Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 5/2018-T
Data da decisão: 2019-02-07  IMI  
Valor do pedido: € 238,16
Tema: IMI – Isenção de IMI – Artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do EBF.
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Decisão Arbitral

 

I  – Relatório

  1. A..., na qualidade cabeça de casal de B..., com o número de identificação fiscal..., doravante designada por Requerente, com domicílio fiscal em Rua ..., n.º..., Porto, apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por RJAT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por Requerida), com o objetivo de obter a declaração de ilegalidade da decisão do Chefe do Serviço de Finanças do Porto ... que, com poderes delegados, Indeferiu a reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) relativo ao ano de 2016, bem como a anulação do referido ato de liquidação.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exm.º Presidente do CAAD em 4 de Janeiro de 2018 e automaticamente notificado à AT.

 

  1. Atento o disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou o signatário como árbitro, que de imediato aceitou o encargo. As Partes, devidamente notificadas, não manifestaram qualquer oposição à designação do árbitro.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redação que lhe foi dada pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal Arbitral singular foi constituído em 12 de Março de 2018.

 

  1. Em 14 de Março de 2018 foi notificada a Exm.ª Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º do RJAT.

 

  1. Em 20 de Abril de 2018, a requerida apresentou a sua resposta e, nos termos do n.º 2 do artigo 17.º do RJAT, remeteu para ser junto aos autos o processo administrativo.

 

  1. Em 20 de Junho de 2018, foi proferido despacho arbitral a determinar a dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a determinar a notificação das partes para apresentação de alegações.

 

  1. A requerente apresentou as alegações em 04 de Setembro de 2018 e as alegações da requerida foram apresentadas em 06 de Setembro de 2018.

 

  1. Em face da complexidade dos normativos legais, de posições doutrinais e jurisprudenciais díspares sobre matéria controvertida semelhante, o tribunal entendeu desenvolver aturado estudo da matéria objeto do presente processo arbitral, pelo que, nos termos do artigo 21.º do RJAT, foram proferidos despachos de prorrogação do prazo para prolação da decisão arbitral, os quais estão inscritos no histórico do processo arbitral constante do sistema aplicacional do CAAD.

 

  1. O tribunal arbitral é materialmente competente, atento o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

 

 

  1. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

  1. Não foram invocadas exceções e o processo não enferma de nulidades.

 

  1. Em face do disposto no normativo da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado tempestivamente.

 

I – 1 – CAUSA DE PEDIR E PEDIDO

 

Constituem causa de pedir do pedido de pronúncia arbitral:

 

  1. O indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2017..., decidida por despacho de 29.09.2017 do Chefe de Finanças do Serviço de Finanças Porto..., proferido ao abrigo de delegação de competências.

 

  1. A reclamação graciosa foi apresentada contra o ato de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), titulada pelo documento de identificação n.º 2016..., no valor de € 238,16 (1.ª prestação), referente ao ano de 2016 e relativo ao prédio urbano inscrito no artigo U-..., sito na Rua..., n.º..., e integrado na União das Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ...; do município do Porto.

 

  1. A ilegalidade do ato de liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), do ano de 2016, supra identificado, porquanto o prédio urbano objeto da tributação beneficia da isenção de IMI, prevista na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, doravante designado por EBF.

 

 

  1. A Requerente pede a anulação do ato de liquidação do IMI do ano de 2016 e a restituição do valor indevidamente pago, com o pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

 

I – 2 – DA POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

2.1     A Requerida considera que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2017..., bem como o ato de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) do ano de 2016, no valor de € 238,16, referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial U-..., da União das Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ...; do município do Porto, não enferma de qualquer ilegalidade, na medida em que o referido prédio não beneficia da isenção prevista no normativo da alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF.

 

2.2     Em conformidade, a Requerida sustenta a legalidade da decisão de Indeferimento da reclamação graciosa, porquanto, o ato de liquidação é legal e decorre dos normativos aplicáveis nos termos do código do IMI, dado que o prédio supra identificado não beneficia da isenção prevista na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF.

 

 

I – 3    QUESTÕES DECIDENDAS

 

Ao tribunal arbitral singular cumpre decidir sobre:

3.1     Se o prédio urbano supra identificado beneficia da isenção de IMI prevista alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF.

 

3.2     Da ilegalidade da decisão de Indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação de IMI do ano de 2016, e referente ao prédio Urbano supra identificado.

 

3.3     Sobre a ilegalidade do ato de liquidação de IMI do ano de 2016, referente ao referido prédio, efetuado pelos Serviços da AT e notificado nos termos da lei.

 

3.4     Do pagamento indevido do IMI, no valor de € 238,16, referente ao ano de 2016, decorrente da liquidação titulada pela Nota de liquidação n.º 2016... .

 

3.5     Da condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT.

 

 

II – DO ENQUADRAMENTO RELEVANTE

II – 1 – DO ENQUADRAMENTO EFETUADO PELA REQUERENTE

 

  1. O prédio urbano objeto da liquidação de IMI pertence à herança de B... e situa-se numa freguesia abrangida pela denominada "Zona Histórica do Porto", designadamente na Freguesia da ..., classificada pela UNESCO como Património Cultural da Humanidade.

 

  1. A "Zona Histórica do Porto", formada por uma parte da circunscrição territorial referente às antigas Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., foi individualmente classificada, com a publicação do Decreto n.º 67/97, de 31 de Dezembro de 1997, como imóvel de interesse público e não como um conjunto de imóveis de interesse público.

 

 

 

  1. A "Zona Histórica do Porto" é um imóvel individualmente classificado como de interesse público nos termos daquele Decreto n.º 67/97, de 31 de Dezembro de 1997, que o colocou a par de outros imóveis individualmente classificados no mesmo diploma como sendo de interesse público, como sejam a Estação de S. Bento e muitos outros por todo o país.

 

  1. A "Zona Histórica do Porto" possui, do ponto de vista do interesse público e monumental, um carácter uno e inseparável que está patente na preocupação do legislador em designá-la de imóvel, uma zona non aedificandi, com especiais restrições à construção e à reabilitação, e totalmente credora de uma isenção de IMI, em função do desígnio nacional da sua recuperação e daquelas restrições impostas aos proprietários de imóveis inseridos nesta zona.

 

  1. A isenção de IMI prevista na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF não decorre exclusivamente da classificação individual da "Zona Histórica do Porto" como imóvel de interesse público, uma vez que é do conhecimento comum, que uma parte desta "Zona Histórica do Porto" está classificada pela UNESCO como património mundial.

 

  1. A Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, (Lei de Bases “da política e do regime de proteção e valoração do património cultural”), no n.º 7 do seu artigo 15.º estabelece que "os bens culturais imóveis incluídos na lista do Património Mundial integram, para todos os efeitos e na respetiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional".

 

  1. Em face do disposto no n.º 3 do artigo 15.º da referida Lei de bases, adota se a designação “monumento nacional” para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios.

 

  1. Uma vez que o prédio visado pela liquidação de IMI se encontra na zona classificada como património mundial (situa-se na antiga freguesia da ...), é ele próprio parte integrante de um monumento nacional.

 

  1. É de referir que a própria titular pública das receitas do IMI — a Autarquia do Porto — reconhece a isenção, como se retira da informação constante do documento "Delimitação da Área de Reabilitação Urbana do Centro Histórico do Porto em Instrumento Próprio" (cfr. página 163), publicado pela Sociedade de Reabilitação Urbana do Porto, ao referir que a parte do Centro Histórico do Porto que está classificada como Património Mundial beneficia da isenção de IMI também atribuída aos imóveis individualmente classificados como de interesse público.

 

 

 

II – 2 – ENQUADRAMENTO EFETUADO PELA REQUERIDA

 

2.1     Das alegações produzidas pela Requerente, a Requerida acolhe como relevante que:

a) A Requerente é proprietária de um prédio urbano localizado na “Zona Histórica do Porto”.

b) A “Zona Histórica do Porto” encontra-se classificada pelo Decreto n.º 67/97, de 31 de Dezembro e pela Portaria n.º 975/2006, de 12 de Junho.

c) A “Zona Histórica do Porto” encontra-se ainda inscrita na Lista do Património Mundial da Unesco de 1996.

d) A “Zona Histórica do Porto” encontra-se ainda classificada como Monumento Nacional por força do artigo 15.º da Lei de Bases do Património Cultural.

 

2.2     A “Zona Histórica do Porto” não se confunde com o “Centro Histórico do Porto”. São duas realidades culturais distintas.

 

2.3     A “Zona Histórica do Porto” está classificada como sendo um imóvel de interesse público, por via do Decreto n.º 67/97 e da Portaria n.º 975/2006. A classificação

 

“Imóvel de Interesse Público” não se confunde com a classificação de “Monumento Nacional”.

 

2.4     O “Centro Histórico do Porto” está classificado como bem cultural de “Interesse Nacional” em decorrência da sua inclusão na Lista do Património da Humanidade, conforme decorre do n.º 7 do artigo 15.º da Lei de Bases do Património Cultural (LBPC), em articulação com o Aviso n.º 15 173/2010, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 147, de 30 de Julho de 2010.

 

2.5     A alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF estabelece que “estão isentos de imposto municipal sobre imóveis (…) os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados de interesse público ou de interesse municipal nos termos da legislação aplicável.”

 

2.6     Nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 44.º do EBF, a classificação de prédios como monumentos nacionais ou com classificação individualizada de imóveis de interesse público só poderá ser feita pela Direção-Geral do Património Cultural.

 

2.7     Durante o Estado novo o regime jurídico do património cultural previa três graduações do conceito de Classificação, pelo que os imóveis poderiam ser classificados como sendo: i) Monumento Nacional; Imóvel de Interesse Público; iii) Imóvel com Valor Concelhio.

 

2.8     A Lei n.º 13/85, de 6 de Julho (primeira Lei de Bases do Património Cultural), integrou uma evolução conceptual e acolheu novas graduações. Para os bens imóveis esta Lei previa três categorias, a saber: i) Monumentos; ii) Conjuntos; iii) Sítios.

 

2.9     A Lei n.º 13/85 nunca foi regulamentada e por esta razão durante toda a sua vigência, os bens culturais continuaram a ser classificados à luz das graduações patentes no regime jurídico do património cultural criado pelo Estado Novo e referida no ponto 2.7.

 

2.10     A Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro (Lei de Base do Património Cultural (LBPC)), no seu artigo 15.º, prevê três classificações: i) Interesse Nacional; ii) Interesse Público; iii) Interesse Municipal.

 

2.11     Desde 2001 que não existe uma classificação denominada de Monumento Nacional, mas apenas classificações denominadas de Interesse Nacional, de Interesse Público ou de Interesse Municipal, pelo que é impossível afirmar, como faz a Requerente, que o Centro Histórico do Porto está classificado como Monumento Nacional.

 

2.12     Não existe qualquer classificação da Unesco denominada “Património da Humanidade”, “Património da Unesco”, “Património Mundial” ou outra expressão equivalente.

 

2.13     A “Lista do Património Mundial” a que se refere o n.º 2 do artigo 11.º da Convenção de 1972 e, portanto, a lista a que se refere o n.º 7 do artigo 15.º da LBPC é tão só uma Lista que está a cargo do Comité do Património Cultural, no sentido de garantir que, conforme previsto no artigo 6.º da Convenção da UNESCO de 1972, o bem cultural reconhecido constitui um património universal para a proteção do qual a comunidade internacional no seu todo tem o dever de cooperar.

 

2.14     Ao inscrever o “Centro Histórico do Porto” na “Lista do Património Mundial” o Comité do Património Cultural da UNESCO não procedeu a qualquer prévio procedimento administrativo de classificação, como aliás, relativamente a todos os bens culturais portugueses que integram aquela Lista.

 

2.15     O artigo 72.º do Decreto-Lei n.º 309/2009 ao determinar a abertura oficiosa de um procedimento de classificação após a inclusão de um bem na lista da UNESCO mais não faz do que clarificar que até à abertura oficiosa do procedimento não existia qualquer classificação.

 

2.16     A classificação de que beneficia o “Centro Histórico do Porto” resulta da articulação dos normativos da LBPC, do Decreto-Lei n.º 309/2009 e do Aviso n.º 15 173/2010, de 30 de Julho.

 

2.17     O Aviso n.º 15 173/2010 ao referir que “(…) torna-se público que, em 1996, foi incluído na lista indicativa do Património Mundial da UNESCO o conjunto conhecido por centro histórico (…)” veio conferir eficácia à decisão do Comité Mundial da UNESCO, visando publicitar, através de publicação em 2010 no Diário da República, a decisão tomada em 1996 pelo Comité da UNESCO.

 

2.18     À luz do n.º 7 do artigo 15.º da LBPC, os bens culturais inscritos na “Lista do Património Mundial da Unesco” estarão classificados como imóveis de Interesse Nacional.

 

2.19     Como corolário do desenvolvimento hermenêutico em torno do conceito de classificação, denominação, designação, categorias e graduações, conclui-se que o “Centro Histórico do Porto” : i) pertence à categoria de Conjunto (n.º 1 do Aviso n.º 15 173/2010); ii) Está incluído na Lista de bens classificados como de Interesse Nacional (artigo 15.º, n.º 7 da LBPC); iii) É designado por Monumento Nacional (artigo 3 e 7 da LBPC), sendo que a designação de Monumento Nacional não se confunde nem equivale ao conceito de classificação denominada de Monumento Nacional constante do Decreto n.º 20 985 de 1932.

 

2.20     A Convenção do Património de 1972 no seu artigo 1.º estabelece que “Para efeitos da presente Convenção serão considerados como património cultural: (…) Os conjuntos – Grupos de construções isoladas ou reunidos que, em virtude da sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem têm valor universal excecional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência.”

 

2.21     A Convenção da UNESCO de 1972 apela a uma ideia de unidade ou continuidade arquitetónica, todavia, admite que nem todos os agrupamentos arquitetónicos ou de construções, ainda que de valor universal excecional, gozam de uma uniformidade ou homogeneidade total, pelo que no “conjunto” podem existir imóveis desprovidos de valor cultural.

 

2.22     O conjunto denominado “Centro Histórico do Porto” não constitui, à luz do artigo 2.º do Código do IMI, um prédio, mas sim uma universalidade composta por milhares de prédios.

 

2.23     O 1.º segmento do artigo 44.º, n.º 1, al, n) do EBF reporta-se à classificação do Monumento que vigorou no nosso ordenamento jurídico até à entrada em vigor da LBPC, classificação que não pode ser confundida com o conceito de designação de Monumento Nacional (interesse nacional) patente, para o que ali releva nos artigos 15.º. n.º 3 e 15.º, n.º 7 da LBPC.

 

2.24     Se a Requerente e o Tribunal enveredarem pela equivalência ou equiparação entre as classificações previstas na legislação do Estado Novo e as previstas na LBPC, ou seja, pela equivalência entre a classificação Monumento Nacional (prevista no Decreto 20 3985 de 1932) e a classificação Interesse Nacional (prevista no artigo 15.º, n.º 2 da LBPC) sempre se dirá que tal raciocínio, além de ilegal, padece de inconstitucionalidade.

 

 

III – DAS DILIGÊNCIAS PROCESSUAIS

 

  1. Com vista à livre convicção do tribunal, em face do normativo da alínea e) do artigo 16.º do RJAT, atinente à livre apreciação dos factos e à livre determinação das diligências probatórias, articulado com o princípio do inquisitório previsto no artigo 99.º da LGT, aplicável por remissão da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o tribunal teve em consideração todos os elementos de prova apresentados pela Requerente e pela Requerida.

 

  1. O tribunal teve em consideração as decisões arbitrais invocadas, quer pela Requerente, quer pela Requerida, de que se destacam as decisões arbitrais referentes aos processos n.ºs 325/2014-T, 76/2015-T, 33/2016-T, 98/2016-T, 379/2016-T, 534/2016-T. 204/2017-T, 354/2017-T, bem como os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, proferidos no processo n.º 277/14.4BELRS-CT, de 27.04.2017, processo n.º 00134/14.4BEPRT, de 07.12.2016, processo n.º 00693/14.1BEPRT, de 01.06.2017, processo n.º 01480/14.2BEPRT, de 04.05.2017, e no processo n.º 09510/16-CT, de 29.06.2017, e do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo n.º 00134/14.4BEPRT, 2.ª Secção do Contencioso Tributário.

 

  1. O tribunal analisou a página 163 dos “Anexos do Documento de Delimitação da Área de Reabilitação Urbana do Centro Histórico do Porto”, datado de Dezembro 2011, disponível em http://www.portovivosru.pt/pt/area-de-atuacao/areas-de-reabilitacao-urbana/aru-centro-historico-do-porto, invocada pela Requerente no artigo 22.º do pedido de pronúncia arbitral. A referida página está integrada num documento que aborda os Incentivos e Programas de Apoio à ARU do Centro Histórico do Porto e no ponto relativo aos “Incentivos Fiscais”, na página 163, no espaço referente ao IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis (alínea a) é referido que “Estão isentos de IMI os prédios classificados como Monumentos Nacionais e os prédios individualmente classificados como de Interesse Público, de Valor Municipal ou Património Cultural. Assim, a parte do Centro Histórico do Porto que está classificada como Património Mundial, beneficia deste regime (art.º 40.º, n.º 1, alínea n) do EBF, art.º 15.º n.º 3 e n.º 7, Lei n.º 107/2001, de 2001/09/08, e Lista do Património Mundial da UNESCO, em 1996, como Centro Histórico do Porto).

 

  1. O tribunal analisou ainda o documento de “Delimitação da Área de Reabilitação Urbana do Centro Histórico do Porto em Instrumento Próprio”, disponível em http://www.portovivosru.pt/pt/area-de-atuacao/areas-de-reabilitacao-urbana/aru-centro-historico-do-porto, no qual, a páginas 104, está inscrito o ponto 6.4.6 sob a epígrafe de “Aperfeiçoar o regime fiscal/programas de financiamento, aplicáveis a áreas e edifícios classificados” de que se destacam os segmentos seguintes “Ainda que aspetos fundamentais deste objetivo estejam para além do alcance direto deste programa estratégico, considera-se indispensável, senão mesmo decisivo para o financiamento das intervenções projetadas, propor superiormente aperfeiçoamentos no regime fiscal existente, designadamente no que respeita às regras atuais de isenção do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI).

Estabelecida no regime de benefícios fiscais existente a isenção total deste imposto para imóveis classificados, considera-se que deverá ser dado o mesmo tratamento que oportunamente foi estabelecido para o Imposto Municipal sobre Transações de imóveis (IMT), aplicando-se por inteiro única e exclusivamente a edifícios individualmente classificados e a todos aqueles que, comprovadamente, concluíram obras de reabilitação. A não o fazer, isto é, aplicando-se de forma indiscriminada a todos os imóveis que compõem uma área classificada de interesse nacional, como é o caso do Centro Histórico do Porto, estar-se-á a premiar a inação dos proprietários que não realizam obras de reabilitação nos seus imóveis (…)”.

 

IV – DO MÉRITO

IV – 1 – OS FACTOS

IV – 1 – 1 – FACTOS PROVADOS

 

Escalpelizada e analisada a prova documental produzida, com interesse para a apreciação e decisão da causa consideram-se provados os factos seguintes:

 

  1. A herança aberta por óbito de B..., com o número de identificação fiscal..., em 2016, é proprietária do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo U-... da União das freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., do concelho do Porto, sito em Rua ..., n.º..., Porto, conforme caderneta predial junta ao pedido de pronúncia arbitral como documento 4.

 

  1. O conjunto conhecido por “Centro Histórico do Porto”, localizado nas freguesias da ..., ..., da ... e de ..., concelhos do Porto e Vila Nova de Gaia, distrito do Porto, faz parte da Lista do Património Mundial da UNESCO, conforme Aviso n.º 15 173/2010, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 147, de 30 de Julho de 2010.

 

  1. Os limites territoriais do “Centro Histórico do Porto” e da “Zona Histórica do Porto” não são coincidentes conforme se constata através do Anexo I ao Aviso n.º 15 173/2010, publicado no Diário da República n.º 147, 2.ª Série, de 30 de Julho de 2010, e da delimitação gráfica constante da planta referente à “Zona Histórica do Porto” anexa à Portaria n.º 975/2006, publicada no Diário da República n.º 113, 2.ª Série, de 12 de Junho de 2006.

 

  1. A não coincidência total dos limites territoriais do “Centro Histórico do Porto” e da “Zona Histórica do Porto” é irrelevante para a decisão da causa, porquanto, o prédio objeto da liquidação de IMI em crise situa-se na área da antiga freguesia da ... e esta integra território incluído em ambas as realidades denominadas por “históricas”.

 

  1. A Requerente foi notificada da liquidação de IMI n.º 2016..., no valor de € 238,16, referente ao ano de 2016, relativa ao imóvel supra identificado, conforme Nota de Liquidação junta ao pedido de pronúncia arbitral como documento 3.

 

  1. Em 26 de Abril de 2017, a Requerente procedeu ao pagamento do IMI referente à liquidação identificada no ponto anterior, conforme documento integrado no Processo Administrativo junto ao processo Arbitral pela Requerida.

 

  1. A Requerente apresentou contra a liquidação de IMI supra identificada reclamação graciosa, a qual foi indeferida por Despacho de 29.09.2017 do Chefe de Finanças do Serviço de Finanças Porto ..., conforme cópia da Notificação e da decisão junta ao pedido de pronúncia arbitral como documento 1.

 

 

IV – 1 – 2 – FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não ficou provado que a Direção Geral do Património Cultural haja certificado nos termos da LBPC, que o Prédio algo da liquidação de IMI está individualmente classificado. Não há outros factos essenciais com relevo para apreciação do mérito da causa, os quais não se tenham provado.

 

 

V – 2 – MATÉRIA DE DIREITO

 

2.1     Em ordem a decidir sobre as questões decidendas importa elencar e escalpelizar o direito aplicável.

 

2.2       A liquidação de IMI do ano de 2016 em crise foi realizada pelos Serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira ao abrigo dos artigos 1.º, 2.º, 8.º, 112.º e 113.º todos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).

 

2.3     A tributação do prédio urbano inscrito sob o artigo U-... da União das Freguesias de..., ..., ..., ..., ... e ...; do município do Porto, só pode ser afastada em face da existência de algum benefício fiscal de natureza objetiva ou subjetiva.

 

2.4     Nos termos do artigo 2.º do EBF “consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem.”. E, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do mesmo diploma legal “os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam direta e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais atos posteriores de reconhecimento.”.

 

2.5     Por sua vez, o n.º 1 do artigo 6.º do EBF prescreve que “a definição dos pressupostos objetivos e subjetivos dos benefícios fiscais deve ser feita em termos genéricos, e tendo em vista a tutela de interesses públicos relevantes, só se admitindo benefícios de natureza individual por razões excecionais, devidamente justificadas no diploma que os instituir.”

 

2.6     Importa, assim, decidir se à luz do quadro legal vigente o prédio urbano supra identificado beneficia da isenção prevista na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF, normativo que estabelece que estão isentos de IMI “os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável.”.

 

2.7     Importa atender à evolução normativa do enquadramento legal quanto à qualificação ou classificação de imóveis com relevância de bem cultural e, nesta medida, há que referir que a Convenção para a Proteção do Património Mundial, Cultural e Natural, que ocorreu em Paris em 1972, foi aprovada pelo Estado português através do Decreto n.º 49/79, de 6 de Junho. A Convenção visou estabelecer quais os bens culturais e naturais que podem vir a ser inscritos na Lista do Património Mundial, fixando os deveres dos Estados subscritores quanto à identificação e proteção dos referidos bens.

 

2.8     O prédio em questão é um imóvel que se situa no “Centro Histórico do Porto”, sendo este um conjunto ou grupo de construções isoladas ou reunidas que, em virtude da sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem, têm valor como património cultural.

 

2.9     O “Centro Histórico do Porto” foi inscrito na “Lista do Património Mundial da UNESCO”, conforme declarado pelo Aviso n.º 15 173/2010, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 147, de 30 de Julho de 2010, emitido ao abrigo do n.º 3 do artigo 72.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro.

 

2.10   O Decreto-Lei n.º 309/2009 estabelece o procedimento de classificação dos bens imóveis de interesse cultural, bem como o regime jurídico das zonas de proteção e do plano de pormenor de salvaguarda, em desenvolvimento do regime jurídico aprovado pela Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, sendo que esta Lei procedeu à revogação das Lei n.ºs 2032, de 11 de Junho de 1949, e 13/85, de 6 de Julho.

 

2.11   Assim, é à luz dos normativos da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro (LBPC), e do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro, que tem de ser avaliada e ponderada a classificação do imóvel com excecional relevância cultural denominado por “Centro Histórico do Porto”, bem como do prédio urbano alvo da liquidação de IMI do ano de 2016, cuja legalidade se aprecia no âmbito do presente processo arbitral.

 

2.12   No âmbito do regime jurídico aprovado pela Lei n.º 107/2001 são bens culturais os bens móveis e imóveis que, de harmonia com o disposto nos n.ºs 1, 3 e 5 do artigo 2.º daquela lei, representem testemunho material com valor de civilização ou de cultura, isto é, todos os bens que integram património cultural relevante e que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura, devam ser objeto de especial proteção e valorização.

 

2.13   Há que atentar que, nos termos do n.º 7 do artigo 15.º da Lei n.º 107/2001, os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respetiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional, sendo que, nos termos do n.º 2 do referido artigo 15.º, os bens móveis e imóveis podem ser classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal.

 

2.14   Por sua vez, nos termos do n.º 3 do artigo 15.º da Lei n.º 107/2001, e do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, independentemente de serem monumentos, conjuntos ou sítios, adotar-se-á a designação «monumento nacional».

 

2.15   Uma vez que o normativo do n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 107/2001 estabelece que “os bens imóveis podem pertencer às categorias de monumento, conjunto ou sítio, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional (…)”, importa considerar que para efeitos de património cultural, nos termos do artigo 1.º da Convenção de 1972, o conceito de monumento é uma realidade que pode integrar “obras arquitetónicas, de escultura ou de pintura monumentais, elementos ou estruturas de carácter arqueológico, inscrições, grutas e grupos de elementos com valor universal excecional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência”.

 

2.16   A delimitação de um conjunto ou sítio é estabelecida em resultado da avaliação efetuada no âmbito do procedimento de classificação regulado nos normativos dos artigos 4.º a 35.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, sendo que, nos termos do n.º 1 do artigo 56.º do mesmo diploma legal, na área abrangida pela delimitação de um conjunto ou de um sítio podem coexistir bens imóveis individualmente classificados.

 

2.17   Quanto à relevância das zonas de proteção importa atentar nos normativos do capítulo III do decreto-Lei n.º 309/2009, designadamente dos artigos 39.º, 41.º e 43.º, porquanto, o n.º 2 do artigo 56.º do atrás referido Decreto-Lei estabelece que “os efeitos da zona de proteção de um bem imóvel individualmente classificado mantêm-se até à publicação da classificação do conjunto ou sítio (…). Ora, deste normativo apenas decorre a eliminação da zona de proteção do imóvel individualmente classificado, visto que tal zona de proteção é abrangida pela área territorial do conjunto ou sítio classificado, ao qual, por sua vez, no âmbito do procedimento de classificação, será atribuído uma zona de proteção. Assim, há que sublinhar que a classificação de um conjunto ou sítio não extingue a classificação individualmente atribuída previamente a um imóvel, bem como não impede a posterior classificação individual de imóveis integrados em conjunto ou sítio, entendendo-se classificação para este feito com o sentido decorrente do n.º 1 do artigo 18.º da LBPC (o ato final do procedimento administrativo mediante o qual se determina que certo bem possui um inestimável valor cultural).

 

2.18   É nesta contextualização que tem de ser feita a exegese dos normativos do artigo 44.º do EBF, em ordem a fixar o seu alcance normativo para determinar se o prédio supra identificado está ou não isento de IMI.

 

2.19   Assim, importa não olvidar que o atual artigo 44.º do EBF resulta da remuneração feita ao EBF através do Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho, pelo que os normativos relevantes para o caso sub judice constavam do artigo 40.º do EBF, cuja redação foi alterada pelo artigo 82.º da Lei n.º 53.º-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007). A partir de 1 de Janeiro de 2007 a norma da alínea n) do n.º 1 do artigo 40.º do EBF passou a dispor que estão isentos de imposto municipal de imóveis “os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, nos termos da legislação aplicável.”. No essencial esta norma corresponde à atual redação da alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF.

 

2.20   Na sua redação inicial a norma da alínea n) do n.º 1 do artigo 40.º do EBF estabelecia que estavam isentos de IMI “os prédios classificados como monumentos nacionais ou imóveis de interesse público e bem assim os classificados de imóveis de valor municipal ou como património cultural, nos termos da legislação aplicável”.

 

2.21   Esta norma não só na letra da lei, mas, outrossim, no sentido jurídico material é bastante diferente da norma que passou a vigor a partir de 1 de Janeiro de 2007, bem como da atual norma doa alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF que estabelece que “os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável” estão isentos de IMI.

 

2.22   Considerando que são fatores da hermenêutica jurídica os elementos gramatical (a letra da lei), o elemento racional (ou teleológico), o elemento sistemático e o elemento histórico, há que concluir que com a alteração introduzida no normativo da alínea n) do n.º 1 do artigo 40.º do EBF (atual artigo 44.º) se verificou uma inequívoca vontade do legislador no sentido de alterar os pressupostos da isenção de IMI dos prédios classificados. Esta vontade foi determinada e consciente, porquanto, o legislador fez incluir na lei normativos transitórios, tendo através da alínea c) do artigo 88.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, determinado que “a administração fiscal notifica, no prazo de 180 dias após a entrada em vigor da presente lei, todos os sujeitos passivos, que se encontrem a beneficiar da isenção referida na alínea n) do n.º 1 do artigo 40.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, da cessação deste benefício por alteração dos seus pressupostos”.

 

2.23   A alteração dos pressupostos para a atribuição da isenção do IMI, a qual, nos termos do n.º 5 do artigo 44.º do EBF, é automática, operando mediante a comunicação da classificação do imóvel, tem subjacente uma inequívoca vontade ou intenção (mens legis) de restringir o âmbito de aplicação da isenção do imposto municipal de imóveis.

 

2.24   Na interpretação e aplicação do atual normativo da alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF não é possível não ter em ponderação estes elementos de natureza histórica e teleológica. Se assim não se fizer não se estará a fazer uma adequada aplicação da lei, colocando em causa os fins da tributação que visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e promover a justiça social, a igualdade de oportunidades e as necessárias correções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento (artigo 5.º da LGT e artigo 103.º da CRP). Assim, a tributação deve ser feita num quadro de igualdade, de legalidade e de justiça material, em ordem a que a tributação do património contribua para a igualdade entre os cidadãos (n.º 3 do art.º 104.º do CRP).

 

 

 

2.25   É verdade que, com base nos normativos já referidos da Lei n.º 107/2001 e do Decreto-Lei n.º 309/2009, o “Centro Histórico do Porto” foi classificado de “Monumento Nacional”, porém, tal como é referido no Aviso n.º 15 317/2010, o “Centro Histórico do Porto” é um conjunto com relevância cultural e valor universal excecional, o que o torna um bem imóvel singular não enquadrável no conceito de prédio ínsito no artigo 2.º do CIMI. Tanto assim é que o “Centro Histórico do Porto” não está inscrito enquanto tal em qualquer artigo matricial predial.

 

2.26   Por outro lado, a classificação do “Centro Histórico do Porto” como imóvel de interesse nacional não determina a automática e universal classificação de todos os imóveis integrados no seu perímetro. O que foi classificado foi a unidade diversificada culturalmente constituída pelo conjunto a que foi atribuída a denominação de “Centro Histórico do Porto”. A confirmação desta asserção decorre da consulta à planta 11 (Edifícios de Valor Patrimonial ou Museológico), ínsita na página 67 do documento denominado “Centro Histórico do Porto Património Mundial – Plano de Gestão Volume I”, em que a Câmara Municipal do Porto considera que dentro do limite da área incluída na Lista da Unesco existe património classificado como monumento nacional, património classificado como imóvel de interesse público e património em via de classificação. Este documento pode ser consultado em http://www.portovivosru.pt/pdfs/planoges_HPPM_v1.pdf.

 

2.27   Acresce que o conjunto conhecido por “Centro Histórico do Porto” não é um prédio para os efeitos previstos nas normas de incidência do CIMI, pelo que não está sujeito a IMI, logo não pode ser isento do referido imposto. Porém, não é esta a questão em apreciação no presente processo arbitral, o que está em causa é saber se os prédios inscritos nos artigos matriciais das freguesias integradas no “Centro Histórico do Porto” estão isentos de IMI. A resposta do tribunal tem de ser negativa.

 

2.28   Os prédios inscritos nas matrizes prediais, não obstante integrarem o “Centro Histórico do Porto”, conservam a sua autonomia jurídica e económica, e embora contribuam para o valor universal excecional do tecido urbano do centro histórico não

se confundem com ele. Tais imóveis, de per si, são um bem jurídico autónomo que, nos termos da lei, desempenham uma função cuja relevância tem de ser individualmente avaliada, e à luz do normativo da alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF, só estarão isentos de IMI se ele próprio for classificado enquanto realidade jurídica.

 

2.29   Com a inclusão na Lista da UNESCO e a publicação do Aviso n.º 15 173/2010, o “Centro Histórico do Porto” passou a constituir uma realidade jurídica, social, económica e histórica autónoma sujeita à regras do regime jurídico de proteção e valorização do património cultural, porém, tal circunstância não extinguiu a autonomia jurídica dos bens que o integram enquanto conjunto urbano, o qual, como já se referiu, não passou a constituir um prédio enquadrável nos normativos do artigo 2.º do CIMI.

 

2.30   Deste modo, os prédios inscritos nas matrizes prediais das freguesias que integram o perímetro territorial do “Centro Histórico do Porto” para beneficiarem da isenção prevista na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF terão de ser individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, o que não se verificou em relação ao prédio urbano que motivou a liquidação do IMI do ano de 2016, e que constitui matéria decidenda do presente processo arbitral.

 

2.31   É irrelevante pretender fundamentar a isenção dos prédios que integram o perímetro do “Centro Histórico do Porto” com a análise comparativa entre o elemento gramatical do preceito da alínea g) do artigo 6.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosa de Imóveis (CIMT) e o elemento gramatical da alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF, porquanto, o ato jurídico sujeito a tributação é absolutamente distinto. No IMI tributa-se a propriedade do bem, enquanto que no IMT se tributa o ato de transmissão e a isenção do IMT só se coloca, em concreto, em relação ao imóvel que seja alvo de transmissão e que tenha sido classificado, o que não se verifica-se no IMI, porquanto, o bem sujeito a tributação pode ser bem diverso do bem alvo da classificação, tal como acontece em relação ao “Centro Histórico do Porto”. Nesta medida, os prédios que integram aquele centro histórico, porque são uma realidade jurídica autónoma, só podem usufruir da isenção prevista na alínea n) do n.º 1

do artigo 44.º do EBF se forem individualmente classificados de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável.

 

2.32   Nesta medida, como o prédio inscrito na matriz predial sob o artigo U-... da União das Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ...; do município do Porto, não foi alvo de qualquer uma das referidas classificações, a liquidação de IMI do ano de 2016, supra identificada, não padece de qualquer ilegalidade, pelo que o imposto é legal e devido não sendo a atuação dos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira suscetível de qualquer censura.

 

VI – DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral; e

 

  1. Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

 

VI – 1 – VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 238,16 (duzentos e trinta e oito euros e dezasseis cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC).

 

 

VI – 2 – CUSTAS

O valor das custas é fixado em € 306 (trezentos e seis euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

Notifique-se

 

Lisboa, 07 Fevereiro de 2019

 

O Árbitro

 

 

Jesuíno Alcântara Martins

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.