Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 73/2018-T
Data da decisão: 2018-11-24  ISP  
Valor do pedido: € 30.450,94
Tema: ISP – Gasóleo Colorido e Marcado.
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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

 

I. Relatório

 

1.Em 28-02-2018, A..., LDª, pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., n.º..., ...-... ..., ..., requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária suscitando pedido de pronúncia arbitral contra o ato de liquidação de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e juros compensatórios, objeto do registo de liquidação n.º 2017/..., de 13-11-2017, da Delegação Aduaneira de ..., no montante global de € 30 450,04, relativo a vendas de 57 860,54 litros, 32 072,53 litros e de 373,97 litros de gasóleo colorido e marcado (GMC), efetuadas no decurso dos anos de 2015 a 2017, sem emissão das correspondentes faturas em nome do titular do cartão, fornecimentos a não titulares do cartão de beneficiário/microcircuito e sem que fosse efetuado o correspondente registo no sistema eletrónico de controlo, respetivamente. Peticionando a anulação do referido ato, a Requerente, embora não tenha efetuado o pagamento da importância em causa, que se encontra a ser exigida em processo executivo, solicita, ainda, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, com vista a ser ressarcida dos encargos suportados com a constituição de garantia bancária suspensiva da correspondente execução.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

3. Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo, no prazo regularmente aplicável.

 

4. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral singular foi constituído em 07-05-2018.

 

5. Como fundamento do pedido que formula, a Requerente alega, no essencial, não existir base legal que suporte a liquidação adicional de ISP e de CSR relativos à diferença de taxas aplicáveis às transações de gasóleo rodoviário e gasóleo colorido e marcado nos casos em que não sejam cumpridas as formalidades de comercialização deste último produto previstas no Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC).

Referindo-se aos casos em que os abastecimentos de GMC foram documentados com a emissão de faturas com a designação de “consumidor final”, isto é, sem que das mesmas conste a identificação - nome e número fiscal de contribuinte - do titular do cartão utilizado no respetivo fornecimento, a Requerente expressa entendimento no sentido de que a emissão de fatura contendo a identificação fiscal do adquirente constitui mero elemento de controlo ou verificação dos pressupostos do benefício, cuja violação apenas poderá configurar contraordenação passível de coima, nos termos do RGIT.

No que respeita a vendas efetuadas a não titulares do cartão microcircuito obrigatório, considera a Requerente que tal se terá ficado a dever a erro da funcionária da empresa.

Relativamente a vendas não registadas no sistema eletrónico de controlo, alega a Requerente que a quantidade indicada em falta resulta tão-somente de arredondamentos efetuados nos registos.

Assim, segundo a Requerente, a liquidação efetuada, na parte em que respeitante às situações mencionadas, deve ser objeto de anulação em virtude de a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) ter incorrido em erro de interpretação e aplicação do artigo 93.º, n.º 5, do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC).

 

6. Em resposta ao solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário impugnado e, em conformidade, pela absolvição da entidade Requerida.

 

7. Regularmente constituído o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

8. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

9. Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas questões prévias ou exceções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito, encontrando-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

 

10. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

11. Não se suscitando dúvidas quanto à fixação dos factos descritos no RIT, em que se suporta a questionada liquidação, de resto pacificamente aceites pelas Partes, e considerando estar em causa exclusivamente matéria de direito, o Tribunal decidiu prescindir da prova testemunhal.

 

II. Matéria de facto

 

12. Com relevância para a apreciação do pedido de pronúncia arbitral, destacam-se os seguintes elementos factuais, que, com base nos elementos documentais juntos aos autos, se consideram provados:

 

11.1. A Requerente é uma sociedade por quotas, com sede na ..., ...-... ..., ..., cujo objeto social é o comércio a retalho de combustíveis para veículos a motor.

 

11.2. Esta atividade é exercida através de dois postos de abastecimento, sendo um localizado no local da sede da empresa e outro na Avenida ..., em ..., sendo que este, funcionando em regime de consignação com a B..., não comercializa GMC.

 

11.3. A coberto da Ordem de Serviço n.º OI2017..., da Divisão Operacional do Norte da DSAFA, foi a Requerente destinatária de uma ação de inspeção, com início em 05-05-2017, no âmbito da comercialização de gasóleo, designadamente gasóleo colorido e marcado (GMC), no posto de abastecimento onde se situa a sede da empresa no decurso dos anos de 2014, 2015 e 2016.

 

11.4. No desenvolvimento da referida ação inspetiva foram efetuadas a contagem das existências físicas de GCM armazenado no posto de abastecimento, comparados os registos de compras com os registos das vendas nos TPA/POS (terminal de pagamento automático / point of sale), verificada a faturação emitida, bem como a eventual utilização indevida de cartões de beneficiários.

 

11.5. Na sequência da verificação efetuada foram detetadas irregularidades que implicam a constituição de facto gerador de obrigação de imposto, por incumprimento do previsto no n.º 5 do artigo 93.º do CIEC.

 

11.6. Assim, conforme consta do ponto IV.B.2.1 do RIT, foram identificadas, relativamente aos anos de 2014, 2015 e 2016 diversas situações concretas de vendas efetuadas sem identificação do cliente, vendas a clientes não titulares de cartão microcircuito e registos por quantidades inferiores às efetivamente fornecidas, conforme evidenciado nos seguintes quadros:

 

11.6.1. – Vendas faturadas sem identificação do cliente

 

11.6.2. Vendas faturadas a clientes não titulares de cartão de beneficiário

 

 

 

11.6.3. Vendas efetuadas a titulares de cartão de beneficiário com registos POS inferiores às quantidades abastecidas

 

 

 

11.7. Constataram assim os serviços de inspeção a existência de irregularidades relativas à venda de gasóleo colorido e marcado, de que, conforme consta dos quadros supra constantes do RIT, se destacam:

 

a) Foram efetuadas vendas de GCM sem emissão de fatura nominativa ao titular do cartão, usando a designação “consumidor final”, nas quantidades apuradas, em violação do n.º 8 da Portaria n.º 361-A/2008, conjugado com o n.º 5 do artigo 93.º do CIEC.

 

b) Foram efetuadas vendas de GCM a diversos clientes que, à data dos abastecimentos, não eram titulares de cartão de microcircuito ativo, violando a disposto nas normas supra referidas;

 

c) Nos anos de 2015 a 2017 foram efetuadas vendas a titulares de cartão microcircuito objeto de registo no POS/TPA por quantidades inferiores às que foram abastecidas e faturadas, violando o previsto no n.º 5 do artigo 93.º do CIEC e n.º 5 da Portaria n.º 361-A/2008;

 

11.8. Relativamente às quantidades de gasóleo colorido e marcado fornecido aos adquirentes sem que fossem observados os procedimentos legais adequados foi considerado em dívida o valor resultante da diferença de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário normal em sede de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) e Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), sendo imputada à ora Requerente a responsabilidade pelo respetivo pagamento. Todavia, relativamente aos fornecimentos efetuados no decurso do ano de 2014, considerada a redação, então em vigor, do n.º 5 do artigo 93.º do CIEC, foi entendido que a infração apenas seria suscetível de configurar contraordenação punível com coima.

 

11.9. Nas referidas condições foi apurado o valor total de € 28 988,93 correspondente ao imposto (ISP e CSR), a que acrescem os correspondentes juros compensatórios no montante de € 1 462,11, conforme consta do seguinte quadro resumo:

 

 

11.10. Foi, oportunamente, observado o disposto no artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT) sendo a ora Requerente notificada do projeto de conclusões do Relatório através do ofício n.º DON/.../..., da Divisão Operacional do Norte da DSAFA, de 06-10-2017.

 

11.11. A Requerente exerceu o direito de audição, alegando, no essencial, que:

 

I – Do GMC vendido sem fatura em nome do titular do cartão

Posição do operador

No essencial o operador:

- alega que todo o GCM em causa foi vendido a clientes titulares de cartão (e.g. pts. 4,6,9,11)

- reconhece que efetivamente nos casos identificados na inspeção emitiu as faturas de venda sem identificar o cliente adquirente (pt. 5, 10)

- alega que tal se deve a dificuldades de sensibilização dos seus funcionários e clientes para a questão (pt. 7.12)

- admite que possa ser responsabilizado em sede contraordenacional por não ter emitido fatura com identificação co cliente adquirente, mas recusa que lhe seja imputado o pagamento do imposto em causa (pts. 10,11 e13)

- contesta a interpretação dada pela inspecção à norma prevista no n.º 5 o artigo 93.º doo CIEC, alegado que não resulta dessa norma que o incumprimento da obrigação de faturação em nome do adquirente tenha  como consequência a exigibilidade do diferencial de imposto do GCM para GR (pts. 14 a 29, em especial pts. 16 e 17)

 

Posição da inspeção

A inspeção faz notar:

- que o operador reconhece que emitiu as faturas de venda do GCM em causa sem identificar o adquirente, desta forma confirmando os fatos descritos pela inspeção.

- que, ao contrário do alegado pelo operador, não está demonstrado que as vendas de GCM em causa tenham sido efetuadas a titulares de cartão, dado que, não existindo nas faturas a identificação do adquirente não é possível confirmar se os registos existentes em TPA/POS correspondem aos efetivos adquirentes.

- que liquidação proposta assenta no disposto de forma explícita no n.º 5 do artigo 93.º do CIEC (na redação dada pelo OE2015), segundo a qual, quando não forem emitidas faturas de venda do GCM com identificação do adquirente, é exigível, ao explorador do posto, o imposto diferencial entre GCM e GR.

 

II. Do GCM vendido a não titular de cartão microcircuito

Posição do operador

No essencial o operador:

- reconhece que o GCM em causa (32 072,53 litros) foi vendido a clientes não titulares de cartão (pt. 31)

- acrescenta que dos 32 072,53 litros em causa, foram vendidos 31 161,72 às empresas C... Lda. E D..., Lda., alegando que o responsável dessas empresas (que é o mesmo) ludibriou os seus funcionários (pt.33)

- mais alegando que o referido responsável das empresas C.../D... “se assumia como detentor de cartão de beneficiário e que solicitava a faturação a essas empresas, que sabe agora a requerente não são titulares de cartão”(pt 34)

- mais informando que “desde 2015 que impediu o fornecimento de qualquer combustível às referidas empresas e já penalizou os seus trabalhadores que se não eram coniventes, pelo menos, negligentes nas suas funções”

 

Posição da inspeção

A inspeção faz notar:

- que a A... reconhece que vendeu as quantidades em causa de GCM a operadores não titulares cartão.

- que no ano de 2014 a A... vendeu 30 171,37 litros de GCM à C... que não era detentora de cartão de beneficiário. Que todavia no ano em causa a A... não apresenta falta de registos em terminal POS face às suas vendas globais. De facto vende 64 314,08 litros de GCM, conforme ponto IV.B.1 (quadro 5) do relatório de inspecção.

- que não consta das bases de dados da DGADR que os sócios-gerentes da C... tenham sido detentores de cartão TPA/POS em algum momento.

 

III – Da venda de GCM sem que tenha procedido ao registo dessas vendas no sistema eletrónico de controle

Posição do operador

No essencial o operador:

- alega desonhecer por completo como tal é possível (pt.38 e 42)

- mais alegando que tal poderá ter acontecido pof falha no sistema informático (pt.39.40 e 41).

 

Posição da inspeção

A inspeção faz notar:

- que a A... não apresenta elementos concretos para justificação da situação

- que as alegadas falhas de sistema não podem ser justificação aceitável para a falta de registos, dado a DGADR prever procedimentos de contingência para os operadores comunicarem os consumos nessas situações.”

 

11.12. Com a fundamentação acima transcrita, a inspecção tributária concluiu ser de manter no relatório final a proposta de liquidação constante do projecto notificado à Requerente.

 

11.13. Através do ofício n.º DON/.../..., da Divisão Operacional no Norte da DSAFA, foi a Requerente notificada do conteúdo do relatório final e decisão que sobre o mesmo foi proferida.

 

11.14. Através do Ofício n.º..., de 14-11-2017, da Delegação Aduaneira de ...– recebido em 15 do mesmo mês – foi a Requerente notificada das liquidações efetuadas, bem como do respetivo prazo de 15 dias, contados da receção da notificação, para efetuar o seu pagamento voluntário.

 

11.15. A Requerente não efetuou o pagamento voluntário no prazo constante da notificação, sendo, consequentemente, instaurado, em 06-12-2017, o competente procedimento executivo para cobrança coerciva da divida.

 

12. Não existem outros factos relevantes para a decisão de mérito que não se tenham provado.

 

III. Matéria de direito

 

13. Está em causa decidir, com base no factos acima sumariamente descritos, sobre a legalidade das questionadas liquidações adicionais de ISP, CSR e correspondentes juros compensatórios incidentes, com referência a transmissões de gasóleo colorido e marcado efetuadas em violação das regras de comercialização deste produto, no que concerne a vendas sem emissão de fatura nominativa ao titular do cartão microcircuito, ou seja, no que respeita a vendas faturadas a “consumidor final”, a vendas efetuadas a não titulares de cartão de beneficiário e vendas não registadas no sistema informático, a que, no total da liquidação de ISP e CSR, acrescida dos correspondentes juros compensatórios, corresponde um montante global de € 30 450,94.

 

Posição da Requerente

 

14. Pronunciando-se relativamente à liquidação respeitante a vendas efetuadas sem emissão da corresponde fatura com a identificação fiscal do respetivo adquirente, entende a Requerente que, da análise dos preceitos legais aplicáveis, “conclui-se que nenhum deles, em momento algum, impõe como requisito para aplicação da isenção a emissão de faturas em nome dos titulares dos cartões”.

 

15. Em apoio de tal conclusão, diz a Requerente: “Na realidade, da letra da lei resulta que os requisitos constitutivos do benefício aqui em causa, são todos aqueles que a lei faz depender a atribuição do cartão de microcircuito.” Pelo que “A obrigação por parte dos postos autorizados de registarem as vendas no sistema eletrónico de controlo, bem como a obrigação de emitirem as faturas com a identificação fiscal do titular do cartão, não constituem requisitos materiais ou substanciais do benefício, mas sim elementos de controlo ou de verificação do preenchimento dos seus requisitos

 

15. Desenvolvendo o ponto de vista que sustenta, a Requerente adianta os seguintes considerandos; “33...o benefício aqui em causa depende apenas de um acto de reconhecimento por parte da Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural traduzida na emissão do cartão microcircuito.  34. Ou seja, através da emissão desse cartão, a Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural reconhece e certifica que o seu titular preenche os requisitos objectivos e subjectivos para poder beneficiar do desagravamento fiscal.  35. A obrigação de registar as vendas nos terminais TPA/POS e a obrigação de emitir as facturas em nome dos titulares do cartão, não são elementos constitutivos do benefício, servindo apenas o propósito de permitir o controlo de que efectivamente o gasóleo é (e foi) vendido a quem tem o direito de o comprar com redução de taxa:”

 

16. Assim, no entender da Requerente, a liquidação efetuada, nesta vertente, carece de suporte legal, já que a mesma assenta num requisito meramente formal – emissão de fatura sem que da mesma conste a identificação fiscal dos aquirente – não sendo, no caso, devido imposto por se tratar de fornecimentos efetuados a operadores que beneficiam da redução da taxa.

 

17. Com base na fundamentação que, nos seus traços essenciais, acima se refere conclui a Requerente que se “falhou na emissão da fatura – e assume-o – então terá de ser punida em sede de contraordenação conforme previsto no Regime Geral de Infrações Tributárias.”

 

18. No tocante a vendas efetuadas a não titulares de cartão microcircuito, a Requerente limita-se a observar que nunca lhe ocorreu sequer que o principal cliente não fosse beneficiário, admitindo, por outro lado, que outros fornecimentos poderiam ter sido efetuados a consumidores beneficiários, mas faturados em nome de terceiros não titulares do benefício.

 

19. Relativamente a vendas de GCM não registadas no sistema eletrónico de controle, alega a Requerente que a diferença assinalada no RIT se deverá tão-somente a arredondamentos ou, ainda, a lançamentos respeitantes ao mês de dezembro que apenas teriam sido faturados em janeiro seguinte.

 

20. A par do pedido de declaração de ilegalidade e anulação da liquidação efetuada, com a fundamentação que acima se sintetiza, a Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, com vista a ressarcir-se dos encargos suportados com a constituição de garantia bancária para suspensão da execução fiscal.

 

Posição da Requerida

 

21. Em resposta ao alegado pela Requerente, diz a Requerida que, conforme decorre do “ nº 5 do artº 93.º do CIEC, a exigibilidade do imposto correspondente ao diferencial de tributação entre o GCM e o GR, para as transacções efectuadas a partir de 01/01/2015, em relação às quantidades para as quais não sejam emitidas as correspondentes faturas em nome do titular de cartão.”

 

22. Salienta a Requerida que, “relativamente a estas situações, não têm qualquer validade os argumentos apresentados pela Requerente no sentido de que não há lugar à liquidação de imposto porquanto “(...) a emissão de factura em nome do titular do cartão é apenas uma formalidade ad probationem, no que concerne à aplicaãção da redução da taxa”. Porquanto, “... a exigência da emissão de factura em nome do titular do cartão, introduzida pela Lei n.º 82.B/2014 (Lei do Orçamento de Estado de 2015) no n.º 5 do artº 93.º do CIEC, não consitui um requisito formal, mas sim, e por si só, uma causa de responsabilização pelo pagamento do IEC relevante, em relação às quantidades para as quais não sejam emitidas as correspondentes facturas em nome do titular.”

 

23. Prosseguindo, diz a Requerida que “ Com efeito, a obrigação que incumbe ao proprietário ou responsável pela exploração de posto de abastecimento de combustíveis que proceda à venda ao público de gasóleo colorido e marcado, no que concerne à emissão de fatura em nome do titular do cartão resulta diretamente da lei não se podendo suscitar quaisquer dúvidas (destacado nosso), in Decisão Arbitral proferida em 19/03/2018 no Proc.º CAAD n.º 557/2017-T”.

 

24. Pelo que, conclui a Requerida, “Neste contexto, a venda de GCM em 2015, 2016 e 2017 sem que a factura que titula a operação de venda identifique o adquirente, viola a prescrição legal que decorre de forma clara e inequívoca do n.º 5, in fine, do artigo 93.º do CIEC, na redacção dada pela Lei OE de 2015, e, com as consequências claramente especificadas na lei.”

 

25. Relativamente ao alegado quanto a vendas efectuadas a não titulares de cartão microcuito, a Requerida assinala o facto de não poder deixar-se de estranhar que a Requerente alegue o desconhecimento de que um cliente, a C..., Ld.ª, que no ano de 2014 foi responsável por metade das suas vendas de GMC (30 072,63 litros num total de 64 314,06) não tivesse cartão de beneficiáro.

 

26. Quanto à alegação de que o que é considerado pela Inspecção Tributária como vendas de GCM sem registo no sistema informático de controle, diz a Requerente que as discrepâncias assinaladas no RIT resultam tão somente de “arredondamentos” e, eventualmente, de vendas efectuadas em Dezembro mas facturadas em Janeiro seguinte, a Requerida assinala, apenas, que de tais factos não são apresentadas quaisquer provas.

 

27. Considera, pois, a Requerida que, também relativamente a estas transacções se verirfica a responsabilidade tributária, objectiva, do proprietário ou do responsável pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registas no sistema eletrónico de controlo, prevista no n.º 5 do artigo 93.º do CIEC.

 

28. Conclui, assim, a Requerida, não existir razão à Requerente, devendo a liquidação impugnada manter-se na ordem jurídica, pelo que o presente pedido de pronúncia arbitral deverá ser julgado totalmente improcedente.

29. Face às posições expressas pelas Partes, acima sintetizadas, importa, desde já, uma referência ao quadro legislativo aplicável à data da ocorrência dos factos geradores da obrigação de imposto, situados, no tempo, nos anos de 2015, 2016 e 2017.

 

Do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos

 

30. Por razões extrafiscais relevantes, os combustíveis podem ser objeto de transmissão a taxa reduzida. É o caso do gasóleo que se destine a ser utilizado em atividades agrícolas, na pesca, transportes por caminho-de-ferro e outras utilizações expressamente previstas no artigo 93.º do Código do IEC.

 

31. Com vista a assegurar a utilização deste combustível apenas nos fins que justificam a atribuição do benefício fiscal, e prevenir situações de fraude e evasão, o gasóleo fornecido aos utilizadores a taxa reduzida de ISP ostenta uma coloração e uma marca fiscal específicas.[i]

 

32. A utilização do gasóleo colorido e marcado é, nos termos do n.º 3 do artigo acima referido, condicionada a determinadas atividades económicas, sendo restrita a:

- Motores estacionários utilizados na rega;

- Embarcações de navegação costeira e interior, destinadas a pesca, aquicultura e dragagem;

- Tratores agrícolas, ceifeiras-debulhadoras, motocultivadores, moto-enxadas, moto-ceifeiras, colhedores de batata automotrizes, colhedores de ervilha, colhedores de forragem para silagem, colhedores de tomate, gadanheiras-condicionadoras, máquinas de vindimar, vibradores de tronco para colheita de azeitona e outros frutos, bem como outros equipamentos, incluindo os utilizados para a atividade aquícola, aprovados por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da agricultura e do mar;

- Veículos de transporte de passageiros e de mercadorias por caminhos-de-ferro;

- Motores fixos;

- Motores frigoríficos autónomos, instalados em veículos pesados de transporte de bens perecíveis, alimentados por depósitos de combustível separados, e que possuam certificação ATP (Acordo de Transportes Perecíveis), nos termos a definir em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da agricultura e dos transportes.

 

33. Além da coloração e marcação e limitações quanto à sua utilização, a comercialização do produto em causa encontra-se subordinada a um conjunto de condicionalismos estabelecidos, não só naquele artigo 93.º do CIEC, como também na Portaria n.º 117-A/2008 de 08/02 e, em especial na Portaria n.º 361-A/2008, de 12/05 [ii]

 

34. De entre os condicionalismos estabelecidos na referida Portaria 361-A/2008, destacam-se, pela relevância que revestem na situação em análise:

 

" 2.º O gasóleo colorido e marcado é um produto de venda condicionada, cuja disponibilização no mercado nacional só pode ser efectuada pelas empresas petrolíferas que tenham celebrado com o Estado, representado pela Direcção-Geral de Agricultura e do Desenvolvimento Rural (DGADR), um contrato para o efeito, no qual aquelas se comprometam a disponibilizar a venda ao público de gasóleo colorido e marcado, na proporção de, pelo menos, um posto de abastecimento por cada 600 000 l vendidos.

 

3.º O gasóleo colorido e marcado só pode ser fornecido ou vendido a titulares de postos de abastecimento devidamente licenciados que sejam detentores de terminais point of sale (POS).

 

4.º O disposto no número anterior é aplicável aos distribuidores, desde que disponham igualmente de terminais POS.

 

5.º O gasóleo colorido e marcado só pode ser vendido nos postos de abastecimento aos beneficiários de uma isenção ou redução de taxa de ISP que sejam titulares de cartões de microcircuito emitidos para o efeito pela DGADR, através dos quais são registadas todas as transacções de gasóleo colorido e marcado no sistema informático gerido pela Sociedade Interbancária de Serviços (SIBS).

 

6.º As vendas a que se refere o número anterior são obrigatoriamente registadas nos terminais POS no momento em que ocorram.

...

8.º O registo no sistema informático, através dos terminais POS, de cada abastecimento efectuado, não dispensa a emissão da respectiva factura ou documento equivalente, emitida em nome do titular do respectivo cartão de microcircuito.

...

 

35. Por outro lado, e de acordo com o n.º 5 do artigo 93.º do Código dos IEC, na redação em vigor à data da ocorrência dos factos a que se refere o presente processo [iii], "  O gasóleo colorido e marcado só pode ser adquirido pelos titulares do cartão electrónico instituído para efeitos de controlo da sua afectação aos destinos referidos no n.º 3, sendo responsável pelo pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema electrónico de controlo, bem como em relação às quantidades para as quais não sejam emitidas as correspondentes faturas em nome do titular de cartão.

 

36. Na situação em análise, verifica-se que a Requerente, no decurso dos anos de 2015, 2016 e 2017, vendeu, respetivamente, 25 642,33, 23 758,64 e 8 459,67, litros de gasóleo colorido e marcado a titulares de cartão eletrónico e emitiu as correspondentes faturas mas sem que das mesmas constasse a identificação do adquirente, conforme decorre da exigência legal, antes referindo tão somente tratar-se de “consumidor final”.[iv]

 

37. Esta irregularidade na comercialização do produto afasta o benefício fiscal previsto no n.º 1 do artigo 93.º do Código dos IEC e determina a aplicação da tributação pelo nível normal, definindo-se como sujeito passivo da obrigação de imposto o proprietário ou o responsável legal pela exploração do posto de abastecimento que forneceu o gasóleo colorido e marcado em violação das regras legais aplicáveis (cfr.. CIEC, artigos 93.º, n.º 5 e 4.º, n.º 2, al. h).

 

38. A obrigação que incumbe ao proprietário ou responsável legal pela exploração de posto de abastecimento de combustíveis que proceda à venda ao público de gasóleo colorido e marcado, no que concerne à emissão de fatura em nome do titular do cartão resulta diretamente da lei não podendo suscitar quaisquer dúvidas. [v] No presente caso, o sujeito passivo não observou uma prescrição legal que é clara, que tinha obrigação de conhecer e cujas consequências se encontram claramente especificadas na lei.

 

39. Na mesma norma legal se tipifica, com muita clareza, a responsabilidade do proprietário ou responsável legal pela exploração de postos de combustíveis relativamente às quantidades de GCM que venda e que não fiquem devidamente registadas no sistema eletrónico de controlo bem como às que sejam efetuadas a consumidores que não sejam titulares do cartão de beneficiários.

 

40. Concluindo-se, assim, pela legalidade da liquidação ora impugnada, fica, desde logo, prejudicada a apreciação do pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

 

IV. Decisão

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 30 450,94, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 1 836, 00, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 24 de novembro de 2018,

 

O árbitro,

Álvaro Caneira

 

 

 

 



 

[i]  Cf. Diretiva 95/60/CE, do Conselho, de 6 de Dezembro, Portaria n.º 1509/2002, de 17 de Dezembro e Decisão de Execução da Comissão n.º 2011/544/UE, de 16 de Setembro de 2011 - substituída pela Decisão de Execução (UE) 2017/74, da Comissão de 25-11-2016, atualmente em vigor - relativas a um marcador fiscal comum para o gasóleo.

[ii]  De acordo com o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 73/2010, que aprovou o atual Código dos IEC, “As disposições regulamentares do Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 de Dezembro, constantes de portaria ou de despacho ministerial mantêm-se em vigor até à entrada em vigor da regulamentação prevista no CIEC”.

[iii] Redação dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31/12.

[iv] O RIT assinala, com referência ao ano de 2014, a venda de 27 796,15 litros GCM nas mesmas condições, que, contudo, não originou liquidação.

[v] Neste sentido se tem pronunciado o tribunal arbitral – Vd. Decisões Arbitrais proferidas nos Procs. 557/2017-T e 640/2017-T.