Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 35/2018-T
Data da decisão: 2019-01-11  IVA  
Valor do pedido: € 3.265.009,15
Tema: Dedução de IVA – artigos 78.º, n.º 6 e 98.º, n.º 2 do Código do IVA.
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Fernanda Maças (Árbitra Presidente), Nuno Cunha Rodrigues e Paulo Lourenço, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 5 de abril de 2018, acordam no seguinte:

 

I – RELATÓRIO

A..., SA, pessoa coletiva nº..., com sede social na ..., nº ..., ...-... Lisboa, doravante designada por Requerente, veio, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), apresentar pedido de pronúncia arbitral visando a declaração de ilegalidade das liquidações adicionais números 2017..., no montante de € 1 002 954,51 (um milhão dois mil novecentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta e um cêntimos), 2017..., no montante de € 1 196 367,83 (um milhão cento e noventa e seis mil trezentos e sessenta e sete euros e oitenta e três cêntimos) e 2017..., no montante de € 702 127,76 (setecentos e dois mil cento e vinte e sete euros e setenta e seis cêntimos), acrescidas dos juros correspondentes, tudo num total de € 3 265 009,15 (três milhões duzentos e sessenta e cinco mil e nove euros e quinze cêntimos).

Por requerimento de 16 de abril veio o SP requerer, ao abrigo do artigo 63.º e, bem assim se for esse o caso, dos artigos 64.º e 65.º, do CPTA, a que acresce o artigo 265.º n.º 2 do CPC (aplicáveis ex vi artigo 29.º do RJAT), que seja também:

a) declarada a ilegalidade dos, e sejam consequentemente anulados os, actos de liquidação de IVA (i) no montante de € 27.847,02 com o n.º 2017..., a que corresponde o processo de execução fiscal n.º ...2018..., (ii) no montante de € 712.237,17, com o n.º 2016..., a que corresponde o processo de execução fiscal n.º ...2018..., e (iii) no montante de € 1.158.412,19, com o n.º 2016..., a que corresponde o processo de execução fiscal n.º ...2018..., e bem assim que seja declarada e ilegalidade dos, e sejam consequentemente anulados os actos de liquidação dos correspondentes juros n.ºs 2018... (€ 2.428,29), 2018... (€ 1.411,83) e 2018... (€ 2.296,26), pelas mesmas razões e fundamentos que constam da petição inicial com respeito às primitivas liquidações de IVA e dos correspondentes juros;

b) a AT consequentemente condenada a ressarcir a Requerente pelos prejuízos decorrentes de prestação das garantias indevidas com respeito a estas novas liquidações de IVA e juros e correspondentes processos de execução fiscal (Docs. n.ºs 13 a 18 que aqui se juntam), indemnização esta calculada com base nos custos incorridos com a prestação destas garantias até ao seu levantamento.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 29 de janeiro de 2018 e, na mesma data, automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 15 de março de 2018 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 5 de abril de 2018.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 4 de julho de 2018 foi dispensada reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

Apenas o SP apresentou alegações reiterando os argumentos de direito quanto ao mérito da causa invocado no Pedido Arbitral.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1 do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Foi suscitada pela Requerida a exceção relativa ao valor da causa e solicitado pelo SP a inutilidade superveniente da lide e a ampliação do pedido, questões que serão analisadas após fixação da matéria de facto.

O processo não enferma de nulidades.

 

II – MATÉRIA DE FACTO

II.1FACTOS PROVADOS

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão–se como assentes e provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade comercial que, no exercício da sua atividade presta serviços postais, realizando o serviço de correio e de encomendas em Portugal e ainda o serviço expresso, em Espanha e Portugal;
  2. Para além disso, a Requerente presta igualmente serviços de natureza financeira e de telecomunicações, procedendo à cobrança postal de títulos;
  3. A Requerente, até ao final do ano de 2014, realizava operações que conferem o direito à dedução e outras que não conferem tal direito, deduzindo o IVA suportado em função de um prorata geral;
  4. Até ao final do ano de 2014, a Requerente não liquidava o IVA nas operações referentes à cobrança postal de títulos, tendo presente o conteúdo da informação vinculativa nº 1604, de 17 de junho de 2007;
  5. A Requerente solicitou em 2015 a confirmação da AT no sentido de manter a isenção em relação às operações de cobrança postal de títulos, tendo obtido uma resposta contrária às suas pretensões, conforme consta da informação vinculativa nº 9022;
  6. A Requerente liquidou e pagou o IVA referente às operações de cobrança postal de títulos, em relação aos anos de 2013 a 2014, no montante de € 1 896 563,71 (um milhão oitocentos e noventa e seis mil quinhentos e sessenta e três euros e setenta e um cêntimos);
  7. Como consequência da liquidação, a Requerente procedeu à revisão integral do procedimento de dedução do IVA em relação aos anos anteriormente mencionados, no sentido de recuperar o imposto que havia deduzido a menos em função do novo enquadramento;
  8. Na sequência da ação de inspeção a que corresponde a ordem de serviço nº OI2017..., de 12 de abril de 2017, a AT não aceitou as deduções efetuadas com efeitos retroativos e procedeu às respetivas correções, liquidando adicionalmente o IVA indevidamente deduzido, em relação aos anos de 2013 e 2014;
  9. A Requerente não efetuou o pagamento das liquidações adicionais dentro do prazo de pagamento voluntário, razão pela qual foram instaurados os correspondentes processos de execução fiscal;
  10. A Requerente apresentou oposições à execução em relação aos processos executivos mencionados, tendo sido julgadas procedentes as que tinham na sua base as liquidações adicionais 2017... e 2017..., nos montantes, respetivamente, de € 1 196 367,83 (um milhão cento e noventa e seis mil trezentos e sessenta e sete euros e oitenta e três cêntimos) e € 702 127,76 (setecentos e dois mil cento e vinte e sete euros e setenta e seis cêntimos);
  11. Em relação às duas liquidações de IVA nos montantes de € 1.196.367,83 e € 702.127,76 respetivamente, a Requerente teve delas conhecimentos através das notificações das correspondentes liquidações de juros (Docs. n.ºs 4 e 5) e das correspondentes citações para execução fiscal (Docs. n.ºs 2 e 3).
  12. A Autoridade Tributária procedeu à anulação da liquidação adicional nº 2017 ... e da liquidação dos juros de mora nº 2017..., nos montantes, respetivamente, de € 1 196 367,83 e € 231 182,65, na sequência da oposição apresentada pelo SP nos processos de execução fiscal;
  13. A Autoridade Tributária procedeu igualmente à anulação da liquidação adicional nº 2017... e da liquidação dos juros de mora nº 2017..., nos montantes, respetivamente, de € 702 127,76 e € 132 376,40, na sequência da oposição apresentada pelo SP nos processos de execução fiscal;
  14. As liquidações de impostos e juros de mora n.ºs 2017... e ..., nos valores, respetivamente, de € 1 196 367,83 e € 231 182,65, referentes ao período de IVA 2014/01, possuem data de anulação de 2018-01-26 (doc n.º1 junto com o requerimento apresentado pela Requerida, na sequência de despacho do Tribunal de 8 de outubro de 2018, que se dá por reproduzido para todos efeitos legais .
  15. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral data de 5 de abril de 2018.
  16. Em 3 de Fevereiro de 2018 (contando com a dilação legal de 5 dias) os A... foram citados para três novas execuções fiscais, mais uma vez (i) sem que as liquidações sob execução lhe tivessem sido notificadas, (ii) sem que lhe tivesse sido dado oportunidade para proceder ao pagamento voluntário, sem juros de mora, antes iniciados os processos de cobrança coerciva (iii) e sem que alguma vez lhe tivessem sido indicados os meios e prazos para defesa contra as liquidações sob execução. A saber:

i) Processo de execução fiscal n.º ...2018..., para cobrança de liquidação de IVA no montante de € 27.847,02 (Doc. n.º 4), e respetivos juros;

ii) Processo de execução fiscal n.º ...2018..., para cobrança de liquidação de IVA no montante de € 712.237,17, e respetivos juros (Doc. n.º 5)

iii) Processo de execução fiscal n.º ...2018..., para cobrança de liquidação de IVA no montante de € 1.158.412,19, e respetivos juros (Doc. n.º 6);

 

  1. O SP apresentou garantias bancárias com vista à suspensão dos processos de execução fiscal que lhe foram movidos e correspondentes às liquidações de IVA impugnadas e correspondentes juros (cfr. docs 13 a 18, juntos pelo SP);

A factualidade provada teve por base a posição das partes livremente apreciada pelo Tribunal, os documentos que foram juntos aos autos pela Requerente e pela Requerida, incluindo o PA.

 

II.2. FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO 

III-1. QUESTÕES A DECIDIR

A) Questões prévias

a. Do valor da causa    

 

No caso dos autos, veio a entidade Requerida invocar na contestação, como questão prévia, que o Tribunal devia fixar como valor da ação o montante constante na liquidação adicional de IVA n.º 2017..., no montante de € 1.002.954,51 referente ao período de Dezembro de 2013 (ponto 1  da contestação), porquanto as demais, a saber a liquidação de IVA no montante de € 1.196.367,83, e a liquidação de IVA no montante de € 702.127,76, bem como a liquidação dos respetivos juros compensatórios, referentes ao período de janeiro e fevereiro de 2014, haviam sido anuladas na sequência da oposição apresentada pela Requerente face aos correspondentes processos de execução fiscal.

Vejamos.

 

Na determinação do valor da causa deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, nos termos do artigo 299.º, n.º1, do CPC subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º1, alínea e), do RJAT .

Por aplicação adaptada ao processo arbitral do artigo 259.º, n.º1, do CPC, a instância inicia-se pela propositura da ação e esta considera-se  proposta, intentada ou pendente,  logo que seja recebida  na secretaria do CAAD o pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

Assim sendo, nas palavras de Jorge Lopes de Sousa, “são irrelevantes as modificações de valor que possam advir da revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário  cuja ilegalidade foi suscitada ou de desistência  ou redução de pedidos”.

Segundo o mesmo Autor, “Da mesma forma não implicarão alteração ao valor da causa, eventuais ampliações do pedido primitivo que se considerem admissível, por serem, desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo (artigo 265.º, n.º2, do CPc), como, por exemplo, aumento derivado de juros indemnizatórios ou de indemnização por garantia indevida” (Cfr. Guia da Arbitragem Tributária, 3ª ed., Almedina, Coimbra, p. 155).

Em face do exposto, não assiste razão à Requerida.  

 

b. Da inutilidades superveniente da lide

 

Notificada da contestação veio o SP alegar, entre o mais, que tinha a “AT o dever de, no largo prazo legal que lhe é concedido antes da comunicação da constituição do Tribunal Arbitral, dar notícia no processo arbitral: i) da revogação/anulação da liquidação de IVA no montante de € 1.196.367,83, a que correspondeu o processo de execução fiscal n.º ...2017..., e a que correspondeu, conforme revelado por correspondente liquidação de juros, o número de liquidação 2017...; ii) da revogação da liquidação de IVA no montante de € 702.127,76, a que correspondeu o processo de execução fiscal n.º ...2017..., e a que correspondeu, conforme revelado por correspondente liquidação de juros, o número de liquidação 2017...;iii) e da revogação das liquidações dos correspondentes juros compensatórios n.ºs 2017... (sobre € 1.196.367,83) e 2017... (sobre € 702.127,76).”

Porém só na sua Resposta de 09 de Maio de 2018, já com o Tribunal Arbitral constituído, a Requerida veio comunicar que as supra identificadas liquidações de IVA e de juros compensatórios se encontravam anuladas, “dando finalmente resposta ao pedido de esclarecimento constante do requerimento dos A... remetido aos autos em 13 de Abril de 2018, e notificado à AT em 16 de Abril de 2018.”

Alega a Requerente que “Os processos de oposição à execução fiscal (cujas petições iniciais aqui se juntam como Docs. n.ºs 1 e 2) apenas visaram a extinção de execuções fiscais ilegais (por não precedidas de notificação das correspondentes liquidações de imposto), que não a discussão e anulação de actos de liquidação, que foram submetidos a discussão no processo declarativo, e impugnatório de actos de liquidação, que é a arbitragem tributária, tendo dado origem ao presente processo arbitral.

“Donde”, argumenta o SP, “que estas liquidações anuladas o foram, necessariamente, por iniciativa da AT (…)”.

“ Donde que, tudo somado, se vislumbre inutilidade superveniente da lide no que respeita aos actos de liquidação de IVA e de juros compensatórios supra identificados (liquidações de IVA n.º 2017...– € 1.196.367,83 – e n.º 2017...– € 702.127,76 –, e liquidações de juros n.º 2017...– sobre € 1.196.367,83 – e n.º 2017...– sobre € 702.127,76).

“Inutilidade superveniente da lide quanto a estas identificadas liquidações, mas sem prejuízo da responsabilidade pelas custas de quem lhe deu causa (a AT)”.

Vejamos.

 

Como resulta do probatório veio a Requerida depois de devidamente notificada para o efeito pelo Tribunal, por despacho de 8 de outubro de 2018, confirmar a anulação oficiosa das referidas liquidações em 26 de janeiro de 2018.

Assim sendo, como defende o SP, impendia sobre a entidade requerida o dever de, no prazo legal que lhe é concedido antes da comunicação da constituição do Tribunal Arbitral, dar aquelas informações no processo arbitral. Porém, só na sua Resposta de 9 de Maio de 2018, já com o Tribunal Arbitral constituído, se dignou a Requerida comunicar que as supra identificadas liquidações de IVA e de juros compensatórios se encontravam anuladas, sem esclarecer como nem em que datas.

Acresce que tendo as referidas liquidações sido anuladas por iniciativa da Requerida, conduz como consequência à inutilidade superveniente da lide no que respeita aos atos de liquidação de IVA e de juros compensatórios supra identificados (liquidações de IVA n.º 2017... – € 1.196.367,83 – e n.º 2017...– € 702.127,76 –, e liquidações de juros n.º 2017 ... – sobre € 1.196.367,83 – e n.º 2017 ... – sobre € 702.127,76), com responsabilidade pelas custas de quem lhe deu causa (a AT).

Termos em que assiste razão ao SP quanto à inutilidade superveniente da lide das mencionadas liquidações da responsabilidade da Requerida.

 

c. Quanto à ampliação do pedido

No requerimento de 19 de maio veio também o SP solicitar a ampliação do objeto da causa porquanto, entre o mias, “ainda que anulando emboras as liquidações supra referidas, nem por isso o que elas representavam das correcções da Inspecção tributária ao IVA de 2013, ficou sem liquidações correspondentes”.

“Com efeito, (…)  logo tratou a AT de emitir novas liquidações de IVA e de juros, como os A... tiveram oportunidade de relatar documentadamente no requerimento remetido para os autos em 13 de Abril de 2018 (e notificado à AT em 16 de Abril de 2018), para além de manter a liquidação de IVA n.º 2017..., no montante de € 1.002.954,51, referenciada no artigo 1.º da Resposta da AT.

“Pelas razões legais aí invocadas, e que aqui se consideram reproduzidas, deve o objecto do processo ser alargado conforme requerido, de modo a compreender, para efeitos de prolacção de uma decisão de mérito, para além da apreciação da liquidação de IVA n.º 2017..., no montante de € 1.002.954,51 (e da apreciação do ressarcimento dos custos com garantias), referenciada no artigo 1.º da Resposta da AT, o seguinte ainda:

a) a apreciação da legalidade dos actos de liquidação de IVA (supervenientemente conhecidos[1]) (i) no montante de € 27.847,02 com o n.º 2017..., a que corresponde o processo de execução fiscal n.º ...2018..., (ii) no montante de € 712.237,17, com o n.º 2016 ..., a que corresponde o processo de execução fiscal n.º ...2018..., e (iii) no montante de € 1.158.412,19, com o n.º 2016..., a que corresponde o processo de execução fiscal n.º ...2018..., e bem assim que seja declarada a ilegalidade e consequentemente anuladas e dos actos de liquidação dos correspondentes juros n.ºs 2018... (€ 2.428,29), 2018... (€ 1.411,83) e 2018 ... (€ 2.296,26), cuja declaração de ilegalidade e anulação se pede pelas mesmas razões e fundamentos que constam da petição inicial com respeito às primitivas liquidações de IVA e dos correspondentes juros;

b) a apreciação do pedido de condenação da AT a ressarcir os A... pelos prejuízos decorrentes de prestação das garantias indevidas com respeito também a estas novas liquidações de IVA e juros e correspondentes processos de execução fiscal (cfr. os Docs. n.ºs 13 a 18 juntos ao requerimento remetido pelos A... aos autos em 13 de Abril de 2018), indemnização esta calculada com base nos custos incorridos com a prestação destas garantias até ao seu levantamento.”

Notificada a Requerida para exercer contraditório nada disse.

Vejamos.

 

Nos termos do disposto no art. 63.º, n.º1, do CPTA até ao encerramento da discussão em primeira instância, o objeto do processo pode ser ampliado à impugnação de atos que venham a surgir no âmbito ou na sequência do procedimento em que o ato impugnado se insere. Por sua vez, segundo o art. 64.º, n.º1, do mesmo normativo, “Quando, na pendência do processo, o ato impugnado seja objeto de anulação administrativa acompanhada ou sucedida de nova regulamentação, pode o autor requerer que o processo prossiga contra o novo ato com fundamento na reincidência nas mesmas ilegalidades…”

Considerando os preceitos em causa e as circunstâncias que rodearam a práticas das novas liquidações, bem como o momento em que é feito do pedido, julga-se procedente o pedido de ampliação deduzido pelo SP, em nome do princípio da economia processual e da tutela judicial efetiva.

Termos em que, assistindo razão ao SP, o objeto do processo compreende:

 

a)Declaração da ilegalidade da liquidação de IVA n.º 2017..., no montante de € 1.002.954,51, e respetivos juros;

b) Declaração da ilegalidade dos atos de liquidação de IVA (i) no montante de € 27.847,02 com o n.º 2017..., a que corresponde o processo de execução fiscal n.º ...2018..., (ii) no montante de € 712.237,17, com o n.º 2016..., a que corresponde o processo de execução fiscal n.º ...2018..., e (iii) no montante de € 1.158.412,19, com o n.º 2016..., a que corresponde o processo de execução fiscal n.º ...2018..., e bem assim que seja declarada e ilegalidade dos, e sejam consequentemente anulados os, actos de liquidação dos correspondentes juros n.ºs 2018... (€ 2.428,29), 2018... (€ 1.411,83) e 2018... (€ 2.296,26).

 

B) Quanto ao mérito 

No caso em apreço, coloca-se a questão de saber se a Requerente tem o direito a deduzir, com efeitos retroativos, o imposto suportado no âmbito da respetiva atividade e não deduzido inicialmente, na parte respeitante às aquisições de bens e serviços que podem ser diretamente imputados às operações de cobrança postal de títulos as quais, em função do novo enquadramento, passaram a ser sujeitas a imposto.

O entendimento da Requerente resulta da circunstância, dada como provada, de a AT ter modificado o regime do IVA da Requerente relativamente a “operações sobre títulos”, passando-o de “de isento sem direito à dedução” para “sujeito com direito à dedução”, exigindo o consequente pagamento retroactivo de IVA referente ao ano de 2013 e limitando, subsequentemente, o direito à dedução do IVA correspondente.

A AT, em 2015, modificou igualmente o entendimento relativo às “operações de cobrança postal de títulos” tendo a Requerente, nesse mesmo ano, liquidado e pago, retroactivamente, IVA sobre as operações de "cobrança postal de títulos", no montante de € 1.896.563,71, com respeito ao exercício de 2013.

Como foi dado como provado, até 2015 a Requerente tinha continuado a proceder à dedução do IVA incorrido na generalidade da sua actividade utilizando preponderantemente a metodologia de percentagem de dedução do pro rata (geral).

Porém, nesse mesmo ano – 2015 – a Requerente reviu o estado da dedução do IVA na sequência de análise do (i) método da imputação directa e do (ii) método da afectação real procurando, dessa forma, concretizar o princípio da neutralidade do IVA que permite desonerar os sujeitos passivos no que às actividades com direito à dedução respeita, do IVA suportado.

Neste contexto a Requerente pretende deduzir o IVA suportado nos anos de 2013 e 2014, na parte correspondente à aquisição de bens e serviços diretamente imputados às operações que, a partir do ano de 2015, passaram a ser sujeitas a imposto.

Assim, a questão central sub judice consiste em determinar o limite temporal da Requerente para proceder retroativamente à dedução de IVA in casu.

A Requerente e a AT divergem quanto ao entendimento a adoptar.

Entende a AT que a efectivação da dedução de IVA suportado em 2013, através de declaração de substituição referente a Dezembro de 2013, apresentada em 2015, não pode ser feita atento o disposto nos seguintes artigos do CIVA: i)artigo 20.º; ii)      artigo 22.º, n.º 2; iii)artigo 23.º, n.º 6; iv)artigos 24.º a 26;v)           artigo 78.º, n.º 6; e vi) artigo 98.º, n.º 2.

Vejamos:

Os artigos 20.º e 24.º a 26.º do CIVA tratam de situações específicas do exercício do direito à dedução que não se verificam no presente caso. O primeiro diz respeito às operações que conferem o direito à dedução e os segundos a regularizações que, em ambos os casos, não constituem matéria controvertida para as partes.

Ficam por analisar os artigos 22.º, n.º 2; 23.º, n.º 6; 78.º, n.º 6 e 98.º, n.º 2 do CIVA.

Comecemos pelo artigo 22.º, n.º 2 do CIVA.

Até 2003 inclusive, o artigo 22.º, n.º 2 do Código do IVA previa o seguinte:

“2 — Sem prejuízo da possibilidade de correcção prevista no artigo 71.°, a dedução deverá ser efectuada na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação.”.

Este regime foi modificado no final de 2003, na sequência da alteração introduzida pelo artigo 33.º da Lei n.º 107-B/2003 de 31 de Dezembro, deixando o artigo 22.º, n.º 2 do CIVA de impor que a regra geral de dedução ocorresse no exercício de recepção das facturas.

Assim, o artigo 22.º, n.º 2 passou a ter a seguinte redacção, ainda em vigor:

“2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 71º, a dedução deverá ser efectuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação”.

Trata-se de uma alteração que se entende de forma clara.

O artigo 22.º, n.º 2 passou, desde 2004, a conceder permissão, como regra geral, para operar a dedução em período posterior àquele da recepção da factura, sem especificar o limite temporal, isto é o número de períodos de IVA subsequentes durante o qual essa dedução pode ser feita.

A partir de 2004 o legislador passou a permitir que a dedução do IVA seja operada não só na declaração do período de recepção dos documentos, mas também em declaração «de período posterior», sem qualquer restrição, não podendo deixar de se considerar que, ao fazê-lo, o legislador se exprimiu em termos adequados.[2]

Por outras palavras, o artigo 22.º, n.º 2 do CIVA estabelece, desde 2004, o momento a partir do qual a dedução de IVA pode ser efectuada, deixando em aberto o eventual termo final do prazo para proceder a essa dedução.

O que não quer dizer que essa limitação temporal inexista, como veremos mais adiante.

Ficou por analisar o disposto no artigo 23.º, n.º 6, do CIVA[3] que, de harmonia com o entendimento da AT, se oporia à possibilidade de dedução de IVA no prazo de 4 anos, de harmonia com o artigo 98.º, n.º 2 do CIVA.

O artigo 23.º do CIVA regula o exercício da dedução no primeiro momento em que é possível fazê-la. No caso específico do artigo 23.º n.º 6 o legislador criou um mecanismo de dedução por conta com base em números provisórios, designadamente provindos do ano anterior, bem como a sua conversão logo que se apurem os números finais do ano em causa.

De forma diversa, nos artigos 78.º, n.º 6 e 98, n.º 2 do CIVA o que está em causa são as rectificações às deduções inicialmente efectuadas nos termos do artigo 23.º (e, eventualmente, do artigo 22.º) do CIVA.

Aqui chegados importa averiguar se tem lugar, neste caso, a aplicação do artigo 78.º, n.º 6 do CIVA ou se, de forma diversa, se deve aplicar o prazo geral ou residual de 4 anos previsto no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA para exercer a possibilidade de dedução do IVA.

Procura-se assim averiguar se o CIVA determina alguma limitação temporal à dedução de IVA para efeitos do disposto no artigo 22.º, n.º 2, do CIVA.

O artigo 78.º, n.º 6 do CIVA estabelece o seguinte:

«a correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado».

Prevê-se, assim, um prazo de dois anos contados a partir do nascimento do direito a dedução, para exercício do respectivo direito, nas situações previstas no artigo 78.º, n.º 2 do CIVA.

Esta é uma das «disposições especiais» a que alude a parte inicial do artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, em que não é aplicável o prazo máximo de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, mas sim de dois anos.

Como resulta do teor literal daquele n.º 6 do artigo 78.º do CIVA, ele é aplicável apenas à «correcção de erros materiais ou de cálculo»[4], inclusivamente nas declarações periódicas.

Como foi afirmado no acórdão n.º 117/2013 do CAAD, estar-se-á perante um erro material no preenchimento do montante de IVA dedutível numa declaração quando se pretendia escrever um determinado montante e, por descuido ou lapso, acabou por se escrever montante diferente ou quando o erro do preenchimento da declaração resulta de um erro anterior do mesmo tipo que exista na contabilidade ou em algum documento que sirva de base ao exercício do direito à dedução.

Por outro lado a associação do erro de cálculo ao erro material que se faz neste n.º 6 do artigo 78.º do CIVA, à semelhança do que sucede noutras normas (como o artigo 249.º do Código Civil, o artigo 667.º do CPC de 1961 e o artigo 614.º do CPC de 2013) revela que os erros de cálculo a que se pretende aludir serão deste tipo, designadamente erros aritméticos nas operações de cálculo do montante a deduzir.

Estar-se-á perante um erro de cálculo quando as operações aritméticas para determinar o montante do IVA dedutível foram mal efectuadas, na própria declaração ou em algum dos documentos em que ela se baseou.

Ora, no caso em apreço, os erros que foram cometidos não foram nem erros materiais nem erros de cálculo, mas sim erros motivados (i) pela própria AT que, na sequência da alteração do entendimento que tinha, procedeu à liquidação retroactiva, em 2015, do IVA referente ao ano de 2013 relativo a operações de "cobrança postal de títulos" e a operações sobre títulos que passaram de “isento sem direito à dedução”, para “sujeito com direito à dedução” e (ii) pela circunstância de a Requerente ter revisto o estado da dedução do IVA na sequência de análise do (a) método da imputação directa e do (b) método da afectação real.

Ora o erro quanto à aplicação de determinados regimes jurídicos – passível de ser imputado à Requerente - não constitui nem erro material nem erro de cálculo, pelo que é manifesto que não pode ser-lhe aplicado o regime do referido n.º 6 do artigo 78.º do CIVA.

Designadamente, o erro de cálculo do pro rata não é um erro de cálculo enquadrável nesta norma porque consubstancia um erro de direito sobre o regime jurídico aplicável e não um erro de natureza aritmética.

Por fim, não será admissível, à luz do princípio da neutralidade, que a AT venha proceder, em 2015, à liquidação retroactiva de IVA – atendendo à mudança de opinião entretanto verificada – não admitindo, de forma concomitante, que o contribuinte possa proceder à dedução do IVA correspondente.

Assim, e sabendo que o artigo 22.º, n.º 2 do CIVA deixa em aberto o eventual termo final do prazo para proceder à dedução do IVA e não sendo aplicável o regime do artigo 78.º, n.º 6, nem existindo qualquer regime limite temporal especial para exercício do direito à dedução com fundamento em erro de direito, será aplicável a esta dedução o regime geral que consta do artigo 98.º, n.º 2, do CIVA.

O artigo 98.º, n.º 2, do CIVA é uma disposição geral, aberta, que abrange todas as situações de insuficiência ou défice na dedução do IVA, que não sejam temporalmente reguladas por outra norma especial, como sucede com o artigo 78.º, n.º 6, do CIVA.

Consequentemente o artigo 22.º, n.º 2 do CIVA, reitere-se, deve ser interpretado de forma conjugada com as seguintes normas:

  1. Artigo 78.º, n.º 6, do CIVA – que estabelece o prazo de dois anos para situações de défice de dedução de IVA mais facilmente detectáveis (“correcção de erros materiais ou de cálculo”);
  2. Artigo 98.º, n.º 2[5] – que estabelece o prazo geral ou residual de 4 anos, para todas as outras situações ao ressalvar disposições especiais que estabeleçam outro prazo, como sucede com o artigo 78.º, n.º 6 do CIVA;

É certo que se poderia analisar a questão sub judice à luz da conformidade do direito nacional com o disposto na Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (doravante Directiva sobre IVA). Trata-se de saber se o prazo de quatro anos, previsto no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA, respeita a Directiva sobre IVA.

Antecipe-se a conclusão: o artigo 98.º, n.º 2 do CIVA respeita, de forma clara e inequívoca, o previsto na Directiva sobre IVA.

Vejamos.

O artigo 167.º da Directiva sobre IVA determina, sobre o direito à dedução, que este surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.[6]

Esta norma fixa o momento em que nasce o direito à dedução do IVA que, em princípio, será o momento a partir do qual o IVA pode ser deduzido (dies a quo), ou o momento antes do qual a dedução não pode ser efectuada.

Mais adiante o artigo 179.º da Directiva determina o momento durante o qual a dedução pode ser operada nos seguintes termos:

“O sujeito passivo efectua a dedução subtraindo do montante total do imposto devido relativamente ao período de tributação o montante do IVA em relação ao qual, durante o mesmo período, surgiu e é exercido o direito à dedução por força do disposto no artigo 178.º. Todavia, os Estados-Membros podem obrigar os sujeitos passivos que efectuem operações ocasionais referidas no artigo 12.º a exercerem o direito à dedução apenas no momento da entrega.”

A Directiva sobre IVA não pretende, de todo em todo, impor à legislação dos Estados Membros como momento único ou exclusivo para a dedução do IVA o período de tributação em que o direito nasceu.

Não há, por conseguinte, nenhuma imposição para que o direito nacional determine, em regra, residualmente ou com qualquer outra amplitude, o exercício do direito à dedução no período de IVA em que esse direito tenha nascido.

Este entendimento foi, aliás, acolhido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em diversa jurisprudência.

Assim, no acórdão EMS-Bulgaria Transport OOD[7], o TJUE considerou que o direito a dedução faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode em princípio ser limitado (cfr. parágrafo 44).

Não obstante, neste mesmo acórdão o TJUE recordou que a possibilidade de exercer o direito a dedução sem limites temporais contraria o princípio da segurança jurídica, que exige que a situação fiscal do sujeito passivo, atentos os seus direitos e obrigações face à Administração Fiscal, não seja indefinidamente suscetível de ser posta em causa (citando, a este propósito, o acórdão Ecotrade, de 8 de maio de 2008, procs. C-95/07 e C-96/07, Colet., p. I-3457).

O TJUE assinala, no mesmo aresto, que no contexto da autoliquidação, “um prazo de caducidade cujo termo conduz a que se puna o contribuinte não suficientemente diligente, que não reclamou a dedução do IVA a montante, fazendo-lhe perder o direito a dedução, não pode considerar-se incompatível com o regime fixado pela diretiva IVA, desde que, por um lado, esse prazo se aplique de igual modo aos direitos análogos em matéria fiscal que se baseiam no direito interno e aos que se baseiam no direito da União (princípio da equivalência) e, por outro, não torne impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício do direito a dedução (princípio da efectividade)”.

Julga-se, por isso, que o artigo 98.º, n.º 2, do CIVA respeita a Directiva sobre IVA, correspondendo a uma disposição geral e aberta, que abrange todas as situações de insuficiência ou défice na dedução do IVA, que não sejam temporalmente reguladas por outra norma especial, como sucede com o artigo 78.º, n.º 6, do CIVA, respeitando assim o princípio da efectividade.

Este entendimento secunda, aliás, abundante jurisprudência quer do STA quer do CAAD.

Assim, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 18-5-2011, proferido no processo n.º 966/10, ainda que estivesse em causa uma situação de facto anterior a 2004, considerou-se que o limite máximo de quatro anos não pode ser excedido em nenhum caso para dedução do IVA, à luz do artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, quando não exista qualquer regime limite temporal especial para exercício do direito à dedução com fundamento em erro de direito.[8]

No acórdão de 28-06-2017, proferido no processo n.º 01427/14, o STA pronunciou-se a propósito do CIVA em vigor desde 2004 num caso em que estava em causa um erro de autoliquidação e em que foi pedida a revisão do acto tributário de autoliquidação de IVA concluindo pela aplicação do prazo previsto no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA.

Neste acórdão reconheceu-se que:

“(…) situação em apreciação não se enquadra no denominado erro material ou de cálculo mas diversamente no denominado erro de direito como sustenta o impugnante. Por isso o prazo para formular o pedido de revisão, em sede de IVA (…) era de quatro anos e não de dois pelo que o presente recurso merece provimento. Do exposto resulta que procede a argumentação do recorrente quando sustenta que o prazo aplicável para reclamar da dedução do imposto entregue em excesso é o previsto no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA, ou seja, quatro anos e não o prazo de dois anos, previsto no artigo 78.º, n.º 6 do mesmo diploma, dado que este se circunscreve à correção de erros materiais ou de cálculo.”

Mais recentemente o acórdão do TCAS de 28.09.2017, proferido no processo n.º 263/16.0BELLE seguiu o entendimento daqueles acórdãos do STA considerando que:

as correcções em causa correspondem a rectificações do método de cálculo do pro rata e alterações na aplicação concomitante do pro rata com o método de afectação real. Por isso, as mesmas têm subjacentes erros de direito e não meros erros materiais. Ou seja, estão em causa erros no cômputo do método da percentagem aplicada pelo contribuinte na aferição do imposto dedutível, erros que se prendem com a discriminação de actividades, com a classificação das mesmas e a identificação da percentagem de dedução aplicável. (...) Donde se impõe reiterar a doutrina fixada no Acórdão do STA, de 28.06.2017, P. 01427/17, segundo a qual, «[o] prazo aplicável para reclamar do IVA entregue, em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA». Pelo que o regime de preclusão aplicável ao caso corresponde ao prazo de quatro anos, previsto no preceito do artigo 98.º/2, do CIVA (prazo de revisão da autoliquidação).”

Também no CAAD, no acórdão proferido no processo n.º 85/2017, de 29 de Setembro de 2017, o Tribunal arbitral decidiu que:

“(…) o artigo 78.º n.º 6 do Código do IVA se refere à “correção de erros materiais ou de cálculo” no registo contabilístico e nas declarações periódicas, a favor do sujeito passivo, podendo ser realizada no prazo de dois anos, contados, no caso do exercício do direito à dedução, a partir do nascimento do respectivo direito, nos termos do n.º 1 do artigo 22.º do Código do IVA.” O mesmo acórdão acrescentou que pode concluir-se “(…) que, tratando-se de um erro de direito, o prazo para recuperar o imposto pago em excesso é de 4 anos (prazo geral para o exercício do direito à dedução ou reembolso do imposto entregue em excesso) e não de 2 anos (prazo especial para a dedução do imposto) (…) por aplicação do disposto no artigo 98.º n.º 2 do Código do IVA.

Razão pela qual se conclui que, no sub judice, os erros que foram cometidos não foram nem erros materiais nem erros de cálculo, mas sim erros motivados (i) pela própria AT que, na sequência da alteração do entendimento que tinha, procedeu à liquidação retroactiva, em 2015, do IVA referente ao ano de 2013 relativo a operações de "cobrança postal de títulos" e a operações sobre títulos que passaram de “isento sem direito à dedução”, para “sujeito com direito à dedução” e (ii) pela circunstância de a Requerente ter revisto o estado da dedução do IVA, na sequência de revisão crítica da metodologia de segregação dos montantes dedutíveis em concreto e da aplicação do (a) método da imputação directa e do (b) método da afectação real.

Consequentemente, é legal a dedução do IVA no prazo geral de 4 anos previsto no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA.

Entende-se, por isso, que as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que as manteve enfermam de erro sobre os pressupostos de direito, por erro de interpretação do artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com o artigo 22.º, n.º 2 do mesmo Código, vício esse que justifica a sua anulação.

 

 C) Indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação indevida de garantia

A Requerente veio ainda requerer o pagamento da correspondente indemnização por prestação de garantia indevida, invocando o disposto no artigo 53.º da LGT, para efeito de obter a suspensão dos processos de execução fiscal em vista à impugnação dos atos tributários de liquidação do imposto e juros compensatórios impugnados.

O artigo 171.º do CPPT garante a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada, que poderá ser requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, havendo de entender-se que o processo arbitral é também o meio processual próprio para deduzir esse pedido visto que poderá ter por objecto a apreciação de pretensões relativas à declaração de legalidade de actos de liquidação de tributos (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

O artigo 53.º da LGT admite ainda que o devedor que ofereça garantia bancária ou equivalente para suspender a execução fiscal será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior  a três anos, salvo quando se verifique na impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, caso em que a indemnização não está dependente do prazo pelo qual vigorou a garantia.  

No entanto, como se decidiu no acórdão do STA de 24 de outubro de 2012 (Processo n.º 0528/12), só pode entender-se como garantia para os pretendidos efeitos indemnizatórios a garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer outro meio susceptível de justificar a existência de despesas que possam ocorrer por efeito do decurso do tempo, a que se refere o artigo 199.º, n.º 1, do CPPT, e que têm como limite máximo o valor garantido da taxa dos juros indemnizatórios (artigo 53.º, n.º 3, da LGT).

Como resulta do probatório, para suspender os processos de execução fiscal, o SP apresentou garantias bancárias (cfr. documentos juntos 13 a 18).

Por outro lado, no caso em apreço, é manifesto que a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IVA e juros compensatórios é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.

Está-se perante violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária.

Assim, verificam-se os requisitos previstos nos n.ºs 1 a 2 do artigo 53.º pelo que o SP tem direito a indemnização pelos prejuízos que resultam da prestação das garantias indevidamente prestadas, calculadas com base nos custos incorridos com apresentação dessas garantias até ao seu levantamento, tudo a determinar em execução de sentença. 

 

IV – DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

  1. Julgar improcedente a exceção suscitada pela Requerida quanto ao valor da causa;
  2. Julgar procedente o pedido de inutilidade superveniente da lide no que respeita aos atos de liquidação de IVA e de juros compensatórios supra identificados (liquidações de IVA n.º 2017...– € 1.196.367,83 – e n.º 2017...– € 702.127,76 –, e liquidações de juros n.º 2017... – sobre € 1.196.367,83 – e n.º 2017...– sobre € 702.127,76,), em consequência da revogação/anulação oficiosa da iniciativa da Requerida;  
  3. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação das seguintes liquidações de IVA:
    1. Liquidação de IVA n.º 2017..., no montante de € 1.002.954,51, e respetivos juros;
    2. Liquidação de IVA no montante de € 27.847,02 a que corresponde o n.º 2017..., inserida no processo de execução fiscal n.º ...2018...;
    3. Liquidação de IVA no montante de € 712.237,17, a que corresponde o n.º 2016..., inserida no processo de execução fiscal n.º ...2018...;
    4. Liquidação de IVA no montante de € 1.158.412,19, a que corresponde n.º 2016..., inserida no processo de execução fiscal n.º ...2018..., e bem assim dos atos de liquidação dos correspondentes juros n.ºs 2018... (€ 2.428,29), 2018... (€ 1.411,83) e 2018... (€ 2.296,26).
  4. Condenar a Requerida no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida no valor que vier a ser fixado em execução de sentença; 
  5. Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

V- Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 3.265,009, 15, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI-Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 41 616, 00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

Lisboa, 11 de janeiro de 2019.

 

O Árbitro Presidente

 

(Fernanda Maças)

 

O Árbitro Vogal

 

(Nuno Cunha Rodrigues)

 

O Árbitro Vogal

 

(Paulo Lourenço)

 



[1] E que nas explicações, por e-mail, da AT, substituíram o IVA anterior anulado pela AT (cfr. o requerimento dos A... remetido aos autos em 13 de Abril de 2018 e a documentação aí junta).

[2] Cfr. artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil.

[3] Que dispõe da seguinte forma: “6 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efectuada nos termos do n.º 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objectivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afectação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efectuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.”

[4] O artigo 95.º-A, n.º 2 refere o conceito de «erros materiais ou manifestos» indicando que nele se integram, «designadamente os que resultarem do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexactidão ou lapso».

[5] Que determina o seguinte: “2 - Sem prejuízo de disposições especiais o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só poderá ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente.”.

[6] Cfr. Artigo 167.º da Directiva sobre IVA: “O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.”

[7] Cfr. processo C-284/11, de 12 de julho de 2012.

[8] Cfr., em idêntico sentido e citando este acórdão, a decisão do CAAD no processo 502/2014-T.