Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 2/2018-T
Data da decisão: 2019-04-05  IRC  
Valor do pedido: € 120.741,70
Tema: IRC – Mais Valias; Créditos de Suprimentos; Aumento de capital; Entrada em espécie.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

 

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), João Taborda da Gama e Henrique Fiúza, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, no seguinte:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 02 de Janeiro de 2018, A..., SGPS, S.A., anteriormente B..., SGPS, S.A, NIPC ..., com sede na ..., n.º..., ..., ...-... Carregado, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRC n.º 2016 ... e da liquidação de juros compensatórios, referente ao exercício de 2013, no valor global de €120.741,70, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve a referida liquidação como objecto.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:
  1. erro na aplicação do n.º 9 do artigo 18.º do Código do IRC;
  2. violação do princípio da capacidade contributiva;
  3. violação do princípio do acréscimo e da realização;
  4. violação do princípio da justiça.

 

  1. No dia 03-01-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente procedeu à indicação de árbitro, tendo indicado o Exm.º Sr. Dr. João Taborda da Gama, nos termos do artigo 11.º/2 do RJAT. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a Requerida indicou como árbitro o Exm.º Sr. Prof. Doutor Henrique Fiuza.

 

  1. Os árbitros indicados pelas partes foram nomeados e aceitaram os respectivos encargos.

 

  1. Na sequência do requerimento apresentado pelos árbitros designados pelas partes para que o árbitro-presidente fosse designado pelo Conselho Deontológico, foi designado árbitro-presidente, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, o ora árbitro-presidente, que, no prazo aplicável, também aceitou o encargo.

 

  1. Em 15-03-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 05-04-2018.

 

  1. No dia 10-05-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. No dia 24-09-2018, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.

 

  1. Foi prorrogado por três vezes e por dois meses, em cada uma, o prazo a que alude o art.º 21.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pela Requerente, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo a que alude o art.º 21.º do RJAT, devidamente prorrogado.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. A Requerente é, e era em 2013, uma sociedade gestora de participações sociais, que tem por objecto a “gestão de participações sociais noutra sociedades, como forma indirecta do exercício de actividades económicas”.
  2. Durante o ano de 2012, a Requerente iniciou os procedimentos tendentes à aquisição da sociedade C..., S.A. (doravante, C...).
  3. Essa aquisição veio a incluir também, de forma indirecta, a D..., LDA (doravante, D...).
  4. A C... era uma empresa portuguesa, cuja principal actividade consistia na prestação de serviços de logística integrada, de produtos sob temperatura controlada.
  5. Aquando da sua aquisição pela Requerente, a C... encontrava-se numa situação de grave deficit de tesouraria, depauperação dos seus capitais próprios, incumprimento junto de vários credores, incluindo financeiros, e de recorrente geração de resultados líquidos negativos.
  6. O Revisor Oficial de Contas da C..., já em 2011, entendia que “a continuidade da empresa depende do suporte financeiro dos accionistas, da manutenção do apoio das instituições financeiras, bem como o sucesso futuro das operações, essencial para o equilíbrio e cumprimento dos compromissos financeiros”.
  7. A C... mostrava-se incapaz de gerar resultados e fluxos de caixa capazes de satisfazer as necessidades de tesouraria associadas ao passivo financeiro e comercial corrente.
  8. A avaliação dos capitais próprios da C..., reportada a 2012, segundo o método de fluxos de caixa descontados, era de €-4.909.000,00, ou seja, €-3,77 por acção.
  9. A Requerente tomou a decisão de proceder à aquisição das participações da C..., acreditando que, a longo prazo, a aposta ia vingar, com uma nova gestão e um profundo saneamento do seu balanço seria possível recuperar a empresa, correndo naturalmente o risco inerente ao próprio negócio.
  10. O projecto de aquisição da C... incluía uma estratégia de recuperação do activo que implicava as seguintes medidas, após a aquisição:
  • redução do capital para cobertura de perdas acumuladas de aproximadamente €5.000.000;
  • capitalização da sociedade com entradas em dinheiro superiores a €4.000.000;
  • conversão de créditos accionistas em capital;
  • reestruturação da dívida bancária por forma a garantir a solvabilidade da empresa.
  1. Em 11-01-2013, a E..., S.A. cedeu à Requerente os créditos que detinha sobre as entidades C... e D... .
  2. Em 11-01-2013, a Requerente adquiriu 1.269.632 acções da C..., correspondente a 97,66% do respectivo capital social, pelo valor de €671.988,69, às seguintes entidades:

  1. A Requerente ficou a deter o controlo da sociedade C..., passando esta a ser subsidiária do grupo da Requerente.
  2. Na mesma data, a Requerente procedeu à aquisição dos créditos que a vendedora E..., S.A., detinha sobre a C... e sobre a D..., créditos com o valor nominal global de €1.229.393,98.
  3. Os referidos créditos foram adquiridos por €658.421,00, tendo sido o preço de aquisição repartido da seguinte forma:

  1. A Requerente registou a diferença entre o valor nominal e o valor de aquisição dos créditos cedidos, de €1.229.393,98, como rendimento do ano 2013, na conta 7858 – Outros rendimentos e ganhos.
  2. A Requerente mensurou a aquisição dos créditos pelo critério do justo valor, considerando que o montante de €1.229.393,98, ganho reflectido na conta de resultados “7858 – Outros rendimentos e ganhos”, como um ajustamento decorrente da aplicação do justo valor.
  3. No quadro 03-A do Anexo A da Declaração Anual/IES, relativa ao ano de 2013, a Requerente declarou rendimentos de €3.837.045,72 e um resultado líquido de exercício de €3.721.992,21.
  4. A diferença entre o valor nominal e o valor de aquisição dos créditos cedidos foi deduzida pela Requerente no resultado líquido para efeitos fiscais, no campo 775 (linha em branco) do quadro 07 da declaração de rendimentos/modelo 22 de IRC de 2013.
  5. A Requerente contabilizou a aquisição das participações sociais pelo método da compra, os activos e passivos identificáveis da Requerente foram reconhecidos pelos justos valores à data de aquisição e o badwill foi reconhecido em resultados como ganho.
  6. O contrato de compra e venda de acções celebrado entre a Requerente e o E..., S.A, previa no seu n.º 3.1 – “Preço” que, para além do preço de compra e venda das acções, a compradora pagaria à vendedora o valor de €658.421,00, como contrapartida pela cessão dos créditos detidos pelo E... sobre as sociedades C... e D... .
  7. Em 21-02-2013, a Requerente adquiriu créditos adicionais sobre a C..., no valor de €36.035,26, a F..., pelo respectivo valor nominal, passando a deter um crédito global de €1.614.535,26 sobre a C... .
  8. Em 15-02-2013, foi aprovado o aumento do capital social da D..., no montante de €309.314,18, passando o respectivo capital social de €324.218,63 para €633.533,61, mediante a subscrição de duas novas quotas pela C... e pela Requerente.
  9. O aumento do capital social da D... foi realizado pela conversão em capital dos créditos detidos pela C... e pela Requerente, nos montantes de €59.586,38 e €249.728,60, respectivamente.
  10. Para efeitos contabilísticos da Requerente, o crédito sobre a D..., no montante de €309.314,98, foi convertido em capital da D... através dos seguintes lançamentos:

  1. O crédito da Requerente sobre a D... extinguiu-se pela incorporação desse crédito no capital social da D..., tendo a conta corrente “2684 – Outras dívidas a receber – D...”, sido inicialmente debitada pela aquisição do crédito e, posteriormente, creditada pelo mesmo valor pela incorporação desse crédito em capital, resultando num saldo de conta corrente nulo.
  2. Para além da extinção deste crédito, a Requerente extinguiu a sua participação no capital da D..., através contrato de cessão de quotas celebrado em 21-02-2013, cedendo a quota detida pela Requerente sobre o capital da D... a favor da sociedade G..., LDA., tendo sido apurada uma menos valia contabilística no montante de €309.313,98 registada a débito na conta “7858 – Outros Rendimentos e Ganhos”.
  3. Em 30-12-2013, o capital social da C... foi aumentado em €1.600.000,00, passando de €5.400.000,00 para €7.000.000,00.
  4. Este aumento de capital foi subscrito pela Requerente e realizado através da conversão em capital da quase totalidade da dívida.
  5. Para efeitos contabilísticos da Requerente, o crédito sobre a C..., no montante de €1.600.000,00, foi convertido em capital da C... através dos seguintes lançamentos:

  1. Posteriormente à conversão destes créditos em capital da C..., a conta “2682 –C...” passou a reflectir um saldo devedor de €14.535,26, relativamente ao remanescente do valor dos créditos adquiridos a F... .
  2. Na utilização dos créditos a converter, foi utilizado o critério FIFO (first in, first out), nos termos do qual foram aplicados a totalidade dos créditos adquiridos à vendedora E... e, só depois, parcialmente, os créditos adquiridos a F... .
  3. O intuito da Requerente com a conversão dos créditos em suprimentos foi o de oferecer um sinal de confiança e compromisso aos credores da sociedade, chamando a si todo o risco de execução sem impor ou negociar qualquer redução do valor nominal ou exigível de passivos.
  4. Com tais operações, a Requerente subtraiu a si própria o direito ao seu reembolso, substituindo o mesmo, pelo direito de vir a receber dividendos futuros caso o negócio viesse a ter sucesso ou por mais valias a serem realizadas no futuro aquando a alienação das referidas acções que foram emitidas com a conversão dos suprimentos em capital.
  5. A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva, de âmbito parcial de IRC, ao período de tributação de 2013, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2015..., que teve origem em proposta realizada pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto, efectuada com base na acção inspectiva à E... .
  6. A Requerente foi notificada, através do Ofício n.º .../... de 09-12-2015, do projecto de relatório de inspecção, e para, querendo, exercer o seu direito de audição prévia.
  7. Em 29-12-2015, a Requerente deu entrada, na Direcção de Finanças do Porto, do direito de audição. 
  8.  No projecto de relatório de inspecção foi proposta a correcção da matéria colectável da Requerente em €1.229.393,98, referente a ajustamentos realizados aquando da aquisição dos créditos sobre a C... e D..., respeitantes à diferença entre o valor de aquisição e o respectivo valor nominal.
  9. Através do Ofício ..., de 14-01-2016, a Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspecção Tributária que confirmou a proposta de correcção da matéria colectável.
  10. Do Relatório Final de Inspecção Tributária constava o seguinte:

 

 

 

 

 

                     

 

 

 

                         

 

 

 

                          

 

 

 

                             

 

 

 

                                       

 

                             

  1. A Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.º 2016..., com um valor a pagar de €120.741,70, incluindo juros compensatórios de €8.005,79.
  2. Em 12-08-2016, a Requerente apresentou reclamação graciosa n.º ...2016... .
  3. A Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, via CTT, por ofício datado de 04-10-2017.

 

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

 

 

B. DO DIREITO

 

No essencial, a questão em discussão no presente processo arbitral pode resumir-se à tributação, ou não, dos rendimentos/ganhos obtidos com a aquisição de créditos abaixo do seu valor nominal e a utilização desses créditos, pelo valor nominal, em aumentos de capital realizados com a dação dos créditos em pagamento nas subscrições efectuadas.

Procederemos à descrição dos factos mais relevantes a ter em consideração, no enquadramento contabilístico das operações e ao tratamento fiscal das mesmas.

Os factos essenciais que estão na base da discussão da matéria sub iudice podem sintetizar-se da seguinte forma:

  1. No dia 11 de Janeiro de 2013 a Requerente adquiriu pelo valor global de €671.988,69, 97,66% do capital social da C..., com o valor nominal de €4.189.965,00;
  2. Ao referido valor de aquisição acresceu o montante de €172.715,74, referente a despesas adicionais para aquisição das participações;
  3. Adquiridas as referidas acções, a Requerente procedeu à contabilização de tal aquisição pelo método da compra, os activos e passivos identificáveis da adquirida foram reconhecidos pelos justos valores à data da aquisição, e o badwill foi reconhecido em resultados como ganho;
  4. Nos termos do n.º 9 do art.º 18.º do CIRC, o sujeito passivo deduziu no campo 775, do quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22 de 2013, o valor registado a título de ajustamento por aplicação do justo valor na conta “7858 – Outros rendimentos e ganhos”, no valor de €3.247.383,14;
  5. No dia 11 de Janeiro de 2013 a Requerente adquiriu pelo valor global de €658.421,00, os créditos sobre a C... por €545.642,41 e os créditos sobre a D... por €112.778,59;
  6. Créditos esses cuja soma dos valores nominais era de €1.887.814,98, respectivamente, de €1.578.500,00 os créditos sobre a C... e de €309.314,98 os créditos sobre a D...;
  7. A diferença entre os valores totais de compra e os correspondentes valores nominais foi de €1.229.393,98;
  8. Adquiridos os créditos pelo valor indicado, a Requerente procedeu à sua contabilização pelo seu valor nominal, ou seja, pelo valor de €1.887.814,98, apurando dessa forma um ganho de €1.229.393,98;
  9. Em conformidade com o §15 da NCRF 27 – Investimentos Financeiros;
  10. No mês seguinte ao da aquisição dos referidos créditos – 15 de Fevereiro de 2013 - foi aprovado em Assembleia-geral da C... o aumento do seu capital em €309.314,98;
  11. Exactamente o valor nominal e o valor por que foram contabilizados os suprimentos adquiridos pela Requerente sobre a D...;
  12. Tendo a Requerente efectuado a dação da totalidade dos créditos de que era detentora na D... em pagamento do aumento de capital por si subscrito;
  13. Em 21 de Fevereiro de 2013, a Requerente adquiriu créditos adicionais sobre a C... no valor de €36.035,26, pelo seu valor nominal;
  14. Passando a ser detentora de créditos sobre a C... com o valor nominal de €1.614.535,26;
  15. Em 30 de Dezembro de 2013, a C... deliberou o aumento do seu capital social em €1.600.000,00, integralmente subscrito pela Requerente;
  16. Tendo a Requerente efectuado também a dação dos seus créditos em pagamento do capital por si subscrito;
  17. Cujo valor de aquisição foi de €567.142,41, correspondente a €545.642,41 dos créditos adquiridos em 11/01/2013 e a €21.500,00 dos créditos adquiridos em 21/02/2013;
  18. A Requerente integrou no seu activo novas participações sociais na C..., no valor nominal de €1.600.000,00 como contrapartida da entrada em espécie realizada pela dação em pagamento dos créditos de suprimentos referidos.

Dispõe o art.º 17.º/1 do CIRC aplicável que:

“O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do nº 1 do artigo 3º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.”[2].

Deste modo, descritas as operações realizadas, proceder-se-á de seguida ao seu enquadramento em termos da normalização contabilística e, posteriormente, ao seu tratamento fiscal.

 

*

Enquadramento contabilístico, em sede de SNC, das operações realizadas:

 

O tratamento contabilístico dos instrumentos financeiros – nos quais se incluem os créditos/suprimentos – é regulado pela NCRF 27 – Instrumentos financeiros.

Esta norma, no seu §12, estabelece como regra, a contabilização dos instrumentos financeiros ao custo ou ao custo amortizado menos perda por imparidade.

O §15 da mesma norma refere que os instrumentos financeiros que não sejam mensurados ao custo ou ao custo amortizado, devem ser mensurados ao justo valor, sendo dados exemplos de instrumentos financeiros que devem ser mensurados ao justo valor no §16, e determinando-se, no caso de mensuração ao justo valor, que a diferença entre o valor de aquisição e o justo valor, seja contabilizada com contrapartida em resultados;

            Ao contabilizar a aquisição dos créditos pelo seu valor nominal, a Requerente entendeu que os créditos que adquiriu têm enquadramento no §15, por serem enquadráveis num dos exemplos mencionados no §16, tendo, consequentemente, contabilizado de acordo com a norma indicada e apurado o resultado respectivo.

            Caso a Requerente tivesse contabilizado as aquisições de créditos pelo modelo do custo ao invés do modelo do justo valor, aquando da dação dos créditos de que era detentora em pagamento das obrigações assumidas com as subscrições dos aumentos de capital das suas associadas, a Requerente poderia ser obrigada a apurar os ganhos ou as perdas geradas com a transmissão dos créditos por dação em cumprimento.

            Assim, por exemplo, se a Requerente tivesse contabilizado as aquisições de créditos pelo modelo do custo, poderia:

  1. obter uma menos valia, se tivesse efectuado a dação dos créditos em questão, em troca de um conjunto de participações de valor nominal inferior ao dos créditos, contabilizados ao custo;
  2. obter uma mais valia, se tivesse efectuado a dação dos créditos em questão, em troca de um conjunto de participações de valor nominal superior ao dos créditos, contabilizados ao custo (como foi o caso);
  3. não obter qualquer mais ou menos valia caso tivesse efectuado a dação dos créditos em questão, em troca de um conjunto de participações de valor nominal igual ao dos créditos, contabilizados ao custo.

No caso, a Requerente procedeu à contabilização dos créditos de suprimentos que adquiriu aplicando o modelo do justo valor, como se referiu, e apurou um ganho no valor de € 196.536,39 com o pagamento em espécie da obrigação assumida com a subscrição do aumento de capital da D..., por ter recebido as participações da sociedade no valor de € 309.314,98 e ter entregado em seu pagamento os créditos por suprimentos, cujo valor de aquisição foi de €112.778,59.

Na mesma linha, apurou também a Requerente o ganho de €1.032.857,59 com o pagamento em espécie da obrigação assumida com a subscrição do aumento de capital da C..., calculado como segue: valor das participações de capital recebidas no valor de €1.600.000,00, subtraído do valor dos créditos (suprimentos) transmitidos por dação em pagamento adquiridos por €567.142,41, sendo € 545.642,41 referente aos créditos adquiridos em 11/01/2013 e € 21.500,00 referente aos créditos adquiridos em 21/02/2013.

            O ganho total obtido pela Requerente com as transmissões dos créditos (suprimentos) por dação em pagamento – pagamentos em espécie - em ambos os aumentos de capital foi assim de €1.229.393,98 (=€196.536,39+€1.032.857,59).

 

*

Enquadramento fiscal, em sede de IRC, das operações realizadas:

 

            Os ganhos por aumentos do justo valor em instrumentos financeiros são sujeitos a tributação nos termos da alínea f) do nº 1 do artigo 20º do código do IRC (CIRC) aplicável, sendo considerados rendimentos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória.

Por sua vez, as perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros, são consideradas no cálculo do lucro tributável, nos termos da alínea i) do nº 1 do artigo 23º do mesmo código.

            As determinações dos números anteriores, são excepcionadas no nº 9 do artigo 18º do CIRC, que estabelece que:

“9 — Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando:

a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5% do respectivo capital social; ou

b) Tal se encontre expressamente previsto neste Código.”

 

*

            Do quanto se expôs, conclui-se que, porque as aquisições dos créditos por suprimentos contabilizadas pelo modelo do justo valor correspondem ao reconhecimento de rendimentos/ganhos por aumento do justo valor, correspondentes à diferença entre os valores nominais (justo valor) e os respectivos valores de aquisição, nos termos da alínea f) do nº 1 do artigo 20º do CIRC, o ganho contabilizado é considerado como rendimento para efeitos de cálculo do lucro tributável do exercício em que tal ganho foi registado na contabilidade.

            Outro cenário se desenharia, se a contabilização da aquisição dos créditos (suprimentos) tivesse sido feita pelo método do custo, caso em que nenhum ganho haveria que apurar nesse momento.

            Todavia, porque os créditos adquiridos foram dados em pagamento das obrigações contraídas com a subscrição dos aumentos de capital de ambas as sociedades participadas, e porque as dações em pagamento foram feitas pelos valores nominais dos suprimentos, aquando dessas transmissões (por dação em pagamento), sempre haveria que registar contabilisticamente os ganhos obtidos, pelo que, mesmo naquele outro cenário, o ganho decorrente das operações em questão seriam tributados no exercício da transmissão dos créditos por dação em pagamento que, no caso, foi o exercício de 2013.

            Assim, porque a Requerente contabilizou ao justo valor a aquisição dos créditos, tendo assim apurado um ganho por aplicação do justo valor em 2013, e também porque, a transmissão dos créditos se verificou igualmente no exercício de 2013, e nele seriam apurados os ganhos pela transmissão dos créditos em pagamento das dívidas contraídas com a subscrição dos aumentos de capital das suas associadas, não restam dúvidas que tais ganhos em discussão deverão ser considerados em sede de tributação dos rendimentos do exercício de 2013.

            Dito de outra forma,   a contabilização da aquisição dos suprimentos pela Requerente poderia ter sido feita de acordo com um dos seguintes modelos:

- Modelo do custo – nos termos dos §§12, 13 e 14 da NCRF 27;

- Modelo do Justo valor – nos termos dos §§15 e 16 da mesma NCRF.

            A aquisição contabilizada pelo modelo do custo não origina o apuramento de qualquer ganho ou perda no momento da aquisição, sendo apurados os ganhos ou as perdas no momento da sua transmissão ou de qualquer outra causa de extinção dos activos.

Na aquisição contabilizada pelo modelo do justo valor, o ganho ou a perda referente à diferença entre o justo valor e o respectivo valor de aquisição, apurado no momento da compra/contabilização, é considerado um ganho nos termos da alínea f) do nº 1 do artigo 20º do CIRC, ou uma perda nos termos da alínea i) do nº 1 do artigo 23º.

            Como a aquisição dos suprimentos aconteceu no exercício de 2013 e a sua alienação também aconteceu no mesmo exercício, não estamos perante um problema de especialização dos exercícios (periodização do lucro tributável), sendo de aplicar ao caso, os artigos 20º (“Rendimentos”) e 23º (“Gastos”).

            Da sua aplicação, resultaria, em qualquer caso, a inclusão no lucro tributável do exercício de 2013 do ganho de €1.229.393,98, decorrente da aquisição dos suprimentos, e da sua subsequente alienação/extinção, por meio das entradas em espécie nos aumentos de capital da C... e da D... .

            Note-se que tal ganho decorre da circunstância de os aumentos de capital terem sido efectuados em valor equivalente ao valor nominal dos créditos adquiridos.

            Efectivamente, não se pode deixar de notar que, no caso, tendo em conta a relação de domínio de que a Requerente gozava em 2013 sobre as sociedade que procederam ao aumento de capital, este poderia ter sido feito pelo valor de aquisição dos créditos de suprimentos pela Requerente, caso em que não se verificaria a ocorrência de quaisquer mais-valias.

            Ao tomar a opção de concorrer ao aumento de capital, prevalecendo-se do valor nominal dos créditos de suprimentos por si adquiridos, a Requerente a sujeitou-se quer às consequências, favoráveis decorrentes de tal opção (como a detenção de participações sociais em valor nominal superior ao da aquisição dos créditos de suprimentos por si efectuada, e a titularidade de participações sociais em sociedades com um capital social de maior dimensão), quer às consequências desfavoráveis (maxime, em sede contabilística e, consequentemente, tributária) de tal opção.

            Deste modo, se a Requerente estava, como parece e indicia a matéria de facto dada como provada, convencida que o valor real dos suprimentos por si adquiridos, não correspondia ao seu valor nominal, deveria ter feito relevar esse valor real no aumento de capital, e não o seu valor nominal, não se podendo deixar de sublinhar que, por imposição legal, os valores dos suprimentos dados em troca das participações sociais adquiridas nos aumentos de capital foram, por imposição legal, validadas por revisor oficial de contas.

            Face ao exposto, o facto é que por força das operações que realizou a Requerente integrou no seu património participações sociais das sociedades em questão, com um valor nominal substancialmente superior àquele que pagou pelos créditos que trocou por tais participações.

            E se, a aquisição de tais participações poderá gerar mais ou, previsivelmente, menos valias para a Requerente, o certo é que a relevância de tal facto se situa já a jusante da matéria sub iudice, e que a relevância de tais mais ou menos valias se haverá de apurar de acordo com as normas fiscais aplicáveis, em função, eventualmente, de opções que a Requerente faça quanto ao modelo da respectiva contabilização.

            Não obstante, como se referiu, tal questão situa-se para lá da questão sub iudice que é, exclusivamente, a de saber se a aquisição e subsequente utilização/extinção dos créditos de suprimentos gerou, ou não um ganho contabilístico e tributável, questão a esta a que, por todo o exposto, não se poderá deixar de responder afirmativamente.

            Postas as coisas de outra forma, a operação de aquisição de créditos de suprimentos, e subsequente conversão dos mesmos em participações de capital social gerou na esfera da Requerente um ganho contabilisticamente relevante, sem que exista norma fiscal que afaste a relevância de tal ganho, pelo que a dedução pela Requerente do valor correspondente à diferença entre o valor de aquisição dos créditos de suprimentos em causa, e o seu valor nominal, no campo 775 do quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22 de 2013, nos termos do art.º 18.º/9 do CIRC aplicável, é legalmente inadmissível, dado que os activos em questão foram extintos ou liquidados naquele ano de 2013.

 

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            A Requerente alega que “ainda que a aquisição de créditos por um valor inferior ao valor nominal dos créditos pudesse conferir à entidade compradora, neste caso, a Requerente, o direito a ser reembolsada pelo respetivo valor nominal, o que implicou um ganho contabilístico (correspondente à diferença entre o valor nominal e o respetivo custo de aquisição) esse ganho era meramente potencial, cuja realização só viria a efetivar-se com o pagamento da dívida por parte da entidade devedora (no caso C... e D...) – o que não aconteceu

            Sucede que este raciocínio da Requerente está, ressalvado o respeito devido, viciado, já que a efectivação dos ganhos decorrentes da aquisição de créditos por um valor inferior ao valor nominal se há-de aferir não, especificamente, por referência ao momento da sua liquidação em numerário, mas por referência ao momento da sua extinção – por esta ter acontecido antes e assim inviabilizar a sua liquidação em numerário - e por reporte à situação patrimonial, contabilisticamente relevada, daí decorrente.

            Como se explicou previamente, no que diz respeito à aquisição e, subsequente, extinção dos créditos de suprimentos, a Requerente apurou contabilisticamente, e realizou, uma mais valia.

            A questão que a Requerente coloca situa-se já não no que diz respeito às vicissitudes dos créditos de suprimentos, que cessaram, no ano de 2013, a sua existência jurídica, mas em relação ao valor das participações sociais que, por troca daquela extinção, recebeu.

            Daí que, o momento da realização das mais/menos valias decorrentes dos activos financeiros correspondentes aos créditos de suprimentos seja, inequivocamente, o ano de 2013.

            Deste modo, deverá ser em sede da consideração das mais ou menos valias inerentes às participações sociais de que se tornou titular no quadro dos aumentos de capital a que concorreu, e do correspondente tratamento contabilístico e fiscal, que se haverá de aferir dos ganhos ou perdas que tal operação gerará.

            Invoca, ainda, a Requerente, a seu favor, a ficha doutrinária veiculada pelo Despacho P 3330/04 de 13-10-2005, bem como a posição da AT num pedido de informação vinculativa, decidido por despacho datado de 15-01-1997.

            Todavia, tais posições da AT foram tomadas sob a égide de normas contabilísticas e fiscais distintas das vigentes à data do facto tributário sub iudice, não se vislumbrando que as mesmas sejam transponíveis para o quadro legal aplicável, nem demonstrando a Requerente, por qualquer forma, que assim seja.

            E, sendo certo que, então como agora, o legislador acolheu o princípio da realização como pedra de toque da tributação das mais valias, menos certo não é, como se demonstrou, que face às normas em vigor à data do facto tributável, tal princípio concretizou-se relativamente aos créditos de suprimentos adquiridos pela Requerente (que os adquiriu por um valor, e os realizou por troca com activos de valor superior), sendo unicamente aplicável tal princípio, como também se explicou, relativamente aos activos (participações sociais) adquiridos pela Requerente aquando da realização dos créditos de suprimentos previamente adquiridos e trocados por aqueles, situação que, como igualmente se viu, se situa a jusante da questão decidenda.

            Alega, também, a Requerente que, julgando-se acertada a aplicação do art.º 18.º/9 do CIRC aplicável relativamente à realização das mais valias decorrentes da aquisição, e subsequente liquidação/extinção, dos créditos de suprimentos, se verificará um violação do princípio da capacidade contributiva, na medida em “que todas as operações geraram, no máximo, um ganho potencial futuro, uma vez que só no momento em que o valor nominal dos créditos seja recebido ou após a venda das participações da sociedade, se verifica um acréscimo da capacidade contributiva da entidade compradora dos créditos”.

            Novamente, incorrerá aqui a Requerente, ressalvado o respeito devido, numa confusão entre o recebimento do valor nominal dos créditos, que está longe de preencher a única forma da sua extinção/liquidação, com a venda das participações da sociedade.

            Relativamente ao primeiro aspecto, como se demonstrou supra, a Requerente realizou um mais valia, trocando os créditos que adquiriu por participações sociais de valor superior (quando poderia ter efectuado uma troca por valores equivalentes).

            Quanto ao segundo aspecto, relativo às mais (ou menos) valias, resultantes da venda das participações sociais que adquiriu no aumento de capital, como também se indicou já, existem regras próprias, reportadas ao enquadramento contabilístico que das mesmas seja feito, e cuja competência reside, em primeira linha, na esfera da Requerente.

            Revertendo à situação concreta, o que se verifica é que, acolhendo a tese da Requerente, esta integraria no seu património as participações sociais que adquiriu nas operações de aumento de capital, pelo seu valor nominal, e as sociedades participadas veriam aumentado o seu capital social, também pelo valor nominal, dos créditos de suprimentos aportados pela Requerente, sem que tais alterações patrimoniais fossem relevadas contabilística e fiscalmente, pelo que, se no futuro, a Requerente procedesse à alienação daquelas participações sociais pelo seu valor nominal, as mesmas não seriam tributadas, por não aportarem qualquer incremento patrimonial contabilisticamente relevante.

            Assim, e pelo exposto, não se verifica qualquer violação do princípio da capacidade contributiva, nem, consequentemente, das normas constitucionais invocadas pela Requerente a este propósito.

            Argumenta, ainda, a Requerente, a violação dos princípios do acréscimo e da realização, na medida em que este “prevê que não concorram para a formação do lucro tributável as mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade”.

            Novamente, aqui há que convocar a distinção entre as mais valias resultantes da aquisição e, subsequente, liquidação/extinção dos créditos de suprimentos, e as mais ou menos valias decorrentes da aquisição e subsequente alineação/liquidação das participações sociais adquiridas pela Requerente nos aumentos de capital.

            Assim, relativamente às primeiras, não se tem dúvidas que se consumou o invocado princípio da realização.

Relativamente às segundas, a Requerente não invoca, nem muito menos demonstra, que estejam reunidos os pressupostos para a aplicação de qualquer norma da qual decorre a concorrência negativa de qualquer menos valia (potencial) no exercício de 2013, que anule ou compense a mais valia decorrente da primeira operação, pelo que não se verifica a violação de qualquer normativo relevante, ou invocado pela Requerente, na matéria.

Argui, por fim, a Requerente que “a liquidação impugnada e respetivo ato subsequente são violadores do princípio da justiça”.

Concretizando, aventa a mesma Requerente que “No caso vertente, isto significa que, ainda que os factos sub judice determinassem a emissão da liquidação contestada, (...) Tendo em consideração que a Requerente não obteve quaisquer ganhos com a operação, a AT deveria ter-se abstido de emitir a liquidação impugnada, em respeito para com o princípio da justiça.”.

Também aqui, em função do quanto foi dito, se há-de concluir de maneira oposta.

Com efeito, e como se demonstrou, na operação de aquisição e, subsequente extinção/liquidação dos créditos de suprimentos, a Requerente gerou uma mais valia contabilística, e fiscalmente relevante, correspondente à diferença entre o preço de aquisição daqueles, e o valor das participações de capital adquiridas.

Se, quod erat demonstrandum, a aquisição de participações sociais gerou uma menos valia contabilística e/ou fiscalmente relevante, susceptível de anular ou compensar, no exercício de 2013, a mais valia detectada pela AT, e que não é susceptível, face às normas contabilísticas e fiscais aplicáveis, de ser anulada, é questão que não integra o objecto do presente processo, e, em todo o caso, a Requerente não demonstra.

Deste modo, também nesta perspectiva, se conclui pela não verificação de qualquer violação do princípio do acréscimo e da realização, bem como das normas que o acolhem, invocadas pela Requerente.

 

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            Deste modo, e face a todo o exposto, haverá que julgar integralmente improcedente o pedido arbitral formulado, absolvendo-se a Requerida do pedido.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, absolver a Requerida do pedido.

 

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €120.741,70, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 5 de Abril de 2019

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(João Taborda da Gama – com declaração de voto)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Henrique Fiúza)

 

 

 

 

 

Declaração de Voto

 

Reconhecendo a coerência formal da decisão, e a complexidade da questão subjacente, teria votado em sentido diverso pela razão substancial que em termos muito sucintos passo a expor.

A operação em causa, em que a Requerente converte créditos adquiridos abaixo do valor nominal em capital ao valor nominal, num contexto de sociedades dominadas, não altera, em termos substanciais, a posição patrimonial da sociedade. Como a própria decisão admite, o contexto de domínio aqui presente, teria permitido que o aumento de capital fosse realizado e contabilizado de modo a que não se verificassem as alegadas mais-valias. É precisamente o acentuado formalismo contabilístico do raciocínio da liquidação ora contestada, num contexto em que não houve um aumento de riqueza do sujeito passivo, que levanta dúvidas sobre a justiça da solução. Este facto levar-me-ia a votar de modo diverso, afastando, por força do princípio constitucional da capacidade contributiva, neste preciso caso, a aplicação do artigo 18.º, n.º 9 do CIRC do modo preconizado pela Administração e confirmado pela presente decisão. Contribuíram também para esta posição a prova testemunhal sobre a má situação financeira das empresas participadas.

Caso houvesse alguma desconfiança sobre as razões da contabilização e posterior conversão ao valor nominal (que não foram alegadas) seria algo a poder ter relevância em sede da quantificação de uma potencial mais-valia a jusante, mas nunca, atento o princípio da capacidade contributiva, neste contexto. A tese que fez vencimento afasta pois que o valor das participações seja posto em causa no futuro.

                                                                                             

 

 

(João Taborda da Gama)

Lisboa, 4/4/19

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] Sublinhado nosso.