplicável ex vi do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do RJAT, em face da manifesta ausência de normas reguladoras da matéria neste último diploma».

No entanto, como se vê no processo, a notificação do despacho para alegações não foi efectuada por correio electrónico, mas sim enviada para o domicílio fiscal electrónico (ViaCTT), pelo que a notificação apenas se considera efectuada no «quinto dia posterior ao registo de disponibilização daquelas no sistema de suporte ao serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital ou na caixa postal eletrónica da pessoa a notificar», nos termos do artigo 39.º, n.º 10, do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT. 

Assim, tem de se entender que a notificação expedida em 08-10-2018, foi efectuada em 15-10-2018 (dia útil subsequente), pelo que as alegações da Requerente, apresentadas em 24-10-2018, foram apresentadas dentro do prazo de 10 dias que foi fixado.

Improcede, assim, a questão prévia suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

3. Matéria de facto

 

3.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade que tem como atividade principal o alojamento mobilado para turistas (CAE principal 552021) e como actividade secundária a compra e venda de bens imóveis (CAE secundário 68100) (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. No âmbito do exercício da sua actividade, a Requerente obteve financiamento junto de algumas instituições de crédito, entre as quais o consórcio bancário do C... (doravante “C...”) e a D... (doravante “D...”), na proporção de 40% e 60% (em conjunto abreviadamente designadas de “consórcio bancário”), com o qual celebrou os seguintes contratos:
  1. Contrato 1: E... SA, NIPC:..., com início em 14-06-2007, no montante global de € 18.000.000,00, em que cada sociedade ficou devedora de 50% desse montante, pelo prazo de 15 anos;
  2. Contrato 2: A..., com início em 31-10-2011, no montante global de € 1.177.500,00, pelo prazo de 12 anos;
  1. Para garantia do pagamento dos montantes relativos aos referidos financiamentos, a Requerente apresentou as seguintes garantias:
  1.  Contrato de financiamento 1: “Hipoteca voluntária a favor do C... e D..., na proporção de 40% e 60%, respetivamente, dos prédios identificados de 1 a 8 no documento complementar dois às escrituras (pelo valor máximo de € 13.531.500,00, para a tranche respeitante à A... de € 9.000.000,00) e livrança em branco com pacto de preenchimento associado, subscrita pela A... e avalizada por F..., NIF ... e G..., NIF:...”;
  2. Contrato de financiamento 2: “Hipoteca voluntária a favor do C... e D..., na proporção de 40% e 60%, respetivamente, dos prédios identificados de 1 a 9 no documento complementar dois às escrituras (pelo valor máximo de € 1.770.371,25); e livrança em branco com pacto de preenchimento associado, subscrita pela A... e avalizada por F..., NIF ... e G..., NIF:...”;
  1. Em 24-07-2013, o consórcio bancário cedeu os créditos de que era titular sobre a Requerente à sociedade H... S.A., sendo também cedidas as correspondentes garantias (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. À data de cessão de créditos, a Requerente era devedora ao C... e D..., dos montantes de € 4.343.986,18 e € 6.549.945,62, repartidos entre capital e juros remuneratórios vencidos e vincendos, devidos e não pagos, respetivamente, perfazendo um total devido de € 10.893.931,80, que se distribuem conforme o quadro seguinte:

 

  1. Pela cessão de créditos foi estipulado que a sociedade H... adquiria os mesmos ao C... e D... pelo preço de € 6.323.000,00, repartido da seguinte forma:

  1. Em 04-12-2013, a sociedade H... veio a adquirir 100% do capital social (€ 997.595,80) da Requerente, que era detido pelos seguintes sócios:

 (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  1. Na referida aquisição, foram transmitidas a totalidade das acções e cedidos os suprimentos e prestações acessórias, nos seguintes montantes:

  1. Foi acordado o preço de compra e venda das ações e de transmissão dos suprimentos e prestações acessórias no montante de € 980.782,94, conforme imputação que definiram:

  1. O preço acordado não foi pago pela H..., ficando a mesma devedora do mesmo na proporção de 60% e 40% às sociedades I... LDA e J...- SOCIEDADE IMOBILARIA E DE CONSTRUÇÃO S A, respetivamente, sendo os créditos de imediato cedidos à Requerente, a qual, como contrapartida, cedeu a estas sociedades, na mesma proporção, créditos no mesmo montante de € 980.782,94 que detinha sobre a sociedade K..., S.A., NIPC: ... (anteriormente denominada L..., S.A.);
  2. Em 30-06-2014, a Requerente estava numa situação de subcapitalização, atendendo a que tinha um valor negativo de capitais próprios de € 3.864.031,83, sendo o valor do capital social de € 997.595,80;
  3. Conforme consta do Relatório e Contas de 2014, em resultado das reservas do revisor oficial de contas constantes da Certificação Legal de Contas de 2013, as contas de 2013 tiveram que ser re-expressas, o que teve impacto nos capitais próprios da sociedade (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. A accionista única da Requerente convocou a Assembleia Geral, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 35.º do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”), com vista a adoptar as medidas adequadas a regularizar a situação da Requerente;
  5. Em 30-06-2014, é realizada Assembleia Geral pela Requerente sendo elaborada a Acta n.º 47, que consta do documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  6. Nessa Acta refere-se, além do mais, o seguinte:

Ponto Único: Deliberar sobre medidas a tomar nos termos e para os efeitos previstos no artigo 35º do CSC, considerando o disposto no artigo 35º/3 ("a) a dissolução da sociedade; b) a redução do capital social para montante não inferior ao capital próprio da sociedade, com respeito, se for o caso, do disposto no n.º 2 do artigo 95º; c) a realização pelos sócios de entradas para reforço da cobertura do capital) ou outras medidas propostas pelo Conselho de Administração;

A Sra. presidente da mesa declarou então aberta a sessão, entrando-se de imediato no Ponto Único da ordem de trabalhos. Tomou a palavra o administrador Dr. M... para informar a acionista única que, de acordo com o balanço datado de 30 de Junho de 2014, o Conselho de Administração verificou que se encontra perdido mais de metade do capital social da Sociedade. Com efeito, nesta data, o capital próprio da Sociedade tem um saldo negativo de € 3.864.031,83, sendo o respetivo capital social de € 997.595,80, pelo que urge tomar medidas adequadas para regularizar a situação. Passou então a apresentar a proposta do Conselho de Administração com o seguinte teor:

"Considerando que:

a) A conta 56 - resultados transitados - apresenta um saldo negativo de € 8.435.778,15;

b) A conta 253100101 - suprimentos 1 - regista um saldo de € 9.802.500,00 a favor da acionista única;

c) A conta 2722303001 - juros - regista um saldo negativo de € 1446333,82 a favor da acionista única;

c) A conta 53 regista € 1.246.994,77 como instrumentos de capitais próprios;

d) As regras fiscais e contabilísticas em vigor permitem o lançamento contabilístico de cobertura de prejuízos por incorporação de suprimentos, bem como a utilização de outros instrumentos de capitais próprios para o mesmo efeito,

Propõe-se que os montantes de € 3.479.500,00, € 1.446.333,82 e € 1.246.994,77 sejam debitados das contas 253100101, 2722303001 e 53 e creditados na conta 56, havendo consequentemente perda de parte dos créditos por suprimentos e prestações acessórias pela acionista única.

Considerando ainda que:

O capital social da Sociedade se apresenta excessivo em face da atividade e dos compromissos assumidos pela mesma, tanto mais considerando a manutenção de prejuízos, mesmo após a realização das operações contabilísticas acima propostas,

Propõe-se reduzir o capital social da SOCIEDADE, dos atuais € 997.595,80 para € 50.000,00, com a finalidade de cobertura de prejuízos, através da extinção de ações, passando o capital social a ser representado por 5.000.000 de ações, com o valor nominal unitário de € 0,01, alterando-se consequentemente o artigo Quinto, número Um dos estatutos da Sociedade, o qual passará a ter a seguinte redação:

Artigo Quinto

(...)

Um - O capital social, integralmente subscrito e realizado em dinheiro, é de EUR 50.000.00 (cinquenta mil euros), representado por 5.000.000 (cinco milhões) de acções nominativas, com o valor nominal de € 0,01 (um cêntimo) cada.

(...)

No final de todas estas operações, a conta 56 (resultados transitados) passará a apresentar um saldo negativo de € 1.315.353,76 e o capital próprio ascenderá a € 1.061.801,99, ficando assim sanada a perda de metade do capital social da SOCIEDADE, não obstante a subsistência de prejuízos."

O administrador Dr. M... referiu ainda que a operação de levar os juros de suprimentos, no valor de € 1.446.333,82, à conta de resultados transitados encontra-se suportada por relatório de revisor oficial de contas independente.

Como ninguém manifestou vontade de usar da palavra, passou-se de imediato à votação, tendo a proposta do Conselho de Administração sido aprovada por unanimidade, e os estatutos da Sociedade alterados em conformidade.

 

  1. Em 01-11-2014, a Requerente e a accionista única da Requerente formalizaram um contrato de suprimento relativo ao crédito remanescente (i.e. ao montante de crédito que não havia sido utilizado em Junho de 2014 para cobertura de prejuízos da Requerente) em virtude da alteração de algumas das condições contratuais inicialmente acordadas (contrato de suprimento junto com o pedido de pronúncia arbitral, como documento n.º 10, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Neste contrato refere-se além do mais, o seguinte:

a) A H... é titular da totalidade do capital social da sociedade A...;

b) A H... é detentora na presente data de um crédito total no valor de € 5.440.141,69 sobre a sociedade A...;

c) A H... tornou-se titular de parte do crédito referido no Considerando precedente em 24 de julho de 2013 (a "Data de Aquisição dos Créditos"), data em que celebrou com o C... uma escritura pública de "Cessão de Créditos" tendo por objeto a cessão de um crédito e respetivas garantias no valor de € 4.343.986,18 e, bem assim, uma outra escritura pública igualmente de cessão de créditos com D... tendo por objeto a cessão de um crédito e respetivas garantias no valor de € 6.549.945,62, num montante total de € 10.893.931.80;

d) A diferença entre o montante do crédito referido no Considerando b) supra e o valor de capital em dívida pela A... à Data de Aquisição dos Créditos resulta da contabilização de juros entretanto ocorrida no valor total de € 438.192.44, de uma conversão de créditos em Capital, para cobertura de prejuízos, no valor total de € 4.925.833,82 e de um acordo de compensação de créditos, no qual o crédito a que se refere a alínea c) é reduzido em € 966.148,73;

e) É pretensão da H... reforçar os meios financeiros da A... para que esta possa exercer a sua atividade, o que pretendem lazer pela conversão dos créditos que detém sobre esta em suprimentos.

É, livremente e de boa-fé, celebrado o presente contrato de suprimento, que as Partes ajustaram e reciprocamente aceitam, o qual se regerá pelas Cláusulas seguintes e pela legislação aplicável:

Cláusula Primeira

1. Pelo presente contrato, a H... concedem à A..., a título de suprimento, o montante de € 5.356.851,27 (o "Capital Mutuado"), do qual esta, por este meio, se declara devedora.

2. A realização do suprimento referido no número anterior efetivar-se-á com a assinatura deste Contrato através da conversão dos créditos que a H... detém sobre a A... .

3. A A... declara-se ainda devedora, na presente data, perante a H... do montante de € 83.290,42, referente aos juros contabilizados no âmbito dos empréstimos melhor identificados no Considerando C do presente Contrato.

Cláusula Segunda

1. O presente contrato de suprimento entra em vigor na presente data por um período inicial de 15 (quinze) anos, automaticamente renovável por dois períodos de 5 (cinco) anos a menos que denunciado por qualquer uma das Partes, mediante carta registada com aviso de receção dirigida à outra Parte, com uma antecedência de 30 (trinta) dias relativamente ao termo Inicial ou qualquer uma das suas renovações tendo, desta forma, um inequívoco carácter de permanência. A data da efetiva cessação do presente contrato constituirá a data de vencimento do Capital Mutuado ("Data do Vencimento Final").

2. Na Data do Vencimento Final a A... reembolsará a H... pelo montante Integral de € 5.356.851,27, sem prejuízo da obrigação do pagamento de juros, de acordo com o disposto na Cláusula Terceira do presente Contrato.

3. Sem prejuízo do disposto no número dois da presente Cláusula, a A... poderá amortizar, voluntária e antecipadamente, total ou parcialmente, o montante do Capital Mutuado, sem acarretar o pagamento de qualquer tipo de penalidade, em qualquer data, desde que notifique a H... com 48 (quarenta e oito) horas de antecedência, mas nunca antes de decorrido um ano a contar da data da prestação do suprimento.

(...)

 

  1. No tratamento contabilístico que foi dado pela Requerente, a operação de cobertura de prejuízos não concorreu para o apuramento do resultado líquido do período, tendo antes contribuído para o aumento dos capitais próprios da Requerente (em resultado do movimento a crédito dos resultados transitados) (lançamento contabilístico da operação de cobertura de prejuízos e Informação Empresarial Simplificada (“IES”) relativa ao exercício de 2014 que consta do documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. A Requerente debitou a conta do passivo 253100101 “Suprimento H..., S.A.” no valor de €3.749.500 e a conta do passivo 2722303001 “Juros a liquidar à H..., S.A.” por contrapartida de crédito na conta de resultados transitados (capital próprio) “56112 - Cobertura de prejuízos” (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. No tratamento fiscal dado pela Requerente à operação de coberturas de prejuízos em análise, não foi introduzida qualquer correção fiscal, por a Requerente entender ser de aplicar o artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC;
  4. Foi efectuada uma acção inspectiva à Requerente, ao abrigo das OI n.º 2015... para o ano de 2013 e a OI n.º 2015... para o ano de 2014;
  5. Nessa acção inspectiva foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III.1. CORREÇÕES A MATÉRIA COLETÁVEL

III.1.1. GANHOS NÃO REFLECTIDOS NO RESULTADO LÍQUIDO DO PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO

O sujeito passivo entregou a declaração de rendimentos modelo 22 de IRC referente ao ano 2013, dentro do prazo (2015-05-28), tendo declarado um resultado fiscal negativo de - 641.288,94 €.

Da análise efetuada aos elementos contabilísticos, nomeadamente, pela verificação da contabilidade do s.p. e validação dos movimentos efetuados na conta SNC "561121 - R.transit.-Cobertura de prejuízos anteriores a 2013" (conforme lançamento contabilístico que abaixo se transcreve e cujo documento de suporte conta em Anexo 1):

 

Com data contabilística de 30/06/2014, veio a A... a registar na sua contabilidade do ano de 2014 (lançado informaticamente, segundo o ficheiro SAF-T, em 12/11/2014), pelo lançamento contabilístico n.º 60020 no diário n.º 63, conforme documento de suporte mencionado, a operação que descreveu como "Cobertura de prejuízos para cumprimentos do Artº 35-º CSC".

Como suporte ao lançamento descrito, o s.p. dispõe da Acta n.º 47 da reunião da assembleia geral de 30/06/2014, conforme Anexo 2 - Folhas 1 a 2, na qual constatam os representantes da A... SA, NIPC: ... (doravante referida como A...), que face ao respetivo capital social de € 997.595.80 e ao capital próprio negativo de € 3.864.031,83, se encontra perdido mais de metade do capital social da sociedade, pelo que propõem, e cito,

"Propõe-se que os montantes de € 3.479.500,00, € 1.446.333.82 e € 1.246.994,77 sejam debitados das contas 253100101, 2722303001 e 53 e creditados na conta 56, havendo consequentemente perda de parte dos créditos por suprimentos e prestações acessórias pela acionista única.", propuseram ainda "...reduzir o capital social da SOCIEDADE, dos atuais € 997.595,80 para € 50.000,00, com a finalidade de cobertura de prejuízos...".

Consta ainda como documento adicional de suporte, o "RELATÓRIO DO REVISOR OFICIAL DE CONTAS NO ÂMBITO DA COBERTURA DE PREJUÍZOS POR INCORPORAÇÃO DE SUPRIMENTOS E OUTROS INSTRUMENTOSDE CAPITAL PRÓPRIO", conforme Anexo 3, menciona o mesmo no seu ponto 5., o seguinte: "Uma vez que o justo valor associado aos suprimentos supra referidos é de 6.323.000,00 Euros, e os mesmos se encontra registados na empresa por um valor nominal superior, o acionista único aprovou a perda de parte dos créditos e a incorporação dessa diferença directamente na rubrica de Resultados Transitados, tendo em vista a Cobertura de Prejuízos. Pretende-se assim que a rubrica do Passivo relativa a suprimentos passe a ficar apenas com 6.323 000,00 Euros e a relativa a juros a liquidar passe a ficar com um valor nulo. O diferencial, que o acionista único H... optou por aplicar na cobertura de prejuízos ao invés de manter como crédito, ascende assim a 4.925.833,82 Euros".

Refere o mesmo relatório, no ponto 6., que são transferidos para resultados transitados o montante de 1.246.994.77 relativos a prestações acessórias e é feita a redução do capital social de 997.595,80 Euros para 50.000,00 Euros com a finalidade de cobertura de prejuízos.

Importa portanto, enquadrar a origem dos valores aplicados.

Cedência de Créditos à H... devidos pela A... ao C... e D...:

1 Em 24/07/2013, por meio de escrituras públicas registadas no Cartório Notarial de N..., vieram as sociedades C... SA, NIPC: ... e D... SA, NIPC: ... (doravante referidas como C... e D..., respetivamente), ceder os respetivos créditos de que eram titulares sobre o s.p., à sociedade H..., conforme escrituras e documentos complementares que se juntam em Anexo 4 - Folhas 1 a 32;

2. Os créditos referidos resultam de dois contratos de empréstimo estabelecidos entre o consórcio bancário do C... e D..., na proporção de 40% e 60%, respetivamente, e a(s) sociedade(s):

a Contrato 1: E... SA, NIPC: ..., com início em 14/06/2007, no montante global de € 18.000.000,00, em que cada sociedade ficou devedora de 50% desse montante, pelo prazo de 15 anos;

b. Contrato 2: A..., com início em 31/10/2011, no montante global de € 1.177.500,00. pelo prazo de 12 anos.

3. À data de cessão de créditos, a A... era devedora ao C... e D..., dos montantes de € 4343.986,18 e € 6.549.945,62. repartidos entre capital e juros remuneratórios vencidos e vincendos, devidos e não pagos, respetivamente, perfazendo um total devido de € 10.893.931,80, que se distribuem conforme o quadro seguinte:

4. Pela cessão de créditos foi estipulado que a sociedade H... adquiria os mesmos ao C... e D... pelo preço de € 6.323.000,00, repartido da seguinte forma:

5. Nos termos do artigo 582.º do Código Civil, pela cessão dos créditos resultantes dos Contratos de Empréstimo 1 e 2 à H..., foram transmitidos todos os acessórios dos créditos, incluindo, sem limitar, juros remuneratórios e/ou moratórios, comissões e quaisquer outros montantes devidos, bem como todas as garantias dos créditos, incluindo as hipotecas e as livranças, seguintes:

Contrato 1:

Hipoteca voluntária a favor do C... e D..., na proporção de 40% e 60%, respetivamente, dos prédios identificados de 1 a 8 no documento complementar dois às escrituras (pelo valor máximo de € 13.531,500,00, para a tranche respeitante à A... de € 9,000.000,00);

Livrança em branco com pacto de preenchimento associado, subscrita pela A... e avalizada por F..., NIF: ... e G..., NIF:...;

i. Hipoteca voluntária a favor do C... e D..., na proporção de 40% e 60%, respetivamente, dos prédios identificados de 1 a 9 no documento complementar dois às escrituras (pelo valor máximo de € 1.770.371,25);

ii. Livrança em branco com pacto de preenchimento associado, subscrita pela A... e avalizada por F..., NIF: ... e G..., NIF:...;

6. Assim, por esta cedência de créditos, o C... e D... vêm a obter uma perda efetiva de € 4.570,931,80, pois cedem créditos no montante total de € 10.893.931,80 pelo preço de € 6.323.000,00, cedendo com este negócio todos os direitos e garantias (dadas por hipotecas e livranças com avais pessoais);

7. Por esta aquisição de créditos, a H... vem a obter um ganho de € 4.570.931,80, sendo € 3.479.500,00 relativos a capital e € 1.091.431,80 relativos a juros, pois adquirem créditos no montante total de € 10.893.931.80 pelo preço de € 6323.000,00, obtendo ainda com este negócio todos os direitos e garantias (dadas por hipotecas e livranças com avais pessoais);

8. A A... vê apenas mudar o detentor dos créditos de que é devedora no montante de € 10893.931,80, do C... e D... para a sociedade H..., mantendo todas as obrigações e garantias,

 

Compra da sociedade A...:

9 Em 04/12/2013, a sociedade H... veio a adquirir 100% do capital social (€ 997.595,80) da A..., conforme Anexo 5 - Folhas 1 a 26, o qual era detido, de acordo com a Certidão Permanente, pelos seguintes; sócios e com a seguinte distribuição:

NOTA: A sociedade I... SA, consta no cadastro da Autoridade Tributária (AT), como sendo uma sociedade limitada (LDA), mas consta no registo comercial como sociedade anónima (SA) desde o ano 2009.

10 Na referida compra, foram transmitidas a totalidade das ações e cedidos os suprimentos e prestações acessórias, nos seguintes montantes:

11. Pela mesma foi acordado o preço de compra e venda das ações e de transmissão dos suprimentos e prestações acessórias no montante de € 980.782,94, conforme imputação que definiram:

12. O preço acordado não foi pago pela H..., ficando a mesma devedora do mesmo na proporção de 60% e 40% às sociedades I... LDA e J...- SOCIEDADE IMOBILARIA E DE CONSTRUÇÃO SA, respetivamente, os quais foram de imediato cedidos à A..., a qual, como contrapartida, cedeu a estas, na mesma proporção, créditos no mesmo montante de € 980 782,94 que detém sobre a sociedade K..., S.A., NIPC: ... (anteriormente denominada L..., S.A.), ou seja, na prática a H... ficou devedora à A... do montante de € 980.732,94 e a sociedade K..., SA, ficou devedora, na proporção de 60% e 40% às sociedades I... LDA e J... SA, respetivamente, do mesmo montante;

13. Assim os montantes lançados a crédito da conta 56112 têm a seguinte origem:

a. O montante de € 3.479.500,00, debitado na conta 253100101, é o equivalente ao ganho em capital obtido pela H... na aquisição dos créditos devidos pela A... ao C... e D...;

b. O montante de € 1 446.333,82, debitado na conta 2722303001, resulta da soma do equivalente ao ganho em juros obtido pela H... na aquisição dos créditos devidos pela A... ao C... e D... no montante de € 1.091.431,80, com os juros vencidos e não pagos contabilizados pela A... entre 24/07/2013 e 30/06/2014 (período compreendido entre a aquisição dos créditos devidos pela A... ao C... e D... pela H... e a data de referência utilizada na cobertura de prejuízos) no montante de € 354.902,02;

c O montante de € 947.595,80, debitado na conta 511, resulta da redução do capital social de € 997.595,80 para € 50.000,00;

d. O montante de € 1.246.994,77 debitado nas contas 53201 e 53202 (€ 748.196,86 e € 498.797,91, respetivamente), refere-se a prestações acessórias.

Questionada a A... quanto ao enquadramento fiscal em IRC da operação de cobertura de prejuízos, veio o s.p., conforme Anexo 6 - Folhas 1 a 5, remeter a sua posição, na qual considera que a cobertura de prejuízos deliberada e levada a cabo, consubstancia uma variação patrimonial positiva, que ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC, não concorre para a determinação do lucro tributável.

Acrescenta que, "Nesse mesmo sentido, se pronunciou a Direção Geral dos impostos na Ficha Doutrinária emitida no âmbito do processo n.º 3330/04, com despacho concordante do Sr. Subdirector-Geral do Impostos, de 13 de outubro de 2005, segundo a qual "A transferência do crédito de um sócio para Capital Social ou para Resultados Transitados com vista à anulação do crédito que detém sobre a empresa representa, no primeiro caso, uma entrada de capital em espécie, com correspondente aumento do capital social e, no segundo caso, a cobertura de parte dos prejuízos acumulados".

Vem ainda referir que "este entendimento já foi defendido pela jurisprudência, através do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 14 de abril de 2012, proferido no âmbito do processo n.º 05315/12, nos termos do qual a cobertura de prejuízos é fiscalmente neutra no momento da sua realização para a empresa participada que dela beneficia".

Alega ainda que igual entendimento parece perfilhado pela AT no Despacho de 1998-02-23 - Processo: 2193/96.

Entende também que a introdução do n.º 8 do artigo 46.º do CIRC, apenas veio dar expressão ao entendimento que defende a relevância fiscal de coberturas de prejuízos somente no momento da transmissão ou extinção das participações sociais.

Considera ainda, que a operação não pode ser enquadrada como um perdão de dívida, conforme regime previsto nos artigos 863.º a 867.º do Código Civil, porque para tal era necessário um acordo entre credor e devedor, conforme conclusão que retira dos Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 03 de março de 2015, referente ao processo n.º 123/11.0TBIND.C1 e de 02 de março de 2006, referente ao processo n.º 3900/05. A este respeito vem anda invocar o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13 de março de 2007, referente ao processo n.º 01576/07.

Porém, na data de aquisição dos créditos ao C... e D..., ocorrida a 24/07/2013, a H... não era sócia da A...: situação que apenas veio a ocorrer em 04/12/2013 com a aquisição de 100% do capital da A..., mas cujo valor de compra não veio a ser pago, mas sim compensado nesses créditos e transformados em suprimentos em 01/11/2014, conforme contrato em Anexo 7 - Folhas 1 a 3;

Com a cedência em 24/07/2013 de créditos do C... e D... à H..., mantiveram-se as condições e garantias dos empréstimos, vindo a H... a adquirir créditos no montante de € 10.893.931,80. por um valor substancialmente inferior no montante de € 6.323.000,00, obtendo com essa aquisição um ganho de € 4 570 931,80 (€ 3.479.500,00 em capital e € 1.091.431,80 em juros).

Embora seja feita referência à aplicação de suprimentos e juros de suprimentos na cobertura de prejuízos, tal não é correto, pois o lançamento contabilístico, a acta n.º 47 e relatório do ROC, são referentes à data de 30/06/2014 e o contrato de suprimentos apenas ocorre em 01/11/2014 (vindo este a alterar substancialmente as condições e garantias, em especial a taxa de juro superior), pelo que a aplicação feita é de parte do empréstimo da A..., adquirido pela H... ao C... e D... e respetivos juros do empréstimo.

As sociedades H... e A... estão à data da operação de cobertura de prejuízos (30/06/2014) numa situação de relações especiais, pois com a aquisição de 100% do capital social da A... pela H... (04/12/2013), colocam-se as sociedades nessa situação.

Não se tratou de uma entrega de sócios, com o objetivo de realizar a dita cobertura de prejuízos em 30/06/2014, mas sim da utilização do ganho obtido pela H..., na aquisição da dívida já existente ao C... e D... em 24/07/2013, por valor inferior em € 4.570.931,80 (€ 3.479.500,00 em capital e € 1.091.431,80 em juros), em momento anterior da sua passagem à condição de acionista único (que veio a ocorrer em 04/12/2013), e da utilização dos juros acrescidos à contabilidade da A... referentes ao período entre 24/07/2013 e 30/06/2014, resultante da manutenção das condições dos empréstimos cedidos, que ascenderam a € 354 902,02.

Na acta n.º 47 e no relatório do ROC, é referida a perda dos créditos da acionista único H..., parte deles coincidentes com o ganho obtido por esta na aquisição dos créditos (€ 3.479.500.00 em capital e € 1.091.431,80 em juros).

À data da operação de cobertura de prejuízos, os créditos aplicados referem-se aos do empréstimo da H... (pela tomada de posição nos empréstimos concedidos pelo C... e D...), nas mesmas condições inicialmente contratadas, sobre os quais, mediante a acta n.º 47 da reunião da assembleia geral da A... de 30/06/2014, na qual estavam presentes, além do presidente e secretário da mesa da assembleia geral (O... e P..., respetivamente), os membros do conselho de administração da sociedade (M... (Presidente), Q... (Vogal) e R... (Vogal)), foi deliberado pelos representantes do sócio único H... (M..., Q... e R...), simultaneamente na condição de sociedade participante e sociedade participada, empresa mãe e empresa filha, aceitar conceder uma perda de créditos detidos pela H... sobre a A..., de modo a que esta os aplicasse em resultados transitados, cobrindo assim parte dos prejuízos acumulados por esta.

A perda de créditos reconhecida e aceite pela H... na acta de assembleia geral da A..., resulta, não de um montante entregue sob a forma de suprimentos pela sócia H..., mas sim do perdão de parte do empréstimo (no mesmo montante que a própria H... beneficiou) e respetivos juros desses empréstimos, que a H... adquiriu enquanto investidora e não como sócia, conforme a H... notificou a A..., para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 583.º do Código Civil, pelo menos dos créditos cedidos pelo C..., em Anexo 8 - Folhas 1 a 2.

Aliás, sendo esse investimento, prévio à condição de sócia, o nascimento da obrigação da A... para com a H... ocorre antes da passagem desta à condição de sócia e, tendo sido inclusive, mantidas as condições contratuais iniciais dos empréstimos (Anexo 9), conforme se comprova e reforça com a contabilização de juros na A... (como acréscimos de custos) entre 24/07/2013 e 01/11/2014 (data em que convertem, mediante contrato o empréstimo em suprimentos), em Anexo 10 - Folhas 1 a 4, mais fica demonstrado que a perda acordada, representa um ganho de financiamento, não tributado em IRC na Modelo 22 do ano 2014 entregue pela A... .

Logo, estamos na presença de um efetivo perdão de dívida, cuja movimentação contabilística, foi efetuada de modo a apresentar-se como podendo beneficiar do estipulado na alínea a) do n.º 1 do artigo 21 º do CIRC, mas que de facto procura evitar a tributação em IRC de um ganho financeiro associado ao perdão de parte de um empréstimo e respetivos juros, pela movimentação a crédito da conta de resultados transitados (56112), ao invés de o fazer numa conta de proveitos, sendo que com isso, não foram os respetivos ganhos refletidos no apuramento do resultado líquido do período tributável de 2014, beneficiando a A... da não tributação em IRC do montante de € 4.925.833,82;

Assim, nos termos do artigo 21.º do CIRC, por não ser considerada exceção à concorrência para a formação do lucro tributável, as variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido do período de tributação, resultam correções em IRC de € 4.925.833,82, a efetuar no campo 702 (variações patrimoniais positivas) do quadro 07 da modelo 22 de IRC, do período de 2014, conforme resulta do cálculo do lançamento em causa e se demonstra:

Devido a esta correção, o imposto a pagar relativo ao ano de 2014, é substancialmente alterado, passando o s.p de uma situação de prejuízo fiscal para um situação de lucro tributável, pelo que nos termos do n.º 1 do artigo 52.º do CIRC (em vigor à data dos factos pela redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro), os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos 12 períodos de tributação posteriores.

No entanto, nos termos do n.º 8 do artigo 52.º do CIRC, o previsto no n.º 1 deixa de ser aplicável quando se verificar, à data do termo do período de tributação em que é efetuada a dedução, que, em relação àquele a que respeitam os prejuízos, se verificou a alteração da titularidade de mais de 50 % do capital social ou da maioria dos direitos de voto, significando isso, que ao lucro tributável agora apurado para o ano de 2014, apenas é deduzido o prejuízo fiscal apurado no ano de 2013, conforme se demonstra nos quadros seguintes, referentes ao apuramento da Matéria Coletável e IRC a pagar no ano de 2014:

(...)

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO

(...)

Ponto 2. - DO PROJETO DE RELATÓRIO E DAS CORREÇÕES PROPOSTAS PELOS SIT

Quanto à correção proposta em sede de IRC, da qual resulta um aumento do lucro tributável em € 4 925 833,82, por se considerar que a movimentação contabilística a que o s.p. intitulou de "cobertura de prejuízos", constituiu um efetivo ganho financeiro associado ao perdão de parte de um empréstimo e respetivos juros (perdão de dívida), vem o s.p. considerar que a mesma é passível de beneficiar do estipulado na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC, qualificando a referida correção de ilegal, requerendo que a mesma seja revogada do relatório final.

 

Ponto 2.1 - Ponto prévio: Dos equívocos na origem das correções de IRC propostas pelos SIT

O s. p aponta, conforme repetidamente refere nos parágrafos 24.º, 25.º, 38.º, 41.º. 48.º, 51.º, 52.º e 53.º do exercício do direito de audição, que a correção proposta se deve a mal entendido na análise dos factos, de equívocos na análise da factualidade, de erros de consideração e inconsistências, e/ou de interpretação não atendível da alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC, considerando que as conclusões da AT carecem de sentido, de justificação válida e de fundamento legal, entendendo por isso que a correção proposta resulta de erro sobre os pressupostos de facto e na subsunção dos factos às normas jurídicas aplicáveis à matéria em causa.

Tais erros, inconsistências, equívocos ou mal entendidos, conforme devida explicação no ponto III. do projeto de relatório, não ocorreram. Ainda assim, voltaremos a abordar as principais questões afloradas pelo s.p., de forma a demonstrar de modo ainda mais inequívoco que a correção proposta é justificada e se encontra fundamentada:

 

1. SUPRIMENTOS

O s.p. continua a pretender fazer crer que, a operação contabilística a que chamou cobertura de prejuízos fiscais, foi feita por meio de aplicação de suprimentos, quando já se evidenciou no projeto de relatório, que à data de 30/06/2014, não existia nenhum contrato de suprimentos ativo entre a A... e a H..., sendo que apenas veio a ser constituído tal contrato em 01/11/2014.

A este respeito - o contrato de suprimentos - o s.p. vem, erradamente, concluir no parágrafo 41º do exercício desse direito de audição, que os Serviços de Inspeção Tributária consideram que os créditos detidos pela H... foram (pelo valor agregado de € 10.893.931,80) convertidos em suprimentos em 01/11/2014, sendo que na página 13 do projeto de relatório, nada foi referido quanto ao montante estipulado para efeitos do contrato de suprimentos, o qual se juntou inclusive em Anexo 7 - Folhas 1 a 3.

Aliás, a referência ao dito contrato de suprimentos, tem importância para a apreciação da situação, não pelo seu valor, mas pela data em que foi constituído e em que converte a dívida da A... à H... em suprimentos, deitando por terra todas as referências que o s.p. faz a suprimentos sempre que, pretende configurar a operação contabilística ocorrida a 30/06/2014, como uma cobertura de prejuízos por incorporação de suprimentos (os quais apenas passam a existir em 01/11/2014, data em que é celebrado o contrato que converte o crédito não perdoado em suprimentos), como é o caso do que refere nos parágrafos 20.º, 30.º, 36.º e 42.º do exercício do direito de audição.

 

2. H...

Nos parágrafos 26.º, 27.º, 32.º e 35.º do exercício do direito de audição, o s.p. vem argumentar que a qualidade da H... no momento da cessão de créditos detidos pelo consórcio (C.../D...) sobre a A...- que atuou como investidora, pois não era sócia nessa data - não deve relevar para a análise da operação em questão, argumentando que apenas deve relevar a qualidade de sócia à data da operação alvo da correção.

Correndo o risco de nos repetirmos, importa voltar a frisar que, sendo o investimento da H..., ao adquirir em 24/07/2013 os créditos detidos pelo consórcio (C.../D...) sobre a A..., prévio à condição de sócia, que apenas ocorre em 04/12/2013 por aquisição das quotas da A..., é nessa data que se dá o nascimento da obrigação da A... para com a H..., o qual ocorre antes da passagem desta à condição de sócia e, tendo sido inclusive, mantidas as condições contratuais iniciais dos empréstimos, pelo que a perda de créditos acordada em 30/06/2014, representa um ganho de financiamento, não tributado em IRC no ano 2014 e não uma cobertura de prejuízos ao abrigo da exclusão da alínea a) do n.º 1 do artigo 21º do CIRC.

Importa referir que a H... foi criada em 19/12/2012, com um capital social de € 50.000,00, tendo por objeto social (entre outros) a aquisição, gestão de créditos e gestão de ativos imobiliários, sendo que investiu na aquisição por € 6.323.000,00, da totalidade dos créditos detidos pelo C.../D... sobre a A... em 24/07/2013, com recurso a financiamento, dado que o seu capital próprio não o permitia fazer diretamente.

A H..., em 04/12/2013, adquiriu 100% do capital da A..., mas cujo valor de compra não veio a ser pago, mas sim compensado nos créditos adquiridos ao consórcio bancário, conforme contrato em Anexo 7 - Folhas 1 a 3.

 

3. OS CRÉDITOS

O s.p. entende ser irrelevante a caracterização do crédito que deu origem à operação contabilística em causa, procurando retirar relevância ao surgimento da dívida da A... para com a H..., e sempre, procurando tentar qualificar o crédito perdoado como um suprimento efetuado pela sócia H..., conforme argumenta nos parágrafos 29.º, 30.º, 31.º, 36.º a 44.º e 49.º do exercício do direito de audição.

Conforme já se mencionou, por várias vezes, à data de 30/06/2014, o s.p. registou na sua contabilidade uma operação contabilística que leva à conta de resultados transitados, um perdão de parte de um empréstimo e respetivos juros, a que chamou "cobertura de prejuízos", procurando fazer crer que tal perdão tem origem num suprimento da sócia H... e não num contrato de financiamento, adquirido por esta ao dito consórcio (C.../D...). No entanto, só existe um contrato de suprimentos em data posterior à operação contabilística em causa, invalidando que essa tenha sido a sua origem.

Assim, tal perdão de dívida e não de suprimentos, conforme acordado na Acta n.º 47 (Anexo 2 - Folhas 1 a 2) e confirmado no relatório do ROC (Anexo 3), representa de facto um ganho de financiamento, que ao não ser considerado pelo s.p. como rendimento ou ganho nos termos do artigo 20.º do CIRC, por pretender este beneficiar do disposto na exclusão da alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC, procura evitar a tributação em IRC no ano 2014.

 

4. COBERTURA DE PREJUÍZOS

O s.p. enquadra a operação contabilística registada como "cobertura de prejuízos para cumprimento do Art.º 35º CSC", vindo, como esperado, sempre que se refere à operação, referi-la nesse termos, conforme parágrafos 15.º, 16.º, 18.º, 20.º, 24 º, 27.º, 28º, 30.º, 31.º, 32.º, 34.º, 35.º, 36º, 38.º. 39.º, 40.º, 42.º, 44,º. 46.º, 48.º, 49.º, 50.º e 51.º do exercício do direito de audição, susceptível de beneficiar do disposto na exclusão da alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC.

No entanto, conforme já referido, não se tratou de uma entrega de sócios, com o objetivo de realizar a chamada cobertura de prejuízos em 30/06/2014, mas sim do lançamento contabilístico em resultados transitados, de iguais ganhos obtidos pela H..., na aquisição da dívida já existente ao consórcio (C.../D...) em 24/07/2013, por valor inferior em € 4.570,931,80 (€ 3.479.500,00 em capital e € 1.091.431,80 em juros), e de juros acrescidos aos gastos da A... referentes ao período entre 24/07/2013 e 30/06/2014 (resultantes da manutenção das condições dos empréstimos cedidos, que ascenderam a € 354.902,02), procurando, por essa via, evitar a tributação em IRC desses ganhos de financiamento, colocando-os sob o chapéu de "cobertura de prejuízos".

Aliás, tivessem esses ganhos sido levados ao apuramento de resultados do ano de 2014, poderiam posteriormente, tais resultados, ser levados, por meio de ato de gestão da A..., a resultados transitados, indo dessa forma atenuar a subcapitalização da sociedade invocada como motivo de realização da operação contabilística chamada de "cobertura de prejuízos".

Salienta-se ainda o facto de que na mesma operação contabilística, foram levados a resultados transitados o montante de € 1.246.994.77 relativos a prestações acessórias e foi feita a redução do capital social de € 997.595,80 para € 50.000,00 com a mesma finalidade, sem que tais movimentos tivessem sido colocados em causa.

 

5. PARÁGRAFO 45.º e 46.º

O s.p. refere nos parágrafos 45.º e 46.º do exercício do direito de audição que a decisão de gestão da A... de definição da estrutura de capital da sociedade face à situação de perda de metade do capital social, teve por base "informação idónea, designadamente, a informação constante do Relatório elaborado peto ROC" conforme consta em Anexo 3.

No entanto, tal informação idónea menciona no seu ponto 5., o seguinte: "Uma vez que o justo valor associado aos suprimentos supra referidos é de 6.323.000,00 Euros, e os mesmos se encontra registados na empresa por um valor nominal superior, o acionista único aprovou a perda de parte dos créditos e a incorporação dessa diferença directamente na rubrica de Resultados Transitados, tendo em vista a Cobertura de Prejuízos. Pretende-se assim que a rubrica do Passivo relativa a suprimentos passe a ficar apenas com 6.323.000.00 Euros e a relativa a juros a liquidar passe a ficar com um valor nulo. O diferencial, que o acionista único H... optou por aplicar na cobertura de prejuízos ao invés de manter como crédito, ascende assim a 4.925.833,82 Euros.".

Ou seja, também o ROC qualifica indevidamente como suprimentos, os créditos que a H... adquiriu ao consórcio (C.../D...) e aprovou perder em favor da A..., vindo a considerar indevidamente que seria de aplicar esse perdão diretamente em resultados transitados - evitando a tributação em IRC - assim, o ganho que a H... obteve aquando da aquisição dos créditos ao referido consórcio, seria desta forma transferido para a esfera da A... sob a forma de capitalização da sociedade, sem que tal rendimento fosse tributado em IRC.

 

6. PARÁGRAFO 48.º

O s.p. considera pelo que refere no parágrafo 48.º do exercício do direito de audição, estar justificada a racionalidade económica e o contexto da operação. Acrescenta ainda que considera que a correção proposta pela Inspeção Tributária carece de sentido e de fundamento legal.

Conforme foi amplamente exposto e detalhado, quer no ponto III. do projeto de relatório e seus anexos, quer agora nesta análise ao exercício do direito de audição, a correção proposta está concretamente descrita, contextualizada e comprovada, bem como apresenta a devida fundamentação legal à proposta de correção.

Ainda assim, correndo o risco de nos voltarmos a repetir, mas de forma sucinta, o perdão de dívida, representa de facto um ganho de financiamento, que ao não ser considerado pelo s.p. como rendimento ou ganho nos termos do artigo 20.º do CIRC, por considerar o s.p. que essa operação pode beneficiar do disposto na exclusão da alínea a) do n.º 1 de artigo 21.º do CIRC, procura evitar a tributação em IRC no ano 2014, do valor do perdão de dívida no montante de € 4.925.833,82.

Assim, tal montante, ao não poder beneficiar de tal exclusão, concorre para a formação do lucro tributável, pelo que ao não ser acrescido ao Quadro 07 da Modelo 22 do ano de 2014 em variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido do período de tributação, está a infringir o disposto no artigo 21.º do CIRC, sendo tal infração punível pelo disposto no n.º 1 do Artigo 119.º e n.º4 do Artigo 26.º do RGIT.

 

7. PARÁGRAFOS 50.º e 51.º

O s.p. vem alertar os Serviços de Inspeção Tributária pelo que refere nos parágrafos 50.º e 51.º do exercício do direito de audição, que o pagamento do imposto resultante da tributação da operação em causa "influi nas decisões de gestão" e é "suscetível de condicionar, de forma absolutamente relevante as decisões de gestão".

A este respeito, com a devida justiça, será de referir que qualquer sociedade que pague os impostos devidos, está, acima de tudo, a cumprir com as suas obrigações fiscais, que obviamente influenciam as decisões de gestão, mas que a colocam em situação de igualdade perante as restantes sociedades cumpridoras.

 

8. PARÁGRAFO 52.º

O s.p. vem resumir as suas considerações no parágrafo 52.º do exercício do direito de audição, referindo-se às conclusões apresentadas pelos Serviços de Inspeção Tributária no Projeto de Relatório como justificadas por uma "tese", assente em erros e inconsistências, resultantes "de erro sobre os pressupostos de facto e na subsunção dos factos às normas jurídicas aplicáveis nesta matéria".

Ora, os Serviços de Inspeção Tributária, cingiram-se aos factos apurados e constatados durante o procedimento inspetivo levado a cabo, os quais estão documentados na contabilidade do s.p. e em documentação por este fornecida como complemento (a qual se encontra em anexo ao relatório).

Foram esses factos evidentes, e não presunções, que permitiram fazer o devido enquadramento da operação a que o s.p chamou de "cobertura de prejuízos" face ao disposto no artigo 21º do CIRC e em especial à alínea a) do seu n.º 1.

Tal enquadramento, contrário ao do que o s.p. considera ser aceitável, aponta para que a operação não possa beneficiar da exclusão da alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC, senão vejamos:

Na data de aquisição dos créditos ao consórcio (C.../D...), ocorrida a 24/07/2013, a H... não era sócia da A..., situação que apenas veio a ocorrer em 04/12/2013 com a aquisição de 100% do capital da A..., mas cujo valor de compra não veio a ser pago, mas sim compensado nesses créditos, conforme contrato em Anexo 7 - Folhas 1 a 3.

Com a cedência em 24/07/2013 de créditos do dito consórcio à A..., mantiveram-se as condições e garantias dos empréstimos, vindo a H... a adquirir créditos no montante de € 10.893.931,80, por um valor substancialmente inferior no montante de € 6.323.000,00, obtendo com essa aquisição um ganho de € 4.570.931.80 (€ 3.479.500,00 em capital e € 1.091.431,80 em juros).

Embora seja feita referência à aplicação de suprimentos e juros de suprimentos na "cobertura de prejuízos", tal não é correto, pois o lançamento contabilístico, a Ata n.º 47 e relatório do ROC, são referentes à data de 30/06/2014 e o contrato de suprimentos apenas ocorre em 01/11/2014 (vindo este a alterar substancialmente as condições e garantias, em especial a taxa de juro superior), pelo que a aplicação feita é de parte do empréstimo da A..., adquirido pela H... ao consórcio e respetivos juros do empréstimo

Não estamos na presença de uma entrega de sócios, com o objetivo de realizar a dita "cobertura de prejuízos" em 30/06/2014, mas sim da contabilização diretamente em resultados transitados - procurando evitar por essa via a tributação em IRC - de um perdão de dívida no montante de € 4.925.833,82, que obteve pela soma de iguais ganhos obtidos pela H..., na aquisição da dívida já existente ao consórcio em 24/07/2013, por valor inferior em € 4.570,931,80 (€ 3.479.500,00 em capital e € 1.091.431,80 em juros), em momento anterior da sua passagem à condição de acionista único (que veio a ocorrer em 04/12/2013), e dos juros acrescidos à contabilidade da A... referentes ao período entre 24/07/2013 e 30/06/2014, resultante da manutenção das condições dos empréstimos cedidos, que ascenderam a € 354.902,02.

A Ata n.º 47 e o relatório do ROC referem a perda dos créditos da acionista único H..., parte deles coincidentes com o ganho obtido por esta na aquisição dos créditos ao consórcio (€ 3479.500,00 em capital e € 1.091.431.80 em juros).

À data da operação em causa, os créditos aplicados referem-se aos do empréstimo da H... (pela tomada de posição nos empréstimos concedidos pelo consórcio bancário C.../D...), nas mesmas condições inicialmente contratadas, sobre os quais, mediante a Ata n.º 47 da reunião da assembleia geral da A... de 30/06/2014, na qual estavam presentes, além do presidente e secretário da mesa da assembleia geral, os membros do conselho de administração da sociedade, foi deliberado pelos representantes do sócio único H..., simultaneamente na condição de sociedade participante e sociedade participada, empresa mãe e empresa filha, aceitar conceder uma perda de créditos detidos pela H... sobre a A..., de modo a que esta os aplicasse em resultados transitados, cobrindo assim parte dos prejuízos acumulados por esta.

A perda de créditos reconhecida e aceite pela H... na Ata de assembleia geral da A..., resulta, não de um montante entregue sob a forma de suprimentos pela sócia H..., mas sim do perdão de parte do empréstimo (no mesmo montante que a própria H... beneficiou) e respetivos juros desses empréstimos, que a H... adquiriu enquanto investidora e não como sócia.

Aliás, sendo esse investimento, prévio à condição de sócia, o nascimento da obrigação da A... para com a H... ocorre antes da passagem desta a condição de sócia e, tendo sido inclusive, mantidas as condições contratuais iniciais dos empréstimos, mais fica demonstrado que a perda acordada, representa um ganho de financiamento da A..., não tributado em IRC na Modelo 22 do ano 2014.

Logo, repetindo a conclusão já retirada, estamos na presença de um efetivo perdão de dívida, cuja movimentação contabilística, foi efetuada de modo a apresentar-se como podendo beneficiar do estipulado na alínea a) do n.º 1 do artigo 21,º do CIRC, mas que de facto procura evitar a tributação em IRC de um ganho financeiro associado ao perdão de parte de um empréstimo e respetivos juros, pela movimentação a crédito da conta de resultados transitados (56112), ao invés de o fazer numa conta de proveitos, sendo que com isso não foram os respetivos ganhos remetidos no apuramento do resultado liquido do período tributável de 2014, beneficiando a A... da não tributação em IRC do montante de € 4.925.833,82;

 

Ponto 2.2.1 - Da ilegalidade das correções propostas em sede de IRC por violação do artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC

Vem o s.p. apresentar, nos parágrafos 58.º a 54.º do exercício do direito de audição, o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC, bem como fazer referência à ficha doutrinária relativa ao processo n.º 3300/04, com despacho de 13/10/2005 e ao despacho de 23/02/1998, proferido no âmbito do processo n.º 2193/96, pretendendo com isso demonstrar que, no caso em apreço, estamos perante idêntica situação, considerando será mesma passível de beneficiar do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC.

No entanto, conforme já tivemos oportunidade de mencionar, não estamos na presença de uma entrega de sócios, com o objetivo de realizar a dita "cobertura de prejuízos" em 30/06/2014, mas sim da contabilização diretamente em resultados transitados de um perdão de dívida no montante de € 4.925.833,82, que obteve pela soma de iguais ganhos obtidos pela H..., na aquisição da dívida já existente ao consórcio em 24/07/2013, por valor inferior em € 4.570.931,80 (€ 3.479.500,00 em capital e € 1.091 431,80 em juros), em momento anterior da sua passagem à condição de acionista único (que veio a ocorrer em 04/12/2013), e dos juros acrescidos à contabilidade da A... referentes ao período entre 24/07/2013 e 30/06/2014, resultante da manutenção das condições dos empréstimos cedidos, que ascenderam a € 354.902,02, estando portanto, impossibilitada tal operação contabilística efetuada pelo s.p., de poder beneficiar do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 21º do CIRC.

Salienta-se ainda o facto de que na mesma operação contabilística foram levados a resultados transitados o montante de € 1.246.994.77 relativos a prestações acessórias e o montante de € 947.595,80 relativos à redução do capital social de € 997.595,80 para € 50.000,00, sem que tais movimentos tivessem sido colocados em causa, pois estes sim, reúnem as condições para beneficiar do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC.

Vem ainda o s.p. referir a propósito da operação em causa, nos parágrafos 65.º a 73.º do exercício do direito de audição, a doutrina e jurisprudência que considera ser aplicável ao seu caso concreto, fazendo por isso referência ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), de 17/04/2012, relativo ao processo n.º 05315/12, ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCA Norte), de 10/03/2016, relativo ao processo n.º 00958/11.4BEAVR, bem como ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 18/06/2013, relativo ao processo n.º 01265/12.

A este propósito será de referir que não possuem os Serviços de Inspeção Tributária o poder de um tribunal, pelo que a existência de uma jurisprudência poderá afetar o modo pelo qual futuros tribunais decidirão casos abarcados pela mesma.

  1. Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e juros compensatórios n.º 2017..., relativa ao exercício de 2014, da qual resultou um valor total de IRC e de juros compensatórios a pagar de € 1.052.316,49;
  2. Em 16-04-2018, a Requerente prestou a garantia bancária n.º..., emitida pelo B... CRL, no montante global fixado de € 1.343.659,03, com vista à suspensão do processo de execução fiscal identificado com o n.º ...2018..., o qual foi instaurado na sequência da falta de pagamento voluntário da liquidação referida (documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. Até 16-07-2018, a Requerente despendeu com a prestação de garantia o montante de € 19.480,39 (documento junto pela Requerente em 26-10-2018, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Em 04-04-2018, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

  1. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo, não havendo controvérsia sobre a matéria de facto.

 

 

            4. Matéria de direito

 

 

Um consórcio bancário era detentor de créditos sobre a Requerente, com garantias, e, em 24-07-2013, a H... adquiriu esses créditos, com o valor nominal de €10.893.931,80, pelo valor de € 6.323.000,00, sendo com a cessão dos créditos transmitidas as correspondentes garantias.

Em 04-12-2013, a H... adquiriu aos sócios da Requerente, pelo preço de € 980.782,94, a totalidade das participações sociais da Requerente (no valor de € 997.595,80), sendo-lhe cedidos os suprimentos (no valor de € 14.634,21) e as prestações acessórias (no valor de € 2.259.224,78).

Em Junho de 2014, a Requerente estava numa situação de subcapitalização, atendendo a que tinha um valor negativo de capitais próprios de € 3.864.031,83, sendo o valor do capital social de € 997.595,80.

A H..., accionista única da Requerente, convocou a Assembleia Geral desta, para «deliberar sobre medidas a tomar nos termos e para os efeitos previstos no artigo 35º do CSC, considerando o disposto no artigo 35º/3 ("a) a dissolução da sociedade; b) a redução do capital social para montante não inferior ao capital próprio da sociedade, com respeito, se for o caso, do disposto no n.º 2 do artigo 95º; c) a realização pelos sócios de entradas para reforço da cobertura do capital) ou outras medidas propostas pelo Conselho de Administração».

Na Acta da assembleia, realizada em 30-06-2014, refere-se o seguinte:

 

a) A conta 56 - resultados transitados - apresenta um saldo negativo de € 8.435.778,15;

b) A conta 253100101 - suprimentos 1 - regista um saldo de € 9.802.500,00 a favor da acionista única;

c) A conta 2722303001 - juros - regista um saldo negativo de € 1446333,82 a favor da acionista única;

c) A conta 53 regista € 1.246.994,77 como instrumentos de capitais próprios;

d) As regras fiscais e contabilísticas em vigor permitem o lançamento contabilístico de cobertura de prejuízos por incorporação de suprimentos, bem como a utilização de outros instrumentos de capitais próprios para o mesmo efeito,

Propõe-se que os montantes de € 3.479.500,00, € 1.446.333,82 e € 1.246.994,77 sejam debitados das contas 253100101, 2722303001 e 53 e creditados na conta 56, havendo consequentemente perda de parte dos créditos por suprimentos e prestações acessórias pela acionista única.

 

Para além disso, deliberou-se na assembleia geral reduzir o capital social da sociedade, de € 997.595,80 para € 50.000,00, com a finalidade de cobertura de prejuízos, através da extinção de acções, passando o capital social a ser representado por 5.000.000 de ações, com o valor nominal unitário de € 0,01.

Posteriormente, foi celebrado em 01-11-2014 um contrato de suprimento relativo ao crédito da que não tinha sido utilizado para a operação realizada em 30-06-2014.

A Requerente entendeu que a referida operação, que considerou ser de «cobertura de prejuízos», não constitui variação patrimonial positiva para determinação da matéria tributável, por ser enquadrável na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC.

No tratamento contabilístico que foi dado pela Requerente, a operação de cobertura de prejuízos não concorreu para o apuramento do resultado líquido do período, tendo antes contribuído para o aumento dos capitais próprios da Requerente (em resultado do movimento a crédito dos resultados transitados).

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu em suma, o seguinte:

 

Não se tratou de uma entrega de sócios, com o objetivo de realizar a dita cobertura de prejuízos em 30/06/2014, mas sim da utilização do ganho obtido pela H..., na aquisição da dívida já existente ao C... e D... em 24/07/2013, por valor inferior em € 4.570.931,80 (€ 3.479.500,00 em capital e € 1.091.431,80 em juros), em momento anterior da sua passagem à condição de acionista único (que veio a ocorrer em 04/12/2013), e da utilização dos juros acrescidos à contabilidade da A... referentes ao período entre 24/07/2013 e 30/06/2014, resultante da manutenção das condições dos empréstimos cedidos, que ascenderam a € 354 902,02.

(...)

A perda de créditos reconhecida e aceite pela H... na acta de assembleia geral da A..., resulta, não de um montante entregue sob a forma de suprimentos pela sócia H..., mas sim do perdão de parte do empréstimo (no mesmo montante que a própria H... beneficiou) e respetivos juros desses empréstimos, que a H... adquiriu enquanto investidora e não como sócia, conforme a H... notificou a A..., para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 583.º do Código Civil, pelo menos dos créditos cedidos pelo C..., em Anexo 8 - Folhas 1 a 2.

(...)

a perda acordada, representa um ganho de financiamento, não tributado em IRC na Modelo 22 do ano 2014 entregue pela  A... .

Logo, estamos na presença de um efetivo perdão de dívida, cuja movimentação contabilística, foi efetuada de modo a apresentar-se como podendo beneficiar do estipulado na alínea a) do n.º 1 do artigo 21 º do CIRC, mas que de facto procura evitar a tributação em IRC de um ganho financeiro associado ao perdão de parte de um empréstimo e respetivos juros, pela movimentação a crédito da conta de resultados transitados (56112), ao invés de o fazer numa conta de proveitos, sendo que com isso, não foram os respetivos ganhos refletidos no apuramento do resultado líquido do período tributável de 2014, beneficiando a A... da não tributação em IRC do montante de € 4.925.833,82;

 

A Requerente defende que a liquidação que assenta neste entendimento enferma de ilegalidade porque, em suma:

– há erro da Administração Tributária na aplicação do artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Relatório da Inspecção Tributária, designadamente porque o crédito da H... referido na acta da assembleia como suprimento é qualificável como suprimento e, de qualquer forma, a situação enquadra-se naquela norma;

– há ilegalidade por não ter sido instaurado procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT;

– há vício de falta de fundamentação;

– há violação das normas sobre repartição do ónus da prova;

– a interpretação da Administração Tributária é desconforme ao princípio da neutralidade fiscal.

 

4.1. Questão da qualificação do crédito da H... como suprimento

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira invoca como fundamento da liquidação o crédito da H... que foi utilizado na operação em causa não dever ser considerado como suprimentos.

Independentemente da relevância ou não dessa qualificação do crédito utilizado como suprimentos, a Autoridade Tributária e Aduaneira não tem razão.

Na acta da assembleia em que foi deliberada a «perda de parte dos créditos por suprimentos e prestações acessórias pela acionista única», refere-se que a conta 253100101 - suprimentos 1 - regista um saldo de € 9.802.500,00 a favor da acionista única, H... .

A Administração Tributária entendeu que o crédito da H... não era qualificável como sendo de suprimentos, pois, quando o adquiriu, não era sócia da Requerente e só veio a ser celebrado um contrato de suprimentos em Novembro de 2014, depois daquela deliberação.

Nos termos do artigo 243.º do Código das Sociedades Comerciais «considera-se contrato de suprimento o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo carácter de permanência» e «constitui índice do carácter de permanência a estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano, quer tal estipulação seja contemporânea da constituição do crédito quer seja posterior a esta».

Não sendo a H... sócia da Requerente quando efectuou a aquisição, a qualificação dos seus créditos referidos na acta da assembleia como registados numa conta de suprimentos, não pode basear-se no n.º 5 do artigo 243.º do Código das Sociedades Comerciais, que estabelece que «fica sujeito ao regime de crédito de suprimento o crédito de terceiro contra a sociedade que o sócio adquira por negócio entre vivos, desde que no momento da aquisição se verifique alguma das circunstâncias previstas nos n.ºs 2 e 3».   

Assim, a qualificação dos créditos referidos com suprimentos só pode resultar de um contrato.

No caso em apreço, apenas foi celebrado um contrato escrito de suprimentos depois da operação em causa, que se reporta apenas ao montante dos créditos da H... que não foram utilizados para a referida operação denominada de «cobertura de prejuízos».

No entanto, a falta de um contrato de suprimentos escrito não é obstáculo a que os créditos da H..., que estavam contabilizados como suprimentos, possam como tal ser considerados.

Na verdade, como resulta do preceituado no n.º 6 do artigo 243.º do Código das Sociedades Comerciais, «não depende de forma especial a validade do contrato de suprimento».

E, não dependendo de forma especial, o contrato pode ser celebrado por escrito ou verbalmente, e pode mesmo ser tácito, como sucede com a generalidade dos negócios jurídicos não formais, de harmonia com o preceituado nos artigos 217.º e 219.º do Código Civil (aplicáveis aos negócios jurídicos por força do disposto no artigo 295.º do mesmo Código). ( [1] )

Para ser detectável um contrato tácito é necessário que ele se possa deduzir de factos que, com toda a probabilidade o revelem (artigo 217.º, n.º 1, do Código Civil).

No caso em apreço, estando contabilizada pela Requerente a referida dívida à H... como suprimentos e tendo esta, que é a accionista única, invocado tal contabilização na acta da assembleia, como pressuposto do deliberado, é manifesto que se detecta um acordo da Requerente e H..., já existente no momento da deliberação, no sentido de os créditos referidos serem considerados suprimentos.

Por isso, tem de se concluir, desde logo, que a liquidação impugnada assenta num erro sobre os pressupostos de direito, ao ter entendido que não existiam suprimentos da H... que pudessem ser utilizados para cobertura dos prejuízos.

 

 

4.2. Questão do erro na aplicação do direito resultante da violação do artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC

 

O artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do CIRC estabelece o seguinte:

 

Artigo 21.º

 

Variações patrimoniais positivas

 

Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido do período de tributação, exceto:

 

a) As entradas de capital, incluindo os prémios de emissão de ações ou quotas, as coberturas de prejuízos, a qualquer título, feitas pelos titulares do capital, bem como outras variações patrimoniais positivas que decorram de operações sobre ações, quotas e outros instrumentos de capital próprio da entidade emitente, incluindo as que resultem da atribuição de instrumentos financeiros derivados que devam ser reconhecidos como instrumentos de capital próprio;

 

            Antes de mais, é de esclarecer que, como defende a Requerente, o facto de o capital próprio da Requerente ser inferior a metade do capital social, tornava obrigatória, à face do artigo 35.º do Código das Sociedades Comerciais, a convocação de uma assembleia geral para deliberar sobre as medidas julgadas convenientes.

            Este artigo 35.º estabelece o seguinte:

 

Artigo 35.º

Perda de metade do capital

1 - Resultando das contas de exercício ou de contas intercalares, tal como elaboradas pelo órgão de administração, que metade do capital social se encontra perdido, ou havendo em qualquer momento fundadas razões para admitir que essa perda se verifica, devem os gerentes convocar de imediato a assembleia geral ou os administradores requerer prontamente a convocação da mesma, a fim de nela se informar os sócios da situação e de estes tomarem as medidas julgadas convenientes.

2 - Considera-se estar perdida metade do capital social quando o capital próprio da sociedade for igual ou inferior a metade do capital social.

3 - Do aviso convocatório da assembleia geral constarão, pelo menos, os seguintes assuntos para deliberação pelos sócios:

a) A dissolução da sociedade;

b) A redução do capital social para montante não inferior ao capital próprio da sociedade, com respeito, se for o caso, do disposto no n.º 1 do artigo 96.º;

c) A realização pelos sócios de entradas para reforço da cobertura do capital.

           

 Como se vê por este n.º 3, ao referir «pelo menos, os seguintes assuntos para deliberação pelos sócios», podem ser tomadas quaisquer medidas para eliminar a essa situação de insuficiência do capital social, para além das aí aventadas, que são obrigatoriamente colocadas à ponderação da assembleia.

A «realização pelos sócios de entradas para reforço da cobertura do capital» é uma das medidas tipo aventadas no n.º 3 do referido artigo 35.º para atingir o objectivo legislativo de eliminar a situação e a cobertura de prejuízos pelos titulares do capital é explicitamente equiparada às entradas de capital, pela alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC ( [2] ).

 Assim, como constatou o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 18-6-2013, proferido no processo n.º 01265/12, a cobertura por uma sociedade dos prejuízos de uma participada «traduz-se numa forma de financiamento que, em termos económicos, é substancialmente idêntica a um aumento de capital, devendo, pois, ter o mesmo tratamento fiscal das entradas adicionais de sócios à sociedade». ( [3] )

Por isso, não se vê fundamento para duvidar de que se está perante uma operação de cobertura de prejuízos, pois está-se perante uma situação em que a lei impõe que seja efectuado o saneamento financeiro da sociedade e a operação enquadra-se nos tipos de operações adequadas para esse efeito.

Por outro lado, o facto de a alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º se referir às «coberturas de prejuízos, a qualquer título, feitas pelos titulares do capital», não dá abertura para uma interpretação restritiva como a que defende a Administração Tributária, com o alcance de que apenas são relevantes quando ocorre um aumento de valor das participações detidas pelos titulares do capital.

Na verdade, aquela expressão «a qualquer título» tem o alcance necessário manifestar uma intenção legislativa de incluir no âmbito da excepção à relevância das variações patrimoniais positivas para formação do lucro tributável todas as coberturas de prejuízos, a título gratuito ou oneroso, efectuadas pelos detentores do capital.

Isto é, «a qualquer título» significa que mesmo os perdões de dívida destinados a coberturas de prejuízos estão aí abrangidos. ( [4] )

Por outro lado, como é óbvio, a referência cumulativa às «entradas de capital» e às «coberturas de prejuízos, a qualquer título, feitas pelos titulares do capital», não é compatível com a restrição destas às situações em que ocorre uma entrada de capital, pois, se assim fosse, seria inútil a referência adicional às «coberturas de prejuízos, a qualquer título».

Para além disso, esta solução legislativa, tem uma justificação, como explica M. H. FREITAS PEREIRA:

Desde logo resulta do próprio conceito de lucro - incremento no valor do capital investido numa empresa - que obviamente não concorrem para a sua formação os aumentos de capitais investidos pelos sócios, ou seja as entradas dos sócios a título de entradas de capital ou cobertura de prejuízos, nem são de tomar em conta como componentes negativas os levantamentos feitos pelos mesmos sócios a título de remuneração ou de redução do capital ou partilha do património social. No entanto, estas entradas e saídas reflectem-se em alterações do capital próprio, pelo que, para não concorrerem para a formação do lucro, têm de ser excluídas. É essa a explicação para a alínea a) do art.º 21.° e alínea c) do n.º I do art.º 24.º, ambos do CIRC. ( [5] )

 

De resto, a opção legislativa de excepcionar da relevância para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas resultantes de coberturas de prejuízos constitui um incentivo imediato ao saneamento financeiro da sociedade participada e à sua subsistência, mas não afasta necessariamente a relevância tributária da operação, antes se limita a diferir para momento ulterior da transmissão ou extinção das partes sociais a apreciação da sua eventual relevância fiscal, na esfera da sociedade que beneficia da cobertura de prejuízos. ( [6] )

Ocorreu, assim, uma operação de cobertura de prejuízos, enquadrável no artigo 35.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais, pelo que a sua desconsideração apenas seria viável por via da aplicação da cláusula geral antiabuso, possibilidade esta que está afastada, desde logo, pelo facto de não ter sido instaurado o procedimento especial exigido pelo artigo 63.º do CPPT.

Como se vê, a qualificação ou não dos créditos da H... como suprimentos nem tem relevância para efeitos de enquadramento da situação na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC.

Por isso, não há qualquer fundamento para questionar que se esteja perante uma operação de cobertura de prejuízos e que ela seja enquadrável na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC.

Pelo exposto, conclui-se pela ilegalidade da liquidação, por violação da alínea a) do n- 1 do artigo 21.º do CIRC, o que justifica a sua anulação artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

 

4.3. Liquidação de juros compensatórios

 

A liquidação de juros compensatórios tem como pressuposto a liquidação de IRC, pelo que enferma do mesmo vício e justifica-se também a sua anulação.

 

 

4.4. Questões de conhecimento prejudicado

 

Decorrendo do exposto que a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei que assegura eficaz e estável tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento dos restantes vícios que a Requerente lhe imputa (artigo 130.º do CPC).

 

 

 

5. Indemnização por garantia indevida

 

Em 16-04-2018, a Requerente prestou a garantia bancária n.º..., emitida pelo B... CRL, no montante global fixado de € 1.343.659,03, com vista à suspensão do processo de execução fiscal identificado com o n.º ...2018..., o qual foi instaurado na sequência da falta de pagamento voluntário da liquidação impugnada

A Requerente formula um pedido de indemnização, nos termos do artigo 53.º da LGT, pelas despesas suportadas com a prestação da garantia.

O artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

 

Garantia em caso de prestação indevida

 

            1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

            2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

            3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

            4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, é manifesto que os erros subjacentes à liquidação de IRC são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois as correcções e as subsequentes liquidações de IRC e juros compensatórios foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.

Até 16-07-2018, a Requerente despendeu com a prestação de garantia o montante de € 19.480,39.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante exacto da indemnização, a condenação terá de ser efectuada no valor que está provado (€ 19.480,39) e no que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão, com base nos custos que vierem a ser suportados desde 17-10-2018 até ao cancelamento da garantia bancária apresentada [artigos 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e 565.º do Código Civil, aplicáveis por força do artigo 2.º, alínea d) da LGT].

 

 

 

6. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e juros compensatórios n.º 2017..., relativa ao exercício de 2014, da qual resultou um valor total de IRC e de juros compensatórios a pagar de € 1.052.316,49;
  3. Julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia de € 19.480,39, além dos custos que vierem a ser suportados desde 17-10-2018 até ao cancelamento da garantia bancária apresentada que deverão ser liquidados em execução do presente acórdão.

 

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.052.316,49.

 

 

Lisboa, 08-11-2018

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(Rui Duarte Morais)

 

 

 

(Sérgio Vasques)

 



[1] Neste sentido, da admissibilidade de contratos de suprimento verbais e tácitos, podem ver-se:

– RAUL VENTURA, Suprimentos a sociedades por quotas no direito vigente e nos projectos, em Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXX, n.ºs 3-4, página 186;

– LUÍS BRITO CORREIA, Direito Comercial, 2.º volume, Sociedades comerciais, 1989, página 495. 

 

[2] Como nota ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, 2004, página 154, nota 303.

[3] No mesmo sentido, refere-se no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 10-03-2016, proferido no processo n.º 00958/11.4BEAVR que «as coberturas de prejuízos a qualquer título correspondem do ponto de vista da substância económica da operação, a aumentos de capital, devendo relevar fiscalmente como tal».

[4] JOÃO TABORDA DA GAMA, Cobertura de prejuízos, valor da participação social e dedutibilidade, em Reestruturação de empresas e limites do planeamento fiscal, Coimbra, 2009, página 189.

[5] Ciência e Técnica Fiscal, n.º 360, páginas 134-135.

[6] Como se refere no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17-04-2012, proferido no processo n.º 05315/12.