Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 200/2018-T
Data da decisão: 2018-10-29  IRS  
Valor do pedido: € 433.884,47
Tema: IRS – Retenções na fonte – Distribuição de lucros – Inexistência de facto tributário.
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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Elísio Brandão e Prof. Doutor Francisco José Nicolau Domingos (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 04-07-2018, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A..., LDA., sociedade com sede na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, com o número único de matrícula e de pessoa coletiva..., cujo serviço periférico local é o Serviço de Finanças de Lisboa –..., (doravante “Requerente”), veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade da demonstração de liquidação de retenções na fonte de IR do ano de 2013, correspondente à liquidação n.º 2017..., de 11.12.2017 e respetiva liquidação de juros compensatórios, correspondente à liquidação n.º 2017... .

            A Requerente pede ainda devolução do montante pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 19-04-2018.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 14-06-2018, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 04-07-2018.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido.

Por despacho de 21-09-2018 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas por um período de 10 dias, iniciando-se com a notificação do despacho o prazo para alegações da Requerente e com a notificação da apresentação das alegações da Requerente o prazo para alegações da AT.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

  1. A Requerente é uma sociedade por quotas, enquadrada no CAE 86906 – Outras atividades de saúde humana;
  2. Foi efectuada uma acção inspectiva à Requerente ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2017..., OI2017... e OI2017... respeitantes aos exercícios de 2013, de 2014 e de 2015, com um âmbito parcial de IVA, IRC e Retenções na Fonte;
  3. Na inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária, que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

 III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

3.1 - CORREÇÕES PROPOSTAS EM SEDE DE RETENÇÕES NA FONTE (IRS)

(...)

Enquadramento legal dos rendimentos atribuídos aos sócios em 2013, 2014 e 2015

Sistematizando os factos observados, apurou-se o seguinte:

  • A sociedade gerou rendimentos nos exercícios em análise por força da actividade profissional desenvolvida principalmente pelo sócio-gerente, oftalmologista, o Dr. B..., e em menor escala pela sócia-gerente, anestesista, a Dra. C... . Trata-se de uma sociedade que nunca distribuiu lucros. O principal prestador de serviços era o sócio-gerente B..., que formalmente laborava na sociedade a título gratuito e que dela não retirava quaisquer rendimentos. A sócia-gerente C... formalmente também laborava na sociedade como trabalhadora dependente/detentora do capital, sendo remunerada mensalmente pela empresa nestes exercícios com uma prestação fixa, de periocidade fixa;
  • Ficou demonstrado que até ao exercício de 2012 a contabilidade do SP não refletiu a existência de qualquer "empréstimo" da sociedade aos sócios;
  • Analisadas as IES/DA dos anos anteriores a 2013, verificou-se que foram sempre declarados no balanço da sociedade saldos devedores acumulados na rubrica de “Depósitos bancários e caixa”, totalizando aquele ativo da sociedade o valor de € 1.713.317,88 em 2012, não sendo declarado ao longo dos anos qualquer empréstimo a sócios;
  • No entanto, em 01/01/2013, o dinheiro da sociedade contabilizado em depósitos à ordem, no valor de € 1.284.317,88 (na conta 121 depósitos à Ordem/D...), que justifica os resultados transitados acumulados pela sociedade ao longo de vários anos, efetivamente não se encontrava na sociedade, uma vez que o saldo inicial dos extratos bancários da sociedade naquela instituição bancária (D...), naquela data, só justifica € 46.415,65;
  • O sócio-gerente assumiu nas declarações que prestou que, nos exercícios em análise, os valores monetários da sociedade estavam todos depositados em bancos, não havendo valores em “caixa";
  • Em 2013, 2014 e 2015 foram sendo promovidos lançamentos na contabilidade, onde o SP procurou demonstrar entregas aos sócios (transferindo diretamente valores de "depósitos à ordem" para o património dos sócios e contabilizando-as diretamente como um crédito concedido aos sócios) ocorreram na sequência de contratos de mútuo e recibos de mútuo, celebrados entre a sociedade e os sócios ao longo destes exercícios;
  • Contudo, foi reconhecido pelo sócio-gerente que “Os mútuos foram realizados parcialmente para justificar a saída de receitas de sociedade que tinham sido previamente depositados nas contas bancárias dos sócios" (Anexo 4). A propósito dos recibos de mútuos firmados em 30/09/2015, no valor global de € 742.300,00, obteve-se também o reconhecimento por escrito do SP, em resposta a um pedido de esclarecimentos, de que aqueles lançamentos contabilísticos de suporte serviram para “acertar a conta bancária do D..." (ANEXO 13), como se confirma com a informação vertida no quadro 6 do presente relatório;
  • Não se verificando os elementos caraterísticos dos empréstimos, apesar de terem sido apresentados contratos e recibos de mútuo, pelas suas fragilidades que se tem vindo a sublinhar (inexistência de prova dos exfluxos financeiros em favor do sócios alegados no âmbito dos contratos e recibos de mútuos; inexistência de fixação de um preço - juros - que permita compensar a indisponibilidade do dinheiro e o risco associado; não prestação de garantia pessoa ou real; não pagamento de Imposto de Selo tal como o respetivo Código prevê), conclui-se que não é essa a natureza das operações;
  • No seguimento da análise efectuada no âmbito do presente procedimento inspetivo, dos fatos observados, dos documentos avaliados e dos esclarecimentos prestados, conclui-se que a empresa não concretizou quaisquer empréstimos aos sócios. O que as entregas de recursos financeiros efetuadas pela empresa aos sócios refletem objetivamente, com origem em "Depósitos à ordem", é a colocação à disposição dos sócios de rendimentos, constituindo um incremento patrimonial dos seus rendimentos. Também não estão reunidos os pressupostos para que tal colocação à disposição seja considerada rendimentos do trabalho (nomeadamente, o facto de não haver qualquer conexão com o trabalho prestado). Com efeito, apenas se pode concluir que se está perante rendimentos de capitais, sob a forma de distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros;
  • Tendo-se demonstrado a inexistência de mútuos da sociedade aos sócios, face à inexistência de outro fundamento válido para fazer afastar a presunção prevista no art.º 6, nº4 do CIRS (como resultarem da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais). terão que prevalecer as datas de lançamento expressas pela contabilidade;
  • Neste sentido, ficou demonstrado que nos exercícios em análise (a partir de 2013), a sociedade reconheceu no seu balanço, empréstimos concedidos aos sócios, lançados contabilisticamente em contas correntes de empréstimos a sócios como confirmámos, declarando-os na IES/DA daqueles exercícios, onde transpôs os documentos de prestação de contas da sociedade daqueles exercícios, que foram objecto de deliberação e aprovação pelos sócios em Assembleia-geral, já comunicadas quer à Administração Tributária, quer à Conservatória do Registo Comercial, dando a conhecer a informação financeira sobre a gestão e a situação patrimonial da sociedade daqueles exercícios.

 

Desta forma, encontram-se reunidos os elementos necessários, em função dos quais, se conclui que a colocação à disposição dos sócios das importâncias que a sociedade detinha em "Depósitos à Ordem" se refere a distribuição de lucros ou adiantamentos por conta de lucros, não podendo de forma alguma ser caracterizada como empréstimos/mútuos ou rendimentos do trabalho.

Conclui-se que o SP procurou fazer sair da sociedade a favor dos sócios, os seus resultados, evitando a tributação dos mesmos, quer ao nível da sociedade, quer dos sócios.

A distribuição de lucros e de adiantamento por conta de lucros ocorreu no momento em que, de uma forma objectiva, se reconheceu contabilisticamente a sua colocação à disposição dos sócios, o que sucedeu mediante o crédito dos "depósitos a ordem" por débito dos sócios.

No seguimento do que se referiu anteriormente, conclui-se que os rendimentos assim distribuídos aos sócios constituem rendimentos de capitais (categoria E) por força do nº 1 do artº 5º do CIRS, cujo enquadramento está especificado na alínea h) do nº2 do mesmo artº 5º do CIRS. Segundo este normativo, estão sujeitas a IRS, por enquadramento na categoria E, os "Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros...".

Assim, com base na alínea h) do nº2 do artº5º do CIRS, a disponibilização da sociedade aos sócios de importâncias que a empresa tinha registado em "depósitos à ordem" e que totalizaram o montante de € 1.345.000,00 em 2013, e 265.500,00 em 2014 e € 742.800,00 em 2015, será de considerar que ocorreram a título de distribuição de lucros ou de adiantamento por conta de lucros.

Recolhida a prova contabilística, deu-se por preenchido o fundamento legal base da presunção estatuída no artº6, nº4 do CIRS, segundo o qual "Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercido de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros" (redação em vigor à data dos factos tributários - 2013 e 2014, anterior à republicação do CIRS pela Lei n.º 82-B2014, de 31 de dezembro"). Neste sentido, os montantes de € 1.345.000,00 em 2013, € 265-500,00 em 2014 e € 742.800,00 em 2015, constituem os montantes dos rendimentos lançados na contabilidade do SP, de cada exercício, em contas correntes dos sócios, que tiveram por base transferências de valores de contas de "depósitos à ordem", assumindo a natureza de distribuição de lucros ou adiantamentos por conta de lucros enquadráveis como rendimentos da categoria E (artº5. nº2. al. h) do CIRS).

A distribuição de lucros e os adiantamentos por conta de lucros estão sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, à laxa liberatória de 28%, em sede de IRS, conforme dispõe o art. 71º. nº1, al. c) do CIRS (atual art.º 71º, n.º 1, al. a) ao mesmo diploma legal), que conforme o indicado no nº3 do artº98º do mesmo diploma deverá ser entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que se reporta.

Note-se que a sociedade inspecionada não procedeu à retenção do IRS devido, a que estava obrigada nos termos do artº101º, nº 2, al. a) do CIRS.

 

Momento da tributação e repartição dos rendimentos de capitais a tributar por período

Sintetizando, os montantes das entregas totais da sociedade aos sócios, em cada exercício em análise, que foram considerados pelo SP como empréstimos aos sócios, qualificação essa que deve ser desconsiderada, tal como se comprovou anteriormente, por configurarem uma distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros (facto tributário), enquadráveis no disposto art.º 5.º, nº2, al. h) e no artº6, nº4, ambos do CIRS, são os seguintes:

  • Ano 2013: €1,345.000,00
  • Ano 2014: €265,500,00
  •  Ano 2015: € 742,800,00

 

Os factos descritos traduzem a existência de valores contabilizados em contas de "depósitos à ordem" que indubitavelmente foram entregues aos sócios, consumando-se a transferência de propriedade dos mesmos em benefício dos sócios, que assim viram o seu património aumentar.

No que respeita aos montantes sujeitos a tributação, foi fixado o valor correspondente às importâncias colocadas à disposição dos sócios, conforme relevam as contas da contabilidade da sociedade, como se de empréstimos aos sócios se tratassem,

O art. 7.º, nº1 e nº3, alínea a), nº2 do CIRS consagram que o momento a partir do qual ficam sujeitos os rendimentos de capital (categoria E) corresponde à data da colocação à disposição.

Assim, em função dos factos já apresentados e comprovado o facto tributário, todas as eventuais dúvidas quanto ao momento da entrega dos rendimentos de capitais aos sócios são dissipadas tendo em conta que a informação constante nas demonstrações financeiras declaradas pelo SP ao longo dos anos (seja respeitante aos seus activos, onde se encontram os "saldos bancários", seja a que se reporta às "reservas" e aos resultados obtidos, ou ainda as operações que se referem a entregas de valores de "depósitos à ordem" aos sócios) constitui uma informação aprovada e certificada pelos sócios anualmente, em Assembleia-geral e comunicada a várias entidades.

Assim, atendendo a todas as evidências anteriormente expostas, considera-se que a distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros ocorreu no momento em que se reconheceu contabilisticamente a sua colocação à disposição dos sócios, registando as entregas efectivas dos saldos de contas de "depósitos à ordem" em contas específicas de empréstimos aos sócios. Ou seja, quanto ao momento da tributação foi fixado o mês em que as entregas de valores ocorreram – art. 7º do CIRS, definindo-se esse momento em que o imposto se torna exigível.

O quadro seguinte apresenta a repartição dos rendimentos de capitais - lucros e adiantamento por conta de lucros - distribuídos aos sócios, por período (mês), sujeitos a uma taxa de retenção na fonte à taxa de 28%, sem que tivesse sido efetuado pelo SP, apurando-se o respetivo montante de retenção em falta.

Do quadro acima, concluímos que os montantes de retenção em falta apurados em cada exercício em análise, por terem sido colocados à disposição dos sócios, enquanto rendimentos de capitais, ascendem a € 376.600,00 em 2013, € 74.340,00 em 2014 e € 207.984,00 em 2015.

 

  1. Na sequência da acção inspectiva, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de retenções na fonte relativa ao ano de 2013 n.º 2017..., de 11-12-2017 e respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2017..., no valor global de € 433.884,47, sendo € 376.600 de retenções na fonte e de € 57.284,47 de juros compensatórios (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Em 16-01-2018, a Requerente pagou a quantia liquidada de € 433.884,47 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. Na Declaração Patrimonial da conta da Requerente na D... refere-se que, em 31-12-2012, a Requerente titulava um montante total de depósitos à ordem de € 46.415,65 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Do extracto bancário da conta da Requerente na D... refere-se que, em 31-12-2013, a Requerente titulava um montante total de depósitos à ordem e depósitos a prazo de € 517.145,60, dividido por € 82.145,60 de Depósitos à Ordem e por € 435.000,00 de Depósitos a Prazo (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. Os movimentos históricos de 01-01-2013 até 31-12-2013 da conta da Requerente na D... são os que constam do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  6. Os saldos na referida conta naquele período oscilaram entre o mínimo de € 8.128,76 (em 17-02-2013) e o máximo de € 492.328,13 (em 22-02-2013), sendo de € 46.415,65, a 01-01-2013 e de € 82.145,60, a 31-12-2013 (documento n.º 6);
  7. O montante de € 435.000,00 que foi transferido para a conta da Requerente em 22-02-2013, foi aplicado na mesma data em depósitos a prazo com os n.ºs ...(€ 250.000,00) e ... (€ 185.000) que foram mantidos até 22-02-2015 (documentos n.ºs 6 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  8. Os contratos de mútuo celebrados pela Requerente datados de 30-12-2013 foram realizados depois de ter sido efectuada disponibilização de quantias pela Requerente aos seus sócios, com a finalidade de justificar a saída de receitas da sociedade (declaração do sócio-gerente da Requerente, reproduzido no Relatório da Inspecção Tributária, página 7);
  9. A maior parte das operações bancárias realizadas pela Requerente era efectuada através da D... (Relatório da Inspecção Tributária, página 10);
  10. No ano de 2013, verificaram-se as seguintes diferenças entre os valores depositados na conta à ordem da Requerente na D... e os valores que constavam da conta 121 Depósitos à Ordem/D...:

  1. Em 31-12-2013 foi efectuado um registo contabilístico com a indicação de que respeitava a empréstimos ao sócio B..., com estes elementos:

  1. Em 04-04-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que durante o ano de 2013 tivessem sido colocados pela Requerente à disposição dos seus sócios a quantia total de € 1.345.000,00.

Na verdade, não foi apurado que a Requerente dispusesse dessa quantia no ano de 2013, e a conta bancária da Requerente na D... aponta no sentido de não dispor.

 

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.

 

 

3. Matéria de direito

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente, que incluiu o exercício de 2013, tendo entendido, além do mais, em suma:

  • «ficou demonstrado que nos exercícios em análise (a partir de 2013), a sociedade reconheceu no seu balanço, empréstimos concedidos aos sócios, lançados contabilisticamente em contas correntes de empréstimos a sócios como confirmámos, declarando-os na IES/DA daqueles exercícios, onde transpôs os documentos de prestação de contas da sociedade daqueles exercícios, que foram objecto de deliberação e aprovação pelos sócios em Assembleia-geral, já comunicadas quer à Administração Tributária, quer à Conservatória do Registo Comercial, dando a conhecer a informação financeira sobre a gestão e a situação patrimonial da sociedade daqueles exercícios»;
  • «Em 2013, 2014 e 2015 foram sendo promovidos lançamentos na contabilidade, onde o SP procurou demonstrar entregas aos sócios (transferindo diretamente valores de "depósitos à ordem" para o património dos sócios e contabilizando-as diretamente como um crédito concedido aos sócios) ocorreram na sequência de contratos de mútuo e recibos de mútuo, celebrados entre a sociedade e os sócios ao longo destes exercícios;
  • apesar de terem sido apresentados contratos e recibos de mútuo, não se verificaram operações com as características de contratos de mútuo, não tendo a Requerente concretizado quaisquer empréstimos aos sócios;
  • o que as entregas de recursos financeiros efetuadas pela empresa aos sócios refletem objetivamente, com origem em "Depósitos à ordem", é a colocação à disposição dos sócios de rendimentos, constituindo um incremento patrimonial dos seus rendimentos;
  • Não estão reunidos pressupostos para considerar que a colocação à disposição dos sócios seja considerada rendimentos de trabalho;
  • Por isso, «apenas se pode concluir que se está perante rendimentos de capitais, sob a forma de distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros».
  • «a distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros ocorreu no momento em que se reconheceu contabilisticamente a sua colocação à disposição dos sócios, registando as entregas efectivas dos saldos de contas de "depósitos à ordem" em contas específicas de empréstimos aos sócios».

 

A Requerente imputa os seguintes vícios à correcção e liquidação impugnada:

  • inexiste o dever acessório de substituição tributária da Requerente visto que as quantias em apreço foram colocadas à disposição do seu sócio pela Requerente a título de mútuo, e registadas contabilisticamente como tal, pelo que foi com essa natureza que teve o devido tratamento fiscal e não com aquela que agora é conferida, fruto da operação de desconsideração realizada pela AT; por isso, a liquidação de retenções na fonte ora notificada à Requerente (enquanto substituta tributária) viola os princípios da confiança e da segurança jurídica, da proporcionalidade, da capacidade contributiva e da justiça;
  • a liquidação de retenções na fonte padece ainda do vício de falta de fundamentação;
  • a liquidação enferma de vício por erro sobre os pressupostos de facto, por errada aplicação da presunção prevista no artigo 6.º, n.º 4, do CIRS, por existirem, mútuos;
  • a única forma de desconsiderar contratos de mútuo seria pela aplicação da cláusula geral antiabuso, prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT e não foi utilizado o respectivo procedimento legal, previsto no artigo 63.º do CPPT;
  • ocorreu a caducidade do direito de liquidação;
  • inexiste facto tributário, ou, ocorre errónea quantificação dos rendimentos, uma vez que os valores que a AT pretende tributar como tendo sido colocados à disposição dos sócios da Requerente no decurso do ano de 2013, já o haviam sido até 31-12-2012.

 

 

3.1. Ordem de conhecimento de vícios

 

O artigo 124.º do CPPT estabelece regras sobre a ordem de conhecimento de vícios em processo de impugnação judicial, que são subsidiariamente aplicáveis ao processo arbitral, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

            No caso de vícios geradores de anulabilidade, a alínea b) do n.º 2 daquele artigo 124.º, através de remissão para a sua alínea a), estabelece que, quando o impugnante não indicar uma relação de subsidiariedade, se deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

            Assim, não estabelecendo a Requerente uma relação de subsidiariedade entre os vícios que imputa à liquidação impugnada, será de deixar para o final a apreciação do vício de falta de fundamentação, que é um vício de forma que, em caso de anulação, não obsta necessariamente à renovação do acto anulado, com supressão do vício.

            Em qualquer caso, se for julgado procedente algum vício que assegure estável e eficaz tutela dos interesses a Requerente, ficará prejudicado o conhecimento dos restantes vícios, como está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimento (pois se fosse sempre necessário conhecer de todos seria indiferente a ordem do seu conhecimento).

             

 

3.2. Questão da existência ou não de dever de retenção na fonte

 

  A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu no Relatório da Inspecção Tributária não houve qualquer mútuo, tendo sido elaborados contratos de mútuo depois da disponibilização das quantias respectivas aos sócios da Requerente, com a finalidade de justificar a saída de receitas da sociedade.

Deu-se como provado que foi isso que sucedeu, com base no depoimento do sócio-gerente da Requerente, transcrito no Relatório da Inspecção Tributária.

A tese da Requerente, ao invocar a inexistência de dever de retenção na fonte é a de que «mutuou ao seu sócio os rendimentos que a AT ora pretende tributar, sendo essa a efetiva natureza jurídica dos pagamentos, como tal contabilizados».

«Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade» (artigo 1142.º do Código Civil).

No caso em apreço, a Requerente não emprestou as quantias referidas nos contratos ao sócio B..., tendo, antes, elaborado os contratos com a «finalidade de justificar a saída de receitas de sociedade», em face da divergência entre o saldo real da conta bancária no D... e os valores registados na contabilidade relativamente a essa conta.

Como bem concluiu a Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária, este conjunto de operações não tem as características dos contratos de mútuo, pois não existiu como efeito dele nem o empréstimo de dinheiro ao sócio B... nem este recebeu qualquer dinheiro como efeito do contrato.

Por isso, não existiu, na realidade, qualquer contrato de mútuo celebrado em 30-12-2013, mas sim documentos elaborados com a aparência de contratos de mútuo que não foram suporte de qualquer transferência patrimonial por parte da Requerente para o seu sócio B... .

Como se referiu, a falta de retenção na fonte invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que justifica a liquidação impugnada, não tem como pressuposto os contratos de mútuo, sendo seu fundamento a anterior disponibilização de quantias aos sócios.

Não se está, neste caso, perante a desconsideração de transferências patrimoniais geradas por contratos de mútuo, pois nenhuma transferência geraram, existindo, antes, prévia disponibilização de quantias pela Requerente aos seus sócios, sem fundamento conhecido e sem registo contabilístico.

Esta disponibilização aos sócios de quantias que vieram a ser em alguma medida contabilizadas, com o lançamento, datado de 31-12-2013, na conta do sócio B..., presume-se feita «a título de lucros ou adiantamento dos lucros», por força do disposto no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, já que não resultou «de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercido de cargos sociais».

  Como se diz no Relatório da Inspecção Tributária, «a distribuição de lucros e os adiantamentos por conta de lucros estão sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, à laxa liberatória de 28%, em sede de IRS, conforme dispõe o art. 71º. nº1, al. c) do CIRS (atual art.º 71º, n.º 1, al. a) ao mesmo diploma legal), que conforme o indicado no nº 3 do artº 98º do mesmo diploma deverá ser entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que se reporta».

Assim, havia lugar a retenção na fonte relativamente à colocação à disposição dos rendimentos referidos.

Por isso, a liquidação impugnada não enferma deste vício que a Requerente lhe imputa.

 

 

3.3. Questão do vício por erro sobre os pressupostos de facto, por existirem mútuos

 

A Requerente imputa à liquidação impugnada vício por erro sobre os pressupostos de facto, por errada aplicação da presunção prevista no artigo 6.º, n.º 4, do CIRS, por existirem, mútuos.

O n.º 4 do artigo 6.º do CIRS estabelece que «os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros».

Como se referiu não existiram em 2013 quaisquer mútuos, pelo que os lançamentos efectuados não podem ser considerados como seu resultado, mas sim de anterior disponibilização ao sócio B... da quantia que formalmente foi indicada como emprestada.

Por isso, a liquidação impugnada não enferma deste vício por erro sobre os pressupostos de facto que a Requerente lhe imputa.

 

 

3.4. Questão do vício por ser necessário aplicar a cláusula geral antiabuso para desconsiderar os contratos de mútuo

 

A Requerente defende que a única forma de desconsiderar contratos de mútuo seria pela aplicação da cláusula geral antiabuso, prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT e não foi utilizado o respectivo procedimento legal, previsto no artigo 63.º do CPPT.

No entanto, como se referiu, na realidade não existiram contratos de mútuo, estando em causa, como fundamento da liquidação, transferências patrimoniais anteriores à sua celebração que, por si sós, têm potencialidade a constituírem factos tributários.

Por isso, a liquidação impugnada não enferma de vício por não se ter baseado na aplicação da cláusula geral antiabuso nem por não ter sido utilizado o procedimento especial previsto para a sua aplicação.

 

 

3.5. Questão da caducidade do direito de liquidação e da inexistência de facto tributário em 2013 por os valores subjacentes à liquidação terem sido colocados à disposição dos sócios da Requerente antes desse ano

 

Estas questões estão relacionadas, pois respeitam à determinação do momento ou momentos em que foram realizadas as transferências patrimoniais subjacentes a liquidação.

A Requerente defende que a prova produzida aponta no sentido de não dispor em 2013 da importância de € 1.345.00,00 que foi objecto dos ficcionados contratos de mútuo e, na verdade, não há qualquer indício de disponibilidade de uma quantia que se aproxime daquela.

Com efeito, a Autoridade Tributária e Aduaneira refere no Relatório da Inspecção Tributária que a conta bancária da Requerente mais relevante era a da D..., não atribuindo sequer a relevância às outras contas bancárias que refere.

Essa conta bancária tinha um saldo de depósitos à ordem de € 46.415,65 em 31-12-2012 e de € 82.145,60 em 30-12-2013 (último dia indicado no extracto que consta do documento n.º 6, em que se refere que se reporta aos movimentos de 01-01-2013 até 31-12-2013), sendo de € 138.990,59, em 25-11-2013, o valor máximo de saldo da conta à ordem.

Mesmo considerando os depósitos a prazo, no valor de € 435.000,00 está-se muito longe do valor de € 1.345.000 considerado pela Autoridade Tributária e Aduaneira como sendo o valor disponibilizado aos sócios no ano de 2013. Para além disso, este valor de € 435.000,00 de depósitos a prazo foi mantido até 22-02-2015 (documento n.º 7), pelo que não pode ter sido disponibilizado aos sócios no ano de 2013.

O facto invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária de que «nos exercícios em análise (a partir de 2013), a sociedade reconheceu no seu balanço, empréstimos concedidos aos sócios, lançados contabilisticamente em contas correntes de empréstimos a sócios como confirmámos, declarando-os na IES/DA daqueles exercícios, onde transpôs os documentos de prestação de contas da sociedade daqueles exercícios, que foram objecto de deliberação e aprovação pelos sócios em Assembleia-geral, já comunicadas quer à Administração Tributária, quer à Conservatória do Registo Comercial, dando a conhecer a informação financeira sobre a gestão e a situação patrimonial da sociedade daqueles exercícios», não afasta esta conclusão pois não se vê que existisse nesse ano a quantia necessária para fazer a disponibilização aos sócios.

Pelo contrário, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária «em 01/01/2013 o dinheiro da sociedade contabilizado em depósitos à ordem, no valor de € 1.284.317,88 (na conta 121 Depósitos à Ordem/D...), que justifica os resultados transitados acumulados pela sociedade ao longo de vários anos, efetivamente não se encontrava na sociedade, uma vez que o saldo inicial dos extratos bancários da sociedade daquela instituição bancária (D...), naquela data, só justifica €46.415,65» (negrito nosso).

Assim, se em 01-01-2013, o valor de € 1.284.317,88 contabilizado como existente na conta à ordem «já não se encontrava na sociedade», tem de se concluir que a disponibilização aos sócios ocorreu antes do ano de 2013.

Pelo exposto, é de concluir que a prova produzida aponta claramente no sentido de não ter sido disponibilizado aos sócios durante o ano de 2013 o valor de € 1.345.00,00, em que assenta a liquidação impugnada.

Por outro lado, a presunção de que «os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros» reporta-se apenas à qualificação jurídica das quantias disponibilizadas e não à data em que elas ocorreram, designadamente não se estabelecendo uma presunção de que a disponibilização ocorre na data em que foi efectuado o lançamento contabilístico.

Pelo contrário, a previsão dos lucros e adiantamentos como rendimentos de capitais consta da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS, e o artigo 7.º, n.ºs 1 e 3, alínea 2) estabelecem, no que aqui interessa, que aqueles rendimentos ficam sujeitos a tributação «desde o momento em que ... são colocados à disposição do seu titular», portanto independentemente de ser ou não efectuado o lançamento contabilístico.

Por isso, não há fundamento para presumir que a colocação dos rendimentos à disposição dos sócios da Requerente tenha ocorrido na data em que foram efectuados os lançamentos.

De qualquer modo, mesmo que fosse aplicável aquela presunção prevista no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, que é invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ela deveria considerar-se ilidida pela prova em contrário produzida.

Por isso, não tinha a Requerente de proceder, no ano de 2013, às retenções na fonte cuja falta está subjacente à liquidação impugnada, pelo que esta enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto.

No mínimo, é de concluir que não se prova a existência, no ano de 2013, do facto tributário que está subjacente à liquidação impugnada, o que é suficiente para justificar a anulação da liquidação, em face do preceituado no n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, que estabelece que «sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado».

 

 

3.6. Liquidação de juros compensatórios

 

A legalidade da liquidação de juros compensatórios depende da legalidade da liquidação de imposto que é seu pressuposto, pelo que da ilegalidade desta decorre a ilegalidade da liquidação de juros compensatórios, que deve também ser anulada.

 

 

3.7. Questões de conhecimento prejudicado

 

Sendo de anular a liquidação impugnada quer quanto ao imposto quer quanto aos juros compensatórios, fica prejudicado, por ser inútil (artigo 130.º do CPC), o conhecimento das restantes questões de legalidade colocadas pela Requerente.

 

 

4. Reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios

 

Em 16-01-2018, a Requerente pagou a quantia liquidada de € 433.884,47 e pede o seu reembolso acrescido de juros indemnizatórios.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária». O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

O erro da liquidação é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que a efectuou por sua iniciativa.

Consequentemente, a Requerente tem direito à restituição da quantia indevidamente paga acrescida de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT desde a data do pagamento indevido (16-01-2018), até ser reembolsada.

 Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal), desde a data do pagamento até ao integral reembolso.

 

 

 

5. Decisão

 

   De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1.  Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular a liquidação de IRS n.º 2017..., de 11-12-2017 e respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2017..., no valor global de € 433.884,47, sendo € 376.600 de retenções na fonte e de € 57.284,47 de juros compensatórios retenções na fonte;
  3. Julgar procedentes os pedidos reembolso da quantia paga e de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente dessa quantia, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos do ponto 4 deste acórdão.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 433.884,47.

 

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.038,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 29-10-2018

 

 

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(Elísio Brandão)

 

 

 

 

(Francisco José Nicolau Domingos)