Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 24/2019-T
Data da decisão: 2019-06-03  IVA  
Valor do pedido: € 34.263,86
Tema: IVA – Inutilidade superveniente da lide.
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DECISÃO ARBITRAL

 

RELATÓRIO

 

 Em 15/01/2019, A..., LDA, pessoa coletiva com o número de identificação fiscal..., com sede na Rua ..., ..., ... n.º..., ...-... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (RJAT), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, solicitando a declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional de IVA n.º 2018... e respetivos juros, respeitantes ao período de 201410M, nos montantes de €29.830,91 e de €4.432,95, respetivamente, e ainda a condenação da AT no ressarcimento do montante de prejuízos resultantes da prestação de garantia indevida, que não quantifica.

 

1.            Para fundamentar o seu pedido, a Requerente alega que a mencionada liquidação adicional “assenta em pressupostos de facto e de direito erróneos no que concerne ao direito à dedução do IVA, e viola os princípios da neutralidade e da proporcionalidade que devem disciplinar a aplicação deste imposto”.

2.            O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite em 15 de janeiro de 2019 e automaticamente notificado à AT.

3.            O Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD nomeou o signatário como árbitro singular em 2019/03/06, que comunicou tempestivamente a sua aceitação.

4.            Na mesma data foram as partes notificadas da nomeação, não tendo manifestado a intenção de recusar.

5.            A Requerida não apresentou resposta quanto à questão principal da ilegalidade do ato tributário impugnado, pretendendo antes:

a.            “Quanto ao pedido principal, deverá o Tribunal declarar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art.º 287º do CPC, aplicável subsidiariamente nos termos da al. e) do art.º. 29º do RJAT, 

b.            Uma vez que o ato tributário ora impugnado foi objeto de revogação em momento posterior à constituição do Tribunal Arbitral, tendo, desse modo, ficado satisfeita a pretensão da Requerente. 

c.            O Tribunal Arbitral Singular foi constituído a 26/03/2019 e a 27/03/2019 foi proferido o despacho a notificar a AT para apresentar a sua Resposta ao abrigo e nos termos do artº. 17º do RJAT.

d.            Por despacho do Sr. Subdiretor Geral, de 12/04/2019, o ato tributário ora impugnado foi revogado, conforme informação e despacho que se junta como documento nº 1, tendo esta informação sido notificada à Requerente conforme documento nº 2 que se junta.

e.            Com a revogação do ato impugnado em data posterior à constituição do tribunal arbitral, ou seja, já na pendência da instância arbitral, o pedido de pronúncia arbitral perdeu o seu objeto principal, inexistindo, por conseguinte, qualquer utilidade na pronúncia pretendida.

f.             Nestes termos, deverá o Tribunal Arbitral declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide relativamente ao pedido principal”.

6.            Complementarmente, entende a Requerida que não há lugar ao pagamento de qualquer indemnização, por esta não ser devida, porquanto no caso concreto não esteve em causa um prejuízo sofrido pela Requerente na execução fiscal mediante o pagamento de uma garantia bancária ou outro meio equivalente, e, uma vez que não sendo o penhor uma garantia equivalente a uma garantia bancária, não é aplicável ao caso a estatuição do nº 1 do art.º 53º da Lei Geral Tributária.

7.            O Tribunal foi constituído em 2019/03/26 e é materialmente competente, considerando o disposto no art.º 2º, nº 1, alínea a) e art.º 30º, nº 1 do RJAT.

8.            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas (art.º 4º e art.º 10º, nº 2 do RJAT, e art.º 1º da Portaria 112-A/2011, de 22 de março).

9.            O processo não enferma de nulidades

 

DECISÃO

 

I - Matéria de facto

 

             Factos provados

i.             Por despacho do Sr. Subdiretor-Geral, de 12/04/2019, o ato tributário impugnado foi revogado, conforme informação e Despacho que foi junto pela AT;

ii.            A Requerente foi notificada da revogação do ato, também conforme cópia do ofício de notificação que foi junta com a Resposta.

iii.           O ato de revogação ocorreu já depois de constituído o Tribunal Arbitral, cuja constituição foi em 2019/03/26.

iv.           Não se descortina nos autos qual a natureza e o valor dos prejuízos sofridos pela Requerente com a prestação de garantia prestada sob a forma de penhor de bens dos seus inventários para suspender a execução fiscal resultante da liquidação impugnada.

 

             Factos não provados

Não existem outros factos que devam considerar-se como não provados e que possam ter relevância para a decisão.

 

             Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

1.            O Tribunal, com referência à matéria de facto, não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar as matérias provada e não provada (vide art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

2.            Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, considera-se provada a revogação do ato pela entidade competente para o fazer, já na pendência da presenta ação arbitral.

 

II – MATÉRIA DE DIREITO

 

Pedido Principal

1             Constitui objeto do presente processo a apreciação da legalidade do ato tributário de liquidação adicional de IVA n.º 2018... e respetivos juros, referentes ao período 2014/10, no montante de €29.830,91 e de €4.432,95, que foi efetuada em resultado de uma ação de inspeção levada a cabo pela AT.

2             Tendo em consideração a matéria de facto dada como provada, o Subdiretor-Geral dos Impostos, em despacho de 12 de abril do ano corrente, atuando com competência delegada, proferiu, em Informação dos Serviços do IVA, o seguinte Despacho: “Concordo. Revogo os atos tributários impugnados nos termos propostos.”

3             Significa isto que, com a revogação do ato impugnado já na pendência da ação, o pedido de pronúncia arbitral perdeu o seu objeto principal, inexistindo, por consequência, qualquer utilidade na pronúncia solicitada.

4             Tendo isto em conta, a decisão do Tribunal Arbitral só pode ser a de declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide relativamente ao pedido principal, como se encontra previsto no art.º 277º, alínea e) do CPC, subsidiariamente aplicável, tendo em conta a previsão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.

Pedido Subsidiário

Ainda assim, a Requerente, adicionalmente, apelando ao disposto no art.º 53º da Lei Geral Tributária, pretende ser ressarcida dos prejuízos “resultantes da prestação de garantia indevida” prestada sob a forma de penhor dos seus inventários, para obter a suspensão da execução fiscal que, entretanto, foi instaurada por falta de pagamento do imposto liquidado.

A AT defende a improcedência do pedido porque não existiu qualquer prejuízo que seja decorrente da prestação de garantia pecuniária, a título de garantia bancária ou outra equivalente, uma vez que a Requerente prestou garantia sob a forma de penhor e, quanto a essa, não é aplicável o art.º 53º da LGT.

E, por outro lado, diz a AT, a Requerente não comprova a existência de qualquer prejuízo que daí resulte, o qual não é minimamente concretizado nem quantificado no pedido arbitral.

Vejamos.

O regime legal do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.

 

Por seu turno, para a efetivação processual desse direito, prevê o artigo 171.º do CPPT, que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

 

Como tem sido entendimento pacífico na jurisprudência do CAAD, considera-se que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de uma indemnização ao impugnante pela prestação de garantia indevida, decidindo-se mesmo que o processo arbitral é também, em princípio, meio processualmente equivalente e adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.

Formulado o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral então passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

No caso em apreço, é manifesto que os erros subjacentes à liquidação de IVA são derivados de uma desconforme interpretação e aplicação da lei imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira que, por via do despacho de revogação, assumiu o erro justificativo do surgimento do direito à indemnização por prestação de garantia indevida.

Porém, impõe-se igualmente nos termos legais citados que tenha existido prestação de garantia bancária ou equivalente e que essa indemnização só pode ter como valor o montante dos encargos com a efetiva prestação que, ainda assim, “…tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei…”.

Como refere a AT na sua Resposta, o penhor, para efeitos destes normativos, não pode ser equiparado a uma “garantia bancária ou equivalente”.

A equivalência de que falam tanto o artº 53º da LGT como o artº 171º do CPPT, vem sendo entendida como sendo aquela que implique para “o interessado a existência de despesas cujo montante vai variando em função do período de tempo durante a qual é mantida” .

Na verdade, a garantia para ser equivalente tem de aportar para os executados custos com a respetiva prestação, o que, no caso dos autos parece não acontecer, tanto que, como resulta da matéria dada como provada, não é indicado qualquer montante de despesas inerentes à prestação de garantia sob a forma de penhor.

Daí que, não pode proceder o pedido de indemnização apresentado.

 

III – Encargos do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, «da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas diretamente resultantes do processo arbitral».

A regra básica sobre responsabilidade por encargos dos processos é a de que deve ser condenada a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for (artigo 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

No caso em apreço, surge como causa de extinção da instância a inutilidade superveniente da lide, por revogação dos atos impugnados, que, como se viu, é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira. Efetivamente a revogação do ato ocorreu já na pendência do presente processo.

Assim, neste caso, tem aplicação o que se encontra disposto no artº 536.º, n.º 3, do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), que determina que nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (excetuados os previstos nos números anteriores), a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.

Foi a AT quem deu causa à declaração de extinção da instância por verificação de inutilidade superveniente no seu prosseguimento, dado ela própria ter revogado o ato tributário impugnado já na pendência do processo arbitral.

 

IV. Decisão

 

Tendo em conta todo o exposto, o Tribunal Arbitral decide:

a)            Declarar extinta a instância arbitral por inutilidade superveniente da lide uma vez que o ato tributário foi anulado pela entidade com competência para tal;

b)           Indeferir o pedido de condenação da AT no pagamento de uma indemnização destinada a ressarcir os custos suportados pela Requerente com a prestação de garantia bancária por o caso não se encontrar abrangido pelo disposto nos artº 53º da LGT e artº 171º do CPPT.

c)            Condenar a AT no pagamento das custas.

 

 V – Valor Económico do Processo

 

Fixa-se o valor do processo em Euros 34 263,86, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

VI. Custas

De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em Euros 1 836,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa 2019/06/03

 

O Árbitro Singular

José Ramos Alexandre