Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 193/2018-T
Data da decisão: 2018-10-30  IRS  
Valor do pedido: € 9.146,97
Tema: IRS – Ato isolado – Determinação do rendimento tributável.
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Decisão Arbitral

 

1. Relatório

1.1 A... e B..., doravante designados por «Requerentes», contribuintes n.ºs ... e ..., respetivamente, residentes na Rua ..., ..., em ..., requereram a constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por «RJAT») e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

1.2 O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 12 de abril de 2018, tem por objeto o despacho de indeferimento do Chefe da Divisão de Justiça Tributária – Contencioso da Direção de Finanças de ..., de 16-01-2018, proferido no processo de reclamação graciosa n.º ...2017..., no uso de competência subdelegada da diretora de finanças adjunta, e a consequente anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2017..., no montante de 12 764,88€ (doze mil, setecentos e sessenta e quatro euros e oitenta e oito cêntimos), relativa ao ano de 2016.

 

1.3 Requerem ainda a condenação da Requerida ao reembolso do montante pago respeitante a parte da referida liquidação, no montante de 9 136,97€, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) e 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

1.4 Os Requerentes optaram por não designar árbitro.

 

1.5 O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 18 de abril de 2018.

 

1.6 O signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro do tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

1.7 Em 05 de junho de 2018, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

1.8 Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 25 de junho de 2018.

 

1.9 A Requerida foi notificada, por despacho arbitral da mesma data, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, querendo, e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.10 Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do CPPT.

 

1.11 Em 06 de setembro de 2018, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por impugnação, pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

1.12 Na mesma data juntou aos autos o respetivo PA.

 

1.13 Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova, para além da documental que os Requerentes juntaram ao pedido de pronúncia, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos nos artigos 16.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, por despacho de 07 de setembro de 2018, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma e determinou que o processo prosseguisse com alegações escritas, por parte dos Requerentes, uma vez que a Requerida declarou não pretender alegar.

 

1.14 No mesmo despacho foi determinado que a decisão arbitral seria proferida até ao termo a que alude o artigo 21.º/1 do RJAT.

 

1.15 Deste despacho foram as Partes notificadas em 07-09-2018. 

 

1.16 Em 18-09-2018 os Requerentes apresentaram as suas alegações.

 

 

2. Posição das Partes

2.1 Dos Requerentes

Sustentam o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:

O Requerente A..., no ano de 2016, exerceu a profissão de advogado, sendo o respetivo rendimento determinado, por opção, com base na contabilidade.

Além dos demais rendimentos do casal, também vendeu diversos pinheiros através de uma fatura emitida em 12-02-2016, no montante de 22 500,00€, configurando esta operação um autêntico ato isolado, porque subsumível na previsão ínsita no n.º 3 do artigo 3.º do CIRS, uma vez que tais rendimentos não resultam de uma prática previsível ou reiterada.

Porém os rendimentos foram incluídos no anexo “C” (campo 506) da declaração de rendimentos modelo 3, por o sistema informático não lhe permitir declará-los como se de um ato isolado se tratasse.

Neste caso não só se encontrava dispensado de dispor de contabilidade organizada, quanto a esse ato, como na determinação do rendimento tributável deveria aplicar-se o coeficiente de 0,15 previsto para o regime simplificado, por conjugação da alínea a), n.º 2, artigo 30.º e alínea a), n.º 1, artigo 31.º do CIRS, uma vez que o rendimento anual ilíquido foi de 22 500,00€, ou seja, inferior a 200 000,00€.

Donde resultaria que o imposto a pagar seria apenas de 3 627,91€, e não de 12 764,88€, pelo que foi liquidado em excesso o montante de 9 136,97€.

Terminam pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e por via disso pela anulação parcial da liquidação impugnada, com todas as consequências previstas na lei, ou seja, pelo reembolso do montante de 9 136,97€, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios calculados desde a data do pagamento indevido do imposto até à da sua devolução.

 

 2.2 Da Requerida

Defendendo-se por impugnação, invoca os seguintes argumentos:

O ato isolado é praticado por contribuintes que, não exercendo qualquer atividade profissional por conta própria ou empresarial, pratiquem um único ato, ocasional, sem carácter de continuidade. Assim, o Requerente A..., porque exerce atividade profissional por conta própria, não preenche esta previsão.

Muito embora o mesmo alegue que a venda dos pinheiros ocorre de 7 em 7 anos, ou de modo ainda mais espaçado, com uma venda esporádica de árvores, consultadas as declarações de rendimentos IRS, modelo 3, verifica-se que nos anos de 2017, 2015 e 2014, os rendimentos com a venda de pinheiros importaram em 14 605,00€, 23 500,00€ e 2 385,00€, respetivamente, pelo que tais vendas são previsíveis, consubstanciando uma atividade constante e exercida anualmente.

Por outro lado o facto de o Requerente A... se encontrar coletado por uma atividade geradora de rendimentos da categoria B (advogado), afasta a possibilidade de a venda dos pinheiros, também ela geradora de rendimentos empresariais, poder ser considerada prática de um ato isolado, de acordo com o disposto no artigo 30.º do CIRS.

Só assim seria se os rendimentos gerados pela venda dos pinheiros não resultassem de uma prática previsível ou reiterada, auferidos por um sujeito passivo que apenas obtivesse rendimentos de outras categorias.

Deste modo, no plano da incidência, nos termos do artigo 3.º do CIRS, os rendimentos obtidos pelo Requerente A..., quer os resultantes da sua atividade profissional (advogado), quer os resultantes da atividade silvícola (venda dos pinheiros), possuem uma característica comum, a de serem considerados rendimentos da categoria B, pelo que o tratamento para efeitos de apuramento líquido da categoria é uniforme.

Assim, e uma vez que o Requerente A... está enquadrado no regime da contabilidade organizada pelo exercício da profissão de advogado (categoria “B” de rendimentos), será esse o regime que se aplica à totalidade dos rendimentos dessa categoria, obtidos ou a obter, independentemente de serem resultantes de atividades com natureza distintas.      

Termina, pugnando pela total improcedência do pedido de pronúncia arbitral e absolvição da Requerida, uma vez que a liquidação controvertida consubstancia uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei.

 

 

3. Saneamento

3.1 As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

3.2 O processo não enferma de nulidades, o pedido foi tempestivamente apresentado e não foram invocadas exceções.

 

3.3 O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

3.4 Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

 

4. Fundamentação

4.1 Factos provados

Com relevo para a apreciação e decisão da questão de mérito suscitada, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

 

4.1.1 O Requerente A..., no ano de 2016, exerceu a profissão de advogado, não se dedicando à exploração silvícola, sendo o respetivo rendimento determinado, por opção, com base na contabilidade.

 

4.1.2 Em 12-02-2016 emitiu a fatura com o n.º 1000000, no montante de 22 500,00€, respeitante à venda que fez à sociedade “C..., Ld.ª”, contribuinte n.º..., de madeira em pé de pinho e eucalipto da propriedade da..., freguesia de ..., concelho de ..., que lhe coube em herança de seus pais, e na qual executou diversos trabalhos de conservação e limpeza de matos, poda de árvores e ordenamento da propriedade.

 

4.1.3 Em 30-05-2017 os Requerentes apresentaram uma declaração modelo 3 de IRS, relativo ao ano de 2016, à qual foi atribuído o n.º ... – 2016 –...–..., tendo juntado os anexos “A”, “C”, “G”, “G1” e “H”.

 

4.1.4 No anexo “C”, destinado à categoria “B” de rendimentos no regime de contabilizada organizada, foi declarado o resultado líquido do período, no montante de 42 572,55€ (quadro 4, campo 408), correspondendo 20 072,55€ a lucro tributável de atividades profissionais, comerciais e industriais (quadro 5, campo 502) e 22 500,00€ a atividades agrícolas, silvícolas e pecuários (quadro 5, campo 506).

 

4.1.5 Em 02-06-2017 a Autoridade Tributária, com base na declaração apresentada, procedeu à liquidação de IRS n.º 2017..., relativa ao ano de 2016, no montante de 12 764,88€, pago atempadamente em 30-08-2017.

 

4.1.6 O rendimento global constante da respetiva demonstração de liquidação é de 113 646,76€.

 

4.1.7 Em 27-10-2017 os Requerentes apresentaram reclamação graciosa da referida liquidação, a qual serviu de base à instauração do respetivo processo com o n.º ...2017..., tendo peticionado “(…) pelo exposto, deve a presente reclamação ser julgada procedente e proceder-se à retificação da liquidação de IRS de forma a que o rendimento declarado da atividade silvícola seja considerado para efeitos da determinação da matéria coletável apenas por 15%, com todas as consequências daí decorrentes”.

 

4.1.8 Por despacho de 16-01-2018 do chefe da Divisão de Justiça Tributária – Contencioso da Direção de Finanças de..., no uso de competência subdelegada da diretora de finanças adjunta, a reclamação graciosa foi indeferida, mantendo-se a liquidação reclamada, sendo os Reclamantes notificados através de ofício da Direção de Finanças de..., de 17-01-2018.

 

 4.2 Factos não provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

4.3 Motivação

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607º, nº 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.

 

   4.4 Matéria de Direito (fundamentação)

     Objeto do litígio

São duas as questões que constituem o thema decidenduum.

A primeira, a de saber se, no caso concreto, os rendimentos auferidos com a venda de pinheiros e eucaliptos consubstanciam um verdadeiro ato comercial e, em caso afirmativo, se isolado; e

A segunda, se os rendimentos provenientes de atos isolados referentes a atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária (alínea h), n.º 2, artigo 3.º do CIRS), praticados por sujeitos passivos que, relativamente a esses atos, não disponham de contabilidade organizada, mas que, simultânea e normalmente, exerçam uma das referidas atividades com contabilidade organizada (alínea b), n.º 1, artigo 28.º do CIRS), são determinados, para efeitos de tributação em IRS, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 30.º do CIRS, ou nos termos das regras estabelecidas no CIRC, por remissão do artigo 32.º daquele código, relativamente à totalidade dos rendimentos da categoria “B”. 

 

Questões a decidir:

- Da (i)legalidade da liquidação impugnada; e

- Do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

Da (i)legalidade da liquidação impugnada -

Quanto à primeira questão importará referir, desde já, que os advogados, enquanto profissionais liberais, ou seja, pessoas singulares que exercem de modo habitual e autónomo actividades primodialmente intelectuais, susceptíveis de regulamentação e controlo próprios a cargo, em grande medida, de associações públicas (ordens, câmaras)[1] – não são comerciantes, uma vez que os factores de produção de que se servem não constituem verdadeira organização, não é sistema auto-suficiente e autónomo, não é algo que possa separar-se do respectivo sujeito mantendo idêntica eficiência e identidade.

 

Já quanto à venda de pinheiros e eucaliptos, a mesma consubstancia a prática de uma atividade comercial. Com efeito, como refere o acórdão do STA, de 24-02-2016 (P. 0580/15), que acompanhamos, “A lei fiscal não define o que é o exercício de uma actividade comercial ou industrial, sendo que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo há muito firmada, tem aceite que a actividade comercial se revela numa acção de mediação entre a oferta e a procura com susceptibilidade de gerar lucros, ganhos, rendimentos para quem nela se lança, susceptibilidade que pode não vir, no final, a concretizar-se e pode mesmo gerar perdas, enquanto a actividade industrial é uma actividade de construção ou alteração de bens. (…) O conceito de comércio adoptado pelo legislador fiscal não se identifica com o conceito jurídico-privado do Código Comercial, sendo um conceito próprio, de natureza económica onde se inscreve toda a actividade (ainda que expressa em um só acto) que tenha por fim objectivo um lucro. (…) Desde que exista um acréscimo de valor advindo para um património por virtude do exercício de uma actividade económica (mesmo que expressa em um só acto) traduzida em criação de uma utilidade económica, resultante de uma qualquer relação do agente/contribuinte com terceiro em que, satisfazendo-se necessidades económicas deste, saia aumentado o património daquele (mediação entre oferta e procura) haverá uma actividade comercial e, se existir a incorporação de novas utilidades no bem objecto da actividade em questão, haverá uma actividade industrial (…)”.

 Assim é necessária a existência de um acréscimo de valor advindo para um património por virtude do exercício de uma atividade (mesmo que expressa num só ato) traduzida na criação de uma utilidade económica, objeto de troca, resultante de uma qualquer relação do agente/contribuinte com terceiro, cfr. refere o acórdão do TCAS de 18-04-2018 (P. 264/13-0BEALM). 

Com efeito a venda de pinheiros e eucaliptos da propriedade da ..., freguesia de..., concelho de ..., que lhe coube em herança de seus pais, resultou para o Requerente A... numa contrapartida, o preço, no montante de 22 500,00€, ao qual teríamos de abater os inerentes custos associados como a limpeza de matos, poda de árvores, ordenamento florestal e outros, para determinar o lucro da venda.

 

Porém esta venda configura indubitavelmente um mero ato isolado.

O conceito de ato isolado, para efeitos da alínea h) do n.º 2 do artigo 3.º do CIRS, encontra guarida no n.º 3 do mesmo artigo, que refere: “(…) consideram-se rendimentos provenientes de atos isolados os que não resultem de uma prática previsível ou reiterada” (negrito e sublinhado, nossos).

Por sua vez refere o n.º 2 do artigo 3.º do CIRS: Consideram-se ainda rendimentos desta categoria: h) Os provenientes da prática de atos isolados referentes a atividade abrangida na alínea a) do n.º 1 (rendimentos empresariais e profissionais decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária).

Os atos isolados serão, assim, aqueles que não assumem o carácter de profissionalidade ou de habitualidade, como referem, entre outros, os acórdãos do TCAS de 18-04-2018 antes referido, bem como o de 03-12-2015, do mesmo Tribunal, tirado no Processo n.º 07639/14.

Características que não encontramos no caso sub judice. O Requerente é advogado, não se dedica à exploração silvícola, e as árvores vendidas estavam plantadas em propriedade que o mesmo herdou. 

Como bem refere o acórdão do TCAN de 18-06-2009 (P. 00010/00), “ (…) importa, ainda, ter presente que a referência a acto isolado de natureza comercial não corresponde a uma remissão, obrigatória, para a noção de acto de comércio, inscrita no art. 2.º Cód. Comercial, encerrando, sim, a ideia de acto não inserido em qualquer actividade, mas, caso o fosse, originaria uma actividade comercial ou industrial. Ou seja, no seguimento da anterior exposição, entre o mais, tem de cogitar-se a hipótese de sermos confrontados com a existência de acto isolado de natureza comercial insusceptível, contudo, de ser qualificado como acto de comércio. (…) Para caracterizar, convenientemente, um acto isolado como comercial, torna-se necessário encontrar-lhe subjacente, ainda que de forma indiciária, a intenção de exercer uma actividade de natureza comercial, com o móbil de obter um ganho. (…) Mostra-se, pois, decisiva, a exigência do desempenho de actividades, actuações de determinado cariz, em que se confere o denominador comum da adição, da promoção, do incremento de valor, de novedias potencialidades, acrescendo a prossecução de uma finalidade especiosa, de um objectivo marcado e inequívoco, o percebimento de lucro, a busca de aumento patrimonial. (…) Em termos lineares, para afirmar a presença de um acto isolado com natureza comercial, em cédula de IRS, não basta o apuramento contabilístico de lucro, sendo necessário que tal ganho seja, em alguma medida, resultado, efeito, de actividades capazes de promoverem um aumento do valor inicial das realidades envolvidas” (sublinhado nosso).

Passando ao caso que nos ocupa, mostra-se provado que o Requerente praticou atos que aumentaram o valor inicial das árvores vendidas, abatidas em propriedade que lhe coube em herança de seus pais, para além da limpeza de matos, poda de árvores e ordenamento da propriedade, estas decorrentes de obrigação legal por parte dos proprietários florestais, cfr. Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28-06, alterado pela Lei n.º 76/2017, de 17-08, cujo incumprimento tem contribuído drástica e gravemente para a ocorrência de inúmeros incêndios florestais.

Por outro lado, a venda de árvores resultou de uma operação única praticada no ano de 2016, não obstante ter ocorrido, também, nos anos anteriores (eventualmente da mesma forma).

Assim os rendimentos não resultam de uma prática previsível nem reiterada, pelo que a referida venda preenche os requisitos previstos no n.º 3 do artigo 3.º do CIRS, para apoditicamente ser considerada como ato isolado comercial.

 

Quanto à segunda, ou seja, se os rendimentos provenientes de atos isolados referentes a atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária (alínea h), n.º 2, artigo 3.º do CIRS), praticados por sujeitos passivos que, relativamente a esses atos, não disponham de contabilidade organizada, mas que, simultânea e normalmente, exerçam uma das referidas atividades com contabilidade organizada (alínea b), n.º 1, artigo 28.º do CIRS), são determinados, para efeitos de tributação em IRS, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 30.º do CIRS, ou nos termos das regras estabelecidas no CIRC, por remissão do artigo 32.º daquele código, relativamente à totalidade dos rendimentos da categoria “B”. 

 

Comecemos por transcrever os preceitos do CIRS, na redação em vigor à data dos factos (2016), relevantes para a apreciação e decisão da questão controvertida:

 

“Artigo 28.º - Formas de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais

1 - A determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso da imputação prevista no artigo 20.º, faz-se:

a) Com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado;

b) Com base na contabilidade.

2 - Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 200 000.

3 - Os sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado podem optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade.

4 a 8 e 10 – …………………………………………………………………………...”

 

Artigo 30.º - Atos isolados

1 - Os sujeitos passivos que pratiquem atos isolados estão sempre dispensados de dispor de contabilidade organizada por referência a esses atos.

2 - Na determinação do rendimento tributável dos atos isolados:

a) Aplicam-se os coeficientes previstos para o regime simplificado, quando o respetivo rendimento anual ilíquido seja inferior ou igual a (euro) 200 000;

b) Sendo o rendimento anual ilíquido superior a (euro) 200 000, aplicam-se, com as devidas adaptações, as regras aplicáveis aos sujeitos passivos com contabilidade organizada”

 

“Artigo 31.º - Regime simplificado

1 - No âmbito do regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação dos seguintes coeficientes:

a) 0,15 às vendas de mercadorias e produtos, bem como às prestações de serviços efetuadas no âmbito de atividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas;

b) a g) - ………………………………………………………………………………...

3 - O rendimento coletável é objeto de englobamento e tributado nos termos gerais.

4 a 6 e 8 a 12 – ………………………………………………………………….,..…”

 

“Artigo 32.º - Remissão

Na determinação dos rendimentos empresariais e profissionais não abrangidos pelo regime simplificado, aplicam-se as regras estabelecidas no Código do IRC, com exceção do previsto nos artigos 51.º, 51.º-A, 51.º-B, 51.º-C e 54.º-A, com as adaptações resultantes do presente Código”.

 

Aqui chegados importa analisar como se determina o rendimento tributável dos atos isolados.

Relativamente ao rendimento auferido no âmbito da profissão de advogado, o Requerente dispõe de contabilidade organizada, nos termos da alínea b), n.º 1 do artigo 28.º do CIRS, pelo que a determinação do rendimento tributável foi efetuada nos termos do CIRC, por remissão expressa do artigo 32.º daquele código e com as exceções aí previstas, de onde resultou um lucro fiscal de 20 072,55€, inscrito no quadro 5, campo 502 do anexo “C” à declaração modelo 3 de IRS.

Mas quanto aos atos isolados, o n.º 1 do artigo 30.º do CIRS dispensa os sujeitos passivos de dispor de contabilidade organizada, quanto a esses rendimentos, ainda que superiores a 200 000,00€, aplicando-se neste caso, com as devidas adaptações, as regras aplicáveis aos sujeitos passivos com contabilidade organizada. Neste sentido pode ver-se o Projeto da Reforma do IRS (ponto 5.1.6, pp. 37/38) da Comissão para a reforma do Imposto sobre o Rendimento das pessoas Singulares, de setembro de 2014, onde refere: “Categoria B – Atos isolados  -  O objetivo da alteração legislativa proposta é clarificar que os contribuintes que obtenham rendimentos superiores a € 200 000,00 em resultado de um ato desta natureza, não estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, não obstante o seu rendimento tributável ser apurado segundo as regras previstas para o regime de contabilidade”.

Assim, não dispondo o Requerente de contabilidade organizada quanto ao ato isolado, o rendimento tributável é determinado nos termos da alínea a), n.º 2 do artigo 30.º do CIRS, uma vez que o rendimento anual ilíquido obtido de 22 500,00€, é inferior a 200 000,00€, aplicando-se os coeficientes previstos para o regime simplificado.

Destes, será aplicável o de 0,15, por, de acordo com o disposto na alínea a), n.º 1 do artigo 31.º do CIRS, ser o respeitante a vendas de mercadorias e produtos.

Assim o rendimento tributável do ato isolado é de 3 375,00€ (22 500,00€ x 0,15).

 

Diga-se, desde já, que a literalidade das normas em apreciação – o n.º 1 do artigo 30.º do CIRS e, maxime, a alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo - é suficientemente clara, não se prestando a qualquer dúvida interpretativa, pelo que, sendo a letra da lei, ou elemento gramatical, o primeiro elemento a convocar na hermenêutica jurídica, não se mostrará necessário socorrermo-nos de outros elementos de entre os disponíveis na panóplia hermenêutica, até porque, de acordo com o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, é de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Pelo que, como refere João Baptista Machado: “(…) na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento.”[2] Neste sentido, o acórdão do STA de 29-10-2014 (P. 0620/14).

Refira-se, finalmente, que o referido no artigo 17.º da Resposta da AT ao Pedido de Pronúncia Arbitral (“Em consequência, e porque relativamente aos rendimentos da categoria B, com o exercício da actividade de advogado, o Requerente A... está enquadrado no regime da contabilidade organizada, é esse o regime que se aplica à totalidade dos rendimentos dessa natureza, que eventualmente tenha obtido ou venha a obter, independentemente de serem resultantes de atividades com natureza distintas”) encontra-se em flagrante violação do disposto no n.º 1 do artigo 30.º do CIRS, quanto à faculdade de adoção de contabilidade organizada por parte do Requerente.

 

Face ao exposto é de concluir que a liquidação impugnada bem como a decisão da reclamação graciosa enfermam de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, por terem assentado numa errada interpretação da alínea a), n.º 2 do artigo 30.º do CIRS.

 

*

 

Do pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios

A Requerente pede ainda que lhe sejam pagos juros indemnizatórios, por erro dos serviços, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, tendo provado o pagamento da quantia liquidada.

Este preceito, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, refere “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

Considera-se verificada a existência de erro imputável aos serviços, segundo jurisprudência uniforme do STA[3], sempre que se verificar a procedência da reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato de liquidação (no mesmo sentido, a decisão no processo arbitral n.º 218/2013-T).

Tendo ficado demonstrada a errada aplicação da norma de incidência objetiva contida na alínea a), n.º 2 do artigo 30.º do CIRS, que justifica a anulação parcial da liquidação impugnada, reconhece-se o direito dos Requerentes a juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data do efetivo pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT.

 

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5. Decisão

Em face do exposto, decide-se:

a) Julgar procedente o pedido de anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2017..., relativa ao ano de 2016, por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito e errónea qualificação e quantificação do facto tributário, devendo o rendimento tributável relativo às atividades agrícolas, silvícolas e pecuárias, no montante de 22 500,00€, constante do quadro 5, campo 506 do anexo “C” à declaração de rendimentos modelo 3, ser determinado através da aplicação do coeficiente 0,15, com todas as consequências daí decorrentes;

b) Julgar procedente o pedido de anulação do despacho do chefe da Divisão de Justiça Tributária – Contencioso da Direção de Finanças de..., proferido no processo de reclamação graciosa n.º ...2017..., no uso de competência subdelegada da diretora de finanças adjunta, de 17-01-2018; e

c) Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar as quantias indevidamente pagas pela Requerente, acrescidas de juros, à taxa legal, desde a data dos pagamentos até à data do processamento das respetivas notas de crédito.

 

6. Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de 9 146,97€, que os Requerentes indicaram e a Requerida não contestou.

 

7. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 918,00 €, nos termos da Tabela I, anexa ao RCPAT, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

 

Lisboa, 30 de outubro de 2018.

 

 

 

 

O Árbitro,

 

 

(Rui Ferreira Rodrigues)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

 


 



[1] Jorge Manuel Coutinho de Abreu, in “Curso de Direito Comercial”, vol. I, 3.ª ed., Almedina, pág. 103

[2] Baptista Machado, João, in “Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador”, 12.ª reimpressão, Almedina, pág. 182.

[3] Acórdãos do STA de 22-05-2002, Proc. n.º 457/02; de 31.10.2001, Proc. n.º 26167; de 2.12.2009, Proc. n.º 0892/09