Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 61/2018-T
Data da decisão: 2018-09-27  IRC  
Valor do pedido: € 1.092.304,82
Tema: IRC – Gastos - Amortizações
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                                        Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Vasco Valdez e Dr. Ricardo Rodrigues Pereira (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 03-05-2018, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A..., S.A., com o número de identificação de pessoa colectiva..., com sede no ..., ..., n.º..., ..., em Lisboa (doravante designada por “Requerente”), veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.

A Requerente pretende que a anulação da liquidação adicionais de IRC n.º 2017..., de 09-10-2017, que inclui as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2017... e 2017..., de 11-10-2017, referentes ao período de tributação de 2013, cujo saldo a pagar incluído na demonstração de acerto de contas n.º 2017... foi de € 814.605,92, e da liquidação adicional de IRC n.º 2017..., de 09-10-2017, que inclui a liquidação de juros compensatórios n.º 2017..., de 12-10-2017, referentes ao período de tributação de 2014, cujo saldo a pagar incluído na demonstração de acerto de contas n.º 2017... foi de € 277.698,90, bem como deverá ser fixada indemnização por garantia indevidamente prestada, nos termos do artigo 53.º da LGT e artigo 171.º, do CPPT.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 20-02-2018.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 11-04-2018 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 03-05-2018.

A Administração Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em defendeu a improcedência dos pedidos.

Em 05-07-2018 realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

            O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1.  A Requerente é uma sociedade anónima, com a actividade de gestão de imóveis próprios e, subsidiariamente, de compra de prédios ou terrenos e desenvolvimento das respectivas urbanizações, prestação de serviços de gestão, administração e exploração de património imobiliário, espaços comerciais e escritórios, gestão, administração e exploração de centros comerciais, condomínios e áreas para recolha ou estacionamento colectivo de veículos;
  2. A Requerente é proprietária e explora comercialmente (designadamente através da celebração de contratos de arrendamento) o prédio urbano, composto por edifício de seis caves e doze pisos sito na..., n.º..., em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º .../..., da freguesia de ..., habitualmente designado por “...”;
  3. Para financiar a construção do ..., a Requerente celebrou, a 15-05-1996, um contrato de abertura de crédito com o B... (doravante "B..."), o C... (doravante "C...) e o D... (doravante "D...") (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e depoimento da testemunha E...);
  4. Ao abrigo desse contrato, foi concedido à Requerente um empréstimo no montante de até 6.000.000.000$00 (€ 29.927.873,82), assim distribuídos (documento n.º 3):

 (i) B...: 2.000.000.000$00 (€ 9.975.957,94);

(ii) C...: 2.000.000.000$00 (€ 9.975.957,94);

(iii) D...: 2.000.000.000$00 (€ 9.975.957,94);

  1. Este financiamento concedido por B..., C... e D... (doravante designado como “Sindicato Bancário”) destinava-se “exclusivamente a assegurar os meios financeiros complementares necessários para a A... construir e efectuar a comercialização, mediante venda, arrendamento, e cessão temporária, a título oneroso, de fracções e espaços do Edifício (...), no ..., em Lisboa” (cláusula 5.ª do documento n.º 3);
  2. Através do referido contrato, a Requerente comprometeu-se, além do mais, a:

(i) Assegurar a obtenção de novos financiamentos ou por outros meios tidos por convenientes para que sempre tivesse os fundos necessários para concluir a construção do ...;

(ii) Submeter a aprovação do Plano de Marketing e de Comercialização do ...;

(iii) Submeter e manter actualizadas apólices de seguros relativas ao ...;

(iv) Obter autorizações e licenças de utilização necessárias para que o ... servisse como edifício de comércio, escritórios e estacionamentos;

(v) Não constituir garantias a favor de terceiros que onerassem os seus activos, bem como os seus créditos e rendimentos, sem prévia autorização do Sindicato Bancário;

vi) Não conceder empréstimos aos seus accionistas antes de efectuar o pagamento integral das obrigações para si resultantes deste financiamento;

(cláusula décima sexta do documento n.º 3);

  1. Foi acordado no contrato referido que este contrato de financiamento vigoraria durante o prazo de 150 meses (10 anos e 3 meses) a contar da data da primeira utilização (cláusula sétima do documento n.º 3);
  2. A Requerente celebrou, em 15-09-1999, um novo contrato de abertura de crédito com o B... (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e depoimento da testemunha E...);
  3. Ao abrigo desse contrato, o B... concedeu à Requerente um empréstimo no montante de até 1.000.000.000$00 (€ 4.987.978,97) (cláusula terceira do documento n.º 4 );
  4. Na cláusula 4.ª deste contrato como o B..., refere-se que este financiamento destinava-se “exclusivamente a assegurar os meios financeiros complementares necessários para a A... concluir a construção e efectuar a comercialização, mediante venda, arrendamento, e cessão temporária, a título oneroso, de fracções e espaços do Edifício [...], no ..., em Lisboa”;
  5. No âmbito do referido contrato com o B..., a Requerente comprometeu-se a:

(i) Assegurar a obtenção de novos financiamentos ou por outros meios tidos por convenientes para que sempre tivesse os fundos necessários para concluir a construção do ...;

(ii) Submeter ao B... a aprovação do Plano de Marketing e de Comercialização do ...;

(iii) Submeter e manter actualizadas apólices de seguros relativas ao ...;

(iv) Obter autorizações e licenças de utilização necessárias para que o ... servisse como edifício de comércio, escritórios e estacionamentos;

(v) Não constituir garantias a favor de terceiros que onerassem os seus activos, bem como os seus créditos e rendimentos, sem prévia autorização do B...;

(vi) Não conceder empréstimos aos seus accionistas antes de efectuar o pagamento integral das obrigações para si resultantes deste financiamento; (cláusula décima quarta do documento n.º 4)

  • Foi acordado que este contrato com o B... que vigoraria durante o prazo de 150 meses (10 anos e 3 meses) a contar do dia 01-06-1999 (cláusula 5.ª);
  • Para construir o ... e desenvolver a sua actividade, a Requerente endividou-se perante a sua accionista e outras entidades do grupo (depoimento da testemunha E...);
  • Em 29-12-2000, o endividamento da Requerente junto da sua accionista e outras entidades do grupo ascendia aos seguintes montantes:

(i) Suprimentos da F... no montante de 1.210.779.997$00 (€ 6.039.345,16);

(ii) Prestações acessórias da F... no montante de 3.000.000.000$00 (€ 14.963.936,91);

(iii) Empréstimo concedido pela sociedade de direito suíço G... no montante de 2.300.000.000$00 (€ 11.472.351,63), acrescido de juros vencidos no montante de 982.324.084 (€ 4.899.811,87); (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e depoimento da testemunha E...);

  • No ano 2000, G... resolveu desinvestir em Portugal, propondo-se vender as acções da Requerente (documento n.º 5 e depoimento da testemunha E...);
  •  No âmbito desta transação, a que se refere o “Share Purchase Agreement” que consta do documento n.º 5, ficou acordado entre o vendedor e o comprador que a Requerente iria, após a venda, proceder ao reembolso dos seguintes capitais alheios:

(i) Suprimentos da F... no montante de 1.210.779.997$00 (€ 6.039.345,16) (cláusula III do “Share Purchase Agreement”);

(ii) Prestações acessórias da F... no montante de 3.000.000.000$00 (€ 14.963.936,91) (cláusula III do “Share Purchase Agreement”);

(iii) Empréstimo concedido pela sociedade de direito suíço G... no montante de 2.300.000.000$00 (€ 11.472.351,63), acrescido de juros vencidos e (ainda) não pagos no montante de 982.324.084 (€ 4.899.811,87) ( cláusula II do “Share Purchase Agreement”);

  1. No dia 29-12-2000, a sociedade de direito português H..., SGPS, S.A. (doravante “H...”) adquiriu à sociedade F... (uma sociedade sedeada nas Antilhas Holandesas, doravante “F...”) a totalidade das acções representativas do capital social da Requerente, pelo montante de 250.000.000$00 (€ 1.246.994,74), a ser pago até ao dia 25-06-2001 (cláusulas I.1.(a), I.3 e V do “Share Purchase Agreement” que consta do documento n.º 5)
  2. Foi acordado no referido “Share Purchase Agreement” que seria adquirida, pela Requerente, a totalidade das acções representativas do capital social da sociedade I..., S.A. (doravante “I...”), que também era detida integralmente pela F... (considerandos e cláusula I.1.(b) do “Share Purchase Agreement”);
  3. Foi acordado no referido “Share Purchase Agreement” que, pela compra da I..., a Requerente pagaria à F... a quantia de 6.250.000.000$00 (€ 31.174.868,57), assim discriminada:

(i) Até ao dia 25-02-2001, a Requerente faria um pagamento à F... no montante de 3.500.000.000$00 (€ 17.457.926,40);

(ii) Até ao dia 25-06-2001, a Requerente faria um pagamento à F... no montante de 2.750.000.000$00 (€ 13.716.942,17); (cláusula IV do “Share Purchase Agreement”);

  1. Foi acordado na cláusula VI do referido “Share Purchase Agreement” que a Requerente forneceria, conjuntamente com a H..., para assegurar o cumprimento das responsabilidades contratualmente assumidas, à F... garantias bancárias irrevogáveis emitidas pela J... nos seguintes montantes e termos:

(i) 3.000.000.000$00 (€ 14.963.936,91), válida até 29-01-2001;

(ii) 3.500.000.000$00 (€ 17.457.926,40), válida até 28-02-2001;

(iii) 2.750.000.000$00 (€ 13.716.942,17), válida até 29-06-2001;

(iv) 250.000.000$00 (€ 1.246.994,74), válida até 29-06-2001;

  1. A Requerente celebrou, em conjunto com a H..., a 29-12-2000, um contrato de abertura de crédito, constituição e prestação de garantias com um conjunto de instituições bancárias constituído pelas seguintes instituições:

(i) J..., S.A. (doravante “J...”);

(ii) K...(doravante “K...”);

(iii) L..., S.A. (doravante “L...”);

(iv) M..., S.A. (doravante “M...”);

(v) N..., S.A. (doravante “N...”);

(vi) O..., S.A. (doravante “O...”), doravante, quando referidos em conjunto, os “Bancos” (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  1.  Ao abrigo desse contrato, a J... e o K... concederam, no imediato, à Requerente um empréstimo sob a forma de abertura de crédito no montante de 4.500.000.000$00 (€ 22.445.905,37), assim discriminado:

(i) J..: 3.600.000.000$00 (€ 17.956.724,29);

(ii) K...: 900.000.000$00 (€ 4.489.181,07); (cláusulas 2.ª e 4.ª do documento n.º 6);

  1. No âmbito deste contrato, a J... e o K... abriram ainda um crédito até ao montante de 12.000.000.000$00 (€ 59.855.747,65), a ser utilizado por parte da Requerente (e também da H...) através da emissão de garantias bancárias, nos moldes seguintes:

(i) 3.000.000.000$00 (€ 14.963.936,91), para vigorar até 30-01-2001;

(ii) 3.500.000.000$00 (€ 17.457.926,40), para vigorar até 28-02-2001;

(iii) 2.750.000.000$00 (€ 13.716.942,17), para vigorar até 29-06-2001;

(iv) 250.000.000$00 (€ 1.246.994,74), para vigorar até 30-06-2001;

 (v) 2.500.000.000$00 (€ 12.469.947,43), para vigorar até 30-06-2001 (cláusulas 2.ª e 17.ª do documento n.º 6);

  1. Foi acordado neste contrato que, à medida que os termos das garantias fossem sendo devolvidos à J..., os montantes dessas garantias seriam utilizados para efeitos de financiamento à Requerente (e também, numa menor parte à H...), sendo os respectivos desembolsos repartidos pelos Bancos nas seguintes percentagens:

(i) J...: 52%;

(ii) K...: 20%;

(iii) L...: 8%;

(iv) M...: 8%;

(v) N...: 8%:

(vi) O...: 4%; (cláusula 2.ª do documento n.º 6);

  1. Este financiamento tinha por finalidade que a Requerente pudesse reembolsar o financiamento contraído anteriormente junto do B... e do anterior accionista (depoimento da testemunha E... e cláusula 3.ª do documento n.º 6);
  2.  Entre outras obrigações, a Requerente e a H... comprometeram-se, perante os Bancos, a não utilizarem os fundos postos à respectiva disposição para fins diferentes dos que fundamentaram a sua concessão (cláusulas 3.ª e 12.ª do documento n.º 6);
  3.  Ficou acordado que este contrato de financiamento vigoraria até à celebração de um novo contrato de abertura de crédito, no montante de 25.000.000.000$00 (€ 124.699.474,27), a ter lugar até 30-06-2001, entre as mesmas partes contratantes (cláusula 5.ª do documento n.º 6);
  4. Em 20-04-2001, a H... e Requerente celebraram com os Bancos um novo contrato de abertura de crédito, constituição e prestação de garantias (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. Neste novo contrato, foi estabelecido que os Bancos aceitavam realizar uma abertura de crédito até ao montante de 25.000.000.000$00 (€ 124.699.474,27) (cláusula 2.ª do documento n.º 7);
  6. As partes contratantes reconheceram que, tendo presente o total do capital a mutuar, uma parte já havia sido utilizada, nos seguintes termos:

(i) 4.500.000.000$00 (€ 22.445.905,37) foram entregues à Requerente aquando da celebração do primeiro contrato de abertura de crédito;

(ii) 3.000.000.000$00 (€ 14.963.936,91) foram entregues à Requerente em 26-01-2001 (contra a devolução de um termo de garantia bancária de igual montante);

 (iii) 3.500.000.000$00 (€ 17.457.926,40) foram entregues à Requerente em 26-02-2001 (contra a devolução de um termo de garantia de igual montante) (cláusula 2.ª do documento n.º 7);

  1. Os restantes termos de garantia bancárias que haviam sido emitidas pela J... e pelo K... ao abrigo do anterior contrato de abertura de crédito foram devolvidos pela Requerente e pela H... (cláusula 2.ª do documento n.º 7);
  2. Foi acordado que, dos 25.000.000.000$00 (€ 124.699.474,27) atribuídos neste contrato que consta do documento n.º 7, parte seria utilizada para pagar os créditos da J... e do K... emergentes da abertura de crédito anteriormente realizada, sendo entregue pelos Bancos à Requerente e à H... a importância de 14.000.000.000$00 (€ 69.831.705,59), assim discriminada (cláusulas 2.ª e 4.ª do documento n.º 7):

(i) 11.000.000.000$00 (€ 54.867.768,68) à Requerente;

(ii) 3.000.000.000$00 (€ 14.963.936,91) à H... .

  1.  Este novo contrato de abertura de crédito destinava-se a facultar à Requerente os meios financeiros necessários para poder regularizar o seu passivo e para a realização de investimentos (depoimento da testemunha E... e cláusula 3.ª do documento n.º 7);
  2. Neste novo contrato de financiamento ficou estabelecido o dever, entre outras obrigações a cumprir pela Requerente e pela H..., de os fundos postos à sua disposição não serem utilizados para fins diferentes dos que fundamentaram a sua concessão (cláusula 12.ª do documento n.º 7);
  3. Foi acordado que este contrato de financiamento vigoraria por um período de 30 anos a contar da sua celebração (cláusula 5.ª do documento n.º 7);
  4. No dia 31-05-2001, para dar cumprimento a outra das exigências dos Bancos, a Requerente e a H... subscreveram, respetivamente, aumentos de capital social nas sociedades I... e Requerente de tal forma que:

(i) A I... passou a ter um capital social no montante de 2.506.025.000$00 (€ 12.500.000,00), integralmente subscrito pela Requerente; e

(ii) A Requerente passou a ter um capital social no montante de 2.506.025.000$00 (€ 12.500.000,00), integralmente subscrito pela H... (cláusula 12.ª do documento n.º 7 e documentos n.ºs 8 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  1. A H... atribuiu o seguinte destino aos fundos que lhe foram emprestados pelos Bancos (documentos n.ºs 5, 7 e 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos):

 

 

  • A Requerente conferiu o seguinte destino aos fundos atribuídos quer pelos Bancos (através das linhas de abertura de crédito acima referidas), quer pela H...:

(i) Por referência aos sucessivos adiantamentos de fundos atribuídos somente pelos Bancos (documentos n.ºs 5, 6, 7 e 11):

 

(ii) Resumo dos vários destinos dados aos fundos recebidos pela Requerente dos Bancos (documentos n.ºs 5, 6, 7 e 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos:

(iii) Por referência o destino dado pela Requerente aos fundos que lhe foram financiados pela H... (cfr. documentos n.ºs 9 e 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos):

 

  1.  A totalidade do financiamento obtido junto dos Bancos serviu para refinanciar a dívida incorrida (nomeadamente junto do Sindicato Bancário e do B...) no contexto da prossecução da atividade da Requerente, mormente com a construção do ... (depoimento da testemunha E...);
  2. A Requerente transferiu para a I... (para que esta reembolsasse um conjunto de suprimentos anteriormente concedidos pela F... e para a prossecução da sua política de investimentos) um conjunto de fundos que totalizaram a importância de 2.950.000.000$00, os quais tiveram a seguinte proveniência:

(i) 2.466.025.000$00 foram provenientes do aumento de capital realizado pela H... (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 (ii) 208.653.287$00 corresponderam ao montante remanescente do empréstimo que lhe havia sido concedido pelos Bancos e que não tinha sido utilizado para dar cumprimento às obrigações decorrentes do Share Purchase Agreement (documentos n.ºs 5, 6, 7 e 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

(iii) 240.321.713$00 foram provenientes das rendas que foi recebendo em resultado da sua actividade, em especial do arrendamento do ...(documento n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  •  A 20-08-2007, a Requerente celebrou com o P... um contrato de abertura de crédito com hipoteca, consignação de rendimentos, cessão de créditos, penhor de acções e penhor de contas bancárias (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)
  • Ao abrigo deste novo contrato de abertura de crédito, o P... concedeu à Requerente um crédito até ao montante de € 125.500.000,00, o qual se destinou a refinanciar o investimento de longo prazo que a Requerente havia realizado no ... (cláusula 1.ª do documento n.º 12);
  • Este contrato de financiamento celebrado com o P... apresenta uma relação intrínseca com os empréstimos anteriormente celebrados pela Requerente (junto dos Bancos) e que haviam decorrido da necessidade desta em obter capitais alheios para refinanciar a construção do seu principal activo e principal fonte de rendimento, o ... (documento n.º 12 e depoimento da testemunha E...);
  • O crédito concedido pelo P... à Requerente era composto por duas tranches, a saber:

(i) Tranche A, no montante de € 113.000.000,00, disponibilizada no próprio dia da celebração deste novo contrato;

(ii) Tranche B, no montante máximo de € 12.500.000, a ser disponibilizada, por uma única vez, a qualquer momento, até ao dia 31-10-2007 (cláusulas 1.ª e 3.ª do documento n.º 12);

  1.  Para assegurar a cobertura do risco de taxa de juro até à data do reembolso do crédito, a Requerente e o P... acordaram que a primeira subscreveria um produto de cobertura de risco de taxa de juro até à data do reembolso do crédito, que assegurasse o cumprimento do rácio de cobertura do serviço da dívida previsto na cláusula 26.ª ), durante o período de tempo de contagem de juros em que estes fossem apurados por referência a uma taxa variável (cláusula 6.ª, n.º 3, do documento n.º 12);
  2. A partir de 20-08-2012, a Requerente poderia optar por uma taxa fixa (cláusula 6.ª, n.º 4, do documento n.º 12);
  3.  Para garantir o cumprimento de todas as obrigações decorrentes da celebração deste contrato de financiamento:

(i) A Requerente constituiu a favor do P...:

 a. Hipoteca voluntária de primeiro grau sobre o ...;

 b. Consignação dos rendimentos decorrentes do seu arrendamento;

 c. Penhor financeiro de contas bancárias;

(ii) A Requerente obrigou-se a respeitar um conjunto alargado de obrigações respeitantes a este bem imóvel, designadamente mantê-lo em bom estado de conservação, manter em dia os seguros multirriscos relativos ao mesmo, manter as autorizações necessárias à sua exploração, autorizar a realização de inspecções àquele por parte do P...;

(iii) A H... constituiu penhor financeiro de primeiro grau, a favor do P..., sobre todas e cada uma das acções da Requerente de que aquela era titular (cláusulas 10.ª, 15.ª, 20.ª, 30.ª e 32..ª trigésima segunda do documento n.º 12);

  1. As garantias prestadas pela Requerente ao P... apresentam uma ligação entre o financiamento contratado com o P... e o ... (documento n.º 12 e depoimento da testemunha E...);
  2. Ao abrigo deste novo contrato de abertura de crédito, a Requerente utilizou as verbas recebidas do P... para:

(i) Pagar o passivo em dívida para com a J...;

(ii) Pagar o passivo em dívida para com o N...;

(iii) Pagar o passivo em dívida para com a K..;

(iv) Suportar o pagamento de comissões e demais encargos exigidos pelo P...; e

(v) Suportar os normais e naturais encargos fiscais a título de Imposto de Selo, devido pelo capital mutuado e pelas comissões bancárias cobradas pelo P... (documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e depoimento da testemunha E...);

  1. Foi acordado entre a Requerente e o P... que o contrato de abertura de crédito seria celebrado por um período de 8 anos, com início a 20-08-2007 e termo em 19-08-2015 (cláusula 4.ª do documento n.º 12);
  2. Desde a celebração deste contrato de abertura de crédito com o P..., a Requerente tem vindo a respeitar pontualmente as obrigações dele resultantes, designadamente no que diz respeito às condições de pagamento de juros fixadas no mesmo, bem como as relativas à amortização antecipada do crédito (cláusulas 8.ª e 13.ª do documento n.º 12 e depoimento da testemunha E...);
  3. Com referência a 31-12-2013, a Requerente apresentou um endividamento total para com o P..., no montante de € 112.986.330, dos quais dos quais uma parte correspondia ao capital em dívida decorrente da abertura de crédito e outra parte decorre do passivo assumido em resultado da contratação do produto financeiro de cobertura do risco de taxa de juro (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)
  4. Em consequência do endividamento perante o P..., a Requerente suportou encargos, no ano de 2013, no montante total de € 4.789.855,81, assim discriminado:

(i) € 3.717.419,45, registados contabilisticamente na conta 6886;

(ii) € 1.072.436,36, registados contabilisticamente na conta 6911; (página 16 do Relatório da Inspecção Tributária, que consta do documento n.º 29 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  1.  Com referência a 31-12-2014, a Requerente apresentou um endividamento total para com o P..., no montante de € 111.521.279,47, dos quais uma parte correspondia ao capital em dívida decorrente da abertura de crédito e outra parte decorre do passivo assumido em resultado da contratação do produto financeiro de cobertura do risco de taxa de juro (documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2.  Em resultado do endividamento existente perante o P..., a Requerente suportou encargos, no ano de 2014, no montante total de € 4.816.476,52, assim discriminado:

 (i) € 3.691.605,56, registados contabilisticamente na conta 6886;

 (ii) € 1.124.873,96, registados contabilisticamente na conta 6911; (página 16 do Relatório da Inspecção Tributária)

  1. No período compreendido entre os anos de 2000 e 2006, a Requerente obteve rendimentos decorrentes de prestações de serviços intrínsecas à sua actividade económica (documento n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Os rendimentos obtidos pela Requerente foram integralmente obtidos em resultado do arrendamento do ... à I... (notas constantes do anexo ao balanço e demonstrações de resultados que constam do documento n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. Entre os anos 2000 a 2006 a Requerente recebeu os seguintes rendimentos prediais, no montante de € 52.438.693,94:

 

  1. A Requerente alocou uma parte das rendas recebidas da I... por força dos arrendamentos dos espaços no ... ao financiamento não remunerado de outras partes relacionadas, mormente a sua sociedade-mãe à data, a H... (documento n.º 18 e depoimento da testemunha E...);
  2. Registou-se a seguinte evolução nos saldos creditícios que a Requerente apresentava sobre a H..., no período compreendido entre os anos de 2002 e 2006:

(documento n.º 19 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  1. A Requerente tem capacidade de gerar rendimentos próprios – sem depender de financiamentos externos para manter a sua capacidade operacional (depoimento da testemunha E...);
  2. Pelo menos, 7 anos antes da celebração do contrato de empréstimo com o P... a Requerente já registava a prática de ir utilizando as suas receitas próprias para efeitos de satisfazer as necessidades de tesouraria que, nomeadamente, a H... ia registando (documento n.º 19 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e depoimento da testemunha E...);
  3. A Requerente manteve a prática de alocar uma parte das rendas que ia recebendo do arrendamento do ... ao financiamento de partes relacionadas durante os anos subsequentes, nomeadamente após a celebração do contrato de empréstimo com o P... (depoimento da testemunha E...);
  4.  No dia 29-09-2011, a H...  vendeu à sociedade de direito holandês Q... (doravante “Q...”) a totalidade das acções representativas do capital social da Requerente (documento n.º 20 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. O preço acordado entre as partes contratantes para a compra dessas acções foi fixado no montante de € 32.500.000,00, o qual correspondia à dívida que a H... tinha para com a Requerente (cláusulas 2.1 e 2.2 do documento n.º 20);
  6. O preço referido foi pago pela Q... à H... através da figura da assunção da dívida prevista no artigo 595.º, do Código Civil, i.e., a Q... assumiu a dívida que a H... tinha para com a Requerente (cláusula 2.2 do documento n.º 20);
  7. No dia 30-08-2012, a Requerente celebrou com a empresa R..., S.A. (doravante “R...”) um contrato que tinha por objeto a modernização dos elevadores do ... (documento n.º 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  8. O valor acordado entre as partes signatárias desse acordo pela prestação de serviços de modernização dos referidos elevadores ascendeu ao montante de € 571.500,00 (cláusula primeira do Anexo “Preço, Condições de Pagamento e Outras Condições Contratuais” que consta da parte 7 do processo administrativo, página 79).
  9. O contrato estipula que o prazo para o início dos trabalhos de modernização, no local da obra, seria de dois meses contados a partir do primeiro pagamento (cláusula terceira do Anexo “Preço, Condições de Pagamento e Outras Condições Contratuais” do documento n.º 21);
  10. O contrato prevê que os pagamentos respeitantes ao investimento realizado pela Requerente na modernização dos elevadores do ... seriam contemporâneos com os pagamentos que viessem a resultar, nos termos do contrato, dos serviços de conservação e manutenção dos mesmos elevadores (cláusula segunda do Anexo “Preço, Condições de Pagamento e Outras Condições Contratuais” do documento n.º 21);
  11. A Requerente só teria de efectuar os pagamentos à R... respeitantes à modernização dos elevadores do ... à medida que fosse recebendo as faturas periódicas alusivas aos serviços de conservação e manutenção daqueles equipamentos (documento n.º 21 e depoimento da testemunha E...);
  12. No dia 22-10-2013, a Requerente efetuou o primeiro pagamento, no valor de € 6.428,22 relativo à factura n.º 226212246, referente a esse contrato de modernização dos elevadores (documento n.º 22 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  13. A Q... procedeu aos trabalhos de execução dessa empreitada de modernização dos elevadores durante os meses de Setembro a Dezembro de 2013 (documento n.º 23 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  14. Os pagamentos referentes ao contrato ocorreram maioritariamente nos anos subsequentes ao do termo da empreitada (depoimento da testemunha E...);
  15.  A Requerente reconheceu o gasto com a amortização do investimento na modernização dos elevadores, nos períodos de 2013 e seguintes (página 26 do documento n.º 29 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e depoimento da testemunha E...);
  16. A Requerente calculou o gasto da amortização a reconhecer em cada período de tributação tendo por referência uma taxa de 10% e utilizando o método de amortização por duodécimos (página 26 do Relatório da Inspecção Tributária e documento n.º 24 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  17. A Requerente reconheceu, em 2013 e 2014, gastos com amortizações alusivas ao investimento realizado na modernização dos elevadores do ... que ascenderam, respetivamente, a € 4.762,50 e € 57.150,00 (documento n.ºs 22 e 25 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e página 26 do Relatório da Inspecção Tributária);
  18. Em 2012, foi celebrado um contrato de prestação de serviços de consultadoria nos termos do qual a Q... passaria a prestar serviços à Requerente (documento n.º 26 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  19. Ao abrigo desse contrato, a Q... passou a facturar à Requerente os honorários correspondentes aos serviços que ia prestando a esta entidade (página 14 do Relatório da Inspecção Tributária);
  20. Com referência aos períodos de tributação de 2013 e 2014, a Q... emitiu, a 30-12-2014, as faturas n.ºs 2013002 e 2014001, respeitantes aos serviços prestados à Requerente nesses anos, os quais totalizavam a importância de € 115.000,00 (página 14 do Relatório da Inspecção Tributária e documento n.º 27 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  21.  No que respeita ao gasto (€ 60.000,00) associado aos serviços prestados pela Q... no ano de 2014 a Requerente entendeu que seria dedutível para efeitos fiscais, pelo que não procedeu a qualquer ajustamento aquando do preenchimento da declaração Modelo 22 alusiva a este período de tributação (documento n.º 28 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  22. A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva à Requerente relativa aos exercícios de 2013 e 2014, credenciada pelas ordens de serviço n.º OI2016... e OI2016..., de âmbito parcial, em sede de IRC e IVA;
  23. Nessa acção inspectiva foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

«Analisadas a Declaração Modelo 22 de IRC e a Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal, verificou-se que os valores nelas inscritas correspondem, aos constantes na contabilidade da empresa.

Em sede de IRC, procedeu-se à análise das contas correntes, e documentos de suporte aos registos contabilísticos, em alguns casos, por amostragem, concretamente os de valor materialmente relevante, outros na sua totalidade, dependendo da natureza das operações em causa. No entanto, a abordagem às mesmas, ao longo do relatório, só será feita às contas suscetíveis de correção ou cuja análise contribua para clarificar alguma situação.

 

III.1. CORREÇÕES EM SEDE DE IRC- CORREÇÃO AO LUCRO/MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III.1.1. GASTOS FISCALMENTE NÃO DEDUTÍVEIS

III.1.1.1 AQUISIÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSULTADORIA À ENTIDADE “Q...”

Conforme já referido a A... é uma sociedade anónima, com o capital social de € 12.500.000,00, detido na sua totalidade pela entidade Q..., com sede em Amsterdam (Holanda) desde 2011-09-29.

As duas entidades celebraram um contrato de prestação de serviços de consultadoria (anexo VII) em 2012. Durante o exercício de 2014, em análise, a entidade Q... procedeu à emissão das seguintes faturas (anexo VIII) à A...:

 

Da análise aos serviços identificados nas mesmas, bem como aos documentos que suportam a sua contabilização, permite-nos a seguinte conclusão:

- As duas faturas foram emitidas em dezembro de 2014;

- A fatura nº 2013002 reporta-se a serviços prestados em 2013, ou seja, foi emitida um ano após a prestação dos serviços;

- Os números de fatura demonstram uma numeração incoerente 2013002 e 2014001 uma vez que as duas foram emitidas em dezembro de 2014

- Nas faturas não consta o NIF dos intervenientes, na operação económica;

- Nas faturas não é referida a taxa aplicada, nem o montante de IVA, nem o motivo justificativo da não aplicação.

 

III.1.1.2 ENQUADRAMENTO CONTABILÍSTICO E FISCAL

A legislação fiscal estabelece as condições gerais a que terão que obedecer os gastos para serem fiscalmente dedutíveis. A Lei nº 2/2014 procedeu à reforma da tributação das sociedades, alterando o CIRC aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-B/88, de 30 de novembro.

Com esta alteração a redacção dos artºs 18º e 23º do CIRC é a seguinte:

Dispõe o nº 1 do Artigo 18º do CIRC que “os rendimentos e os gastos (…), são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica”.

Por sua vez o artigo 23º do mesmo diploma esclarece:

“ 1- Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.

O legislador faz assim depender a dedutibilidade fiscal do gasto de uma relação justificada com a atividade geradora de rendimentos sujeitos a imposto.

Obviamente que antes de tudo o mais, e sem que a legislação o refira expressamente, importa verificar a efetividade e comprovação da realização dos gastos, o que consistirá na sua prova documental, de apoio aos registos contabilísticos conforme o disposto no número 3 do artº 23º do CIRC.

Nesta conformidade o número 4 do mesmo artigo elenca os elementos que devem constar nos documentos comprovativos que são os seguintes:

“ a) Nome ou denominação social do (…) prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Número de identificação fiscal do (…) prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual (…) dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que (…) os serviços foram realizados.

Por sua vez o nº6 do Artigo 23º do CIRC acrescenta “quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do CIVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no nº 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma”.

Face ao disposto na legislação citada pode concluir-se que os gastos suportados pelas faturas de aquisição de serviços à entidade “Q...” não reúnem os requisitos para que o gasto seja aceite fiscalmente, por infração ao disposto na legislação citada.

No que se refere à fatura nº 2013002, no valor de € 55.000,00, verifica-se que a mesma foi registada na contabilidade no exercício de 2014, na conta SNC 6881 e o seu valor foi acrescido no quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22, em cumprimento do princípio de periodização económica.

Já no que diz respeito à fatura nº 2014001, no montante de € 60.000,00, (contabilizada na conta SNC 6221058633) de acordo com a legislação citada, não reúne os requisitos para que o gasto seja aceite fiscalmente, pelo que se propõe a correcção ao resultado fiscal declarado, pelo sujeito passivo, no referido montante.

 

III.1.1.2. ENCARGOS FINANCEIROS NÃO ACEITES FISCALMENTE

No âmbito do desenvolvimento da actividade, a empresa A... recorreu a capitais alheios.

Da análise efetuada constatámos que o sujeito passivo suportou encargos financeiros no montante de € 4.789.855,81 em 2013 e € 4.816.479,52 em 2014. Estes valores resultam do somatório da conta 6886 e da conta 691 do SNC e estão relacionados com um financiamento bancário e um contrato de financiamento SWAP celebrado, em julho de 2010, com a empresa P... sucursal em Portugal, NIF ... (actualmente o cessionário S...-Sucursal em Portugal, NIF...), (anexo IX).

Porém, parte destes gastos, não são aceites fiscalmente conforme será explanado seguidamente.

III.1.1.2.1 FINANCIAMENTOS OBTIDOS

Exercício de 2013 e 2014

Da análise efetuada confirma-se que a empresa tem recorrido a capitais alheios junto da instituição financeira “P...” e que à data de 2013-12-31 possui um endividamento acumulado de €112.986.330,00 e em 31-12-2014 um endividamento de €111.521.279,47 (anexo X).

Decorrente desse endividamento, o sujeito passivo tem suportado, anualmente, encargos financeiros que no exercício de 2013 atingiram o valor de €4.789.855,81 e no exercício de 2014 o montante de € 4.816.476,52 os quais foram totalmente contabilizados como gastos nos exercícios em análise, conforme tabela infra:

 

III.1.1.2.2 EMPRÉSTIMOS CONCEDIDOS A EMPRESAS DO GRUPO

No entanto, parte desse financiamento foi utilizado para financiar outras empresas do grupo, não estabelecendo o pagamento de quaisquer juros, referentes aos mesmos, conforme o referido nos relatórios de gestão e, inclusive, informação constante das IES’s “os valores a receber da Q... Holding, B.V. e de outras partes relacionadas não vencem juros e não têm prazo de reembolso definido”.

 

A) Exercício de 2013

 

O saldo médio dos financiamentos concedidos, à data de 2013-12-31, atingiu o montante de € 36.847.615,97 conforme se demonstra no quadro infra:

 

B) Exercício de 2014

No exercício de 2014, o saldo médio dos financiamentos concedidos, à data de 2014-12-31, manteve-se no valor € 36.847.615,97, conforme se demonstra na seguinte tabela:

 

III.1.1.2.3 ENQUADRAMENTO LEGAL DOS GASTOS FINANCEIROS

Face ao facto do sujeito passivo estar a suportar encargos financeiros, nomeadamente juros, imposto de selo e despesas bancárias, resultantes de empréstimos que o mesmo contraiu e simultaneamente, estar a conceder empréstimos a empresas do grupo não remunerados, importa avaliar se estes encargos são ou não aceites fiscalmente, face ao disposto no artigo 23º do CIRC, cuja redação para os exercícios em análise é a seguinte:

 

Exercício de 2013

“Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.

Para o efeito elenca o nº 2 do mesmo artigo uma relação de gastos e perdas aceites como tal para efeitos fiscais, nomeadamente na alínea c) “de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração”.

São assim requeridos três requisitos essenciais para que os encargos financeiros suportados, sejam valorados e aceites como gasto fiscal: a comprovação (justificação), a indispensabilidade e o da ligação aos ganhos sujeitos a imposto.

O primeiro requisito reporta à efetividade da realização dos gastos a qual consiste em várias formas de apoio escritural aos lançamentos contabilísticos, ou seja à sua prova documental.

O segundo requisito faz depender a dedutibilidade fiscal do gasto de uma relação justificada com a atividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se desde que esses encargos se conectem com a obtenção de lucro.

O juízo sobre a indispensabilidade dos gastos suportados implica que seja verificado o seu contributo para a obtenção dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que, de acordo com Acórdão do STA, proferido a 2011-11-30, no processo nº 010711, “a noção legal de indispensabilidade reporta-se, portanto, sobre uma perspectiva económica-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro” e “a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa”.

O terceiro requisito que compõe a cláusula geral dedutibilidade em matéria de gastos, na formulação legal introduzida pelo Código de IRC, é o da exigência de ligação aos “ganhos sujeitos ou à manutenção de fonte produtora”. Decorre do princípio geral do artigo 23º do CIRC que as despesas realizadas pelo contribuinte, para serem fiscalmente dedutíveis, devem ser adstritas ou à obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto, ou à manutenção da fonte produtora.

 

Exercício de 2014

Conforme já referido anteriormente, com a reforma do IRC em 2014 (Lei nº2/2014 que procedeu à reforma da tributação das sociedades, alterando o CIRC aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-B/88, de 30 de novembro) o artigo 23º do CIRC passou a ter a seguinte redacção : “Para determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportadas pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.

Por sua vez, na redacção actual, do artº 23 do CIRC, é o nº 3 que determina a comprovação dos gastos, ao dispor nos seguintes termos:

“Os gastos dedutíveis devem estar comprovados documentalmente, independente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para o efeito”.

Face ao disposto legalmente, a prova documental continua a ser a prova de excelência, seja qual for a natureza ou suporte do documento.

Não obstante a alteração da redacção do artigo mantiveram-se as duas grandes virtudes das exigências formais ao nível fiscal que Tomás Tavares já havia apontado: a obrigação formal em crise, “para além de provocar um eficaz controlo da atividade do contribuinte, traduz-se ainda, num mecanismo invisível de promoção da realidade”, uma vez que ao gasto de um operador económico corresponde, geralmente, um rendimento de outro operador.

De realçar ainda o disposto no artº 123º do CIRC, que determina a obrigatoriedade dos SP apresentarem o suporte documental que titula as operações. Assim, a comprovação dos encargos financeiros, obriga à confirmação:

 Da efetividade do gasto;

 Do montante e condições de financiamento;

 E da aplicação do capital alheio.

 

Da análise efetuada aos movimentos contabilísticos e respectivos documentos de suporte revelam que, o sujeito passivo utiliza o capital alheio obtido para financiar, gratuitamente, as empresas subsidiárias, estando em causa o cumprimento do artigo 23º nº 1 do CIRC (exercício de 2013) e os nºs 2 e 3 do artigo 23º (exercício de 2014).

De facto os financiamentos contraídos, geradores dos encargos financeiros, ao serem colocados à disposição de outras entidades sem que haja lugar à cobrança de juros ou qualquer outra remuneração (numa lógica de tesouraria de grupo), não são manifestamente utilizados na atividade da empresa que suporta os encargos, para a qual não revertem rendimentos tributáveis que compensem os gastos, na medida em que os referidos financiamentos não são remunerados, razão pela qual não podem ser dedutíveis fiscalmente, proporcionalmente aos financiamentos concedidos.

Sobre esta matéria já foi produzida jurisprudência pelo Supremo Tribunal Administrativo, a título de exemplo cita-se o Acórdão de 7 de fevereiro de 2007 – Processo nº 1046/05 que decidiu ”(…) os custos previstos naquele artigo 23º têm de respeitar desde logo à própria sociedade contribuinte, isto é, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outra sociedades”.

Mais recentemente e no mesmo sentido, pronunciou-se o STA, no Acordo proferido no Processo nº 0107/11, em 30/11/2011, que decidiu nos seguintes termos: “(…) à luz do artº 23º do CIRC, não são de considerar como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas”.

Na mesma linha de ideias, a Drª Maria dos Prazeres Lousa, defende que “quando uma empresa contrai um empréstimo cujos fundos cedeu, de todo ou em parte, a terceiros, sem estipular remuneração ou fixando-a mas, a uma taxa reduzida, não poderá deduzir, em princípio, a totalidade dos encargos financeiros correspondentes a tais empréstimos, na medida em que se pode considerar que os juros não forem suportados para obter proveitos ou ganhos sujeitos a imposto nem para manter a fonte produtora ”.

 

III.1.1.2.4 ENCARGOS FINANCEIROS NÃO DEDUTÍVEIS – CORRECÇÃO PROPOSTA

Face ao relatado propõe-se que os gastos financeiros suportados pelo sujeito passivo sejam corrigidos no sentido de refletir meramente o gasto do capital efectivamente utilizado no desenvolvimento da sua atividade.

Deste modo, não serão aceites fiscalmente os encargos financeiros que a A... suportou para financiar as empresas do grupo.

Para determinação dos encargos financeiros não aceites, para efeitos fiscais, considerou-se o seguinte:

 Financiamentos obtidos pela A...;

 O cálculo efectuado para determinar o saldo médio de financiamento concedido pela A...;

 Os encargos financeiros suportados/contabilizados na conta 6911 – Juros de financiamentos obtidos e na conta 6886-Perdas em instrumentos financeiros;

 O cálculo do rácio “empréstimos concedidos/ empréstimos obtidos”, o qual foi aplicado aos empréstimos efetuados a empresas do grupo, apurando-se os encargos financeiros não aceites fiscalmente:

 

A) Exercício de 2013

Dos cálculos efetuados, para o exercício de 2013, resulta um montante total de encargos financeiros não aceites fiscalmente de 1.612.814,88 euros, conforme cálculos no mapa infra:

Pelo exposto, serão os encargos financeiros suportados pela A..., no exercício de 2013, corrigidos para 3.332.580,63 euros que resultam da diferença entre os encargos financeiros declarados pelo SP (€ 4.945.395,51) e os encargos financeiros não aceites fiscalmente (€ 1.612.814,88).

 

B) Exercício de 2014

 

Dos cálculos efetuados, para o exercício de 2014, resulta um montante total de encargos financeiros não aceites fiscalmente de €1.644.881,83, de acordo com a seguinte tabela:

Face ao exposto, no exercício de 2014, os encargos financeiros suportados pela A...serão corrigidos para € 3.333.440,95 que resultam da diferença entre os encargos financeiros declarado pelo SP (€ 4.978.322,78) e os encargos financeiros não aceites fiscalmente (€ 1.644.881,83).

 

III.1.1.3. APLICAÇÃO DO ARTIGO 67º DO CIRC – LIMITAÇÃO À DEDUTIBILIDADE DE

GASTOS DE FINANCIAMENTO

No que se refere à dedutibilidade de gastos de financiamento, o artigo 67º do CIRC estabelece o regime da limitação à dedutibilidade dos gastos, dispondo nos seguintes termos:

“1- Os gastos de financiamento líquidos são dedutíveis até à concorrência do maior dos seguintes limites:

a) (euros) 3 000 000 (2013)/ (euros) 1.000.000,00 (2014); ou

b) 30% do resultado antes de depreciações, gastos de financiamento líquidos e impostos”

 

O nº 2 do artigo 192º da Lei nº 66-B/2012 de 31 de dezembro prevê uma disposição transitória, que estabelece: “nos períodos de tributação iniciados entre 2013 e 2017, o limite referido na alínea b) do nº1 do artigo 67º do Código do IRC é elevada parta 70% em 2013 e 60% para 2014, 50% em 2015, 40% em 2016 e 30% em 2017”.

Importa referir que, o legislador optou por clarificar também no artigo 67º do CIRC, os dois conceitos fundamentais desse regime. Assim, no nº 12 º do mesmo artigo define o conceito de gastos de financiamento líquidos como sendo “as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente juros de descobertos bancários e de empréstimos obtidos a curto e longo prazo, juros de obrigações e outros títulos assimilados, amortizações de descontos ou de prémios relacionados com empréstimos obtidos, amortizações de custos acessórios incorridos em ligação com a obtenção de empréstimos, encargos financeiros relativos a locações financeiras, bem como as diferenças de câmbio provenientes de empréstimos em moeda estrangeira, deduzidos dos rendimentos de idêntica natureza”.

Por sua vez, relativamente ao exercício de 2014 o nº 13, do mesmo artigo, esclarece que “o resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos de impostos é o apurado na contabilidade, corrigido de:

a) Ganhos e perdas resultantes de alterações de justo valor que não concorrem para a determinação do lucro tributável;

(…)”.

Conforme já referido, o regime de limitação à dedutibilidade dos gastos de financiamento líquidos, aplicáveis a todos os sujeitos passivos de IRC que sejam tributados com base no lucro, consiste em aceitar fiscalmente os gastos de financiamento líquidos até à concorrência do maior dos limites previstos no artigo 67º, nº 1, alíneas a) e b) do CIRC.

Nos exercícios em análise apurou-se o EBITDA conforme tabela infra e os correspondentes limites, para ambos os exercícios.

O sujeito passivo, no período de tributação de 2013, apresenta como EBITDA na contabilidade o montante de € 1.567.369,95 (resultado antes de depreciações, gastos de financiamento líquidos e imposto) pelo que será de aceitar fiscalmente os gastos de financiamento até à concorrência de € 3.000.000,00 já que 70%*1567.369,95=1.097.158,97.

No exercício de 2014, o sujeito passivo apurou um EBITDA no valor de € 7.009.433,24

(resultado antes de depreciações, gastos de financiamento líquidos e imposto).

Considerando o disposto nos nºs1,12 e 13 do artº 67 do CIRC, o sujeito passivo poderá deduzir € 4.205.659,94. (7.009.433,24*60%).

Partindo então para a análise aos gastos financeiros considerados pela A..., para efeitos da aplicação do regime previsto no artº 67 do CIRC, concluiu-se que:

 

A) Exercício de 2013

O sujeito passivo, declarou gastos financeiros no montante global de €4.969.005,57 que inclui os juros e demais encargos de financiamento obtidos (Imposto de selo, despesas de serviços bancários), bem como as perdas em instrumentos financeiros, conforme cálculos evidenciados no quadro infra, que tem por base o anexo VI.

Relativamente aos rendimentos financeiros verificou-se no balancete que a A... considerou o montante total de €23.610,06 (#791), correspondendo aos juros obtidos (anexo VI).

Como da aplicação do nº 12 do artigo 67º do CIRC para se apurar os gastos de financiamento líquidos do período, são de considerar as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, deduzidos dos rendimentos de idêntica natureza fizeram-se os cálculos, conforme se demonstra na tabela infra, tendo ainda em consideração a correcção já efetuada no ponto III.2 do presente projecto de relatório, no montante de € 1.612.814,88:

 

Atendendo ao referido anteriormente propõe-se a correcção ao resultado Fiscal declarado, por aplicação do artigo 67º do CIRC, no montante de € 332.580,63, valor que o Sujeito Passivo pode reportar nos cinco exercícios seguintes, nos termos do nº 2 do Artº 67 do CIRC.

 

B) Exercício de 2014

 

O sujeito passivo, declarou gastos financeiros no montante de € 4.995.500,84 onde inclui os juros e demais encargos (imposto de selo, despesas de serviços bancários) de financiamento obtidos bem como as perdas em instrumentos financeiros, conforme cálculos evidenciados no mapa seguinte.

Relativamente aos rendimentos financeiros verificou-se no balancete analítico que a A... considerou o montante total de 17.178,06 (#791), correspondendo ao juros obtidos (anexo VI).

Como da aplicação do nº 12 do artigo 67º do CIRC para se apurar os gastos de financiamento líquidos do período, apenas são de considerar as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, deduzidos dos rendimentos de idêntica natureza fizeram-se os seguintes cálculos tendo-se em consideração a correcção efetuada aos encargos financeiros no ponto III.2 do presente relatório:

Atendendo ao referido anteriormente o valor a corrigir por aplicação do disposto no artº 67º do CIRC é a favor do sujeito passivo, no montante de € 891.398,30 (332.580,63+558.817,67).

 

III.1.1.4 REINTEGRAÇÕES E AMORTIZAÇÕES DO(S) EXERCÍCIO(S)

No decurso da análise ao Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI), deduzido à coleta do IRC, dos exercícios em análise, constatamos que o sujeito passivo considerou como despesa de investimento elegível para o cálculo do referido benefício fiscal, o montante de € 571.500,00, referente à modernização de elevadores do Edifício “... registado na conta 42.21.2.12 – “ Investimentos em Imóveis Edifícios e O. Construções – Modernização de Elevadores”.

Associado ao facto de este investimento não ser considerado elegível, para possível aplicação da Lei nº 49/2013 de 16 de Julho, que aprovou o crédito fiscal extraordinário ao investimento, nomeadamente seu artigo 4º, por não ser aplicável em ativos fixos tangíveis, biológicos não consumíveis, ou ativos intangíveis sujeitos a deperecimento, tal como se refere no ponto seguinte III.2.1, deste relatório, caso se enquadrasse, não poderia ser aceite fiscalmente, por não devidamente documentado.

De facto, quando solicitados os documentos comprovativos do investimento em causa, o sujeito passivo não o comprovou, com fatura ou documento equivalente, apresentando apenas um orçamento para documentar o registo contabilístico na referida conta, como tal despesa não devidamente documentado, nos termos do disposto nos artigos 23º e 45º do Código do IRC.

Por sua vez, da análise aos mapas de Reintegrações e Amortizações dos exercícios em análise (anexo XIII), verificou-se que o sujeito passivo praticou amortizações, relativamente ao referido valor, à taxa de 10% (Código 2105 da Tabela).

Constatamos também que o mesmo realiza as amortizações por duodécimos.

Desta forma, porque o valor em causa não se apresenta devidamente comprovado, o gasto contabilizado, nos referidos exercícios, relativamente ao mesmo (amortização) no valor, respetivamente de € 4.762,50, e € 57.150,00, conforme cálculos que se seguem, não pode ser aceite fiscalmente, por infração aos artigos 23º nº 1 alínea g) e 45º nº 1 alínea g) (exercício de 2013) e 23º nº 1, nºs 2 alínea g), 3, 4 e 6 (exercício de 2014), todos do CIRC.

 

III.5. Mapa resumo das correcções/conclusão

Atendendo ao relatado, anteriormente, o valor das correcções propostas ao lucro tributável, dos exercícios em análise é respectivamente de € 1.950.158,01 e € 870.633,53, conforme cálculos que se seguem:

Face às correcções propostas, para 2013 e 2014, respectivamente de € 1.950.158,01 e €870.633,53 o Lucro / Matéria Tributável declarado de €907.838,11 e €1.633.356,40 é corrigida, respectivamente, para os montantes de € 2.857.996,12 e de €2.503.989,93.

(...)

 

IX - DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO

(...)

  1. Aquisição de serviços de consultadoria à entidade “Q...”

(...)

Face à legislação citada, em vigor para o exercício de 2014, a fatura emitida pela "Q...” não reúne os pressupostos exigíveis uma vez que não faz referência aos NIF's dos intervenientes também não refere a taxa de IVA aplicada, nem o montante de IVA, nem o motivo justificativo da sua não aplicação conforme disposto nos n°s 1, 3, 4 e 6 do artigo 23° do CIRC, pelo que não assiste razão ao sujeito passivo e o gasto com a aquisição de serviços à Q... não pode ser aceite fiscalmente.

 

2- Aplicação do artigo 67° do CIRC - Limitação à dedutibilidade de Gastos de Financiamento.

(...)

Desde já convém referir que o sujeito passivo, quando do exercício de direito de audição limitou-se a fazer alegações meramente teóricas, já que não juntou quaisquer elementos que nos permitam comprovar as referidas alegações.

Considerando que os Balancetes analíticos e extratos das contas 68.1 .2.32- “ Impostos de selo suportado", #68.1.2.3.1- “imposto de selo liquidado”, # 62.6.8.1.3.3 -"Serviços bancários- 23%", # 62.6.8.1.0 - “Serviços Bancários-Isento", referentes aos exercícios de 2013 e 2014, não permitem por si só, sem documentos comprovativos, aferir os valores das despesas que correspondem a transferências normais para fornecedores ou a despesas de manutenção das contas bancárias tal como o sujeito passivo alega, pelo que se conclui, pela manutenção da a correção proposta no ponto lll.1.1.3 do Projeto de Relatório, para os referidos exercícios no total, respetivamente de € 332.580,63 a favor do Estado (exercício 2013) e € -891.398,30 a favor do sujeito passivo (exercício 2014).

 

3- Reintegração e Amortizações (Investimentos R...)

(...)

Em primeiro lugar, importa referir que o sujeito passivo não juntou qualquer documento que permita verificar a conclusão da empreitada de Modernização dos elevadores. Por sua vez, relativamente às propriedades de investimentos, bem como aos investimentos nelas efetuados, aceita-se a depreciação e amortização, desde que, no caso em concreto, os mesmos cumpram os requisitos do Art° 23° e 45° do CIRC.

Da análise efetuada aos elementos enviados e aos extractos de conta SNC 4221212 - "MODERNIZAÇÃO DOS ELEVADORES", # 22.8.3 - "REPARAÇÃO E REMODELAÇÃO Dos ELEVADORES" e # 27.2.2.5 - " REMODELAÇÃO R...“, confirmamos que o valor contabilizado na conta de Propriedades de Investimento (Conta 4221212-MODERNIZAÇÃO DOS ELEVADORES) está suportado por um mero contrato. Para que a amortização pudesse ser aceite fiscalmente, o valor registado deveria estar suportado por uma fatura e não por um mero contrato. Os contratos podem concretizar-se ou não. De facto concorda-se com 0 sujeito passivo que o que o investimento em si, não depende do pagamento, que pode ser fracionado, já não podemos concordar, no que se refere à faturação. É a faturação que suporta o investimento, sendo considerado um gasto para uma das partes do contrato e, um rendimento, para a outra.

Confirmamos que a R..., apenas faturou os montantes de € 21.210,59 e € 63.360,61, respetivamente, nos exercícios de 2013 e 2014.

Tendo em consideração que ao sujeito passivo apenas foram faturados os montantes de € 21.210,59 (2013) e € 63.360,61 (2014) apenas relativamente a estes valores é aceite

amortização / depreciação, a taxa de 10%, por aplicação do Código 2105 da Tabela anexa ao Decreto Regulamentar n° 25 / 2009 de 14 de setembro, relativamente aos quais estão reunidos os requisitos conforme o disposto no n°1 al. g) do artigo 45° do CIRC (exercício 2013) e n° 1 al. g), n°2, 3,4 e 6 do Art° 23° do CIRC, conforme cálculos evidenciados no quadro infra:

Assim, a correção proposta no projeto de relatório deverá ser ajustada no exercício de 2013 para o montante de €2.641,44 (4.762,50-2.121,06) e no exercício de 2014 para o montante de € 48.692,88 (57.150,00 - 8.457,12).

(...)

IX.1.2 - Conclusão

A) Face à fundamentação antes explanada, procede-se aos devidos ajustamentos nas

correções inicialmente projetadas, conforme cálculos que se seguem:

Ao Lucro /Matéria Tributável dos Exercícios:

O Lucro / Matéria Tributável Corrigido é no montante de 2.855.875,06 (exercício 2013) e de € 2.495.532,81 (exercício 2014) conforme se demonstra na tabela infra:

Considerando a correção agora efetuada ao resultado fiscal a correção da Derrama Estadual é no montante de €40.676,25, (exercício 2013) e no montante €25.865,29 (exercício 2014) conforme tabela infra:

E a Derrama Municipal é no valor de € 42.838,13 (exercício 2013) e no valor de €37.432,99

(exercício 2014) de acordo com a seguinte tabela:

 

 

  1.  Na sequência da inspecção a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações:

– a liquidação de IRC n.º 2017..., que inclui as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2017... e 2017..., cujo saldo a pagar incluído na demonstração de acerto de contas n.º 2017... foi de € 814.605,92, referentes ao período de tributação de 2013;

– a liquidação de IRC n.º 2017..., que inclui a liquidação de juros compensatórios n.º 2017..., cujo saldo a pagar incluído na demonstração de acerto de contas n.º 2017... foi de € 277.698,90, referentes ao período de tributação de 2014 (documento n.º 30 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  1. A Requerente não pagou as quantias liquidadas;
  2. A Autoridade Tributária e Aduaneira instaurou processos de execução fiscal n.ºs ...2017... e ...2017..., para cobrança coerciva das quantias liquidadas (documento n.º 31 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3.  A Requerente prestou garantias para suspender os processos de execução fiscal referidos (documento n.º 32 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Em 19-02-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo;

 

 

2.2 Factos não provados

 

Não se provou que o financiamento obtido pela Requerente junto do P... tenha sido utilizado directamente para financiar outras empresas do grupo.

No contrato celebrado entre a Requerente e o P... refere-se que o crédito «se destina a refinanciar o investimento a longo prazo no Imóvel» (cláusula 1.ª n.º 1, do documento n.º 12) e não foi produzida qualquer prova de que tenha sido utilizado a outros fins, designadamente financiar empresas do grupo.

O depoimento da testemunha E... corrobora que a utilização do financiamento pelo P... foi a prevista no contrato.

A Autoridade Tributária e Aduaneira também aceita que «o financiamento obtido junto do P... teve como destino exclusivo o reembolso de empréstimos contraídos em anos anteriores a 2007», mas acrescenta «que nada indica que uma parte desses fundos não tenham sido colocados, ao longo dos anos, à disposição da H... e de outras entidades relacionadas» (artigo 27.º da Resposta).

Porém, também esta hipotética utilização indirecta do financiamento obtido do P... para financiar empresas do grupo não se provou.


 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e que constam do processo administrativo e na prova testemunhal.

A testemunha inquirida aparentou depor com isenção e com conhecimento pessoal dos factos que recaiu o seu depoimento.

 

 

3. Matéria de direito

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva a Requerente, relativa aos exercícios de 2013 e 2014 em que efectuou várias correcções à matéria, considerando gastos não dedutíveis, os seguintes:

 

 

3.1. Questão da aquisição de serviços à Q...

A A... e a Q... celebraram um contrato de prestação por esta de serviços de consultadoria em 2012, tendo emitidos duas facturas, com os seguintes elementos:

A Autoridade Tributária e Aduaneira constatou o seguinte:

- As duas faturas foram emitidas em dezembro de 2014;

- A fatura nº 2013002 reporta-se a serviços prestados em 2013, ou seja, foi emitida um ano após a prestação dos serviços;

- Os números de fatura demonstram uma numeração incoerente 2013002 e 2014001 uma vez que as duas foram emitidas em dezembro de 2014

- Nas faturas não consta o NIF dos intervenientes, na operação económica;

- Nas faturas não é referida a taxa aplicada, nem o montante de IVA, nem o motivo justificativo da não aplicação.

 

À face dos requisitos exigidos pelo artigo 23.º, n.º 4 e 6, do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que não pode ser aceite como gasto o montante da factura n.º 2014001.

O artigo 23.º do CIRC, nesta redacção de 2014, estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

Artigo 23.º

 

Gastos e perdas

 

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

 

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;

 

(...)

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

 

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.

 

5 - (Revogado.)

 

6 - Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.

 

A Requerente começa por dizer que a Autoridade Tributária e Aduaneira não esclarece quais os requisitos em falta, mas acaba por concluir que serão a falta indicação

 

(i) O número de identificação fiscal da Q...;

(ii) O montante do IVA eventualmente devido;

(iii) A taxa de IVA aplicada; e

(iv) O motivo da não aplicação de IVA.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira refere que «a factura não contém o número de identificação fiscal da adquirente ou beneficiária dos serviços – a Requerente – IVA conforme exige a alínea b) do n.º 4 do art.º 23.º, nem qualquer menção ao IVA».

Como diz a Requerente, a falta de menção ao IVA não poderá relevar, uma vez que o n.º 6 do artigo 23.º do CIRC estabelece que emissão de factura nos termos do CIVA aplica-se quando «o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA», o que não é o caso da Q..., por ser uma entidade não residente, sem estabelecimento estável em Portugal.

Por outro lado, também se afigura certo que, como diz a Requerente, à face da alínea b) do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC, não será necessária a indicação do NIF da prestadora do serviço, no pressuposto de que será entidade não residente sem estabelecimento estável em Portugal (o que é afirmado pela Requerente e não questionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira), pois aquela alínea b) faz tal exigência «sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional».

Mas, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, não deixa de ser necessária a indicação do número fiscal do adquirente, pois era entidade residente em Portugal.

Por isso, o fundamento invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que «nas faturas não consta o NIF dos intervenientes, na operação económica», em que se inclui a falta de indicação do NIF da Requerente, justifica a não relevância fiscal da despesa de € 60.000,00 documentada pela factura n.º 2014001.

Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a este fundamento.

 

3.2. Questão dos encargos financeiros não aceites como gasto

 

A Requerente efectuou financiamentos gratuitos a empresas do grupo em que se insere e suportava encargos financeiros com um empréstimo efectuado pelo P... .

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, que parte desses encargos financeiros não podiam ser aceites como gastos, «proporcionalmente aos financiamentos concedidos», à face do artigo 23.º do CIRC, por estes terem sido parcialmente utilizados para financiar outras empresas do grupo.

A Requerente defende, em primeira linha, que o pressuposto de que partiu a Autoridade Tributária e Aduaneira, de que os financiamentos efectuados no âmbito do contrato celebrado com o P... tinham sido utilizados para financiar outras empresas do grupo, não corresponde à realidade.

A prova documental e testemunhal produzida corrobora a tese da Requerente, pois ficou expressamente acordado no contrato celebrado com o P... que o financiamento «se destina a refinanciar o investimento a longo prazo no Imóvel» (cláusula 1.ª do contrato que consta do documento n.º 12), incluindo-se no contrato pormenorizado clausulado visando o cumprimento das obrigações assumidas.

A utilização do financiamento efectuado pelo P... exclusivamente para o refinanciamento no imóvel foi confirmada pela testemunha E... .

O fundamento da conclusão da Autoridade Tributária e Aduaneira de que o financiamento efectuado pelo P... foi parcialmente utilizado para financiar empresas do grupo é o de que, quanto aos financiamentos anteriores, «nada indica que uma parte desses fundos não tenham sido colocados, ao longo dos anos, à disposição da H... e de outras entidades relacionadas» (artigo 27.º da Resposta).

Porém, esta afirmação não corresponde à realidade, pois o financiamento do P... tinha uma cláusula que estabelecia o seu destino, que era «refinanciar o investimento a longo prazo no imóvel». Não se faz qualquer referência a financiamentos anteriores relacionados com empresas do grupo e é de presumir, à face das regras da experiência comum, que esta entidade bancária, que teve a evidente preocupação em estabelecer expressamente tal limitação da utilização do financiamento, tenha controlado a sua utilização pela Requerente.

Para além disso, o facto de os financiamentos se terem renovado várias vezes, inclusivamente com entidades bancárias que já haviam assegurado anteriores financiamentos, aponta manifestamente no sentido de a Requerente ser uma entidade cumpridora das obrigações que assume e não no sentido de que as viole.

Por outro lado, provou-se que a Requerente obteve rendimentos próprios avultados provenientes da sua actividade de arrendamento do ... à I... até ao ano de 2006 [240.321.713$00, segundo resulta do documento n.º 18 e se referem nas alíneas nn) e ddd) da matéria de facto fixada], pelo que não há fundamento para concluir que, necessariamente, alguma parte do financiamento efectuado pelo P... se destinou a refinanciamento de empréstimos anteriores efectuados às empresas do grupo.

No mínimo, está-se perante uma situação de dúvida fundada sobre a utilização do financiamento efectuado pelo P... para refinanciar empréstimos às empresas do grupo, pois nenhum elemento de prova demonstra que isso tenha sucedido. Ora, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, essa dúvida que tem de ser valorada processualmente a favor da Requerente, justificando a anulação da correcção em causa.

A isso acresce que, como defende a Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira utilizou, sem suporte legal, um método indirecto para determinação da parte dos encargos financeiros que considerou terem sido suportados com financiamento de empresas do grupo.

Como diz a Requerente, «ao invés de recolher indícios e provas que lhe permitissem utilizar um método de afetação direta dos fundos provenientes do P...(e com isso justificar os pressupostos factuais da sua atuação), limitou-se a proceder à correção de um certo montante de encargos financeiros, tidos como não dedutíveis, através do recurso a uma métrica de afetação indireta dos passivos financeiros da Requerente aos seus diferentes ativos financeiros».

Está-se perante a utilização de método indirecto quando a determinação da matéria tributável é feita a partir de «indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha» (artigo 83.º, n.º 1, da LGT).

Há utilização de uma presunção quando se faz uma ilação a partir de «um facto conhecido para firmar um facto desconhecido» (artigo 349.º do Código Civil). No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira utilizou uma presunção, pois a partir de uma realidade conhecida (valores dos encargos de financiamento líquido suportados, financiamentos obtidos e montante dos empréstimos a empresas do grupo), sem qualquer prova de que os financiamentos obtidos tenham sido utilizados para empréstimos a empresa do grupo, concluiu (hipotética realidade desconhecida) que houve financiamentos que foram utilizados para empréstimos e que a percentagem da utilização corresponde à proporção entre financiamentos obtidos e encargos totais de financiamento.

Este tipo de método indirecto de apuramento da desconhecida utilização de financiamentos, que se traduz em presumir que os recursos obtidos com financiamentos onerosos são parcialmente utilizados para realizar empréstimos gratuitos, em percentagem correspondente à proporção entre o total dos financiamentos obtidos e os encargos suportados, é ilegal por desrespeito dos artigos 87.º a 90.º da LGT, como tem vindo a ser entendido pela jurisprudência invocada pela Requerente, designadamente pelo Supremo Tribunal Administrativo, a propósito da questão semelhante da aplicação do método previsto no ponto 7 da Circular n.º 7/2004: acórdãos de 08-03-2017, proferido no processo n.º 0227/16, de 31-05-2017, proferido no processo n.º 01229/15; de 31-05-2017, proferido no processo n.º 01229/15, de 29-11-2017, proferido no processo n.º 01292/16; de 24-01-2018, proferido no processo n.º 0745/15; de 31-01-2018, proferido no processo n.º 01157/17.

Na verdade, por força do disposto no artigo 81.º da LGT, os métodos indirectos de determinação da matéria tributável apenas podem ser utilizados «nos casos e condições expressamente previstos na lei». Esses casos são os indicados nos artigos 87.º e os elementos que podem ser utilizados são arrolados no artigo 90.º da mesma Lei.

No caso em apreço, não é sequer invocado que se esteja perante uma situação em que seja lícito utilizar métodos indirectos, nem o método utilizado está previsto na lei, pelo que tem aqui aplicação aquela jurisprudência invocada pela Requerente.

Por outro lado, a ilegalidade resulta da mera falta de previsão legal, não sendo necessário que, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 40.º da sua Resposta, exista «qualquer disposição legal, mormente do Código do IRC, que especificamente proíba o recurso aos métodos indirectos de imputação, que se mostrem objectivo e adequado às circunstâncias específicas de cada caso, quando se está perante encargos que são comuns a diferentes actividades ou relacionados com distintos activos das empresas e não se torna possível proceder uma afectação específica».

Na verdade, o alcance do princípio da legalidade, que é imposto à Autoridade Tributária e Aduaneira na globalidade da sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) é explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, que estabelece que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins».

            À face desta norma, o princípio da legalidade deixou de ter «uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa». [1]

Por isso, para afastar a possibilidade de aplicação de um método de determinação da matéria tributável não é necessário que exista uma proibição, bastando que não exista norma ou princípio jurídico que permita a sua utilização.

Neste caso, não existe norma ou princípio jurídico que dê suporte à utilização do método indirecto em que a Autoridade Tributária e Aduaneira baseou esta correcção, pelo que ela é ilegal.

Por outro lado, tendo-se provado que a Requerente dispunha de receitas próprias avultadas, provenientes do arrendamento do imóvel, que invoca ter utilizado para fazer empréstimos a empresas do grupo, não há qualquer razão, à face das regras da experiência, para concluir que, em vez de as utilizar para realizar os empréstimos, tenha preferido utilizar para esse fim os financiamentos, violando a obrigação contratual de os utilizar apenas para «refinanciar o investimento a longo prazo no imóvel».

 Diga-se, finalmente, que a fundamentação alternativa para não considerar gastos a totalidade dos encargos financeiros suportados com o P..., que é aventada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sua Resposta («se a Requerente não tivesse concedido os falados empréstimos gratuitos, não precisaria de recorrer ao crédito na medida em que o fez») não foi invocada no Relatório da Inspecção Tributária como fundamento da correcção em causa, pelo que é irrelevante, pois constitui fundamentação a posteriori.

Na verdade, o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele], pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos, designadamente os invocados na impugnação contenciosa. ( [2] )

Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta correcção, pelo que fica prejudicado, por ser inútil, a apreciação dos restantes fundamentos invocados pela Requerente.

 

 

 3.3. Questão da limitação dos gastos de financiamento

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira fez aplicação da limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento, prevista no artigo 67.º do CIRC, nas redacções da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e da Lei n. 2/2014, de 16 de Janeiro.

No exercício de 2013, a aplicação desta norma traduziu-se numa correcção desfavorável a Requerente no montante de € 332.580,63.

Quanto ao exercício de 2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção favorável a Requerente no montante de € 891.398,30 (€ 332.580,63 +558.817,67, correspondentes ao valor da correcção de 2013, reportado para 2014, e ao valor acrescido pelo S.P. no Q07 da declaração MOD 22 - Campo 748.

Para apurar o montante dessas correcções a Autoridade Tributária e Aduaneira baseou-se nos valores do EBITDA (resultado antes de depreciações, gastos de financiamento líquidos e imposto) indicados pela Requerente, de € 1.567.369,95 e € 7.009.433,24 para os exercícios de 2013 e 2014 respectivamente.

A Requerente vem dizer no pedido de pronúncia arbitral que esses valores que indicara estão errados e que os valores correctos são de € 2.617.022,00 para 2013 e € 3.376.482,30, apresentando os documentos n.º 15 e 17 (artigos 64.º, 68.º e 330.º a 333.º do pedido de pronúncia arbitral). A prova testemunhal corroborou estas afirmações da Requerente.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não impugna estes documentos, nem questiona que os valores correctos são os agora indicados pela Requerente, dizendo que «uma vez que a Requerente não fez constar do exercício do direito de audição estas alterações, os SIT não os levaram em conta nos cálculos finais das correcções, que, por este efeito, traduzir-se-iam em valores diferentes».

Neste contexto, é de considerar provado que os valores em que se basearam as correcções relativas à limitação dos gastos de financiamento são incorrectos, o que implica que as correcções enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto, que justifica a sua anulação, sendo o erro imputável à Requerente.

Sendo de concluir que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado procedente quanto a estas correcções, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões colocadas sobre esta matéria.

 

3.4. Questão das amortizações relativas a reparação de elevadores

 

A Requerente efectuou amortizações à taxa de 10%, nos valores de € 4.762,50, e € 57.150,00, relativas aos exercícios de 2013 e 2014, respectivamente, com base numa despesa no valor de € 571.500,00, respeitante a reparação e modernização de elevadores, com base no contrato que consta do documento n.º 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral.

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcções a estas amortizações, entendendo, após o exercício do direito de audição, que devem ser de € 2.121,06 e € 8.457,12, em 2013 e 2014, respectivamente, por apenas terem sido facturados os montantes de € 21.210,59 (2013) e € 63.360,61 (2014).

A Autoridade Tributária e Aduaneira referiu «solicitados os documentos comprovativos do investimento em causa, o sujeito passivo não o comprovou, com fatura ou documento equivalente, apresentando apenas um orçamento para documentar o registo contabilístico na referida conta» pelo que as amortizações não podem ser aceites «fiscalmente, por infração aos artigos 23º nº 1 alínea g) e 45º nº 1 alínea g) (exercício de 2013) e 23º nº 1, nºs 2 alínea g), 3, 4 e 6 (exercício de 2014), todos do CIRC».

Entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira que «para que a amortização pudesse ser aceite fiscalmente, o valor registado deveria estar suportado por uma fatura e não por um mero contrato. Os contratos podem concretizar-se ou não. De facto concorda-se com 0 sujeito passivo que o que o investimento em si, não depende do pagamento, que pode ser fracionado, já não podemos concordar, no que se refere à faturação. É a faturação que suporta o investimento, sendo considerado um gasto para uma das partes do contrato e, um rendimento, para a outra».

O artigo 23.º, n.º 1, alínea g) do CIRC, na redacção vigente em 2013 estabelece que «consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: (...) g) Depreciações e amortizações».

O artigo 45.º, n.º 1, alínea g), do CIRC, na redacção vigente em 2013, estabelece que «não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: (...) g) os encargos não devidamente documentados».

Na redacção de 2014, o artigo 23º do CIRC estabelece o seguinte:

 1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

(...)

g) Depreciações e amortizações;

(...)

3 - Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.

(...)

6 - Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.

 

 

A Requerente entende que podia efectuar as amortizações referidas, porque, em suma, as reparações foram efectuadas em 2013, mas que «só teria de efetuar os pagamentos à R... respeitantes à modernização dos elevadores do ... à medida que fosse recebendo as faturas periódicas (para subsequente pagamento) alusivas aos serviços de conservação e manutenção daqueles equipamentos», e que «a R... foi emitindo e apresentando as faturas alusivas aos serviços prestados e a A... foi procedendo aos correspondentes pagamentos, os quais ocorreram maioritariamente nos anos subsequentes ao do termo da empreitada».

Embora as amortizações tenham sido efectuadas nos exercícios de 2013 e 2014, a reparação dos elevadores foi efectuada em 2013, pelo que a despesa que está subjacente às amortizações é imputável ao exercício de 2013, independentemente do momento do pagamento, por força do princípio da especialização dos exercícios, enunciado no n.º 1 do artigo 18.º do CIRC: «os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica».

Assim, os requisitos da relevância fiscal da despesa em causa devem ser aferidos a face da redacção do CIRC vigente em 2013, anterior à Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro.

À face dessa redacção anterior do CIRC, não se faziam as exigências de facturação que com esta Lei n.º 2/2014, passaram a ser referidas nos n.ºs 3, 4 e 6 do artigo 23.º do CIRC.

Na falta de indicação precisa de qua era a «documentação devida» para efeitos da alínea g) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, o Supremo Tribunal Administrativo entendia que não era imprescindível a prova através de facturas, sendo admitido qualquer meio de prova.

Neste sentido, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 05-07-2012, processo n.º 0658/11:

 

Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº1, e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova.

 

Na mesma linha decidiu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 09-09-2015, processo n.º 028/15:

 

Relativamente aos custos indocumentados, isto é, sem suporte documental externo, compete ao contribuinte, por qualquer meio ao seu alcance, a alegação e prova de que se verificou a despesa, não obstante essa omissão ou insuficiência formal.

 

No mesmo sentido se pronunciava a doutrina:

 

Com efeito, nos custos documentados presume-se a veracidade da despesa. Ao invés, nos gastos sem documento compete ao contribuinte, por qualquer meio ao seu alcance, a alegação e prova de que se verificou tal despesa, não obstante a omissão ou insuficiência formal. ( [3] )

 

Assim, tem de se concluir que não tem fundamento legal, à face da redacção do CIRC vigente em 2013, o entendimento que baseou esta correcção, assente na falta de factura ou documento equivalente.

De qualquer modo, no caso em apreço, para além do contrato, a Requerente apresentou outros documentos, designadamente um orçamento, facturas e cheque relativos a alguns pagamentos, cheques designadamente orçamento, cheques, cronograma dos trabalhos (a realizar totalmente em 2013, como se refere no documento n.º 23 junto com o pedido de pronúncia arbitral) e extracto da contabilidade relativos à reparação dos elevadores, cuja veracidade não é impugnada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

O essencial, à face da redacção do CIRC vigente em 2013, é saber se a despesa foi ou não suportada e, no caso em apreço, documentação apresentada justifica um juízo positivo.

Pelo exposto, é ilegal a correcção efectuada quanto às amortizações em causa.

 

 

3.5. Juros compensatórios e de mora

 

A Requerente faz referência a liquidação de juros de mora, mas não se provou foi apresentada qualquer liquidação deste tipo.

A liquidação de juros compensatórios tem como pressuposto a liquidação de IRC, pelo que aquela enferma dos mesmos vícios que afectam esta, justificando-se a sua anulação na medida da anulação da liquidação de IRC.

No entanto, a Requerente imputa à liquidação de juros compensatórios um vicio autónomo por falta de fundamentação, invocando o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11-02-2009, processo n.º 01002/08, refere que “a mínima fundamentação exigível em matéria de actos de liquidação de juros compensatórios terá de ser constituída pela indicação da quantia sobre que incidem os juros, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa aplicada, para além da indicação das normas legais em que assenta a liquidação desses juros e que esses elementos devem ser indicados na liquidação, directamente ou por remissão para algum documento anexo”, sob pena de violação do artigo 35.º, n.º 9 da LGT.

 No caso em apreço, as liquidações de juros compensatórios que foram notificadas à Requerente, que esta junta com o pedido de pronúncia arbitral, contêm esta fundamentação mínima, designadamente as quantias sobre que incidem, os períodos a que se reportam, a taxa aplicada e as normas em que se basearam.

Por isso, as liquidações não enfermam do vício de falta de fundamentação.

 

 

4. Indemnização por garantia indevida

 

            A Requerente prestou garantias para suspender os processos de execução instaurados para cobrança coerciva das quantias liquidadas (documento n.º 31 junto com o pedido de pronúncia arbitral) e formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida.

O artigo 171.º do CPPT estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

 

            1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

            2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

            3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

            4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

Assim, procedendo em parte o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada, na proporção do vencimento, nos termos daquele n.º 1.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão [artigos 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea d) da LGT].

 

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão da aquisição de serviços à Q... e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido na parte respectiva;
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às restantes questões;
  3. Anular a liquidação adicional de IRC n.º 2017..., de 09-10-2017, que inclui as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2017... e 2017..., de 11-10-2017, referentes ao período de tributação de 2013;
  4. Anular parcialmente a liquidação adicional de IRC n.º 2017..., de 09-10-2017, que inclui a liquidação de juros compensatórios n.º 2017..., de 12-10-2017, referentes ao período de tributação de 2014, na parte em que não têm subjacente a correcção relativa à aquisição de serviços à Q...;
  5. Julgar parcialmente procedente o pedido pagamento de indemnização por garantia indevida, na proporção do vencimento, e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que vier a ser determinada em execução de julgado pelas garantias prestadas para suspender os processos de execução fiscal n.ºs ...2017... e ...2017....

 

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.092.304,82.

 

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 14.994,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 2,13% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 97,87%.

 

 

Lisboa, 27-09-2018

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(Vasco Valdez)

 

 

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)



[1]              FREITAS DO AMARAL, JOÃO CAUPERS, JOÃO MARTINS CLARO, JOÃO RAPOSO, PEDRO SIZA VIEIRA e VASCO PEREIRA DA SILVA, em Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3.ª edição, página 40.

                Em sentido semelhante, pode ver-se o primeiro Autor em Curso de Direito Administrativo, volume II: «A lei não é apenas um limite à actuação da Administração: é também o fundamento da acção administrativa. Quer isto dizer que, hoje em dia, não há um poder livre de a Administração fazer o que bem entender, salvo quando a lei lho proibir; pelo contrário, vigora a regra de que a Administração só pode fazer aquilo que a lei lhe permitir que faça». (FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo volume II, páginas 42-43.

                Em sentido idêntico, pode ver-se MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, 1999, volume I, página 84, que refere: «Com o Estado pós-liberal, em qualquer das suas três modalidades, a legalidade passa de externa a interna. A Constituição e a lei deixam de ser apenas limites à actividade administrativa, para passarem a ser fundamento dessa actividade.

Deixa de valer a lógica da liberdade ou da autonomia, da qual gozam os privados, que podem fazer tudo o que a Constituição e a lei não proíbem, para se afirmar a primazia da competência, a Administração Pública só pode fazer o que lhe é permitido pela Constituição e a lei, e nos exactos termos em que elas o permitem.».

                Nesta linha tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se, por exemplo, pelo acórdão de 13-11-2002, processo n.º 047932.

[2] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:

-de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em AP-DR de 12-4-2001, página 1207.

-    de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em AP-DR de 10-2-2004, página 4289.

-    de 09/10/2002, processo n.º 600/02.

-    de 12/03/2003, processo n.º 1661/02.

 

                Em sentido idêntico, podem ver-se:

-    MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é "irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto", e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que "não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa".

 -   MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que "as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade".

[3] TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, página 167.