Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 222/2018-T
Data da decisão: 2018-10-31  IRC  
Valor do pedido: € 39.374,45
Tema: IRC - Dedutibilidade dos créditos considerados incobráveis
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Decisão Arbitral

            I – Relatório

 

            1.1. A..., S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... … (doravante designada por «Requerente»), tendo sido notificada, através do Ofício n.º..., datado de 25/1/2018, do despacho proferido pela Exma. Sra. Directora de Serviços do IRC, o qual indeferiu o recurso hierárquico interposto contra o acto de liquidação de IRC n.º 2016..., o correspondente acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2016... e contra a demonstração de acerto de contas n.º 2016..., todos relativos ao exercício de 2013, dos quais resulta um valor a pagar de €73.046,08, apresentou, em 27/4/2018, um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º e ss. do Dec.-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante somente designado por «RJAT»), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista “tão-somente discutir a legalidade de parte dos referidos actos de liquidação”, pelo que “o valor do presente Pedido [...] circunscreve-se ao valor do imposto e dos respectivos juros compensatórios correspondente ao valor dos créditos considerados incobráveis pela Requerente e que foram objecto de correcção por parte da Administração tributária”. Nesses termos, pretende a ora Requerente que o presente pedido seja “julgado procedente, por provado, anulando-se, em consequência, a decisão de indeferimento do recurso hierárquico que antecede e, bem assim, parte do acto de liquidação de IRC n.º 2016... e correspondente acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2016..., com as necessárias consequências legais, designadamente o reembolso do correspondente montante de imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.”

 

            1.2. Em 10/7/2018 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

 

            1.3. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta. A AT apresentou a sua resposta em 1/10/2018, tendo argumentado no sentido da total improcedência do pedido da requerente.

 

            1.4. Por despacho de 12/10/2018, o Tribunal considerou, nos termos do art. 16.º, als. c) e e), do RJAT, ser dispensável a reunião do art. 18.º do RJAT e que o processo estava pronto para decisão. Por despacho datado de 23/10/2018, foi fixada a nova data de 31/10/2018 para a prolação da decisão arbitral.

           

            1.5. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

 

            II – Alegações das Partes

 

            2.1. Vem a ora Requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “a Administração tributária incorre em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, a não considerar dedutíveis parte dos créditos considerados incobráveis pela Requerente no exercício de 2013”; b) “[à luz dos factos supra descritos,] é forçoso concluir que se encontram verificados os pressupostos de dedutibilidade do[s] referido[s] crédito[s], por se considerar [serem] incobráve[is], à luz do disposto no artigo 41.º do CIRC. Em conclusão, e perante a verificação dos créditos em crise, conclui-se que os mesmos decorrem da actividade normal do ora Requerente, isto é, são resultado de operações de natureza comercial relacionadas com a venda de bens ou serviços atinentes à actividade principal da Requerente e, tendo em conta as evidências de impossibilidade de cobrança aqui demonstradas, foram devidamente considerados incobráveis pela Requerente”; c) “a lei estatui [...] como requisitos para o reconhecimento da incobrabilidade do crédito, que (1) tal resulte de processo v.g. de insolvência ou de execução, (2) não tendo sido admitida perda por imparidade e (3) exista comunicação do reconhecimento como gasto do exercício ao devedor”; d) “a Administração tributária parece acrescentar um novo requisito para a aplicação do regime, exigindo o encerramento dos processos em causa [...]. Contudo, a Requerente não logra entender como é que a Administração tributária alcança tal conclusão, atendendo-se ao texto legal”; e) “ainda que se entenda que a expressão «desde que (...) tal resulte de processo» seja «expressão pouco feliz», na medida da indeterminação do que significará tal resultar do processo, dela nunca se retirará a necessidade de encerramento de um processo, mas apenas que se possa inferir que determinado crédito, objecto desse processo, é incobrável. Portanto, apenas terá de resultar que o crédito não pode ser recebido pelo credor, porque o devedor não quer pagar ou porque o devedor não tem realmente como pagar, perdendo-se a esperança de uma boa cobrança por inexistência de bens penhoráveis, evidenciada judicialmente”; f) “[no processo de insolvência] vigora o princípio da exclusividade da instância insolvencial, isto é, fica vedada aos credores a possibilidade de obterem o pagamento dos respectivos créditos por qualquer outra via que não a via do processo de insolvência. De facto concordar-se-á que, quer a acção executiva singular, quer a universal, visam a «satisfacção dos credores», uma vez que visam satisfazer prestações não cumpridas, logo, em abstracto, manter-se-á viva a esperança na cobrança do crédito enquanto tais processos subsistirem. Contudo, em concreto, a realidade diverge, uma vez que a efectiva cobrança do crédito não depende do credor, mas asntes da existência de bens no património do devedor”; g) “mais: em processo de insolvência, dependerá, ainda, da suficiência da massa insolvente para a satisfação das dívidas da massa, dos créditos garantidos e dos créditos privilegiados, antes da satisfação dos créditos comuns, como são os da ora Requerente. A constatação de tal insuficiência é, na maioria dos casos, simples de observar, bastando analisar-se o processo subjacente. Desse modo, resulta que o crédito nunca se verá por satisfeito nesse processo executivo singular ou universal, ainda que o processo não se encontre encerrado”; h) “uma sociedade que queira desreconhecer um crédito incobrável, terá (1) de obter certidão judicial que ateste, ainda que de forma não expressa, que o crédito é incobrável nesse processo e (2) comunicar tal desreconhecimento ao devedor. [...]. A obtenção de certidão judicial não depende, pelo menos unicamente, de quem a requer, pois repousa na diligência do Tribunal que a emite”; i) “todos os supra elencados gastos fiscais, resultantes do desreconhecimento de créditos incobráveis se mostram correctamente deduzidos, por a incobrabilidade resultar de processo judicial, por se ter comunicado a consideração como gasto ao devedor e, bem assim, não se verificando a perda por imparidade, verificando-se a cumulação dos requisitos no exercício de 2013, nos termos do artigo 41.º do CIRC”; j) “desse modo, impõe-se a anulação dos actos tributários cuja parte contestada diz respeito aos créditos supra mencionados, objecto de correcção pela Administração Tributária, por se demonstrarem aqueles desprovidos de fundamento, impondo-se, outrossim, a anulação das respectivas correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária, porque contrárias à lei e aos princípios legais aplicáveis”; l) “no que diz respeito à Decisão de indeferimento proferida no âmbito do Recurso Hierárquico interposto, [...] a mesma foi praticada com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis, devendo ser anulada em conformidade”; m) “a liquidação dos juros compensatórios deverá ser anulada na mesma medida da ilegalidade da liquidação de IRC que lhe serve de base”; n) “a Administração tributária, limit[ou]-se a exigir, de forma automática, o referido valor [€4.738,48] a título de juros compensatórios, ultrapassando as formalidades legais estabelecidas para a respectiva liquidação, inquinando, assim, o acto de liquidação de juros compensatórios, ora contestado, de vício de forma por falta de fundamentação, erro nos pressupostos de facto e de direito e de violação de lei, por ofensa ao disposto no n.º 1 do artigo 35.º da LGT”; o) “deverá ser reconhecido à Requerente o direito a juros indemnizatórios, no seguimento da anulação da parte dos actos de liquidação aqui contestada”. 

 

            2.2. Conclui a ora Requerente que o presente pedido de pronúncia arbitral deve ser “julgado procedente, por provado, anulando-se, em consequência, a decisão de indeferimento do recurso hierárquico que antecede e, bem assim, parte do acto de liquidação de IRC n.º 2016... e correspondente acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2016..., com as necessárias consequências legais, designadamente o reembolso do correspondente montante de imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.”   

           

            2.3. Por seu lado, a Requerida alega, na sua resposta, que: a) “em momento algum o Requerente prova o que cauciona ao longo do seu pedido de pronúncia arbitral”; b) “em momento algum fica provado que os processos em causa transitaram em julgado e que, nesse conspecto, as dívidas se tenham tornado definitivamente incobráveis”; c) “a Requerente alega factos que servem de fundamento e que substancialmente configuram a alegada posição jurídica de que se arroga, sem que o prove”; d) “no que se refere aos créditos incobráveis reconhecidos erroneamente no exercício de 2013 pela Requerente ao abrigo do art. 41.º do CIRC, decidiram, e bem, os serviços inspectivos da ora Requerida desconsiderar os mesmos por estes não verem preenchidos os pressupostos de facto e de direito para o seu reconhecimento”; e) “os créditos incobráveis podem ser directamente considerados gastos ou perdas do período, se tal resultar de um processo de insolvência, ou de um processo de execução, entre outros processos elencados nesse dispositivo legal (alínea a) do n.º 1 do art. 41.º do CIRC)”; f) “a declaração de insolvência não é sinónimo de extinção da entidade jurídica, uma vez que, entre a sentença que decreta a insolvência e o seu encerramento decorrem uma série de actos, nomeadamente convocação de credores, reclamação de créditos e graduação de créditos que podem conduzir à identificação de bens e satisfação das dívidas reclamadas. O encerramento da insolvência ocorre apenas com a verificação de uma das situações previstas no n.º 1 do art. 230.º do CIRE, nomeadamente encerramento do rateio, cessação da situação de insolvência e verificação da insuficiência da massa insolvente, para satisfazer as dívidas. Ademais, o encerramento da insolvência é publicitado e sujeito a registo, nos termos do n.º 2 do art. 230.º do CIRE. Decorre, assim, inexoravelmente, que apenas com o encerramento da insolvência pode haver lugar ao reconhecimento da incobrabilidade da dívida”; g) “a mera pendência de um processo de insolvência constitui, de acordo com o previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 36.º do CIRC, motivo para a constituição de imparidade em créditos e não motivo para o reconhecimento da incobrabilidade do crédito”; h) “apenas com a extinção [do] processo [de execução] nos termos do art. 919.º do CPC, por falta de pagamento ou por inexistência de bens, poderá o crédito ser declarado incobrável”; i) “enquanto não ocorrer o encerramento do processo de insolvência ou o encerramento do processo de execução, o credor mantém o direito ao recebimento do crédito e pode vir a ser ressarcido do mesmo, não podendo em consequência o activo financeiro ser desreconhecido”; j) “em sede de IRC um reconhecimento por imparidade resulta de um risco de cobrabilidade de um crédito, já por seu turno, o conceito de incobrabilidade [...] pressupõe uma impossibilidade, uma definitiva inexequibilidade da cobrança de um crédito”; l) “não se alcança outra solução interpretativa para a situação sub judice que não seja a de que o legislador, a ratio do reconhecimento de créditos incobráveis como gastos fiscais e a sua sistematização dentro do CIRC em contraposição com o regime das imparidades impõe um carácter de definitividade à incobrabilidade dos créditos que não se pode provar de outra forma que não seja através do trânsito em julgado do processo de insolvência e/ou executivo”; m) “[a requerente] não lobrigou apresentar qualquer prova que atestasse a definitividade das decisões em causa e o seu consequente reconhecimento como crédito incobrável, não preenchendo, deste modo, os pressupostos do art. 41.º do CIRC”; n) “não se verificando, nos presentes autos, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido à Requerente qualquer direito a juros indemnizatórios”; o) “a AT limitou-se, portanto, a aplicar as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impunham face à ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes à correcção efectuada, pelo que deverá ser, também, julgada improcedente a impugnação quanto aos juros peticionados.”

 

            2.4. Conclui a Requerida que “deverá ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos com as legais consequências.”

 

            III – Factualidade Provada, Não Provada e Respectiva Fundamentação

 

3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

            i) A Requerente é uma sociedade comercial anónima cuja actividade se prende com o comércio e reparação de viaturas e equipamentos de veículos pesados da Marca B..., sendo a sociedade detida a 100% pela sociedade C..., com sede na Suécia.

 

ii) A Requerente é sujeito passivo do regime normal de IRC e sujeito passivo de IVA, enquadrada no regime de periodicidade mensal.

 

            iii) A Requerente foi alvo de um procedimento inspectivo interno, de âmbito parcial, abrangendo o IRC para os exercícios de 2012 e 2013, efectuada ao abrigo das ordens de serviço n.º OI2016... e n.º OI2016..., com Despacho da Chefe de Divisão do Departamento B, da Área da Inspecção Tributária da DF de … (cfr. Doc. n.º 3).

 

            iv) A Requerente foi notificada, mediante o Ofício..., da Direcção de Finanças de …., de 19 de Abril de 2016, do Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção (cfr. Doc. n.º 4).

            v) Inconformada com as correcções projectadas, a Requerente exerceu, a 4/5/2016, o seu direito de participação na decisão, na modalidade de audição prévia (cfr. Doc. n.º 5).

 

            vi) A requerente foi notificada, mediante o Ofício..., de 11/5/2016, da DF de …, do Relatório Final da Inspecção Tributária – no qual (cfr. Doc. n.º 3) se entendeu que no exercício de 2013 tinham sido reconhecidos erroneamente gastos fiscais com créditos incobráveis, e que constavam no quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22.

 

            vii) O conjunto das correcções efectuadas pela AT consta do quadro do ponto 20.º da p.i., que aqui se considera reproduzido e que não foi colocado em causa pela Requerida. Em consequência, a AT corrigiu o lucro tributável da Requerente relativamente a 2013 para o montante de €651.229,81.

 

            viii) Nessa sequência, a Requerente foi notificada do acto de liquidação de IRC n.º 2016..., do correspondente acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2016... e, bem assim, da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2016..., no valor global de €73.046,08 (vd. Doc. n.º 3). A Requerente, embora inconformada, procedeu ao pagamento voluntário dos actos de liquidação em 15/7/2016 (cfr. Doc. n.º 6).

 

            ix) A factualidade respeitante aos Clientes cuja dedutibilidade do crédito (em face da sua incobrabilidade) foi negada pela AT foi a seguinte:

 

1) Quanto à cliente “D..., Lda.”, o saldo da Conta é de €168.571,94 (cfr. Doc. n.º 8). Neste caso, e em conformidade com certidão emitida pelo ... Juízo do Tribunal do Comércio de …, a 28/6/2013, a cliente foi declarada insolvente, por sentença transitada em julgado a 7/3/2011 (cfr. p. 3 do Doc. n.º 8). Posteriormente, sem que a Requerente tenha recebido qualquer quantia para satisfação do seu crédito, foi determinado o encerramento do referido processo de insolvência, por insuficiência da massa insolvente, conforme resulta do anúncio publicado a 3/1/2013 pelo ... Juízo do Tribunal do Comércio de … (cfr. p. 10 do Doc. n.º 8). Na sequência do referido anúncio, a Requerente comunicou, a 2/12/2013, a anulação do gasto ao devedor e, bem assim, ao Administrador de Insolvência, nos termos do n.º 2 do art. 41.º do CIRC (ainda que, por causa que lhe é alheia, a carta registada tenha sido devolvida com a menção de “Mudou-se”: cfr. p. 14 do Doc. n.º 8).

 

2) Quanto à cliente “E..., Lda.”, o saldo da Conta é de €596,53 (cfr. Doc. n.º 9). Neste caso, a Requerente intentou acção executiva com vista à cobrança coerciva do seu crédito (vd. p. 2 do Doc. n.º 9). Em virtude da inexistência de bens penhoráveis da Executada, o referido processo executivo foi extinto, conforme notificação da Agente de Execução responsável pelo processo (cfr. p. 10 do Doc. n.º 9). Em certidão de 23/9/2013, relativa ao processo executivo supra referido, certifica-se que a Requerente não recebeu qualquer importância para pagamento total ou parcial da quantia em dívida por parte da Executada (cfr. p. 11 do Doc. n.º 9). No seguimento e perante o teor da notificação e da mencionada certidão, a Requerente comunicou, a 2/12/2013, a anulação do gasto ao devedor, nos termos do art. 41.º, n.º 2, do CIRC (cfr. p. 12 do Doc. n.º 9).

 

3) Quanto à cliente “F..., Lda.”, o saldo da Conta é de €2.245,36 (cfr. Doc. n.º 10). Neste caso, a Requerente intentou acção executiva com vista à cobrança coerciva do seu crédito (vd. p. 2 do Doc. n.º 10). Em virtude da inexistência de bens penhoráveis da Executada, o referido processo executivo foi extinto, conforme notificação da Agente de Execução responsável pelo processo (cfr. p. 3 do Doc. n.º 10). Em certidão de 12/11/2013, relativa ao processo executivo supra citado, certifica-se que a Requerente não recebeu qualquer montante para pagamento total ou parcial da quantia em dívida por parte da Executada (p. 2 do Doc. n.º 10).

 

x) Inconformada com os acima referidos actos de liquidação, a Requerente deduziu, a 14/11/2016, reclamação graciosa contra os mesmos. Por Ofício n.º..., de 3/7/2017, a Requerente foi notificada da Decisão final de indeferimento da referida reclamação (cfr. Doc. n.º 7). A 31/7/2017, a Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento, o qual foi também indeferido (a Requerente foi notificada do despacho de indeferimento do recurso hierárquico através do Ofício n.º..., de 25/1/2018). 

 

 xi) Inconformada, a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral a 27/4/2018.

 

            3.2. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

            3.3. Os factos considerados pertinentes e provados (v. 3.1) fundamentam-se na análise das posições expostas pelas partes e da prova documental junta aos autos.

 

            IV – Do Direito

 

            No presente caso, são, em síntese, duas as questões de direito controvertidas: 1) saber se, à luz do disposto no art. 41.º do CIRC, estão verificados os pressupostos de dedutibilidade dos créditos considerados incobráveis pela ora Requerente e que não foram reconhecidos pela AT; e 2) saber se são devidos os peticionados juros indemnizatórios.

 

            Vejamos, então.

 

            1) Sustenta, em resumo, a ora Requerente, que: os “créditos em crise [...] decorrem da actividade normal da ora Requerente, isto é, são resultado de operações de natureza comercial relacionadas com a venda de bens ou serviços atinentes à actividade principal da Requerente e, tendo em conta as evidências de impossibilidade de cobrança [...] demonstradas, foram devidamente considerados incobráveis pela Requerente”; “a lei estatui [no art. 41.º do CIRC] [e a Requerente cumpriu com os] requisitos para o reconhecimento da incobrabilidade do crédito[:] (1) tal resulte de processo v.g. de insolvência ou de execução; (2) não tenha sido admitida perda por imparidade; e (3) exista comunicação do reconhecimento como gasto do exercício ao devedor”; “a Administração tributária parece acrescentar um novo requisito para a aplicação do regime, exigindo o encerramento dos processos em causa”.

 

            Por seu lado, a Requerida alega, em síntese, que: “em momento algum o Requerente prova o que cauciona ao longo do seu pedido de pronúncia arbitral, i.e., em momento algum fica provado que os processos em causa transitaram em julgado e que, nesse conspecto, as dívidas se tenham tornado definitivamente incobráveis”; “a título de exemplo, o art. 48.º do pedido de pronúncia arbitral [no qual se assinala que] a Requerente apresenta um documento do Tribunal de Família e Menores e da Comarca de Loures que afere que «…até à presente data…» a Requerente não havia recebido o pagamento total ou parcial da dívida [...] não confirma qualquer trânsito em julgado ou uma qualquer incobrabilidade de dívida”; “no que se refere aos créditos incobráveis reconhecidos, erroneamente, no exercício de 2013 pela Requerente ao abrigo do art.º 41.º do CIRC, decidiram, e bem, os serviços inspectivos da ora Requerida desconsiderar os mesmos por estes não verem preenchidos os pressupostos de facto e de direito para o seu reconhecimento”; “apenas com o encerramento da insolvência pode haver lugar ao reconhecimento da incobrabilidade da dívida”; “a ratio do reconhecimento de créditos incobráveis como gastos fiscais e a sua sistematização dentro do CIRC em contraposição com o regime das imparidades impõe um carácter de definitividade à incobrabilidade dos créditos que não se pode provar de outra forma que não seja através do trânsito em julgado do processo de insolvência e/ou executivo”; “[a Requerente] não lobrigou apresentar qualquer prova que atestasse a definitividade das decisões em causa e o seu consequente reconhecimento como crédito incobrável, não preenchendo, deste modo, os pressupostos do art. 41.º do CIRC.”

 

            Atentos os elementos trazidos aos autos e considerados provados, afigura-se inevitável decidir aqui no sentido de decisões como, por exemplo, o aresto do STA de 10/10/2012 (proc. 782/12), segundo qual a norma do art. 39.º do CIRC [art. 41.º a partir de 1/1/2010] “não exige que os créditos em cobrança coerciva mediante processo de execução só possam ser contabilizados como créditos incobráveis mediante sentença com trânsito em julgado que declare a sua incobrabilidade em processo executivo.

 

            Com efeito, assinala desenvolvidamente o referido aresto que: “Se o legislador tivesse querido que apenas a sentença transitada em julgado servisse como meio de prova da incobrabilidade do crédito para efeitos da sua dedução como custo para efeitos de determinação da matéria tributável em sede de IRC por certo o teria dito de forma inequívoca; ao ter escolhido uma fórmula da qual não resulta, ainda que minimamente, essa exigência, havemos de concluir que não a quis erigir em requisito para a comprovação da incobrabilidade (cfr. art. 9.º, n.º 3, do Código Civil). Na verdade, nas situações em que o legislador entende que para a prova de certos factos é exigível um determinado meio de prova sempre o afirma de forma inequívoca.

 

            No mesmo sentido, com o qual aqui se concorda, veja-se a Dec. Arbitral de 30/6/2014, proferida no proc. 279/2013-T: “Não parece que a intenção do legislador fosse no sentido da exigência de sentença transitada em julgado como meio de prova de incobrabilidade por que se assim fosse teria sido expressa essa exigência de forma inequívoca. Ou, dito doutro modo: não há razões para que o não tivesse feito na medida em que a exigência de certo meio de prova é sempre feita inequivocamente pelo legislador. Assim é que o segmento do artigo 39.º do CIRC («os créditos incobráveis podem ser directamente considerados custos ou perdas do exercício na medida em que tal resulte de processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência»), deve ser interpretado no sentido de que não é o resultado final formal do processo (recuperação de empresa, execução, falência ou insolvência) que releva mas antes esse resultado deve ser o que deriva dum conjunto de actos e factos espelhados nesse mesmo processo e reveladores inequívocos da incobrabilidade do crédito (por exemplo, foi elaborado auto de não apreensão de bens por inexistência absoluta de património ao falido ou insolvente, que sentido fará estar à espera duma decisão judicial transitada em julgado para considerar o crédito incobrável?). [...]. Pode-se afirmar então e em síntese que o que devem ser é captados sinais no processo de insolvência, de recuperação de empresa, de execução, que inequivocamente revelem a natureza incobrável de créditos.

 

            Assim sendo, cabe verificar se existem sinais que, inequivocamente, apontem para a natureza incobrável dos créditos ora em causa.

            Atendendo à prova documental que foi trazida aos presentes autos, e aos factos que se consideram provados com suporte naquela prova, verificou-se que:

 

1) Quanto à cliente “D..., Lda.”, o saldo da Conta é de €168.571,94 (cfr. Doc. n.º 8). Neste caso, e em conformidade com certidão emitida pelo ... Juízo do Tribunal do Comércio de …, a 28/6/2013, a cliente foi declarada insolvente, por sentença transitada em julgado a 7/3/2011 (cfr. p. 3 do Doc. n.º 8). Posteriormente, sem que a Requerente tenha recebido qualquer quantia para satisfação do seu crédito, foi determinado o encerramento do referido processo de insolvência, por insuficiência da massa insolvente, conforme resulta do anúncio publicado a 3/1/2013 pelo ... Juízo do Tribunal do Comércio de … (cfr. p. 10 do Doc. n.º 8). Na sequência do referido anúncio, a Requerente comunicou, a 2/12/2013, a anulação do gasto ao devedor e, bem assim, ao Administrador de Insolvência, nos termos do n.º 2 do art. 41.º do CIRC (ainda que, por causa que lhe é alheia, a carta registada tenha sido devolvida com a menção de “Mudou-se”: cfr. p. 14 do Doc. n.º 8).

 

2) Quanto à cliente “E..., Lda.”, o saldo da Conta é de €596,53 (cfr. Doc. n.º 9). Neste caso, a Requerente intentou acção executiva com vista à cobrança coerciva do seu crédito (vd. p. 2 do Doc. n.º 9). Em virtude da inexistência de bens penhoráveis da Executada, o referido processo executivo foi extinto, conforme notificação da Agente de Execução responsável pelo processo (cfr. p. 10 do Doc. n.º 9). Em certidão de 23/9/2013, relativa ao processo executivo supra referido, certifica-se que a Requerente não recebeu qualquer importância para pagamento total ou parcial da quantia em dívida por parte da Executada (cfr. p. 11 do Doc. n.º 9). No seguimento e perante o teor da notificação e da mencionada certidão, a Requerente comunicou, a 2/12/2013, a anulação do gasto ao devedor, nos termos do art. 41.º, n.º 2, do CIRC (cfr. p. 12 do Doc. n.º 9).

 

3) Quanto à cliente “F..., Lda.”, o saldo da Conta é de €2.245,36 (cfr. Doc. n.º 10). Neste caso, a Requerente intentou acção executiva com vista à cobrança coerciva do seu crédito (vd. p. 2 do Doc. n.º 10). Em virtude da inexistência de bens penhoráveis da Executada, o referido processo executivo foi extinto, conforme notificação da Agente de Execução responsável pelo processo (cfr. p. 3 do Doc. n.º 10). Em certidão de 12/11/2013, relativa ao processo executivo supra citado, certifica-se que a Requerente não recebeu qualquer montante para pagamento total ou parcial da quantia em dívida por parte da Executada (p. 2 do Doc. n.º 10).

 

Note-se, ainda, que, como refere a Requerente na sua p.i. (e ficou demonstrado pelos docs. por si trazidos aos autos), “todos os [...] gastos fiscais, resultantes do desreconhecimento de créditos incobráveis, se mostram correctamente deduzidos por a incobrabilidade resultar de processo judicial, por se ter comunicado a consideração como gasto ao devedor [vd. n.º 2 do art. 41.º do CIRC] e, bem assim, não se verificando a perda por imparidade, verificando-se [assim] a cumulação dos requisitos no exercício de 2013, nos termos do art. 41.º do CIRC.”

 

            Em síntese: da factualidade supra exposta conclui-se, de forma inequívoca (note-se, a este respeito, que a Requerida, apesar de alegar que considera impugnados “os factos alegados pela Requerente que se encontrem em oposição com [a sua] defesa” – conforme se pode ler na Resposta – certo é que não apresenta factos ou elementos que contrariem, de uma forma clara, os referidos e evidentes sinais de que os créditos ora em causa têm natureza incobrável) que a ora Requerente logrou provar a natureza incobrável dos créditos em causa, razão pela qual se impõe a anulação dos actos tributários cuja parte contestada diz respeito aos referidos créditos e que foi objecto de correcção pela Administração Tributária.

 

            2) Cabe, por último, apreciar, ao abrigo do disposto no artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente.

 

            Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

            É, por isso, condição necessária para a atribuição dos referidos juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços. Nesse sentido, vd., por exemplo, os seguintes arestos: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Acórdão do STA de 30/5/2012, proc. 410/12); “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação «houve erro imputável aos serviços», entendido este como o «erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal»” (Acórdão do STA de 10/4/2013, proc. 1215/12).

 

            Tendo havido, como se nota pela leitura de 1), erro imputável à AT, dado que praticou o acto de liquidação parcialmente ilegal por sua iniciativa, conclui-se pela procedência do referido pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente.

 

***

 

            V – DECISÃO

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            – Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação das liquidações impugnadas na parte relativa à correcção correspondente aos gastos fiscais com créditos incobráveis que não foram aceites, no montante ora em causa, e o reembolso do valor indevidamente pago.

            – Julgar procedente o pedido na parte que diz respeito ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da requerente.

 

 

Fixa-se o valor do processo em €39.374,45 (trinta e nove mil, trezentos e setenta e quatro euros e quarenta e cinco cêntimos), nos termos do art. 32.º do CPTA e do art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da requerida, no montante de €1836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 31 de Outubro de 2018.                                                            

 

O Árbitro

 

 

 

(Miguel Patrício)

 

 

 

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Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.