Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 30/2018-T
Data da decisão: 2018-12-11  IRC  
Valor do pedido: € 110.834,74
Tema: IRC – Artigo 23.º, n.º 1, al. c) do CIRC (encargos financeiros suportados por empresa por prestações acessórias e empréstimos a sociedades do grupo.
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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

 

Os árbitros Conselheira Maria Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Prof. Doutor Tomas Castro Tavares e Prof. Doutor Américo Brás Carlos, árbitros vogais, acordam o seguinte: 

 

  1. Relatório

 

1. A..., SGPS, S.A., com o número de pessoa coletiva ..., com sede na Rua ..., ..., ... e  ... pisos, ...-... Lisboa, veio, ao abrigo do disposto da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAMT), e da alínea e) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), apresentar, na sequência da decisão de indeferimento expresso que recaiu sobre a Reclamação Graciosa autuada com o n.º ...2017..., pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade:

a) da Demonstração de liquidação de IRC com o n.º 2016..., de 23 de dezembro de 2016, referente ao exercício de 2013, no valor a pagar de € 110.834,74;

b) da Demonstração de liquidação de juros compensatórios com o n.º 2016..., de 28 de dezembro de 2016, no valor de € 10.010,59;

c) da Demonstração de acerto de contas com o n.º 2016..., de 28 de dezembro de 2016, no valor a pagar de € 110.834,74;

Peticionando, ainda

- a consequente revogação da referida decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2017..., notificada em 27 de outubro de 2017, bem como a anulação da correção promovida pela Autoridade Tributária (AT) à B..., SA, no montante de € 4.760.289,54, referente ao IRC do exercício de 2013, e, consequentemente, que tal montante seja acrescido aos prejuízos fiscais acumulados pelo grupo de sociedades encabeçado pela impugnante, que deveriam aumentar de € 9.897.251,85 para € 14.657.541,39; 

- e, ainda, que a AT seja condenada ao pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, na parte e montantes em que os atos tributários sejam anulados, nos termos do artigo 53.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 171.º do CPPT.

2.O pedido de constituição do tribunal arbitral, no qual se identificava o árbitro a designar pela Requerente (o Prof Doutor Tomás Cantista Tavares), foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) que indicou como árbitro o Prof. Doutor Américo Brás Carlos.

3. Os árbitros designados pelas partes designaram por acordo, a Conselheira Maria Fernanda Maçãs como árbitro presidente, tendo comunicado a aceitação do encargo dentro do prazo.

4.Notificadas as partes dessa designação, não foi apresentada qualquer reserva pelo que, em conformidade com o preceituado no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo foi declarado constituído em 16 de abril de 2018.

5.A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente apresentou argumentação expendida em 186 parágrafos, em VI Seções, em que alegou, em síntese e designadamente, o seguinte:

5.1. Que a “B..., S.A. foi alvo de uma Inspecção externa, de âmbito parcial, em sede de IRC, ao exercício de 2013, a coberto da Ordem de Serviço n.º OI2015..., realizada pela DIEFI, para um exame externo dos elementos contabilísticos-fiscais”;

5.2.Que “Após a conclusão da Inspecção, a B..., S.A. foi notificada em 19 de Setembro de 2016 do Projecto de Relatório, projectando a DIEFI promover, em síntese, as seguintes correcções:

  1. Encargos Financeiros Suportados com o Financiamento de Empréstimos Concedidos e Prestações Acessórias – EUR. 4.760.289,54: “(…). A B..., S.A. suportou, durante o exercício de 2013, encargos com juros para financiar prestações acessórias e empréstimos concedidos a empresas suas participadas, encargos esses que não podem ser tidos como respeitando a capitais alheios aplicados na exploração desta sociedade, nem mesmo se encontram relacionados com a realização de rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto, não preenchendo os requisitos e condições estabelecidas no artigo 23.º do Código do IRC para serem considerados como gasto para efeitos da determinação do lucro tributável, originando uma correção ao lucro tributável que ascende a EUR. 4.760.289,54, conforme ponto III.1 do presente relatório. (…).”.
  2. Reversão de Provisões Tributadas – EUR. 15.234,21: “(…). O sujeito passivo deduziu indevidamente no campo 764 do quadro 07 da Modelo 22 IRC a quantia de EUR. 15.234,21, relativa à redução de provisões tributadas, nos termos do n.º 4 do artigo 39.º do CIRC, conforme Ponto III.2 do presente Relatório. (…).”.

5.3. Que “Como não exerceu o Direito de Audição, a B..., S.A. foi notificada, em 26 de Outubro de 2016, do Relatório Final de Inspecção, que converte em definitivas as correcções promovidas pela DIEFI à sua matéria tributável relativas aos (i) encargos financeiros suportados com o financiamento de suprimentos e prestações acessórias, no montante de EUR. 4.760.289,54, e à (ii) reversão de provisões tributadas, no montante de EUR. 15.234,21, num total de EUR. 4.775.523,75.

5.4. Que “dada a necessidade de incorporar na Declaração Modelo 22 IRC do Grupo as correcções efectuadas à B..., S.A., a Requerente, como Sociedade Mãe/Participante, foi notificada em 07 de Novembro de 2016 do Projecto de Relatório de Inspecção

5.5.Que “Na sequência da referida acção inspectiva, foi efectuada uma correcção ao resultado tributável (...) no montante de EUR. 4.775.523,75. (...).”

5.6.Que “a Requerente foi, por fim, notificada em 03 de Janeiro de 2017 dos Actos Tributários de Liquidação Adicional de IRC e de Juros Compensatórios, bem como da Demonstração de Acerto de Contas, no montante de EUR. 110.834,74, tendo apresentado Reclamação Graciosa desses actos em 16 de Junho de 2017.

5.7.Que “Por não ter exercido o Direito de Audição, a Requerente foi notificada em 27 de Outubro de 2017 do Indeferimento Expresso da Reclamação Graciosa, o que constitui, assim, o objecto mediato do presente Pedido de Pronúncia Arbitral.

5.8.Sob a epígrafe “III.A – Da Correcção pela AT referente à não Dedutibilidade pela B..., S.A., dos Encargos Financeiros suportados com o financiamento de Prestações Acessórias e Suprimentos às Sociedades Participadas”, a Requerente apresenta argumentos que previamente resumiu assim:

A AT fundamenta a a sua posição para não aceitar como gasto fiscal na B..., S.A. os encargos financeiros que suportou com o financiamento de prestações acessórias e suprimentos às suas Participadas com os seguintes argumentos:

  1. Uma parte dos encargos financeiros suportados pela B..., S.A. nas suas Sociedades Participadas respeitam a fundos investidos não na sua própria actividade, mas na das suas participadas;
  2. Os encargos financeiros são indispensáveis apenas para a manutenção da fonte produtora das Sociedades participadas e, portanto, só nesta podiam ser considerados como gasto fiscal;
  3. Essas participações de capital nas Sociedades Participadas podem vir a não gerar dividendos ou outros rendimentos para a B..., S.A.;

      

 

5.9. Sob a epígrafe “IV.A. – Dos Encargos Financeiros relativos ao Financiamento de Prestações Acessórias e Suprimentos concedidos a Sociedades Participadas pela B..., S.A.”, a Requerente apresenta argumentos que previamente resumiu assim:

  1. A B..., S.A. está a exercer a sua actividade e a exercê-la no seu próprio interesse e em total conformidade com o seu objecto social: (i) não apenas quando adquire outras sociedades comerciais com objecto social igual ou distinto, mas também (ii) quando gere essas participações sociais noutras sociedades, prestando-lhe apoio financeiro – através de prestações acessórias ou a suprimentos;
  2. As participações sociais detidas pela B..., S.A. são investimentos financeiros que se qualificam, tanto à luz do antigo POC, como do actual SNC, como activos, precisamente pela sua característica de geração (esperada) de benefícios económicos futuros, a título de lucros, mais-valias ou outros benefícios que serão objecto de tributação em sede de IRC;
  3. A decisão da B..., SA de reforçar o capital próprio das suas participadas – aumentando o investimento inicial por via das prestações acessórias – bem como a sua forma de financiamento através de suprimentos constituem actos legítimos de gestão previstos e permitidos pela lei comercial que visam a manutenção de uma fonte produtora de potencial rendimento de cariz financeiro (lucros ou mais valias), pelo que os custos inerentes e daí resultantes deverão ser considerados custos fiscais.
  4. A actividade da B..., S.A. não é apenas a sua actividade operacional – normal e corrente – de obras públicas e construção. Os seus estatutos permitem também que desenvolva a sua actividade pela tomada e reforço de participações financeiras noutras sociedades (participadas) como estratégia de crescimento. Os custos correspondentes à forma de financiamento dessas sociedades participadas escolhida pela administração da sociedade participante reúnem assim condições de dedutibilidade fiscal.

 

5.10.Sob a epígrafe “IV.A.1 – Da Posição Jurisprudencial do Supremo Tribunal Administrativo”, a Requerente apresenta argumentos que previamente resumiu assim:

  1. O STA admite a dedutibilidade fiscal de todos os custos efectivamente suportados que sejam potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do resultado (êxito ou inêxito) que em concreto proporcionaram.
  2. Para o STA a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade e, portanto, um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros.
  3. Para o STA só poder ser eliminada a relevância fiscal de um custo quando for de concluir, à face das regras da experiência comum, que não tinha potencialidade para gerar proveitos.

 

5.11.Sob a epígrafe “IV.A.2 – Da Posição Jurisprudencial do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa”, a Requerente apresenta argumentos que previamente resumiu assim:

  1. Para o CAAD a lei fiscal não contém qualquer regra concreta ou princípio específico de desconsideração fiscal dos custos, se os fundos deles obtidos não gerarem quaisquer proveitos tributados.
  2. Para o direito comercial (e fiscal), a sociedade concedente, com a prestação sem juros, está a valorizar a sua participação financeira: (i) dota a filial dos fundos necessários para que possa exercer melhor a sua atividade, (ii) com vantagens próprias e egoísticas também da concedente, via valorização da participação de capital e assunção de um risco empresarial que lhe permitirá no futuro, assim se espera, (iii) rentabilizar esse ativo com retorno valorizado do investimento (via mais valias ou dividendos)
  3. O artigo 23.º do Código do IRC quer apenas recusar a aceitação fiscal dos custos, que embora assim contabilizados pela empresa, não são na realidade custos empresariais, por corresponderem a situações claramente abusivas: gastos que não se inscrevem no âmbito da sua atividade – foram contraídos não no interesse da sociedade, mas para a prossecução de objetivos alheios (por exemplo, camuflar gastos pessoais dos administradores).
  4. No entendimento do CAAD o facto de o custo ser suportado numa esfera jurídica (a da Participante) para o capital mutuado vir a ser utilizado noutra esfera jurídica (a de cada uma das participadas que recebeu o financiamento) não desqualifica o custo como gasto dedutível para efeitos fiscais, porque, esse  investimento financeiro não deixa de ser um activo gerido no interesse da entidade que o adquiriu e detém: simplesmente, em vez de o utilizar em casa própria, canaliza-o para as suas participadas poderem desenvolver um operação que, de outra forma, não desenvolveriam.

 

5.12. Admitindo que a AT tenha adotado uma fundamentação complementar para a desconsideração da dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados pela B..., S.A., por, à data em que os encargos foram deduzidos (2013), as participações que esta empresa detinha nas sociedades em que realizou prestações acessórias e suprimentos já terem transitado para a esfera da A...– SGPS, S.A.[1], a Requerente desenvolve a seguinte argumentação: 

 

5.13. Sob a epígrafe “IV.B – Da Dedutibilidade Fiscal dos Encargos Financeiros suportados pela B..., S.A. com o financiamento de Prestações Acessórias e Suprimentos as Sociedades Participadas entretanto alienadas e respectivos créditos cedidos à Requerente”, a Requerente apresenta argumentos que previamente resumiu assim:

  1. Não é pelo facto de as participações sociais e os respectivos créditos (prestações acessórias e suprimentos) terem sido alienados e cedidos pela B..., S.A. à Requerente, que os respectivos encargos financeiros não podem continuar a ser por aquela deduzidos, uma vez que o que releva para a posterior dedução desses encargos financeiros é aplicação inicial do capital alheio na actividade (de detenção e gestão de participações sociais) desta sociedade.
  2. Se os financiamentos bancários contraídos pela B..., S.A. foram aplicados na sua actividade, na vertente de gestão de participações sociais, e os respectivos encargos financeiros eram, à data da sua aplicação, indispensáveis aos proveitos e à manutenção da fonte produtora, e, por conseguinte,  dedutíveis nos termos do artigo 23.º n.º 1 alínea c) do Código do IRC, assim terão de continuar (até à amortização dos empréstimos), quaisquer que sejam as vicissitudes ou  modificações posteriores desses investimentos /activos, que podem compreender, entre outras, a alienação dessas participações sociais e a cedência desses créditos.

 

5.14.Sob a epígrafe “V – Da Violação das Regras do Ónus da Prova no Relatório de Inspecção efectuada à B..., S.A. e da sua Falta de Fundamentação”, a Requerente apresenta os seguintes argumentos:

  1. a AT parece justificar a correcção em causa – não dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com o financiamento de prestações acessórias e suprimentos às Participadas (EUR. 4.760.289,54) –, alegando, em síntese, que uma parte desses encargos financeiros suportados pela B..., S.A. diz respeito a financiamentos a sociedades participadas detidas pela Requerente A..., SGPS, S.A. (e não a sociedades detidas pela B..., S.A.).
  2. O Relatório de Inspeção, porém, não suporta tal entendimento, como alega em seguida:

5.15.Sob a epígrafe “V.A – Da Violação das Regras do Ónus da Prova no Relatório de Inspecção efectuada à B..., S.A.”, a Requerente apresenta argumentos que previamente resumiu assim:

  1. Recaindo sobre a AT o ónus de provar os factos constitutivos do direito de efectuar as correcções à matéria tributável da B..., S.A. cabia-lhe, por conseguinte, apurar e concretizar no Relatório de Inspecção quais foram, com referência ao exercício de 2013, as participações vendidas e os créditos cedidos pela B..., S.A. à Requerente, e o respectivo impacto no cálculo dos encargos financeiros não aceites como gasto fiscal. E este apuramento não foi, de todo, efectuado pela AT.
  2. Pelo facto de a AT não ter cumprido o ónus da prova que sobre si recaia, resulta uma dúvida fundada sobre a quantificação do facto tributário, determinando, por conseguinte, a anulação dos Actos Tributários impugnados.

 

5.16.Sob a epígrafe “V.A – Da Falta de Fundamentação do Relatório de Inspecção efectuada à B..., S.A.”, a Requerente apresenta argumentos que previamente resumiu assim:

  1. O Relatório não contém qualquer facto fiscalmente relevante que possa suportar o que foi posteriormente afirmado pela AT na Decisão impugnada: da leitura do Relatório desconhece-se por completo quais foram as participações sociais cedidas  e que créditos (entre suprimentos e prestações acessórias!) foram cedidos, qual o seu valor e, principalmente, qual o montante dos correspondentes encargos financeiros.
  2. De facto, a AT não descrimina e não distingue as participações das duas sociedades, nem os montantes dos créditos cedidos e, consequentemente, não calcula os encargos financeiros imputáveis a cada uma destas duas sociedades, limitando-se, comodamente, a uma análise global e genérica destas situações e a um tratamento unitário de realidades distintas, dando 01 (um) exemplo (C..., S.A), impossibilitando, assim que a Requerente conteste especificadamente as correções que a AT promoveu.

 

5.17.Sob a epígrafe “VI – Da Indemnização pela Prestação de Garantia Indevida”, a Requerente apresenta os seguintes argumentos:

  1. Tendo desistido do pedido de dispensa de prestação de garantia, a Requerente pediu que esta consistisse no penhor de um bem móvel propriedade da D..., S.A., NIPC..., detida indiretamente pela Requerente, o que foi autorizado;

b) Isso implicou a liquidação e pagamento do respetivo Imposto de Selo, calculado nos termos da Verba 10.3 da Tabela Geral de Imposto de Selo. – cfr. Doc. que protestou juntar;

c) A procedência do pedido deve, na parte correspondente, implicar a condenação da AT ao pagamento de uma indemnização, com vista ao ressarcimento dos custos incorridos.

5.18.Termina pedindo a anulação da Demonstração de liquidação de IRC com o n.º 2016..., de 23 de dezembro de 2016, referente ao exercício de 2013, no valor a pagar de € 110.834,74; da Demonstração de liquidação de juros compensatórios com o n.º 2016..., de 28 de dezembro de 2016, no valor de € 10.010,59; e da Demonstração de acerto de contas com o n.º 2016..., de 28 de dezembro de 2016, no valor a pagar de € 110.834,74, por enfermarem de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de Direito em face da errada interpretação do artigo 23.º, n.º 1, al. c), do CIRC, ou, subsidiariamente, por a AT não ter cumprido o ónus de provar os factos constitutivos do direito, nos termos dos artigos 77.º, n.º 1, da LGT e 63.º do RCPIT – e, em qualquer caso e em consequência, a anulação da correção promovida pela AT à B..., SA, no montante de € 4.760.289,54 referente ao exercício de 2013, acrescendo esse montante aos prejuízos fiscais acumulados pelo grupo de sociedades encabeçado pela Requerente, passando de € 9.897.251,85 para € 14.657.541,39, bem como o pagamento de indemnização por pagamento de garantia indevida.   

 

6.Respondeu a AT, defendendo essencialmente que “a B..., S.A. ao efectuar empréstimos, sob a forma de suprimentos e de prestações acessórias às participadas, sem debitar quaisquer encargos, incorreu em gastos financeiros que não estão directamente relacionados com a sua actividade mas sim com a actividade das sociedades participadas em questão, logo não são gastos indispensáveis à obtenção dos seus rendimentos ou à manutenção da sua fonte produtora nos termos do consignado no art. 23º do CIRC.” Acrescentou, em síntese e designadamente, o seguinte:

6.1.Que “a Requerente não contesta a matéria de facto apurada no Relatório Final”;

6.2.Que, em obediência ao princípio da tributação do rendimento real das empresas (artigo 104º, n.º 2 da CRP), “A Requerente, ainda que na qualidade de sociedade dominante do grupo, não pode ignorar o regime imposto pelo legislador fiscal, subtraindo aos resultados da uma sociedade participada os encargos que, reunidos os respectivos pressupostos, seriam dedutíveis na esfera jurídica de outra participa, ainda que, no exercício da sua livre autonomia, a B..., S.A. tenha decidido suportá-los.

6.3.Que “mesmo que os financiamentos ora em causa sejam, indirectamente, do interesse da B..., S.A., é indiscutível que que esses encargos não estão directamente relacionados com a sua actividade económica mas antes com a actividade económica das participadas.

6.4.Que “os empréstimos ora em discussão, efectuados a título de suprimentos e prestações acessórias, são empréstimos não remunerados, sendo que a concessão de financiamento não constitui uma actividade operacional da B..., S.A.”;

6.5.Que “Uma vez que o financiamento não é uma actividade operacional da B..., S.A., encontrando-se à margem do seu objecto social, os mesmos não são indispensáveis à manutenção da sua fonte produtora, nos termos do artt. 23º do CIRC.

6.6.Que “excluído aquele enquadramento, os gastos suportados com aqueles empréstimos só seriam dedutíveis, nos termos do art. 23º do CIRC, se fossem indispensáveis à realização de rendimentos sujeitos a imposto, ou seja, se fossem empréstimos remunerados, o que não é o caso dos autos.

6.7.Que o artigo 32.º, n.º 2, do EBF que vigorava à data dos factos impunha “uma restrição à dedutibilidade de encargos suportados por SGPS quando os rendimentos em conexão com esses encargos não são tributados em IRC, concretizando o princípio constitucional de tributação das empresas pelo seu rendimento real.

6.8.Que “A indispensabilidade exigida pelo art. 23º do CIRC apenas é susceptível de ocorrer na esfera das sociedades participadas que beneficiaram daqueles financiamentos, caso os mesmos tivessem sido alocados à sua actividade económica e fossem concretamente elegíveis para efeitos da sua dedutibilidade fiscal.” – o que não seria possível apurar no respeitante às participadas porque “não foram debitados às participadas que deles beneficiaram, não constituindo, por conseguinte, um encargo comprovadamente assumido” por elas e porque “apenas pela análise à contabilidade das participadas seria possível aferir se os capitais obtidos, através daqueles financiamentos não remunerados, preenchem os restantes requisitos de dedutibilidade fiscal, ou seja, se concretamente foram aplicados em moldes que permitem concluir pela sua indispensabilidade para a realização de rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

6.9.Que “Em suma, o conceito de indispensabilidade ínsito no art. 23º do CIRC determina que um gasto seja dedutível se for incorrido no âmbito do objecto societário e da correspondente actividade operacional da empresa ou que o gasto esteja na origem de um resultado sujeito a imposto ainda que alheio ao seu objecto societário.

6.10.Que, aplicando o RETGS (opção do grupo da Requerente), “a tributação integrada do Grupo tem por base o apuramento do resultado individual de cada sociedade, de acordo com as regras gerais que se aplicam a qualquer sociedade, a declarar na respectiva modelo 22 de IRC individual.”, até para poder tributar o rendimento real das empresas.

6.11.Que a jurisprudência “tem sido unânime na defesa da imputação directa dos gastos à sociedade geradora dos rendimentos, rejeitando gastos suportados para potenciar ganhos de sociedades terceiras, ainda que sendo uma sociedade participada/dominada.”, citando o acórdão do STA de 30/05/2012, no proc. 0171/11, e o acórdão do TCA Sul, de 24/04/2012, no proc. 05251/11.

6.12.Que irrelevam as circunstâncias e razões invocadas pela Requerente para ter sido a B..., SA, a contrair os empréstimos de que beneficiaram as suas participadas.

6.13.Que “A mera detenção e gestão de participações sociais, decorrente do facto da B..., S.A. ser detentora de parte do capital das sociedades que integram o Grupo, não suporta o argumento defendido pela Requerente de que os gastos controvertidos seriam indispensáveis à manutenção da fonte produtora da B..., S.A. para efeitos do art. 23º do CIRC.

6.14.Reitera que “a mera detenção e gestão de participações sociais não é uma actividade operacional da B..., S.A.”;

6.15.Que “não existe qualquer omissão ou incumprimento do dever de fundamentação, sendo que o Relatório Final e os Anexos que o complementam evidenciam as razões de facto e de direito que justificam o enquadramento jurídico-tributário das operações analisadas, mais evidenciando os critérios e as importâncias que estiveram na base do cálculo do montante corrigido e ora controvertido.

6.16.Finalmente, invoca que, a proceder o pedido de pronúncia arbitral, “a indemnização por garantia indevida deverá ser processada no âmbito da execução do julgado arbitral”.

7. Por despacho de 12 de Junho, foi dispensada a realização da primeira reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e marcada a realização da audiência de julgamento para o dia 9 de Julho de 2018 pelas 14,00 horas.

8. Posteriormente veio a Autoridade requerida prescindir de uma das testemunhas (E...) e requer a alteração da data da audiência de julgamento marcada para o dia 9 de julho às 14 horas.

9. Por despacho de 24 de Junho foi deferido o pedido de alteração do rol de testemunhas, e, por não haver oposição do SP, deu-se sem efeito o despacho de 12 de Junho, tendo-se fixado a realização da audiência de julgamento para o dia 7 de Setembro de 2018 pelas 14,00 horas.

                           

10. A audiência de julgamento teve lugar no dia 7 de Setembro pelas 14 horas, tendo-se procedido à inquirição das testemunhas indicadas pelas Partes, bem como ao depoimento de parte de F..., na qualidade de administrador.

 O Tribunal notificou ambas as partes para alegações escritas e sucessivas no prazo de 15 dias e designou o dia 14 de Dezembro de 2018 para prolação da decisão arbitral.

11.Na sequência da audiência probatória, Requerente e Requerida apresentaram alegações, reforçando, no essencial, a argumentação anteriormente produzida.

No entanto, a Requerente veio adicionalmente, servindo-se do depoimento do senhor Inspetor  Tributário, acrescentar que, além da “falta de apuramento detalhado das participações sociais e dos créditos cedidos pela B..., SA. à G..., o que inquina o relatório de Inspecção, e, por conseguinte, os Actos Tributários dele dependentes, (…) não pode  o Sr. Inspector Tributário pretender agora que as operações de alienação de participações e cedência de créditos pela B..., SA., à G... sejam agora, EMPRÉSTIMOS NÃO REMUNERADOS entre aquela e esta última sociedade, reconfigurando operações, (…) e pretender, por esta via, promover uma correção ao lucro tributário da B..., SA., a coberto do artigo 23.º do Código do IRC, quando essa reconfiguração exigiria que fossem adoptados outros procedimentos, por recurso à cláusula geral anti-abuso ou ao regime dos preços de transferência.” 

Em relação a este aspeto veio a Requerida nas contra-alegações invocar, entre o mais, que “Esta tentativa de reenquadramento falece de qualquer sustentação legal uma vez que a fundamentação da correcção controvertida, devidamente explicitada no Relatório Final, não suscita nem a questão do abuso de formas jurídicas nem a questão dos preços contratados entre sociedades relacionadas mas tão somente e apenas a indispensabilidade dos encargos suportados na esfera jurídica da A... .”

 

II. SANEAMENTO

  1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e o pedido de pronúncia contém-se no âmbito das suas atribuições (alínea a) do n.º 1 dos artigos 2.º e 4.º do RJAMT e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
  2. Não foram invocadas, nem se verificam, quaisquer exceções dilatórias que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa.
  3. As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas, e encontram-se regularmente representadas.
  4. O processo não enferma de nulidades.
  5. Assim, tudo visto, cumpre decidir.

 

 

III.MATÉRIA DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

(i) A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS), sendo a sociedade-mãe de um grupo de empresas tributado em IRC pelo RETGS;

(ii) A correção em discussão nos presentes autos, efetuada ao abrigo da ordem de serviço OI2015..., respeita à matéria tributável de uma das empresas do Grupo, a B..., SA, participada pela sociedade-mãe em 97,82%;

(iii) No artigo 3.º do pacto social da B..., SA, (epigrafado “Objecto social”) dispõe-se que “O objecto social consiste na execução de obras públicas ou particulares e outras actividades conexas.

(iv) No artigo 4.º do mesmo documento (epigrafado “Participação no capital de outras sociedades”) dispõe-se que “A sociedade pode, por deliberação do conselho de administração, adquirir participações em sociedades de objecto diferente do seu próprio objecto social, integrar agrupamentos complementares de empresas, consórcios, sociedades reguladas por leis especiais e ainda associações, bem como alienar livremente as participações sociais de que for titular.”  

(v) A AT promoveu uma correção total de € 4.775.523,75 na esfera individual daquela sociedade participada, discutindo-se agora apenas o montante de € 4.760.289,54 com encargos financeiros suportados com o financiamento de empréstimos concedidos e prestações acessórias a sociedades do grupo;

(vi) No ano de 2013 a B..., SA, suportou encargos com financiamentos num montante total de € 6.696.281,96, que utilizou para o exercício da sua atividade de construção civil e obras públicas e também em empréstimos e prestações acessórias não remuneradas às empresas do grupo;

(vii) As prestações acessórias foram concedidas a título gratuito com a finalidade de cobertura de prejuízos decorrentes da atividade das suas participadas, prestações essas que foram suportadas em parte com o recurso ao crédito bancário;

(viii) Na determinação dos encargos financeiros associados a empréstimos obtidos, no total de € 6.696.281,96, consideraram-se os gastos financeiros evidenciados nas contas 69 diretamente relacionados com o endividamento bancário, bem como os encargos suportados com o imposto de selo debitado pelas instituições bancárias, por estarem associados a juros e outros encargos com financiamentos obtidos;

(ix) A AT considerou que, do montante total de encargos financeiros incorridos, no valor de € 6.696.281,96, não são elegíveis para efeitos fiscais, por respeitarem a empréstimos não remunerados, incluindo prestações acessórias, o montante de € 4.260.289,54;

(x) As correções efetuadas na esfera individual da B..., S.A., foram posteriormente integradas, ao abrigo da ordem de serviço OI2016..., no cálculo do IRC devido pelo grupo em nome da ora Requerente, na qualidade de sociedade dominante;

(xi) Em sede de reclamação graciosa a Requerente pediu a anulação parcial da liquidação adicional decorrente daquelas correções, a qual viria a ser indeferida;

(xii) A Requerente não efetuou o respetivo pagamento, tendo apresentado, inicialmente, um pedido de dispensa de prestação de garantia, e, depois, o pedido da constituição de um penhor sobre um bem móvel de uma sociedade sua participada – que foi aceite e implicou o pagamento de imposto de selo.

 

 

III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

O mesmo se diga da prova testemunhal, na medida em que esta não tenha relevância para a questão de direito que foi colocada ao Tribunal.

 

III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

O tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (artigo 596.º, n. 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e o que consta do próprio processo administrativo, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, com natureza meramente conclusiva, ainda que tenham sido apresentadas como factos, por serem insuscetíveis de comprovação, sendo que o seu acerto só pode ser aferido em confronto com a fundamentação da decisão da matéria jurídica, constante do capítulo seguinte.

Não foi desta forma considerada relevante a prova testemunhal produzida, para além da falta de adesão a factualidade que devia ter sido invocada na petição inicial.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

IV.1. Questões decidendas

A questão central a decidir é a de saber se estão preenchidos os requisitos de aplicação do artigo 23.º, n.º 1, al. c), do Código do IRC aos montantes aplicados pela B... SA, a título de empréstimos e prestações acessórias, em empresas suas participadas e relacionadas.

No entanto, a Requerente formula um pedido subsidiário dizendo que caso se conclua que não estão preenchidos os requisitos de aplicação do artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC aos montantes aplicados pela B... SA., a título de empréstimos e prestações acessórias, haverá ainda que averiguar se o relatório de inspeção violou as regras do ónus da prova ou padece de falta de fundamentação, na medida em que admitiu a transferência das participações nessas empresas para a Requerente.

 Deve também o Tribunal decidir da relevância da imputação do vício de forma por falta de fundamentação pela não aplicação do regime da cláusula geral anti-abuso ou dos preços de transferência, em vez do artigo 23º, nº 1, alínea c) do CIRC, arguido apenas em sede de alegações. 

 

 

IV.2. – Da “comprovada indispensabilidade” dos gastos suportados pela B..., SA.

À data dos factos, a parte relevante do artigo 23º do CIRC dispunha:

«1. Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

a) ---------------

b) ---------------

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;»

 

Está em causa a correção fiscal de € 4.760.289,54 efetuada na esfera individual da sociedade B..., S.A. e notificada à sociedade dominante do grupo – a A...– SGPS, S.A. - tributado pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS).

No que concerne à fundamentação de tal correção pode ler-se a p. 18/21 do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), para onde se remete:

«Desta forma, pelos motivos supra expostos e de acordo com o nº 1 do artigo 23º do CIRC, é de corrigir ao resultado fiscal, o montante que corresponde à proporção dos encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo para financiar os empréstimos concedidos e as prestações acessórias efectuadas às suas participadas e entidades relacionadas, e que ascende a € 4.760.289,54.». Sendo que, a correção fiscal efetuada pela AT recaiu apenas sobre encargos correspondentes aos empréstimos gratuitos (p. 8/21 do RIT) e às prestações acessórias gratuitas (p. 10/21 do RIT), concedidos pela B... SA.

O ato tributário sub judice assenta na não dedutibilidade fiscal destes encargos, resultantes da obtenção de financiamento junto de instituição bancária.

Sobre o tema é clara a jurisprudência dos tribunais superiores em matéria tributária, a qual se desrespeitada, determina a possibilidade de recurso nos termos do nº 2 do artigo 25º do RJIT.

A utilização do «objeto ou escopo social da entidade», como parâmetro decisório para aferir da indispensabilidade dos gastos para efeitos do artigo 23º, nº 1 do CIRC, permanece muito atual na jurisprudência daqueles tribunais. E, no caso em análise, começa por relevar a circunstância de entidade prestadora ser ou não uma sociedade gestora de participações sociais.    

Na linha do Acórdão do STA n.º 01046/05, de 07.02.07, que considerou não dedutíveis os encargos suportados por uma sociedade para fazer face à realização de prestações acessórias, por «não estarem relacionadas com o objeto social e atividade prosseguida pela sociedade»,  que se dedicava à «fabricação de azulejos e não à gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco», veja-se também no mesmo sentido as conclusões do recente Acórdão do STA nº  01206/2017, de 28.02.18, as quais são replicáveis no caso sub judice. Tratou-se neste aresto de saber se os encargos financeiros suportados por uma sociedade que prosseguia a atividade imobiliária com empréstimos posteriormente utilizados na realização de prestações a favor de sociedades participadas eram dedutíveis ao abrigo do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC. Decidiu-se então:

 

«I - Sendo certo que a impugnante é um sócio da sociedade participada e a ela pode efectuar prestações suplementares, caso preencha os requisitos legais, o que aqui se não mostra em discussão, na sua esfera jurídica a decisão de efectuar a prestação suplementar não é exercício da sua actividade empresarial porque ela não tem por objecto, também, a gestão de participações sociais.

II - O acordo parassocial que celebrou e em cumprimento do qual veio a realizar as prestações suplementares, não altera/amplia o objecto social da impugnante, e, por não obter enquadramento legal neste, não é desenvolvimento da actividade  social da impugnante.

III - Não se trata de aferir da bondade dos actos de gestão realizados pela impugnante, mas de verificar que, sejam quais forem as operações financeiras que realize, fora do seu objecto social, não são um acto de gestão da sua actividade empresarial, pelo que não pode aportar a esta os custos que essa operação financeira produza.

IV - O reforço do capital da sociedade participada através de prestações suplementares efectuadas pela impugnante não são exercício da actividade empresarial da impugnante, pelo que os custos que incorram com essas ou por causa das realizações de tais prestações não são custos dedutíveis em sede de IRC à luz do art.º 23.º do CIRC.»

 

Importa, pois, decidir se a B..., SA tem por objeto social a gestão de participações sociais.

Os artigos 3º e 4º dos do pacto social desta sociedade têm a seguinte redação:  

 

«Artigo 3º

Objecto social

O objecto social consiste na execução de obras públicas ou particulares e outras actividades conexas

 

Artigo 4.º

Participação no capital de outras sociedades

A sociedade pode, por deliberação do conselho de administração, adquirir participações em sociedades de objecto diferente do seu próprio objecto social, integrar agrupamentos complementares de empresas, consórcios, sociedades reguladas por leis especiais e ainda associações, bem como alienar livremente as participações sociais de que for titular.»

 

As sociedades comerciais são entes jurídicos balizados na sua atividade pelo objeto social. Sobre o objeto social, veja-se o artigo 11º, nº 2 do Código das Sociedades Comerciais (CSC): «Como objeto da sociedade devem ser indicadas no contrato as atividades que os sócios propõem que a sociedade venha a exercer».

As sociedades comerciais têm por objeto a prática de atos de comércio (art. 1º, nº 2 do CSC) e o seu objeto social é uma «certa atividade económica» que a sociedade virá a exercer (art. 980º do Código Civil). Atividade essa, previamente determinada e especificada em termos suficientemente precisos, sob pena de nulidade do contrato de sociedade nos termos do artigo 42º, nº 1, al. b) do CSC [2]. E, por atividade económica, deve entender-se uma série ou sucessão habitual de atos dessa natureza e não a prática isolada de um ato, como a aquisição de uma participação social noutra sociedade[3].

É evidente que a definição do objeto social da sociedade B..., SA foi feita, expressa e especificamente (como tem de ser), no artigo 3º dos seus estatutos: «execução de obras públicas ou particulares e outras atividades conexas», sem que nele se encontre, como pretende a Requerente, a «gestão» de participações sociais.

O artigo 4º dos estatutos da referida sociedade, para além de, ao contrário do que é afirmado pela Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral (v.g. pontos 37 a 39 e 58), nunca referir a «gestão» de participações sociais, representa simplesmente a possibilidade concedida pela lei de o contrato de sociedade autorizar que esta possa adquirir participações em sociedades com objeto social diferente do seu (ou tomar outras deliberações, como integrar agrupamentos complementares de empresas). Sem que o contrato de sociedade o permitisse, tal ato de aquisição não seria possível, precisamente porque não é um ato compreendido no seu objeto social. Não é um ato societário de realização livre. É isto que claramente decorre do nº 5 do artigo 11º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) para todas as sociedades, independentemente do seu objeto social.

Resulta, aliás, da conjugação dos nºs 4 a 6 do artigo 11º do CSC, que a simples permissão estatutária para aquisição de participações sociais em sociedades de responsabilidade limitada, não configura uma extensão do seu objeto social como concluiu o Acórdão do STA nº 01206/2017, de 28.02.18. Consagra a referida norma do nº 5 do artigo 11º do CSC a possibilidade de o contrato de sociedade permitir a aquisição «de participações em sociedades com objeto diferente do acima referido». Isto é, diferente do objeto social da empresa, o qual se mantém o mesmo.

Note-se, finalmente, que o grupo tem uma SGPS, a qual é precisamente a Requerente, para quem a B..., SA, veio, aliás, a passar os créditos resultantes de empréstimos e prestações acessórias por si efetuados.

Ora não sendo a B... uma sociedade gestora de participações sociais, não se vê como, no caso em concreto, podem os encargos por si suportados relativamente à obtenção de capitais alheios que colocou à disposição de outras entidades jurídicas, ainda que participadas ou relacionadas, serem considerados “comprovadamente indispensáveis” para efeitos do artigo 23º nº 1 e sua alínea c) do CIRC.

É que: «os custos não podem deixar de respeitar à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.» (Acórdão STA, de 30.05.2012, proc. nº 171/11[4]).

E «os custos previstos naquele artigo 23.º têm de respeitar à própria sociedade contribuinte», pelo que «para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades ainda que em relação de domínio» (Acórdão de 10.7.2002, proc. n.º 0246/02).

É pois claro que, para que se verifique o referido requisito da indispensabilidade, o gasto tem de respeitar à própria entidade contribuinte, em si mesma considerada, sendo evidente que a fonte produtora cuja manutenção se liga aos gastos na relação de “comprovada indispensabilidade” por força do nº 1 do artigo 23º do CIRC é a da sociedade  que suporta os encargos e não a da sociedade que deles beneficia. Como afirma o acórdão do TCANorte de 14.3.2013, proc. n.º 01393/06.1, «só devem ser considerados custos do exercício os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora mas da própria sociedade e não de um terceiro. Ou seja, os custos têm que ser reportados à atividade desenvolvida pela sociedade em causa e não por outra sociedade».

Ora os empréstimos em causa não foram aplicados na própria empresa que os contraiu e suportou os respetivos encargos, mas em sociedades comerciais que, apesar de participadas ou relacionadas, têm personalidade e capacidade tributárias distintas e são por isso autónomas na prossecução dos seus objetos sociais próprios e na contabilização independente dos seus rendimentos, gastos e outras variações patrimoniais. Não se aceita, pois, que possa considerar-se indispensável um gasto decorrente de um financiamento colocado na esfera jurídica e ao dispor de outra sociedade[5]. E, na verdade, a sociedade prestadora mantém-se como entidade jurídica com personalidade e capacidade jurídicas e tributárias próprias e autónomas em face das outras empresas do grupo. O próprio Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), consagrado nos artigos 69º e segs., espelha também essa autonomia fiscal de cada sociedade do grupo.

Do mesmo modo, a averiguação da comprovada indispensabilidade dos gastos deve arrimar-se à ideia da comprovada «necessidade» dos mesmos (RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2007, p. 83) «atento o objeto societário do ente comercial em causa» (Acórdãos TCA-Sul de 19.02.2015, proc. nº 8137/14 e de 22.01.2015, proc. nº 5327/12.). Como refere o mesmo autor «Quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.) então tal custo não deve ser havido por indispensável» (ob. cit., p. 87). E, recorde-se, que, no caso sub judice, foi, expressamente, em função do interesse das outras sociedades do grupo que foram assumidos pela B..., SA os encargos em análise. 

Acresce que também a alínea c) do nº 1 do art. 23º do CIRC, faz, expressamente, depender a dedução fiscal de juros de capitais alheios da aplicação destes na sua exploração, a qual se deve entender como "a atividade produtiva da empresa.” (Acórdão do STA n.º 0627/16, de 28.06.17). O que não aconteceu com a aplicação que a B... SA fez dos capitais obtidos.

Finalmente, tenha-se em atenção que, contrariamente ao que ocorre na aquisição de participações sociais, onde existe a aquisição de um direito a uma maior percentagem nos dividendos distribuídos, a maiores mais-valias ou a um maior valor atribuído em caso de liquidação de uma sociedade participada, mesmo no caso da prestação de suprimentos e prestações acessórias gratuitos a participadas não existe uma "comprovada indispensabilidade” dos gastos inerentes aos mesmos para efeitos do nº 1 do artigo 23º do CIRC, uma vez que, no cenário mais favorável, o que a sociedade prestadora adquire é apenas o direito ao seu reembolso pelo valor nominal, nas condições previstas no CSC.

E se, relativamente aos financiamentos carreados para as sociedades participadas, não existe o referido nexo de “comprovada indispensabilidade” entre os gastos e os rendimentos ou a manutenção da fonte produtora da B..., SA., que suporta os encargos, menos existirá tal nexo no caso de financiamentos entregues à sociedade mãe - na circunstância, a Requerente, a qual detém 97,82% do capital daquela.

Neste caso, ainda mais claramente, inexiste qualquer interesse societário relativo aos juros e demais encargos suportados pela entidade que se endividou perante terceiros: a B..., SA.

 

IV.2.1. - Da entrega da posição credora por suprimentos e prestações acessórias antes efectuados pela B..., SA à sua sociedade mãe, a A...-SGPS aqui Requerente.

Depois da contratação do empréstimo bancário e da concessão de empréstimos e prestações acessórias por parte da B..., SA verificou-se a cedência de créditos dali resultantes à SGPS do grupo e sociedade dominante – a sociedade A...-SGPS – a qual detém 97,82% do capital daquela.

 Do que acima vem explanado, constata-se que este facto não altera o julgamento a que se chegou antes. Como se viu, o Tribunal entende que quando os capitais alheios foram colocados pela B... na esfera de entidades participadas, não estava preenchido o requisito de dedutibilidade fiscal dos respetivos gastos por não se verificar a «comprovada indispensabilidade» dos mesmos para efeitos do artigo 23º, nº 1 do CIRC. Se já assim era no momento das entregas a sociedades participadas, por maioria de razão assim será a partir do momento em que tais créditos passaram para a esfera da sociedade mãe e dominante: a Requerente, A...-SGPS. Esta sociedade, como se disse, detém 97,82% do capital da B..., SA. Não há interesse societário atendível da B... que fundamente minimamente a «indispensabilidade fiscal» de gastos com financiamentos cujo retorno, havendo, seria da sua sociedade mãe.

 

 

IV.3. Do cumprimento das regras do ónus de provar e do dever de fundamentar que recai sobre a Requerida

O sujeito passivo requer, ainda, a anulação do ato tributário sub judice por, em síntese, não ter a Requerida cumprido o ónus que sobre si recai de provar os factos constitutivos do direito por si invocado; e imputa ao mesmo ato o vício de forma por falta de fundamentação.

Compulsado o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) e a restante documentação junta aos autos, verifica-se, contudo, que, a Requerida fundamentou a correção fiscal ao lucro tributável da B..., SA, efetuada apenas em relação aos empréstimos e prestações acessórias não remunerados, nos seguintes quadros e respetivos valores, recolhidos dos elementos contabilísticos da Requerente:

 

  • Empréstimos obtidos (p. 7/21 do RIT)
  • Saldos médios dos empréstimos obtidos – Anexo 6;
  • Encargos financeiros suportados (p. 7/21 do RIT)
  • Empréstimos concedidos (p. 8/21 do RIT)
  • Saldos médios dos empréstimos concedidos – Anexo 4;
  • Prestações acessórias efetuadas (p.9/21 do RIT)
  • Saldos médios das prestações acessórias – Anexo 5;

 

Para o apuramento em concreto do montante dos encargos suportados pela B... ,SA, fiscalmente não dedutíveis a AT usou a metodologia que consta das pp. 16 a 18 do RIT, que em seguida se copiam:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ao assim concretizar, discriminadamente, os montantes de que partiu e a metodologia que adotou para determinar, em concreto, o valor da correção fiscal em análise, do modo como o fez, o Tribunal entende que a Requerida comprovou os factos constitutivos do direito à liquidação corretiva que invoca. Cumpriu o ónus a que se refere o artigo 74º, nº 1 da LGT. 

Com vista à pretendida anulação do ato de liquidação sub judice, caberia à Requerente contestar os valores ou a metodologia apresentados pela Requerida, apontando, em concreto, os erros ou omissões de que padecessem. O que não fez.

Tendo presente os artigos 77º da LGT, 63º do RCPIT e 153º do CPA, também não se mostra verificado o vício de forma por falta de fundamentação, invocado pela Requerente. Como acima se viu, o ato tributário em causa apresenta-se expressamente fundamentado de facto e de direito, esclarecendo de modo claro, congruente e suficiente a motivação daquele ato. Como aliás, bem se depreende do articulado do pedido de pronúncia arbitral.

     

 

IV.4. Do vício de forma em virtude da não aplicação do regime da cláusula geral anti-abuso ou dos preços de transferência, em vez do artigo 23º, nº 1, alínea c) do CIRC, arguido apenas em sede de alegações.  

 

No final das suas alegações veio, pela primeira vez, a Requerente imputar ao ato sub judice um vício de forma por falta de fundamentação pela não aplicação do regime da cláusula geral anti-abuso ou dos preços de transferência, em vez do regime do artigo 23º, nº 1, alínea c) do CIRC aplicado pela Requerida.

Isto porque, na expressão da Requerente/G... «em sede de diligência de inquirição de testemunha, o Sr. Inspector Tributário esclareceu que o referido valor respeita afinal a empréstimos não remunerados feitos pela B..., S.A. à G...». E isso representaria, no entender da Requerente, uma «recaracterização de operações ou definição de preços» para as quais o regime do artigo 23º, nº 1 e alínea c) não seria apropriado.  

Tal vício e fundamento não fora, porém, suscitado no pedido de pronúncia arbitral como, na linha do nº 1, do artigo 108º, do CPPT, impõe a alínea c) do nº 2, do artigo 10º, do RJIT, o que coloca a questão da admissibilidade desta nova causa de pedir.

Ora, como refere jorge lopes de sousa, em comentário ao artigo 120º do CPPT, em regra, não é possível utilizar as alegações «para invocar novos factos ou suscitar novas questões de ilegalidade do acto impugnado»[6]. Mais adiante o mesmo autor excepciona desta regra as questões de conhecimento oficioso (nulidade ou inexistência do ato tributário) e os factos subjetivamente supervenientes para o impugnante que lhe proporcionem o conhecimento de vícios de que não podia ter conhecimento no momento da apresentação da petição inicial, para além de alguns vícios que podem ser invocados em oposição à execução fiscal como a «ilegalidade abstrata da liquidação enquadrável na alínea a) do nº 1 do artigo 204º do CPPT»[7].

Considerando que o referido empréstimo não remunerado da B... ,SA à Requerente, para além de se encontrar ínsito no anexo 4 do RIT, já se encontrava também claramente evidenciado na p. 8/21 do mesmo Relatório, que abaixo se copia, é forçoso concluir que não existe qualquer superveniência subjetiva para a Requerente.

 

 

 

 

Quanto a nulidades ou ilegalidades que possam determinar a apreciação da pretensão da Requerente expendida apenas em alegações, recorde-se que a correção fiscal em análise resultou da subsunção dos encargos suportados pela B..., SA ao crivo da comprovada indispensabilidade dos gastos, para efeitos da sua dedutibilidade fiscal. Este crivo jurídico em matéria de gastos e perdas, consagrado no artigo 23º, nº 1 do CIRC, tem uma natureza prévia e geral aplicável a todas as sociedades comerciais com ou sem relações especiais entre si, como resulta da inserção sistemática do preceito na Subsecção «Regras gerais» do Capítulo «Determinação da matéria colectável» do CIRC.

 E, nos autos, é por este crivo inicial e geral que os gastos em análise não passam, porque lhes falta a condição absoluta de “indispensabilidade” - no sentido de que há ou não há, não existindo nela graus intermédios. Não é necessário mais para suportar legalmente o ato de liquidação corretiva sub judice.

Não se coloca, pois, qualquer questão de nulidade ou da supra citada ilegalidade abstrata, que permita considerar aquela nova causa de pedir suscitada em alegações. Precludiu-se o direito de invocar tal vício.

 

V. Decisão 

Pelo que, tudo visto, acorda este tribunal em julgar improcedentes as ilegalidades apontadas à liquidação impugnada, devendo a mesma manter-se na ordem jurídica.

 

VI. Valor do Processo

Fixa-se ao processo o valor de € 110.834,74, nos termos dos artigos 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97º-A, nº 1, alínea a) do CPPT e 306º, nºs 1 e 2 do CPC.

 

Lisboa, 11 de Dezembro de 2018

 

O Árbitro Presidente

 

 

 

Maria Fernanda Maçãs

 

O Árbitro Vogal

 

Tomás Cantista Tavares

(vota vencido conforme declaração anexa)

 

O Árbitro vogal

 

 

 

Américo Brás Carlos

 

 

 

Voto de Vencido (declaração de voto)

 

  1. Votei vencido por discordar de dois pontos essenciais da decisão: um de facto (no meu entender, no objeto social [e de facto] da B..., SA constava tam­bém a gestão de participações sociais) e outro de direito (no meu entender, de­via-se ter seguido a argumentação jurídica recortada no recente Acórdão do STA so­bre o mesmo tema, com o n.º 0473/2013, tirado em 21/2/2018 [doravante Acórdão]).

 

  1. Quanto à questão de facto:

a) A aquisição e alienação de participações sociais [e portanto a gestão desse ativo, no ínterim] constam, de forma expressa, no pacto social da B..., SA (art. 4.º);

b) Não perfilho uma visão nominalista da vida, do direito e da realidade fiscal: será que a B..., SA não pode gerir participações sociais, só porque a palavra “gestão” não está no pacto social, apesar de constar a “aquisição” e “alienação” de participações sociais? É claro que pode, na minha opinião: entre a compra e a venda, a sociedade tem inelutavelmente de procurar a gestão (boa gestão) da participação social, como o tem de fazer com qualquer outro ativo: um imóvel, uma fábrica, um empreendimento…

c) A prova testemunhal confirmou esta ideia: (i) a B..., SA, perante a crise, à época, na construção das obras privadas e públicas em Portugal (o seu core business), procurou alternativas de negócio através de empresas filiais (a quem teve se fornecer fundos para a atividade), na mesma e exata atividade (mas noutras geografias – onde poderia deslocar os seus ativos humanos e tangíveis para melhor apro­veitamento), e em atividades diversas/complementares, mas que requereriam cons­tru­ção civil [a efetuar (poder ser efetuada)] pela B..., SA (em parcerias público-privadas rodoviárias, empresa ferroviária…).

d) Ou seja, a B..., SA, com a dotação de fundos às sociedades participadas, para lá da gestão própria das participações sociais, procurou também a melhor gestão da sua atividade de construção civil e obras públicas (o seu core business): i) as participadas teriam de realizar muitas obras (estradas, caminho de ferro), a efetuar (poder serem efetuadas) pela B..., SA; b) rentabilização noutras geografias de ativos de construção da B..., SA (meios humanos, estrutura, máquinas, know-how…), subaproveitados em Portugal, por escassez de obras, à época.

e) A relação tributária está moldada pelo realismo. Tributa-se o rendimento económico, independentemente de formas e vicissitudes: se uma empresa tem um lucro por exercício de facto de uma atividade que não consta no pacto social – o direito comercial pode glosar sobre a licitude desse comportamento, na tensão entre o sócio (que define o objeto da empresa) e o gestor (que a administra em seu nome, e não seguiu o mandato que lhe foi conferido pelos sócios). Mas para o direito fiscal, tudo é simples e elementar: tributa-se a riqueza existente, ponto final. Aliás, este realismo do direito fiscal é elevado à categoria máxima quando a lei tributária impõe a tributação da riqueza gerada em atos ilícitos (para o direito comercial, penal, etc…). Donde, in casu, valorizo sobremaneira o objeto de facto (as atividades prosseguidas, ainda que não constassem do pacto social): os rendimentos decorrentes, positivos ou negativos, serão tributados (e relevadas em termos fiscais, as operações económicos e financeiras em que se materializam, por exemplo, as prestações acessórias) – pela razão simples da contribuição para essa atividade empresarial e (desejadamente) lucrativa (art. 10.º da LGT).

 

  1. Quanto à questão de direito:

a) Advogo que as Sentenças arbitrais devem obediência aos Acórdãos do STA (pelo seu lugar cimeiro na organização judiciária e por força do art. 25.º, n.º, 3 do RJAT), em especial se os arestos são recentes (o Acórdão é de Fevereiro de 2018) e quando se debruçam sobre a mesma questão substancial (como sucede com o Acórdão).

b) A questão do Acórdão é substancialmente idêntica à dos autos:

i) Em ambos os casos, uma sociedade comercial, sem ser uma SGPS, efetua prestações acessórias (suplementares) sem juros a entidades por si participadas (suportando juros a montante para obter os fundos), e no objeto social consta também a gestão de participações sociais;

ii) Em ambos os casos, está em causa a interpretação e aplicação da mesma regra jurídica – dedução, ou não, dos juros bancários suportados a montante, por força do art. 23.º do CIRC, na sua relação de indispensabilidade com a obtenção dos proveitos ou manutenção da fonte produtora (com a mesma redação em ambas as situações).

c) As seguintes passagens do Acórdão aplicam-se como uma luva ao caso dos autos – e conduziriam, na minha opinião, à anulação das liquidações impugnadas:

i) “Não se cura aqui de saber se é ou não legítimo do ponto de vista da gestão empresarial tal empréstimo. O direito fiscal não pode desconsiderar um custo porque entende que a respetiva assunção foi um mau ato de gestão, como também não pode considerar um custo apenas porque entende que foi um bom ato de gestão. O direito fiscal nada tem a ver com a gestão das empresas e relativamente a ela tem de manter apenas uma conduta de neutralidade”.

ii) “Acompanhamos a recorrente nas suas conclusões 17 e 18 quando refere que « a doutrina tem assinalado que com as prestações suplementares há um incremento do valor do investimento financeiro feito pela sócia; Esse ativo financeiro, assim reforçado ou aumentado com as prestações, é uma fonte produtora de rendimentos pelo que, em termos de decisão de investimento, o confronto entre um desembolso inicial e os fluxos que o mesmo pode originar é idêntico em investimentos em ativos físicos operacionais, na aquisição de uma participação de capital ou noutro tipo de investimento financeiro». Assim, «se a lógica económica da decisão e as formas de financiamento são idênticas, se, além disso, em todos esses casos se potenciou a obtenção de proveitos, não há razão para que os encargos financeiros sejam dedutíveis nuns casos e o não sejam em outros»”.

iii) “Dispõe o artº 23º do Código de Imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas que se consideram custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Na falta de uma definição conceptual de custo fiscal ou, sequer de uma lista exaustiva dos custos fiscalmente dedutíveis, segundo este preceito legal haverá que eleger de todas os custos ou perdas suportadas pelo sujeito passivo e relevados na sua contabilidade aqueles que concorrerem para a formação do lucro tributável que ali se identificam com os gastos contabilísticos suportados pela empresa e indispensáveis à realização dos proveitos ou à manutenção da fonte produtora. O artigo 23.º do CIRC usa a terminologia contabilística de gastos e proveitos, exigindo o estabelecimento de uma relação clara entre gastos e proveitos, de molde que estes surjam como consequência, direta ou indireta, daqueles, a aferir ou na respetiva indispensabilidade à realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora. Logo se revela que os custos previstos naquele artigo 23.º têm de se mostrar contabilizados e respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte, isto é, que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, e não por outras sociedades” – o que o Acórdão entendeu verificado no caso em questão.

iv) Em suma: “Ao decidir efetuar participações acessórias de capital a algumas das empresas participadas sem delas receber quaisquer juros e, para fazer esses financiamentos contraiu empréstimos onerosos junto de instituições financeiras, os encargos financeiros suportados por estes empréstimos estão conexionados com a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da empresa participante que contraiu os empréstimos e pagou os encargos financeiros correspondentes” – conclusão V do sumário.

 

 

Tomás Cantista Tavares

 

 

 



[1] §110 do Pedido de Pronúncia Arbitral (o negrito não sublinhado foi aditado): “A AT desconsiderou ainda a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados pela B..., S.A. com fundamento, se bem se entende, no facto de respeitarem a prestações acessórias e a suprimentos efectuados a sociedades participadas que, no momento em que foram efectuados, era esta sociedade a titular das respectivas participações, mas, no exercício em que os encargos foram deduzidos – 2013 –, era a Requerente a titular das participações.

[2] Sobre a necessidade legal de «concretizar a actividade ou actividades (não actos) em que consiste o objeto da sociedade ver Jorge Coutinho de abreu e Outros, Código das Sociedades Comerciais, Vol. I, Almedina, 2010, p. 226. 

[3] «A actividade económica supõe série ou sucessão de actos», Jorge Coutinho de abreu e Outros, ob. cit., p. 32.

[4] Na linha de múltiplas decisões anteriores deste tribunal superior (v.g. Ac. de 10.07.2002, proc. nº 246/02; Ac. de 12.07.2006, proc. 186/06; Ac de 07.02.2007, proc. nº 1046/05; Ac. de 20.05.2009, proc. nº 1077/08; Ac. de 30.11.2011, proc. nº 107/2011). 

 

[5] Ver no mesmo sentido e para uma situação de detenção de 100% do capital da participada, o Acórdão do STA de 12 de Julho de 2006, processo nº 186/06.

[6] CPPT Anotado e Comentado-Volume I, Áreas Editora, 2006, p. 858.

[7] Idem.