Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 162/2018-T
Data da decisão: 2018-10-29  IRC  
Valor do pedido: € 110.257,82
Tema: IRC – Preços de transferência.
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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

            Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelo Conselho Deontológico do CAAD), Dr. Paulo Mendonça e Dr. Nuno Maldonado Sousa, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 18-06-2018, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

           

A..., S.A., pessoa colectiva e contribuinte fiscal n.º..., do Serviço de Finanças de ..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... ... (doravante designada como “Requerente”), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).

A Requerente pede:

  1. A declaração de ilegalidade e anulação das correcções aritméticas à matéria tributável de IRC dos exercícios de 2013 e 2014, efetuadas em sede de inspeção tributária, com recurso ao regime dos preços de transferência constante do artigo 63.º do CIRC;
  2. Em consequência de a), a declaração de ilegalidade, e consequente anulação, da liquidação de IRC n.º 2016..., de 02.08.2016, e compensação n.º 2026..., relativa ao exercício de 2013;
  3. Também em consequência de a), a declaração de ilegalidade, e consequente anulação, da liquidação de IRC n.º 2016..., de 02.08.2016, e compensação n.º 2016..., relativa ao exercício de 2014;
  4. Também em consequência de a), a reposição integral da situação existente em data anterior às correções promovidas, designadamente ao nível dos prejuízos fiscais disponíveis;
  5. A condenação da Fazenda Pública no pagamento de indemnização para ressarcimento dos custos incorridos com a prestação de garantias bancárias para obstar à cobrança coerciva do imposto.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

O Requerente designou como Árbitro o Dr. Paulo Mendonça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do RJAT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 03-04-2018.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro o Dr. Nuno Maldonado Sousa.

Na sequência de requerimento dos Árbitros designados pelas Partes, o Conselho Deontológico do CAAD designou o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa como árbitro presidente, que aceitou a designação.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 29-05-2018.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 18-06-2018.

A AT apresentou resposta em que suscitou a excepção da incompetência material do tribunal para fixar os prejuízos fiscais dedutíveis e defendeu que deve julgar-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 07-09-2018 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações facultativas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Importa apreciar previamente a excepção suscitada, de harmonia com o disposto no artigo 13.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 

2. Questão da competência para apreciar o pedido de fixação dos prejuízos fiscais dedutíveis

 

A Requerente pede, além do mais, «a reposição integral da situação existente em data anterior às correções promovidas, designadamente ao nível dos prejuízos fiscais disponíveis».

A AT defende que este Tribunal Arbitral não tem competência para fixar os prejuízos fiscais.

O RJAT indica, no seu artigo 2.º, as competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, apenas fazendo referência à declaração de ilegalidade de actos.

No seu artigo 24.º são indicados os deveres que decorrem para a Autoridade Tributária e Aduaneira na sequência da procedência do pedido de pronúncia arbitral.

Tem-se entendido que no âmbito do processo arbitral, em sintonia com o âmbito do processo de impugnação judicial a que é meio processual alternativo, se incluem, como no processo de impugnação judicial, além das competências para anulação de actos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT, competências para condenação em juros indemnizatórios e em indemnização por garantia indevida, por tal decorrer dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 171.º do CPPT.

Mas, não se incluem no âmbito do processo arbitral (nem no processo de impugnação judicial) competências para fixar prejuízos fiscais, sendo isso competência da AT, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT.

Assim, tem razão a AT ao defender a incompetência deste Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de fixação dos prejuízos fiscais disponíveis, pelo que se julga procedente a excepção suscitada e se declara essa incompetência material parcial.

 

3. Matéria de facto

 

3.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente foi constituída em 2007 sob a designação B..., LDA. (“B...") e o seu objeto social consiste no fabrico, comercialização, importação e exportação de medicamentos, especialidades farmacêuticas, produtos químicos, produtos de higiene corporal, cosmética, dietética, produtos de uso clínico, hospitalar e cirúrgico, produtos de biotecnologia, biogenéricos, diagnósticos e material clínico e hospitalar, activos farmacêuticos e restantes componentes destinados ao fabrico de especialidades farmacêuticas, bem como a prestação de serviços de promoção de medicamentos e outros produtos farmacêuticos;
  2. Em 2009, a Requerente participou numa operação de reorganização societária que se traduziu na realização de um conjunto de actos, entre os quais a entrada de um novo acionista, a fusão por incorporação de outras entidades e a contracção de um financiamento junto da banca;
  3. A fusão, que implicou a alteração da designação social da B... para A... e, ainda, a incorporação e consequente extinção das quatro sociedades identificadas na alínea anterior, foi registada em 2 de Dezembro de 2009 pela Ap. .../..., com efeitos contabilísticos reportados a 1 de Janeiro de 2009;
  4.  Em 21-01-2009, a estrutura accionista da Requerente era a seguinte:

 

 

 

 

 

 

 

  1. Em 17-02-2012, a C... passou a ser detentora da totalidade do capital da Requerente;
  2. A Requerente, juntamente com outras entidades, celebrou em 21-01-2009 um contrato de financiamento com um sindicato bancário, no montante de €74.500.000,00, dividido em três tranches (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido):

– Tranche A, no montante de €53.400.000,00, destinada a refinanciamento de parte da dívida das sociedades do grupo à data;

– Tranche B, no montante de €14.100.000,00, para dotar de fundos a Requerente, como Adquirente, para pagamento do preço de aquisição da sociedade D..., SA e subsidiárias por esta directa ou indirectamente detidas;

– Tranche Tesouraria: 7 milhões de Euros, destinada a dotar a A... de fundos necessários para eventuais futuras necessidades de fundo de maneio de tesouraria;

  1. Entre as garantias prestadas a favor do sindicato bancário encontra-se o penhor de primeiro grau de “créditos accionistas”, os quais correspondem, de acordo com o n.º 68 das definições constantes do contrato de financiamento, aos créditos emergentes para cada um dos acionistas da Requerente àquela data - a saber: C... (78.545%), E... (3,677%), F... (3,677%), G... (3,677%), H... (9,956%) e I... (0,468%) (secção G, cláusula 18 do Contrato de Garantias, que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. No mesmo Contrato de Garantias estabelecem-se outras garantias a favor das entidades bancárias mutuantes, designadamente, penhores financeiros e sobre partes acções e quotas , incluindo os direitos delas decorrentes e de futuras partes sociais (cláusulas 2.1. a 2.5., 2.8.), promessa de penhor de partes sociais (cláusula 4.), penhor financeiro de contas bancárias (cláusula 6.), penhor de bens móveis e promessa de penhor de bens móveis (cláusulas 7. a 9.), penhor de marcas e promessa de penhor de marcas e patentes (cláusulas 10. a 14.), penhor de estabelecimentos (cláusulas 15. a 17.), penhor de créditos (incluindo os próprios suprimentos, como prevê a cláusula 18,) e a hipoteca e promessa de hipoteca sobre imóveis. (cláusulas 23. e 24.);
  3. Em 21-01-2009, os accionistas referidos procederam à realização de suprimentos à Requerente no montante total de €80.062.500 (€80.212.500 a partir de 20.03.2012), na proporção das suas participações no capital social, conforme quadro seguinte:

 

 

  1. Os suprimentos referidos destinaram-se à aquisição pela Requerente da sociedade D..., SA e e subsidiárias por esta directa ou indirectamente detidas;
  2. Nos contratos de suprimentos foi estabelecida uma taxa de juro fixa de 10% ao ano, com exceção do contrato celebrado com H..., em que se previu uma taxa de juro de 12,55%, mas a taxa efetivamente praticada foi de 10% ao ano;
  3. Nos contratos de suprimentos que constam do processo administrativo, cujos teores se dão como reproduzidos, não se prevê qualquer garantia específica e estabelecia-se na cláusula 8.ª a subordinação dos créditos dos accionistas ao financiamento bancário atrás referido;
  4. A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva à Requerente, relativa aos exercícios de 2013 e 2014 em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, em que se refere, além do mais o seguinte:

II.3 - BREVE CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA

II.3.1 - ATIVIDADE EXERCIDA

A A... SA iniciou a sua atividade em 2007/09/18 com a designação B... Lda, com um capital social de 5,000 EUR, sendo sócios fundadores (com quotas iguais) e gerentes H... e J... (cônjuges).

Em 2009/01/16 a empresa fez um aumento de capital para 50.000 EUR, tendo simultaneamente sido transformada em sociedade anónima.

O capital da empresa passou então a ser detido, na sua totalidade, pela K..., com sede no Reino Unido.

Em 2009/01/21 deu-se um novo aumento do capital, no valor de 26.637.500 EUR, passando o capital social da B... SA para 26.687.500 EUR. Com o aumento de capital entraram cinco novos acionistas para a empresa, quatro dos quais pertencentes a família L... (fundadores da empresa).

Também em 2009/01/21 foram as ações da K... transferidas para a esfera da sociedade C..., com sede no Luxemburgo, ficando a ser esta última a acionista maioritária da empresa, com 78,545 % do capital.

Naquela data procederam os acionistas, na proporção das suas participações no capital da empresa, a realização de suprimentos, no valor total de 80.062.500 EUR.

Ainda em 2009/01/21 procedeu a B... a aquisição da totalidade do capital da sociedade D... SA (NIPC...), empresa cujo capital pertencia na sua totalidade a elementos da família L... .

A D..., por sua vez, detinha a totalidade do capital das sociedades A... SA (NIPC...), M... SA (NIPC ...) e N... SA (NIPC...), pelo qua estas empresas, ainda que de forma indireta, passaram a pertencer a A... a partir de 2009/01/21.

Em 2009/12/02 deu-se a fusão, por transferência para a sociedade incorporante (B... Lda) do património das sociedades incorporadas: D..., A..., M... e N... . A fusão retroagiu a data de 2009/01/01.

Com a fusão a B... SA alterou a sua designação social para A... SA, "aproveitando" assim o nome de uma das empresas incorporadas e cuja marca estava já implementada no mercado.

Em 2012/02/17 a C... adquiriu o restante capital da A... a família L... e a I... pelo que, a partir dessa data a empresa e na sua totalidade da propriedade da sociedade C..., com sede no Luxemburgo.

(...)

II.3.3 - FORMA JURÍDICA E CONSTITUIÇÃO DO CAPITAL SOCIAL

De acordo com a informação obtida junto da Conservatória do Registo Comercial e do sujeito passivo, a A... e uma sociedade constituída sob a forma de sociedade anónima, com um capital social de 26.687.500 EUR, detido a 100% pela sociedade C..., sedeada no Luxemburgo. Esta por sua vez e detida a 100% pelo fundo K..., com sede no Reino Unido.

Entre 2009/01/21 (data do aumento de capital da empresa) e 2012/02/17, a estrutura acionista da A... era a seguinte:

Em 2012/02/17 a C... adquiriu o restante capital dos outros acionistas, passando, a partir dessa data a ser detentora de 100% do capital da A... .

(...)

 

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTO DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

 

III.1 - LUCRO TRIBUTÁVEL DE IRC: GASTOS DE FINANCIAMENTO PERÍODOS 2013 e 2014

Da análise as contas apresentadas pela A... verificou-se que os gastos de financiamento suportados atingiram nos anos em análise valores bastante elevados, cerca de 9,1 Milhões de Euros em 2013 e cerca de 8,3 Milhões de Euros em 2014.

Da análise efetuada concluiu-se que os gastos em causa resultaram essencialmente de juros suportados relativamente a duas situações:

- Empréstimo obtido pelo sujeito passivo em 2009 junto de um consórcio bancário, no valor de 74,5 Milhões de Euros, do qual resultaram gastos com juros (registados na conta 691103) no valor de cerca de 1,2 Milhões de Euros em 2013 e cerca de 1 Milhão de Euros em 2014;

- Empréstimo obtido pelo sujeito passive em 2009 junto dos acionistas (suprimentos) no valor de cerca de 80 Milhões de Euros, do qual resultaram gastos com juros (registados na conta 691113) no valor de cerca de 7,4 Milhões de Euros em 2013 e cerca de 7 Milhões de Euros em 2014. Refira-se que em 2012/12/31 foi efetuada uma conversão de parte dos suprimentos, no valor de 6.100.000 EUR, em prestações acessórias, de modo a fazer cumprir o estipulado no artigo 35º do C. Sociedades Comerciais.

Nos pontos seguintes será analisada a operação de financiamento da empresa junto dos acionistas bem como o seu enquadramento e impacto fiscal.

 

III.1.1 - JUROS DE SUPRIMENTOS RECONHECIDOS NOS PERÍODOS EM ANÁLISE

Os gastos financeiros relativos a juros a pagar aos acionistas da empresa por suprimentos realizados em 2009 encontram-se registados na conta 691113 - Juros sup. -Juros suprimentos e, entre os exercícios de 2009 e 2014, atingiram os seguintes montantes (anexos 1, 2 e 3):

A contabilização na conta de gastos (a debito) ocorreu por contrapartida da conta 272215 - Acresc juros suprimentos (a credito), pois apesar de não ter sido emitida qualquer nota de débito por parte dos acionistas ou pagos os respetivos juros, e atendendo ao princípio da especialização dos exercícios, previsto no artigo 18º do CIRC, a A... tem vindo a calcular juros numa base mensal, registando o respetivo valor em gastos do período por contrapartida desta conta (anexo A).

Da análise da conta 272215 - Acresc juros suprimentos foi ainda possível identificar os juros a pagar a cada um dos acionistas, por cada um dos anos de 2009 a 2014, conforme se resume no quadro infra.

Note-se que o registo na contabilidade dos anos 2010 a 2012 é efetuado mensalmente, por acionista. Relativamente ao período de 2009, foi efetuado um único lançamento contabilístico, pelo valor total anual (7.209.150,00 €) tendo-se neste relatório apresentado o valor repartido pelos acionistas à semelhança dos valores praticados nos períodos seguintes (repartição meramente indicativa).

Foi elaborado um quadro com a informação detalhada de todos os lançamentos contabilísticos, que se inclui no anexo 6.

 

III.1.2 -ANÁLISE DOS SUPRIMENTOS REALIZADOS EM 2009/01/21

Tendo-se solicitado ao sujeito passivo os contratos de suprimentos celebrados entre a A... e os seus acionistas, e que suportam os gastos financeiros dos juros de suprimentos, foram entregues cópias de 6 (seis) contratos, todos celebrados em 21 de Janeiro de 2009, sendo um por cada acionista da empresa naquela data (anexo 7).

No quadro seguinte resume-se a informação recolhida da leitura dos contratos, nomeadamente a identificação dos acionistas, o montante do suprimento realizado por cada um deles, a taxa de juro contratada e a percentagem de capital da empresa detida a data.

Todos os contratos de suprimentos têm o prazo de 7 (sete) anos e um dia, isto é, terminam a 22 de Janeiro de 2016.

Os juros foram contratados à taxa de 10% ao ano, exceto no caso do acionista H..., para o qual se estipulou uma taxa de 12,55%. No entanto, de acordo com informação recolhida nos relatórios de preços de transferência da A... (para 2011 e 2012), a taxa de juro contratada com este acionista, inicialmente de 12,55%, passou para 10% em 2010.

Note-se que, da análise ao extrato da conta 272215 - Acresc juros suprimentos se verifica, no entanto, que relativamente a este acionista só foram contabilizados juros a pagar a partir de Agosto de 2010, e que, o valor total dos juros de 2010 corresponde efetivamente a uma taxa de 10% (aplicada a 5 meses).

Tanto o reembolso dos suprimentos como o pagamento dos juros devidos, de acordo com a cláusula 4 dos respetivos contratos, está a pagamento no final da vigência dos mesmos, isto é em Janeiro de 2016 ou, caso a A... transferisse a sua parte no capital a uma entidade terceira que não esteja no Grupo K..., na data dessa transferência.

Apesar do referido, e caso assim o pretendesse, a A... poderia proceder ao reembolso total ou parcial dos suprimentos a qualquer momento uma vez que o prazo mínimo para o reembolso previsto contratualmente era de um ano e um dia, não sendo, como referido, a isso obrigada contratualmente. No entanto, conforme mais abaixo se refere, a A... tomou essa opção em 2014, tendo reembolsado parte dos suprimentos.

Em 2012/02/17 o acionista maioritário C... adquiriu o restante capital da empresa aos outros acionistas, tendo assim passado a ser a acionista única da A... SA. Na mesma data, adquiriu ainda os suprimentos efetuados pelos antigos acionistas passando a A... a ser devedora à C... de 80.062.500,00 EUR.

Procedeu ainda a C..., em 21 de Março de 2012, à concessão de um valor adicional de suprimentos, no montante de 150.000 EUR (anexo 8).

De acordo com o referido no dossier de preços de transferência de 2012 (vide pág. 34) este montante não configura a concessão de um novo financiamento, mas antes o reforço do financiamento anteriormente concedido pela C... à A... SA, estando definido em adenda ao contraio firmado em 2009. Por esse motivo, aplicam-se os mesmos termos e condições estabelecidas para todos os contratos de suprimentos celebrados em 2009.

Refira-se ainda que em 2012/12/31, e atendendo à situação de necessidade resultante do valor dos capitais próprios do sujeito passivo, foi deliberado pela acionista única da A... (a C...) realizar prestações acessórias, por conversão de suprimentos, no montante de 6.100.000,00 EUR, as quais ficaram sujeitas ao regime das prestações suplementares.

Em 2014/12/22 foi reembolsado ao acionista único o montante de 3.500.000,00 EUR de suprimentos, conforme demonstra o extraio de conta 266101 - Financiamentos concedidos (anexo 5).

Tendo em conta que desde o início dos contratos de suprimentos não foram pagos (ou disponibilizados) juros aos acionistas, os gastos considerados ao longo dos períodos de 2009 a 2014, no valor total de 45.238.034,77 EUR, não foram sujeitos a qualquer tributação por via de retenção na fonte ou liquidação de IRC ou IRS.

 

III.1.3 - ENQUADRAMENTO LEGAL DOS GASTOS FINANCEIROS RESULTANTES DE JUROS DE SUPRIMENTOS

Conforme o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 23º do CIRC, consideram-se gastos do período os que comprovadamente sejam incorridos ou suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a imposto, nomeadamente os de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios.

Ora, de acordo com a informação recolhida no decurso da ação inspetiva, os suprimentos realizados em 2009/01/21 por todos os acionistas tiveram como propósito dotar a sociedade de meios financeiros para poder adquirir a totalidade do capital da D... SA (NIPC...), o que ocorreu na mesma data (2009/01/21).

A D..., como já referido neste relatório, detinha a totalidade do capital das sociedades A... SA (NIPC...), M... SA (NIPC...) e N... SA (NIPC...), pelo que estas empresas, ainda que de forma indireta, passaram também, por via da aquisição do capital da D..., a pertencer à A... (então designada B... SA) a partir de 2009/01/21

Em 2009/12/02 viria a acorrer a fusão, por transferência para a sociedade incorporante (B... SA, atual A...) do património das sociedades incorporadas; D..., A... SA, M... SA e N... SA. A fusão retroagiu à data de 2009/01/01.

Assim se concluí que os suprimentos realizados dotaram efetivamente a empresa de uma estrutura mais sólida e abrangente no mercado em que opera e, inclusivamente proporcionaram-lhe o uso da própria marca "O..." que passou mais tarde a ser a designação social da empresa (até então B... SA).

Pelo referido, os juros resultantes dos suprimentos efetuados serão de aceitar, de um modo geral, para efeitos fiscais de acordo com o já mencionado artigo 23º do CIRC.

No entanto, dispõe a alínea j) do n.º 1 do artigo 45º do CIRC (em vigor até à publicação da lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, e aplicável ao exercício de 2013) que não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os encargos com "juros e outras formas de remuneração de suprimentos e empréstimos feitos pelo sócio à sociedade, na parte em que excedam o valor correspondente à taxa de referência Euribor a 12 meses do dia da constituição da dívida ou outra taxa definida por portaria do Ministro das Finanças que utilize aquela taxa como indexante." Este artigo tem correspondência na atual alínea m) do n.º 1 do artigo 23º-A do CIRC, na redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, aplicável ao exercício de 2014.

Em 4 de Março de 2002 foi publicada a Portaria 184/2002, a qual para efeitos da alínea j) do n.º 1 do artigo 45º do CIRC (que à data da Portaria correspondia à alínea j) do n.º 1 do artigo 42º do CIRC) fixa em 1,5% o spread a acrescer à taxa EURIBOR a 12 meses do dia da constituição da dívida, que no caso em análise (2009/01/21) era de 2,474 %.

Assim, no caso em apreço, não seria dedutível, para efeitos de determinação do lucro tributável os encargos com juros de suprimentos resultantes de uma taxa de juro superior a 3,974%.

No entanto, refere ainda a Portaria que às situações em que seja aplicável o disposto relativamente a preços de transferência não é aplicável o disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, pelo que importa analisar o enquadramento da situação concreta no Princípio de Plena Concorrência e nos Preços de Transferência.

 

III.1.4 - ENQUADRAMENTO LEGAL DO PRINCÍPIO DA PLENA CONCORRÊNCIA E DOS PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA NAS OPERAÇÕES VINCULADAS

O Princípio de Plena Concorrência, consagrado no ordenamento jurídico nacional no n.º 1 do artigo 63º do CIRC define que "nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis" (sublinhado nosso).

Para determinar quais os termos e condições normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, refere o n.º 2 do mesmo artigo que "o sujeito passivo deve adotar (...) o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os ativos utilizados e a repartição do risco."

Para tal, deverá o sujeito passivo eleger um dos métodos referidos no n.º 3 do artigo 63º do CIRC, que se encontram mais detalhados na Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, a qual veio regular os preços de transferência nas operações efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade.

Deverá ainda o sujeito passivo, de acordo com o n.º 6 do artigo 63º do CIRC, "manter organizada, nos termos estatuídos para o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130º, a documentação respeitante à política adotada em matéria de preços de transferência, incluindo as diretrizes ou instruções relativas à sua aplicação, os contratos e outros atos jurídicos celebrados com entidades que com ele estão em situação de relações especiais, com as modificações que ocorram & com informação sobre o respetivo cumprimento, a documentação e informação relativa àquelas entidades e bem assim às empresas e aos bens ou serviços usados como termo de comparação, as análises funcionais e financeiras e os dados setoriais, e demais informação e elementos que tomou em consideração para a determinação dos termos e condições normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes e para a seleção do método ou métodos utilizados.".

 

III.5 - SUBORDINAÇÃO DOS SUPRIMENTOS REALIZADOS (OPERAÇÃO VINCULADA) ÀS REGRAS DOS PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA

Conforme já referido, para aplicação das regras de preços de transferência, é necessário que o sujeito passivo realize operações com uma entidade com a qual esteja em situação de relações especiais, devendo então, certificar-se de que estão a ser contratados e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente o seriam entre entidades independentes em operações comparáveis.

Importa assim saber qual a definição legal de relações especiais e se esta se aplica ao caso em análise, isto é, aos suprimentos realizados pelos acionistas da A... em 2009.

Define o n.º 4 do artigo 63º do CIRC que "existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:

a) Uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto; (...)

b) (...)

c) Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização, e respetivos cônjuges, ascendentes e descendentes; (...)"

Relativamente ao estipulado na alínea a) acima vertida, podemos analisar a composição do capital da A... à data da celebração dos contratos de suprimentos (2009/01/21), e que era conforme quadro abaixo.

Desta análise podemos concluir que o acionista C..., que naquela data detinha 78,545% do capital social da A..., se enquadra na alínea a) do n.º 4 do artigo 63º do CIRC considerando-se assim que tinha (e tem) o poder de exercer influência significativa nas decisões de gestão da empresa existindo assim relações especiais entre estas duas entidades.

Relativamente ao estipulado na alínea c) do n.º 4 do artigo 63º do CIRC, podemos analisar a composição dos órgãos de administração da A... a data da celebração dos contratos de suprimentos (2009/01/21), e que era conforme quadro abaixo:

 

Da análise ao quadro anterior concluiu-se que três dos acionistas que realizaram suprimentos em 2009/01/21 eram, naquela data, administradores da empresa, um deles exercendo o cargo de presidente do Conselho de Administração (H...) e dois exercendo o cargo de Vogal (E...e I...), tendo assim todos eles o poder de exercer influência significativa nas decisões de gestão da empresa existindo assim uma relações especiais entre a A... e cada um deles.

Relativamente aos restantes acionistas que efetuaram suprimentos, a saber: G... e F..., verifica-se que são filhos do acionista e vogal da sociedade E... pelo que se conclui que igualmente se enquadram na alínea c) do n.º 4 do artigo 63º do CIRC.

Por todo o referido, somos de concluir que o caso em apreço - a realização de suprimentos pelos acionistas à sociedade - é uma operação vinculada, nos termos do n.º 4 do artigo 63º do CIRC e da alínea b) do n.º 3 do artigo 1º da Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, estando assim sujeito à observância do Principio de Plena Concorrência, já referido.

O mesmo concluiu o sujeito passivo, dado ter produzido os dossiers de preços de transferência, a que se refere o n.º 6 do artigo 63º do CIRC, para os exercícios de 2011 e 2012, entregues no decurso da ação inspetiva1, nos quais identifica os suprimentos efetuados em 2009, bem como o reforço efetuado em 2012, e que originaram gastos com juros a pagar em 2011 e 2012, como uma operação vinculada (pontos VI.2 e V dos dossier de preços de transferência de 2011 e 2012, respetivamente) - (anexos 8 e 9):

 

III.1.6 - SELEÇÃO DO MÉTODO MAIS ADEQUADO DE DETERMINAÇÃO DO PREÇO DE TRANSFERÊNCIA DE ACORDO COM O PRINCÍPIO DA PLENA CONCORRÊNCIA

De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 63.º do Código do IRC, bem como no n.º 1 do artigo 4º da Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, o sujeito passivo deve adotar, para a determinação dos termos e condições que normalmente seriam acordados, aceites ou praticados entre entidade independentes, o método mais apropriado a cada operação ou série de operações.

Segundo o n.º 2 do artigo 4º da referida Portaria, considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é suscetível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente contratados, aceites e praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades selecionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.

O Código do IRC e a referida Portaria enumeram os métodos a utilizar, em linha com as orientações do Relatório da OCDE, que se agrupam numa de duas tipologias, a saber:

• Métodos Tradicionais ou Métodos Baseados nas Operações (Traditional Transactional Methods),

• Métodos Baseados no Lucro das Operações (Transactional Profit Methods).

São identificados no n.º 3 do artigo 63.º do Código do IRC e no n.º 1 do artigo 4.º da Portaria, os seguintes métodos baseados nas operações:

• Método do Preço Comparável de Mercado;

• Método do Preço de Revenda Minorado;

• Método do Custo Majorado

e, ainda, os seguintes métodos baseados no lucro das operações:

• Método do Fracionamento do Lucro;

• Método da Margem Líquida da Operação.

Em conformidade com as mais recentes Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência (vide § 2.1 e seguintes das Guidelines) a seleção de um destes métodos para a avaliação da conformidade de uma operação vinculada com o Princípio de Plena Concorrência visa encontrar o método mais apropriado para cada caso específico.

Neste sentido, e considerando o disposto no § 2.3. daquelas Orientações, os métodos baseados nas operações são vistos como os métodos mais diretos de estabelecer se as condições praticadas no âmbito de uma operação vinculada são de plena concorrência.

Mais ainda, desde que seja possível identificar operações comparáveis em mercado aberto, o Método do Preço Comparável de Mercado constitui o meio mais direto e mais fiável de aplicação do Princípio de Plena Concorrência, devendo-lhe ser dada preferência sobre todos os demais.

De acordo com o n.º 2 do artigo 6.º da Portaria, este método pode ser utilizado, designadamente, nas seguintes condições:

"a) Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objeto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares" (comparáveis internos):

"b) Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objeto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares" (comparáveis externos).

 

III.1.7 - MÉTODO APLICADO PELO S.P. PARA OBSERVÂNCIA DA CONFORMIDADE DA OPERAÇÃO VINCULADA COM O PRINCÍPIO DE PLENA CONCORRÊNCIA

a) Fundamentação do método aplicado

Da análise aos relatórios de preços de transferência apresentados pela A... no decurso do procedimento inspetivo, referentes aos exercícios de 2013 e 2014, verificou-se que esta, com o objetivo de aferir se os termos e condições acordados e praticados na operação vinculada observaram o Princípio de Plena Concorrência considerou a aplicação dos vários métodos descritos no n.º 3 do artigo 63º do CIRC.

Da análise efetuada, concluiu o sujeito passivo que o Método do Preço Comparável de Mercado é o mais apropriado para aferir se a operação vinculada observa, ou não, o princípio de Plena Concorrência (vide pág. 51 e 52 dos relatórios de preços de transferência de 2013 e 2014, respetivamente).

Refere ainda que apesar da A... deter um empréstimo junto de entidades bancárias, o mesmo não foi considerado um comparável fidedigno na medida em que, atendendo aos montantes do empréstimo bancário em causa, tal fator ter um impacto relevante no preço da operação, nomeadamente na taxa de juro.

Assim, considerou o sujeito passivo não ser possível a utilização de um comparável interno, socorrendo-se de comparáveis externos, nomeadamente recorrendo às taxas de juro praticadas pelas instituições bancárias, para financiamentos de médio/longo prazo, com montantes de financiamento genericamente comparáveis à operação sob análise.

b) Aplicação do Método do Preço Comparável de Mercado pelo sujeito passivo

O sujeito passivo pretendeu na sua análise utilizar um comparável externo, através da identificação das taxas de juro aplicáveis a financiamentos genericamente comparáveis à operação de concessão de suprimentos à A... .

Assim, recorreu à base de dados Bloomberg para pesquisa de taxas de juro de:

• obrigações emitidas em 2011 e 2012;

• cujo emissor possui um rating igual ou superior a CCC (2013) ou superior a CCC (2014) (notação Standard & Poor's)

• com maturidade superior a um ano e inferior a dez anos;

•com taxa de juro fixa; e

•garantido por ativos.

A pesquisa foi efetuada selecionando inicialmente os títulos com rating superior a CCC+ (notação Standard & Poor's) e posteriormente excluindo os resultados com taxas variáveis, e selecionando as observações com maturidade entre um e dez anos e com colaterais seguros por ativos.

Dos relatórios de preços de transferência apresentados, retiram-se os seguintes fundamentos para a pesquisa apresentada pelo sujeito passivo;

- Da utilização da base de dados Bloomberg:

Foi justificada por ser uma ferramenta de pesquisa de informação referente aos mercados financeiros mundiais, disponível através de terminais especializados, que providencia informação precisa e atual aos níveis económico, político e financeiro.

- De emissores com rating igualou superior a CCC (2013) / superior a CCC (2014)

Dado que os preços praticados no mercado dependem, em grande medida, da partilha dos riscos entre entidades intervenientes numa dada operação, torna-se necessário a análise dos riscos a que a A... se encontra exposta no desenvolvimento das suas atividades.

Atendendo ao referido, os relatórios de preços de transferência de 2013 e 2014 fazem uma análise dos riscos de mercado, de inventário, de crédito, de oferta, de qualidade, regulatório e de incumprimento da A..., naqueles anos.

Da referida análise conclui o sujeito passivo que todos os riscos são baixos, à exceção do risco de incumprimento que é de nível moderado.

Em resultado desta análise consideram os relatórios ser de selecionar os títulos com rating igual ou superior a CCC, em 2013, e superiora CCC, em 2014.

- Taxa de juro fixa:

Uma vez que a taxa de juro contratada nos suprimentos efetuados foi fixa (10%/ano), foram excluídos os resultados sujeitos a alterações do comportamento dos mercados,

- Títulos com colaterais seguros por ativos:

Uma vez que considera que os acionistas terão como colateral os ativos da A... em caso de incumprimento por parte desta.

Ao contrário do estudo de preços de transferência de anos anteriores, nada foi referido em 2013 e 2014 quanto aos valores das operações selecionadas, não tendo sido aplicado limite (inferior ou superior) dos montantes das operações a selecionar.

Da seleção efetuada, foram consideradas como genericamente comparáveis à operação vinculada em análise, para 2013, 32 (trinta e duas) operações que se encontram identificadas a folhas 68 e 69 do dossier de 2013, e para 2014, 161 (cento e sessenta e uma) operações que se encontram identificadas a folhas 480 a 487 do dossier de 2014 - apesar de ser referido no dossier de preços de transferência que foram aceites 141 observações, utilizadas no apuramento do intervalo de plena concorrência.

Refira-se ainda, quanto ao estudo apresentado pelo s.p. que existem várias incongruências quanto às observações rejeitadas / aceites, nomeadamente em 2014 uma vez que o n.º das observações rejeitadas quanto aos critérios da maturidade (765) e colaterais (1265) não coincidem com as listagens com a identificação das mesmas (c. de 1020 e de 9.240, respetivamente),

A partir das taxas de juro aplicáveis às operações consideradas comparáveis pelo sujeito passivo, foram apurados os intervalos de plena concorrência que se reproduzem nos quadros seguintes.

Conclui assim a A... que as taxas de juro aplicadas aos suprimentos realizados em 2009 (de 10%) se encontram nos intervalos apurados (entre o valor mínimo e o máximo), satisfazendo assim aquela operação o Princípio de Plena Concorrência.

 

III.1.8 - CONCLUSÃO QUANTO À VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DE PLENA CONCORRÊNCIA

Conhecendo o método aplicado pela A..., bem como os comparáveis utilizados na análise realizada, importa de seguida fazer uma análise destes e, consequentemente, da conclusão retirada pelo sujeito passivo de que a operação satisfaz o Princípio de Plena concorrência.

a) Quanto ao método utilizado - Método do Preço Comparável de Mercado (MPCM)

Relativamente ao método utilizado - Método do Preço Comparável de Mercado - nada temos a apontar pois, conforme já referido no ponto III.1.6 deste relatório, e de acordo com as orientações da OCDE este constitui o meio mais direto e mais fiável de aplicação do Princípio de Plena Concorrência, obviamente desde que seja possível identificar uma operação ou conjunto de operações comparáveis em mercado aberto.

Relativamente às observações retiradas pelo sujeito passivo da base de dados da Bloomberg são tecidas as considerações seguintes.

b) Quanto às entidades emissoras das obrigações

Considera a A... no seu relatório de preços de transferência de 2013 (p.40), corretamente em nosso entender, que a análise funcional, isto é, a descrição das funções desenvolvidas, dos ativos empregues e dos riscos assumidos pelo sujeito passivo e pelas entidades suas relacionadas no decurso normal da sua atividade, é relevante para efeitos de determinação de um preço de plena concorrência.

Isto porque, por um lado, a rentabilidade de uma operação se relaciona de forma direta com a sua complexidade, riscos assumidos e ativos utilizados e, por outro, as operações comparáveis a utilizar deverão ser similares às operações em análise, envolvendo funções, ativos e riscos similares.

Assim, o sujeito passivo, nos relatórios de preços de transferência de 2013 e 2014, teceu uma análise funcional da A... e do seu enquadramento no mercado em que opera.

Na verdade, na análise ao enquadramento da operação vinculada, há que tomar em consideração a sua especificidade nomeadamente:

- o seu enquadramento no mercado português, cuja crise da dívida soberana iniciada em 2009 levou à deterioração dos mercados financeiros nacionais;

- o seu enquadramento no mercado farmacêutico em geral, uma vez que constitui um dos setores de maior relevo nas economias atuais;

- o seu enquadramento na indústria nacional, uma vez que a indústria farmacêutica representa um setor estratégico e um dos que mais contribui para o crescimento da economia em múltiplas varáveis, sendo um setor-chave da economia Portuguesa;

- o seu enquadramento no setor, dado ter condicionalismos e riscos muito específicos, nomeadamente a instabilidade regulamentar e os preços;

- o seu enquadramento no setor de medicamentos genéricos em particular uma vez que, apesar dos condicionantes da indústria farmacêutica em Portugal e em geral, as alterações recentes na legislação nacional têm permitido um crescimento na venda de medicamentos genéricos (de acordo com o dossier de preços de transferência apresentado para 2013, a quota de genéricos em Portugal subiu de 18,3% em 2008 para 33,5% em 2013), o que constitui uma oportunidade para a própria A...; e, entre outros,

- da própria empresa, verificadas através da análise económica e financeira da mesma, como sendo a sua estrutura, os seus ativos e passivos, os rácios financeiros (a título de exemplo refira-se a melhoria da margem operacional da A... em 13,03% em 2013), os produtos e quota de mercado (de acordo com o dossier de PT de 2013 a empresa tem um portfólio de mais de 200 medicamentos genéricos e encontrava-se em primeiro lugar no ranking de empresas nacionais em vendas hospitalares e líder nacional na venda em oncologia), entre outros.

Tendo em conta que a operação vinculada consubstancia um empréstimo à sociedade (suprimentos efetuados pelos vários acionistas em 2009), torna-se ainda mais importante a análise funcional referida uma vez que, diferentemente do que possa acontecer quando a operação vinculada for um fornecimento de bens ou serviços, a concessão de crédito está intimamente relacionada com a entidade devedora e a perceção do risco que a entidade que concede o crédito tem daquela e de ioda a operação subjacente.

Com efeito, já no Relatório do Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE de 1979 (§ 199) era referido que "Numa situação ideal, a taxa de juro, para efeitos de impostos, deveria ser fixada em cada caso de acordo com as condições praticadas no mercado em relação a empréstimos similares."

Refere ainda que "Quando se quer determinar o que se entende por empréstimo comparável ou similar, é necessário ter em conta os seguintes factores: o montante e a duração do empréstimo, a sua natureza ou o seu objectivo (...), a moeda em que é especificado (...), a garantia que acompanha o empréstimo e a situação financeira do mutuário" (sublinhado nosso)

Outros artigos publicados referem igualmente a importância da análise dos vários elementos da operação, incluindo a situação do devedor, de modo a poder ser considerada como comparável válido. Leia-se a este respeito o artigo "Intercompany Loans: Observations from a Transfer Pricing Perspective", publicado pelo IBFD - International Bureau of Fiscal Documentation, que estabelece os seguintes elementos chave da operação comparável:

- O Rating do devedor;

- A maturidade do empréstimo;

- O objetivo do empréstimo;

-A moeda;

- As garantias prestadas;

- O país de origem do devedor; e

- O setor de atividade em que o devedor está inserido.

Com efeito, nos princípios de gestão de risco emanados pelo Comité de Supervisão Bancária de Basileia é referido como fatores a serem tidos em conta e documentados quando da aprovação de concessão de crédito, entre outros, os seguintes:

- O objetivo do crédito e fontes de pagamento do empréstimo;

- O perfil de risco do devedor e a sua sensibilidade às alterações económicas e de mercado;

- O historial de crédito do devedor e a sua capacidade atual de cumprimento das obrigações de pagamento (baseado em dados históricos e em projeções de cash flow, em vários cenários);

- A experiência do devedor no negócio e mercado em que opera e a sua posição concorrencial.

 

Outros artigos indicam ainda que a credibilidade do devedor é um dos principais fatores que influenciam o spread praticado. É esta a opinião de António Russo e Moiz Shirazi (Baker & Mckensie) referida em "Transfer Pricing for Intercompany Finantial Transations: Aplication of the Arm's Length Principle in Theory and Practice", que indicam a credibilidade do devedor como o segundo fator com maior impacto em termos de comparabilidade dos spreads praticados (só atrás da data da transação que consideram ser o de maior influência).

Por todo o referido, conclui-se que a utilização de comparáveis externos terá de resultar numa seleção de entidades que sejam semelhantes à A... quer em termos de rating, país de origem, setor de atividade, e situação financeira, elementos estes que condicionam a estrutura, resultados económicos e financeiros, riscos, condicionalismos e oportunidades, entre outros, de modo a poder assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações.

Ora, dos comparáveis externas utilizados pelo sujeito passivo (48 para 2013 e 151 para 2014), verifica-se que as entidades emitentes dos títulos selecionados são bastante diversificadas, quer ao nível dos mercados em que operam, quer ao nível da atividade que desenvolvem.

Pese embora os Relatórios de Preços de Transferência nada referirem relativamente às entidades consideradas comparáveis pelo sujeito passivo (apesar de a isso obrigar o n.º 6 do artigo 63º do CIRC), procedeu-se a uma breve análise de algumas destas, tendo-se concluído que:

- Para 2013 temos entidades com sede na França, Reino Unido, Itália, Holanda, Hungria, Espanha, entre outras, e cujas atividades vão desde transporte marítimo, seguros, hotéis, telecomunicações, segurança, entretenimento, produção e comercialização de óculos, entre outras;

- Em 2014, temos igualmente entidades de diversos mercados geográficos como E.U.A (várias entidades), Suíça, França, Itália, Reino Unido, Polónia, Alemanha, Áustria, entre outros, e de setores diferenciados como imobiliário, concessão rodoviária, construção, financeiras e fundos, produção de energia, hotéis e casinos, entre outros.

De referir que, para além da diferença de mercados e de atividades, existem ainda diferenças das estruturas empresariais e de dimensão das empresas selecionadas, quer entre elas quer quando comparadas com a A... .

Daqui se conclui que as entidades não são diretamente comparáveis à A..., pois os mercados e as atividades em que operam são bastante diferentes, o que altera de forma muito significativa as condições de acesso ao crédito uma vez que a estrutura, risco inerente e oportunidades de negócio divergem das aplicáveis à operação vinculada em análise.

Apesar do sujeito passivo, no estudo realizado, tentar minimizar a divergência acima referida, através da seleção de entidades emitentes com rating igual ou superior a CCC, em 2013, e superior a CCC, em 2014 (na notação Standard & Poor's) tal, na nossa opinião, não é suficiente pois na amostra selecionada, como já foi referido, constam empresas com diferentes atividades, dimensões e estruturas, fatores estes que influenciam de modo direto a concessão do crédito, e que não sofreram nenhuma apreciação casuística por parte do sujeito passivo, que aceitou (do que é dado a entender) todas as observações resultantes dos filtros da pesquisa informática.

Para além do referido, a escolha do critério de entidades com rating (igual ou) superior a CCC sofre, em nosso entender, de dois erros de análise.

Por um lado, os filtros efetuados são demasiado abrangentes, incluindo todas as entidades com rating de (CCC), CCC+, B, BB, BBB, A, AA, AAA e, dentro de cada um destes, os com adição de (+) ou (-). Daqui se retira que as entidades incluídas no estudo são imensas e de diferentes graus de risco pois entidades com rating CCC-t- não são diretamente comparáveis com entidades AAA, por exemplo.

Isto porque, se "uma obrigação avaliada com 'CCC' está atualmente vulnerável ao não pagamento e dependente de condições favoráveis de negócios, financeiras e económicas para o devedor honrar seus compromissos financeiros relativos à obrigação"10, uma obrigação avaliada como 'AAA' tem o rating mais alto atribuído pela Standard & Poor's, sendo a capacidade do devedor para honrar os seus compromissos financeiros relativos à obrigação "extremamente forte". Esta dependência ou não de condições externas para honrar os seus compromissos influencia, de forma direta, o risco e, consequentemente o custo do acesso ao crédito (taxa de juro).

Por outro lado, o estudo apresentado pela A... não demonstra qual o rating que lhe foi atribuído e que justifica a seleção de entidades CCC ou superior, em 2013, e CCC+, em 2014, não estando assim justificada a seleção efetuada, ou a alteração do rating entre 2013 e 2014.

Da leitura dos Relatórios de Preços de Transferência retira-se uma análise superficial e subjetiva do risco do sujeito passivo (e que supostamente resultou na consideração da empresa com a notação de risco CCC em 2013 e CCC+ em 2014) no entanto a aferição de um rating deve ser suportada em critérios objetivos e técnicos vários como análise de balanços, análise de fluxos de caixa, projeções estatísticas, rácios financeiros, entre outros, e não só uma mera apreciação subjetiva dos fatores de risco.

Tal como vem definido nas alíneas b), d) e e) do artigo 5º da Portaria 1446-C/2001, de 21/12, o grau de comparabilidade entre uma operação vinculada e uma operação não vinculada deve ser avaliado tendo em conta:

- as funções desempenhadas pelas entidades intervenientes, atendendo aos ativos utilizados e os riscos assumidos;

- as circunstâncias económicas prevalecentes nos mercados em que as respetivas partes operam, incluindo a sua localização geográfica, dimensão, posição concorrencial, entre outros;

- a estratégia das empresas, contemplando aspetos suscetíveis de influenciar o seu funcionamento e conduta normal, como o grau de diversidade da atividade, o ciclo de vida dos produtos, entre outros.

Por todo o referido, é nosso entendimento que as entidades selecionadas, por divergirem significativamente da A... nos vários pontos já mencionados, não atendem ao disposto no n.º 5 da referida Portaria, não reunindo assim as condições para serem consideradas comparáveis.

c) Quanto à data da emissão das obrigações

Relativamente à data da emissão das obrigações pesquisadas pelo sujeito passivo na base de dados da Bloomberg, foram consideradas as obrigações emitidas no ano 2013, para a análise do relatório de preços de transferência de 2013, e as emitidas em 2014, para a análise do relatório de preços de transferência de 2014.

Tal filtro não é, em nosso entender, suscetível de aproximar a amostra de dados finais obtida pela A... com a operação vinculada em análise. Com efeito, através do filtro efetuado pelo sujeito passivo, são obtidas operações contratadas em 2013 e 2014, operações essas que necessariamente estão intimamente ligadas à evolução que os mercados financeiros tiveram naqueles anos.

Tendo em conta que os mercados financeiros são extremamente voláteis, as condições de financiamento podem alterar (e alteram-se) significativamente de um momento para o outro. Assim, não é indiferente contrair um empréstimo (bancário ou acionista) em 2009 ou num outro ano dado que algumas premissas sofreram alterações ao longo do tempo decorrido.

Também as próprias empresas que contraíram os financiamentos sofreram alterações ao nível da estrutura empresarial, posição de mercado, oportunidades e riscos de negócio, resultados económicos e financeiros apresentados, entre outros, não permitindo uma melhor comparabilidade.

Relativamente à data da emissão das obrigações pesquisadas pelo sujeito passivo na base de dados da bloomberg, foram consideradas as obrigações emitidas no ano 2013, para a análise do relatório de preços de transferência de 2013, e as emitidas em 2014, para a análise do relatório de preços de transferência de 2014.

Tal filtro não é, em nosso entender, suscetível de aproximar a amostra de dados finais obtida pela A... com a operação vinculada em análise. Com efeito, através do filtro efetuado pelo sujeito passivo, são obtidas operações contratadas em 2013 e 2014, operações essas que necessariamente estão intimamente ligadas à evolução que os mercados financeiros tiveram naqueles anos.

Tendo em conta que os mercados financeiros são extremamente voláteis, as condições de financiamento podem alterar (e alteram-se) significativamente de um momento para o outro. Assim, não é indiferente contrair um empréstimo (bancário ou acionista) em 2009 ou num outro ano dado que algumas premissas sofreram alterações ao longo do tempo decorrido.

Também as próprias empresas que contraíram os financiamentos sofreram alterações ao nível da estrutura empresarial, posição de mercado, oportunidades e riscos de negócio, resultados económicos e financeiros apresentados, entre outros, não permitindo uma melhor comparabilidade.

d) Quanto ao critério da maturidade

Foram selecionados pelo sujeito passivo os títulos com maturidade superior ou igual a 1 ano e inferior ou igual a 10 anos.

Conforme já referido, os suprimentos realizados em 2009 tinham a maturidade de 7 (sete) anos e 1 (um) dia, sendo que o intervalo de maturidade selecionado pelo sujeito passivo integra o prazo da operação vinculada em análise.

No entanto, e dado estar em causa uma operação de financiamento, a maturidade do empréstimo reveste-se de extrema importância para as taxas praticadas uma vez não ser indiferente realizar um financiamento por três ou por sete anos, por exemplo.

O facto do intervalo selecionado pelo sujeito passivo abarcar títulos com maturidades entre um e dez anos não limita os comparáveis usados, não se obtendo assim, em nosso entender o mais elevado grau de comparabilidade a que se refere o n.º 2 do artigo 63º do CIRC e o n.º 2 do artigo 4º da já referida Portaria.

e) Quanto ao critério do valor em dívida

Ao contrário do ocorrido para anos anteriores, não consta que tenham sido introduzidos na pesquisa critérios limitadores do valor em dívida, sendo as observações aceites de qualquer montante, o que não se coaduna com o facto do montante da divida influenciar de forma direta a taxa de juro aplicada.

É também referido naqueles relatórios que apesar da A... deter um empréstimo junto de entidades bancárias este não foi considerado como um comparável fidedigno "na medida em que este fator de comparabilidade tem um impacto relevante no pricing da operação, nomeadamente a taxa de juro da operação, pelo que, o recurso a comparáveis internos tornar se inviável" (sublinhado nosso).

Da análise ao contrato de financiamento bancário em causa (que será melhor exposto no ponto III.1.9 deste relatório) verifica-se que o valor total de financiamento foi de 74,5 milhões de Euros, dos quais 14 milhões de Euros (correspondentes à tranche B) foram destinados à aquisição do capital da sociedade D... SA - destino igualmente dado aos suprimentos da operação vinculada em análise.

Assim, não se compreende o raciocínio lógico utilizado pelo sujeito passivo na seleção dos comparáveis à operação vinculada pois, se por um lado afasta a operação de financiamento bancário por o valor (74,5 milhões de Euros) ser divergente dos suprimentos realizados (80 milhões de Euros), tornando "inviável" (citando o sujeito passivo), por outro, aceita comparáveis cujo valor da dívida não é limitado, ou seja, cuja diferença é bastante inferior ou superior à do empréstimo bancário.

Para além do referido acresce ainda que, dos elementos revelados nas tabelas dos Anexos aos Relatórios de Preços de Transferência, quer em 2013 quer em 2014, não consta qualquer coluna com a indicação dos montantes associados a cada um dos títulos selecionados pelo que não foi possível conhecer em concreto da mera análise daquelas, quais os montantes associados às operações consideradas comparáveis pelo sujeito passivo, podendo os 48 (2013) ou 161 (2014) resultados obtidos terem valores aproximados de zero ou largamente acima dos 80 milhões de EUR da operação vinculada (uma vez não haver teto mínimo nem máximo na seleção).

Por este motivo, foi solicitado à A... o montante das observações consideradas genericamente comparáveis com a operação vinculada, tanto para 2013 como para 2014. Em resposta ao pedido efetuado, foram remetidas, por correio eletrónico, novas tabelas com o conjunto final das operações comparáveis, de 2013 e 2014, em tudo idênticas às que constam nos Anexos aos Relatórios de Preços de Transferência, acrescendo uma coluna com o montante emitido (da dívida).

Da análise às novas tabelas apresentadas (anexo1,11 conclui-se que os montantes das observações aceites são muito dispersos, variando entre c. de 1,1 M € e 2.800 M €, ou seja, entre cerca de 1,4% e 3500% do valor da operação).

Mais ainda, se repartirmos os montantes das obrigações por intervalos de valores, verifica-se que a grande maioria dos intervalos com maiores resultados aceites não são coincidentes com o intervalo ande se insere a operação comparável.

Relativamente a 2013, cerca de 69% das operações consideradas comparáveis pelo sujeito passivo situam-se acima de 100 M €, sendo que só 18% (9 observações) se situam no intervalo entre 0 M € e 100 M € e, mesmo estas são francamente divergentes do valor da operação vinculada (80 M €).

Relativamente ao ano 2014, verifica-se que apesar do intervalo com maior número de observações (36 observações) ser entre O M € e 100 M €, 26 destas têm montantes inferiores a 50 M EUR. bastante inferior ao da operação em causa. Cerca de 76% das observações aceites pelo sujeito passivo são de valor superior a 100 M EUR.

Refira-se ainda, relativamente à falta de aperfeiçoamento da filtragem efetuada pelo sujeito passivo, que dos resultados aceites como comparáveis constam em 2014 2 (duas) observações cujo montante da dívida não é especificado (N/A) e 7 (sete) cuja taxa praticada é 0% o que denota incomparabilidade destas operações por desconhecimento de fatores fortemente influenciadores do custo do crédito (o montante, no primeiro caso, e outros que levem investidores independentes a aceitarem a taxa de juro nula nos empréstimos que reali2am, no segundo caso).

Assim, pelo facto do sujeito passivo ter utilizado comparáveis cujos montantes são tão divergentes do da operação vinculada não está em nosso entender, assegurado o mais elevado grau de comparabilidade a que se refere o n.º 2 do artigo 63º do CIRC e o n.º 2 do artigo 4º da já referida Portaria.

e) Quanto à moeda de emissão da dívida

Conforme já referido neste relatório (ponto III.1.8 b) um dos elementos chave da operação comparável é a moeda da operação14.

Tal fator não foi no entanto, tido em conta pelo sujeito passivo nos filtros efetuados, quer em 2013 quer em 2014, tendo obtido assim observações que considera comparáveis (nomeadamente para 2014) mas cuja moeda de emissão é o dólar americano (USD) ou a libra esterlina (GBP).

Também esta falta de limitação dos resultados de pesquisa no que se refere à moeda (EUR) prejudica a comparabilidade das observações com a operação em análise, não sendo assegurado, uma vez mais, o mais elevado grau de comparabilidade.

f) Conclusão

Atendendo ao n.º 3 do artigo 4º da referida Portaria, "duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas (...) de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são suscetíveis de afetar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado (...), o que em nosso entender, não acontece no caso em apreço, conforme exposto.

Assim, e considerando que as observações aceites pelo sujeito passivo levaram ao apuramento do limite mínimo e máximo, bem como interquartil, das taxas de juro em 2013 e 2014, conforme quadro já incluído do presente relatório e que se reproduz novamente abaixo, somos de concluir que os intervalos apresentados também não são válidos.

Tanto assim é que, numa análise mais atenta, podemos verificar a grande dispersão das observações aceites.

 

A situação de elevada dispersão dos limites aceites é aliás abordada nas orientações da OCDE (vide § 3.59) quando refere que esta dispersão poderá indicar que os dados usados para estabelecer os pontos do intervalo podem não ser fiáveis ou que algumas características das observações comparáveis podem carecer de ajustamentos.

Acrescenta ainda que, conforme exposto no parágrafo 3.57 das orientações da OCDE "Pode acontecer que apesar de todos os esforços para excluir as observações com menor grau de comparabilidade, obtemos mesmo assim um intervalo (...) no qual subsistem defeitos de comparabilidade que não podem ser identificados ou quantificados e por isso não são ajustáveis. Nestes casos, se a amostra incluir um número considerável de observações, as ferramentas estatísticas que utilizam medidas de tendência central para estreitar o intervalo (e.g. intervalo interquartil, mediana, etc), permitem aumentar a fiabilidade da análise e a sua relevância estatística".

Refira-se, no entanto, que a A... não teve qualquer preocupação com a realização, ou sequer ponderação, de ajustamentos ou, pelo menos, de utilização de ferramentas estatísticas de tendência central para estreitar o intervalo, conforme sugerem as orientações da OCDE. Tendo-se limitado a efetuar filtros na base de dados Bloomberg, genéricos o suficiente para obter um número considerado de observações, e apresentar os dados obtidos, sem qualquer análise dos resultados.

Mais ainda, não houve qualquer cuidado por parte do sujeito passivo em analisar os resultados obtidos, caso contrário verificaria algumas incongruências grosseiras, dando-se o exemplo, no relatório elaborado para 2014, a incongruência entre o número de observações rejeitadas indicado para os filtros da maturidade e colaterais face às constantes nos anexos, ou ainda a diferença entre o número final de observações aceites e as observações identificadas no mapa anexo ao relatório.

Em face de todo o referido, somos de concluir que os comparáveis externos utilizados pela sujeito passivo para justificar a conformidade da operação vinculada com o Princípio de Plena Concorrência não preenchem os requisitos impostos pela Portaria 1446-C/2001, de 21/12, não proporcionando assim o mais elevado grau de comparabilidade entre a operação vinculada e outra(s) não vinculada(s) e, consequentemente, não satisfazendo o Princípio de Plena Concorrência.

Refira-se que, da análise à contabilidade do sujeito passivo, foi identificado o empréstimo obtido junto de um consórcio bancário em 2009/01/21 como uma operação substancialmente idêntica à operação vinculada, realizada entre a A... e uma entidade independente, e assim comparável com a operação vinculada. Deste modo proceder-se-á à análise daquela operação nos pontos seguintes.

 

III.1.9 - PESQUISA DE UMA OPERAÇÃO COMPARÁVEL

g) Características do empréstimo bancário contraído pela A... em 2009/01/21

Conforme já referido neste relatório, verificou-se que a A... tem um empréstimo bancário, contratualizado em 2009.

Da análise ao contrato de financiamento (anexo 10) verificou-se que foi realizado junto de um consórcio bancário constituído pelas seguintes entidades bancárias; Banco P..., Banco Q... SA, Banco R... SA, S... SA, T... SA, U... SA e V... SA.

O contrato de financiamento data de 2009/01/21 e foi efetuado pelo valor total de 74.5 milhões de Euros, (vide considerando F da pág. 10 do contrato de financiamento) distribuído por três tranches nos seguintes montantes e destinadas aos seguintes fins:

- Tranche A: no valor de 53,4 milhões de Euros, destinada ao refinanciamento parcial da dívida das sociedades do grupo naquela data;

- Tranche B: no valor de 14,1 milhões de Euros, destinada ao financiamento da aquisição pela A... (então B... SA) D... SA e subsidiárias por esta direta ou indiretamente detidas. Este valor foi depositado na sua totalidade em conta bancária da A... com data valor na data do contrato, tendo efetivamente sido utilizado para a aquisição das referidas participações sociais;

- Tranche Tesouraria: 7 milhões de Euros, destinada a dotar a A... de fundos necessários para eventuais futuras necessidades de fundo de maneio de tesouraria. Esta tranche pode ser utilizada por diversas vezes ao longo do período do empréstimo.

O empréstimo deverá ser reembolsado nos seguintes prazos:

- Tranche A: em prestações semestrais consecutivas nos termos do anexo XI ao contrato (não apresentado);

- Tranche B e Tranche Tesouraria; integralmente reembolsadas no dia 15 de Janeiro de 2016, i.e., com um prazo de maturidade de 7 anos menos 6 dias.

A taxa de juro contratada é a equivalente à Euribor acrescida da Margem ("spread"). A margem difere para as várias tranches, sendo a seguinte:

- Tranche A e Tranche Tesouraria: 3% - esta margem poderá ser reduzida até ao mínimo de 2,25 % mediante tabela constante do contrato, de acordo com o rácio de endividamento sénior líquido apresentado anualmente pela empresa (conforme descrito no contrato);

-Tranche B: 3,5%

Refira-se ainda que, da leitura do contrato de financiamento se conclui que as entidades bancárias concedentes do crédito tinham conhecimento da intenção de aquisição por parte da A... das ações da sociedade D... SA, até porque uma das tranches do empréstimo serviria para esse mesmo fim, bem como do processo de reestruturação da empresa, nomeadamente da fusão a ocorrer em momento posterior (e que ocorreu em 2009/12/02 com efeitos a 2009/01/01).

Mais ainda, conheciam o teor dos contratos de compra e venda daquelas ações, celebrados na mesma data do contrato de financiamento, e do memorando da nova estrutura da empresa, documentos esses entregues aos bancos concedentes do crédito, conforme referido em B do considerando do Contrato de Financiamento e no Anexo V, pontos 13 e 15.

Conclui-se assim que, na elaboração do contraio de financiamento foi tido em consideração, para além dos riscos da própria empresa naquele momento, do mercado em que opera, da atividade em que se insere, e do objetivo da operação em si, os riscos e oportunidades derivados da alteração da estrutura empresarial da A... .

h) Comparação entre a operação vinculada (suprimentos) e a operação bancária realizada

Tendo em conta a existência de uma operação de financiamento da A... ocorrida no mesmo dia da operação vinculada, para os mesmos fins e com um prazo de maturidade idêntico, importará analisar se esta operação é um comparável que cumpre os requisitos indicados no artigo 5º da Portaria 1446-C/2001, de 21/12 e que é por isso suscetível de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre a operação vinculada e o preço de mercado.

Pelo exposto, apresenta-se o quadro comparativo seguinte no qual se confrontam as duas operações apresentadas: a operação vinculada (concessão de suprimentos) e a operação independente (financiamento bancário).

 

Notas-

(a)O Valor total da operação está dividido em três tranches: Tranche A (53,4 M EUR), Tranche B (14,1 M EUR) e Tranche Tesouraria (7 M EUR).

(b) A taxa de juro aplicável à tranche B é a Euribor+3,5%; a taxa de juro aplicável às tranches A e de tesouraria é a Euribor+3%, podendo ser reduzida consoante o rácio de endividamento sénior líquido apresentado anualmente pela empresa. Os intervalos das taxas indicados no quadro são o valor máximo e mínimo referidos nos avisos de lançamento emitidos pelo Q..., relativos ao empréstimo de 74.5 M €, para os períodos em análise.

Da análise ao quadro anterior verifica-se que a data da operação é coincidente nas duas operações pelo que usufruíram de condições de mercado idênticas uma vez que, quer o mercado financeiro, quer o setor farmacêutico (no qual a A... se insere), quer a posição da própria empresa eram os mesmos na data da celebração dos contratos não havendo qualquer ajustamento a ser feito relativamente a estes aspetos.

Também relativamente ao prazo dos empréstimos, se conclui pela sua semelhança pois em ambos os casos o reembolso é total no final dos contratos, que são em 2016/01/15 e 2016/01/22, ou seja, as maturidades têm uma diferença temporal de 7 (sete) dias, sendo ambas sensivelmente de 7 (sete) anos. Também neste caso, não há qualquer ajustamento a efetuar dado que a diferença temporal do reembolso (7 dias) não influência de forma significativa o custo do empréstimo, i.e., a taxa de juro a aplicar.

Quanto ao valor da operação, podemos igualmente concluir pela sua semelhança. Dado que o valor total do empréstimo bancário foi de 74,5 milhões de EUR, foi este o valor total aceite pelo consórcio bancário e pela A..., pelo que, em termos de montante angariado pela empresa nas condições de mercado à data será este o valor a considerar. Também o risco assumido pelas entidades concedentes do crédito teve em conta o valor total do empréstimo. Neste caso, verifica-se que os montantes dos créditos em ambas as operações são bastantes aproximados gozando assim de condições semelhantes resultantes do volume das operações.

Relativamente à finalidade da operação de financiamento, que poderá influenciar o seu custo positiva ou negativamente em face das oportunidades, ativos e passivos que dela advêm, conclui-se existirem pontos comuns entre as duas operações. Na realidade, parte do empréstimo bancário (14,1 milhões de EUR) destinou-se à aquisição do capital da sociedade D... SA, destino esse igualmente dado aos suprimentos concedidos pelos acionistas à A... .

Da análise comparativa às condições das operações em causa verifica-se que a maior divergência entre elas está exatamente nas taxas de juro aplicadas. Com efeito, os contratos da operação vinculada estipulam uma taxa de juro fixa de 10% ao ano. No entanto, o contrato de financiamento bancário estipula uma taxa variável, indexada à Euribor, acrescida de uma margem de 3,0 % ou 3,5%, consoante a finalidade do empréstimo.

De toda a análise efetuada à operação entre entidades independentes (empréstimo bancário) conclui-se que esta preenche os requisitos do artigo 5º da já amplamente referida Portaria.

Mais ainda, dado que a operação bancária foi realizada com um sindicato bancário, constituído por sete entidades bancárias distintas, tal é forte indicador de que se regeu pelas condições efetivas de mercado, naquela data.

Aliás, de acordo com as diretrizes emanadas pelo Comité de Supervisão Bancária de Basileia (v. § 31) todos os participantes de um sindicato bancário (ou outro tipo de consórcio) de concessão de crédito deverão efetuar diligências de avaliação do risco e retorno do investimento como se de uma operação individual se tratasse. Assim, na operação de empréstimo bancário em análise terão sido realizadas sete avaliações de risco do mutuário e da operação, concluindo pela aplicação da taxa referida.

i) Comparação entre a operação vinculada, a operação bancária e o comparável apresentado pelo s.p.

De modo a sistematizar toda a informação recolhida e analisada, designadamente a resultante da operação vinculada (suprimentos), dos comparáveis externos utilizados pelo sujeito passivo (retirados da base de dados da Bloomberg) e do comparável interno (empréstimo bancário) foi construído o quadro seguinte.

Daqui se pode concluir que o comparável interno resultante do empréstimo bancário contratado em 2009 proporciona o mais elevado grau de comparabilidade entre a operação vinculada e o preço comparável de mercado à data, estando assim em condições de validar se a taxa de juro contratada nos suprimentos realizados está conforme o Principio de Plena Concorrência.

 

Notas:

(a) O Valor total da operação está dividido em três tranches: Tranche A (53,4 M EUR), Tranche B (14,1 M EUR) e Tranche Tesouraria (7 M EUR).

(b) A margem de 3% é aplicável às tranches A e de tesouraria, podendo ser reduzida consoante o rácio de endividamento sénior líquido apresentado anualmente pela empresa; A margem de 3,5% é aplicável à tranche B

 

III.1.10 - IMPACTO DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DE PLENA CONCORRÊNCIA NA DETERMINAÇÃO DO RESULTADO TRIBUTÁVEL

Considerando que:

- Foi efetuada uma operação de financiamento do sujeito passivo através de suprimentos realizados por todos os acionistas em 2009, no valor total de cerca de 80 Milhões de Euros;

- Existem relações especiais entre as entidades intervenientes na operação (A... e acionistas) nos termos do n º 4 do artigo 63º do CIRC;

- Nas operações entre entidades em situação de relações especiais nos termos referidos, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticas aos que normalmente seriam contratadas entre entidades independentes em operações comparáveis, conforme disposto no n.º 1 do artigo 63º do CIRC;

- O sujeito passivo deve adotar, para determinação dos termos ou condições acima referidos, o método suscetível de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado, de acordo com o n.º 2 do artigo 63º do CIRC;

- Foi identificado o Método do Preço Comparável de Mercado como o que melhor cumpre o requisito acima referido;

- Não se consideram estar presentes na seleção dos comparáveis por parte do sujeito passivo os fatores de comparabilidade elencados no n.º 5 da Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, nem quanto às entidades emissoras das obrigações, nem quanto à data de emissão destas, sua maturidade, valor da dívida ou características da operação;

Não podem, deste modo, as operações apresentadas pelo sujeito passivo ser aceites como comparáveis, não se obtendo com a sua utilização o mais elevado grau de comparabilidade a que se refere o n.º 2 do artigo 63º do CIRC e o n.º 2 da Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, e encontrando-se por isso prejudicado o Principio de Plena Concorrência com a taxa de juro aplicada pelo sujeito passivo.

Assim, a utilização de um comparável interno (empréstimo bancário) na aplicação do Método do Preço Comparável de Mercado proporciona o mais elevado grau de comparabilidade entre a operação vinculada e o preço comparável de mercado à data, dado as principais características da operação serem coincidentes ou muito semelhantes: entidade credora, data da operação, valor e maturidade do empréstimo e objetivo da operação de crédito.

Torna-se então necessário proceder ao cálculo do gasto da operação vinculada aquele preço, i.e., ao cálculo do custo da operação como se tivesse sido realizada entre entidades independentes, ao preço de mercado.

Para isso, será aplicada a taxa resultante do contrato de financiamento assinado em 2009/01/21 com um consórcio de bancos ao valor dos suprimentos realizados, também naquela data, ou seja a taxa Euribor a 6 meses, acrescida de uma margem ("spread”).

Atendendo a que o referido contrato de financiamento estipula margens diferentes consoante a finalidade do empréstimo, será de aplicar a margem que corresponde à finalidade coincidente com a operação vinculada, ou seja, 3,5% (correspondente à tranche B do empréstimo bancário).

Os juros serão contados dia a dia sobre o capital mutuado em dívida e ainda não reembolsado, tomando por base um ano de 360 dias e o número de dias decorridos, à semelhança do contrato de financiamento

Para o cálculo dos juros que seriam suportados com um empréstimo entre entidades independentes, idêntico aos suprimentos realizados, foi elaborado o quadro seguinte.

Nota:

O número de dias indicado na coluna (A) respeita aos dias do período de juros indicado nas colunas anteriores que pertencem ao ano em análise;

Conforme se conclui da análise do quadro anterior, o valor dos juros é bastante inferior ao considerado pelo sujeito passivo. Refira-se a este propósito o mencionado nas orientações da OCDE (vide § 1.34) que refere que as sociedades independentes, ao avaliarem as condições de uma eventual operação, comparam essa operação com outras opções que realisticamente se lhes oferecem e só concluem a operação se não tiverem outra alternativa claramente mais vantajosa.

Terminada assim a análise à operação relativa à concessão de suprimentos pelos acionistas à empresa em 2009/01/21, e reforço efetuado em 2012/03/21, concluiu-se que os termos e condições praticados naquela operação vinculada não são substancialmente idênticos aos que seriam normalmente contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis, desrespeitando, deste modo, o Princípio de Plena Concorrência.

Importa, então, calcular qual o impacto que a violação do Princípio de Plena Concorrência teve na determinação do Lucro Tributável / Prejuízo Fiscal dos períodos em análise.

Deste modo, procedeu-se à análise comparativa entre os gastos registados pela A... na sua contabilidade em 2013 e 2014, e que influenciaram negativamente quer o resultado contabilístico quer o fiscal daqueles períodos, e os gastos que deveriam ter sido considerados, caso tivesse sido aplicado o Princípio de Plena Concorrência e aceites condições idênticas às praticadas entre entidades independentes - conforme quadro seguinte.

Pelo exposto, verifica-se que a A... considerou no apuramento dos resultados fiscais (prejuízos fiscais) dos anos 2013 e 2014 gastos com juros de suprimentos excessivos nos montantes de 4.507.092,03 EUR e 4.154.788,75 EUR, respetivamente.

Consequentemente, nos termos do n.º 8 do artigo 63º do CIRC, seriam de efetuar pelo sujeito passivo, nas declarações de rendimentos modelo 22 de IRC, correções positivas ao Lucro Tributável / Prejuízo Fiscal nos montantes correspondentes aos efeitos fiscais mencionados.

A A... não efetuou as referidas correções nas declarações relativas aos exercícios 2013 e 2014, pelo que se procederá à correção do lucro tributável declarado pelo sujeito passivo, com referência àqueles períodos, nos montantes calculados no quadro anterior.

(...)

III.3 - RESUMO DAS CORREÇÕES AO LUCRO TRIBUTÁVEL

Na sequência do exposto ao longo dos pontos III.1 e III.2 deste relatório, serão efetuadas correções ao lucro tributável apurado pelo sujeito passivo no montante de 4.520.612,03 EUR e 4.154.788,75 EUR, respetivamente para os períodos de 2013 e 2014, conforme quadro seguinte.

 

  • Na sequência das correcções, foram emitidas as seguintes liquidações de IRC:
  1. Demonstração de liquidação de IRC n.º 2016..., de 02-08-2016, compensação n.º 2016..., e correspondente demonstração de liquidação de juros compensatórios relativas ao exercício de 2013;

 Esta demonstração de liquidação foi, posteriormente, objeto de correções materializadas na demonstração de liquidação n.º 2016..., de 31-10-2016, compensação n.º 2016..., e correspondente demonstração de liquidação de juros compensatórios e na demonstração de liquidação n.º 2016..., de 06-12-2016 e compensação n.º 2016..., apresentando um montante de dívida actual de € 44.976,86 (Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  1. Demonstração de liquidação de IRC n.º 2016..., de 02.08.2016. e compensação n.º 2016..., e correspondente demonstração de liquidação de juros compensatórios, relativas ao exercício de 2014:

Esta demonstração de liquidação foi, entretanto, objeto de correções materializadas na demonstração de liquidação n.º 2016..., de 31-10-2016, demonstração de acerto de contas n.º 2016..., e demonstração de liquidação n.º 2018..., de 26-02-2018 e demonstração de acerto de contas n.º 2018..., apresentando um montante de dívida actual de € 65.280,96 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)

  • A Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações contra as correções originais efectuadas relativamente aos exercícios de 2013 e 2014 (n.ºs 20I6... e 2016...) e das liquidações adicionais n.ºs 2016... (2013) e 2016... (2014), emitidas na sequência da execução da decisão arbitral proferida no princípio n.º 733/2015-T;
  • Estão vigentes, para os anos de 2013 e 2014, respectivamente, a liquidação n.º 2016..., no valor de €44.976,86, e a liquidação n.º 2016..., no valor de €65.280,96;
  • A reclamação graciosa foi parcialmente deferida, sendo a Requerente notificada da decisão em 04-01-2018;
  • Para cobrança coerciva da liquidação de IRC n.º 2016..., relativa a 2013, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de ... o processo de execução fiscal n.º ...2016...;
  • Com vista à respetiva suspensão, a Requerente apresentou junto do Serviço de Finanças de ... a garantia bancária n.º..., emitida pelo Banco P..., no valor de € 373.573,89 constante da citação;
  • Para cobrança coerciva da liquidação de IRC n.º 2016..., relativa a 2014, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de ... o processo de execução fiscal n.º ...2016...;
  • De forma a assegurar a respetiva suspensão, em 04-11-2016 a Requerente apresentou, junto do Serviço de Finanças ..., a garantia bancária n.º..., emitida pelo Banco P..., no valor de € 1.334.789,53 constante da citação;
  • As referidas garantias bancárias foram posteriormente alteradas, em novembro de 2016, segundo instruções da AT, na sequência de correcções às liquidações originais:

i. O montante garantido referente a 2013 foi reduzido de € 373.573,89 para € 95.592,68;

ii. O montante garantido por referência a 2014 foi reduzido de 1.334789,53 para € 93.387,66 (documentos n.ºs 8 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  1. Em 02-04-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

            3.3. Factos não provados e fundamentação da matéria de facto

 

            Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

            A fixação da matéria de facto baseia-se no processo administrativo e nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, não havendo controvérsia sobre esta matéria.

 

            4. Matéria de direito

 

            Foi efetuada uma operação de financiamento da Requerente através de suprimentos realizados por todos os acionistas em 2009, tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira considerado que os gastos seriam de aceitar, à face do critério do artigo 23.º do CIRC a operação.

            No entanto, existindo relações especiais entre as entidades intervenientes na operação (A... e accionistas), nos termos do n º 4 do artigo 63º do CIRC, a Autoridade Tributária e Aduaneira analisou a operação à face do regime dos preços de transferência, que se refere aquele artigo e a Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, que a Requerente havia aplicado, com base no dossier de preços de transferência.

            Não há controvérsia sobre a existência dessas relações especiais e aplicação do regime dos preços de transferência, pelo que não é de equacionar a existência ou não de vícios relativos a essas matérias.

            O artigo 63.º do CIRC estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 63.º

 

Preços de transferência

 

1 – Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

2 – O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco.

3 – Os métodos utilizados devem ser:

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo -lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

 

            No caso em apreço, tanto a Requerente como a Autoridade Tributária e Aduaneira entenderam que é de aplicar o método do preço comparável de mercado.

            A Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Portaria n.º 1446-C/2001

 

Artigo 4.º

 

Determinação do método mais apropriado

1 - O sujeito passivo deve adoptar, para determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método mais apropriado a cada operação ou série de operações, tendo em conta o seguinte:

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro método apropriado aos factos e às circunstâncias específicas de cada operação que satisfaça o princípio enunciado no n.º 1 do artigo 1.º desta portaria, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

2 - Considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordos, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades seleccionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.

3 - Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são susceptíveis de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.

4 - Sempre que existam dúvidas fundadas acerca da fiabilidade dos valores que seriam obtidos com a aplicação de um dado método, o sujeito passivo deve tentar confirmar tais valores mediante a aplicação de outros métodos, de forma isolada ou combinada.

5 - Se, no âmbito de aplicação de um método, a utilização de duas ou mais operações não vinculadas comparáveis ou a aplicação de mais de um método considerado igualmente apropriado conduzir a um intervalo de valores que assegurem um grau de comparabilidade razoável, não se torna necessário proceder a qualquer correcção, caso as condições relevantes da operação vinculada, nomeadamente o preço ou a margem de lucro, se situarem dentro desse intervalo.

 

Artigo 5.º

Factores de comparabilidade

Para efeitos do artigo anterior, o grau de comparabilidade entre uma operação vinculada e uma operação não vinculada deve ser avaliado, tendo em conta, designadamente, os seguintes factores:

a) As características específicas dos bens, direitos ou serviços que, sendo objecto de cada operação, são susceptíveis de influenciar o preço das operações, em particular as características físicas, a qualidade, a quantidade, a fiabilidade, a disponibilidade e o volume de oferta dos bens, a forma negocial, o tipo, a duração, o grau de protecção e os benefícios antecipados pela utilização do direito e a natureza e a extensão dos serviços;

b) As funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração os activos utilizados e os riscos assumidos;

c) Os termos e condições contratuais que definem, de forma explícita ou implícita, o modo como se repartem as responsabilidades, os riscos e os lucros entre as partes envolvidas na operação;

d) As circunstâncias económicas prevalecentes nos mercados em que as respectivas partes operam, incluindo a sua localização geográfica e dimensão, o custo da mão-de-obra e do capital nos mercados, a posição concorrencial dos compradores e vendedores, a fase do circuito de comercialização, a existência de bens e serviços sucedâneos, o nível da oferta e da procura e o grau de desenvolvimento geral dos mercados;

e) A estratégia das empresas, contemplando, entre os aspectos susceptíveis de influenciar o seu funcionamento e conduta normal, a prossecução de actividades de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, o grau de diversificação da actividade, o controle do risco, os esquemas de penetração no mercado ou de manutenção ou reforço de quota e, bem assim, os ciclos de vida dos produtos ou direitos;

f) Outras características relevantes quanto à operação em causa ou às empresas envolvidas.

 

Artigo 6.º

Método do preço comparável de mercado

1 - A adopção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes.

2 - Este método pode ser utilizado, designadamente, nas seguintes situações:

a) Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares;

b) Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares.

3 - Sempre que uma operação vinculada e uma operação não vinculada não sejam substancialmente comparáveis, o sujeito passivo deve identificar e quantificar os efeitos provocados pelas diferenças existentes nos preços de transferência, que devem ser de natureza secundária, procedendo aos ajustamentos necessários para os eliminar, por forma a determinar um preço ajustado correspondente ao de operação não vinculada comparável.

 

 

            Aplicando o método do preço comparável de mercado, com base nos fundamentos que constam dos dossiers de preços de transferência, a Requerente entendeu não ser possível a utilização de um comparável interno, socorrendo-se de comparáveis externos, nomeadamente recorrendo às taxas de juro praticadas pelas instituições bancárias, para financiamentos de médio/longo prazo, com montantes de financiamento genericamente comparáveis à operação sob análise.

            A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «os comparáveis externos utilizados pela sujeito passivo para justificar a conformidade da operação vinculada com o Princípio de Plena Concorrência não preenchem os requisitos impostos pela Portaria 1446-C/2001, de 21/12, não proporcionando assim o mais elevado grau de comparabilidade entre a operação vinculada e outra(s) não vinculada(s) e, consequentemente, não satisfazendo o Princípio de Plena Concorrência».

            A Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo constatado que a Requerente obtivera o empréstimo de um consórcio bancário em 2009/01/21, que considerou como uma operação substancialmente idêntica à operação vinculada, realizada entre a A... e uma entidade independente, é um comparável interno adequado, sendo com base nele que efetuou as correcções ao lucro tributável dos exercícios de 2013 e 2014.

            No presente processo, é controvertida a legalidade das correcções efectuadas.

            É de notar que o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

            Por isso, os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos [1]

            Decorre deste objecto do processo arbitral, que não está em causa apreciar a actuação da Requerente (nomeadamente, se a Requerente devia utilizar o método que utilizou e o aplicou correctamente), mas sim apreciar se as correcções efetuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em que se basearam as liquidações, têm fundamento legal, designadamente se o comparável interno utilizado para as efectuar, satisfaz os requisitos da utilização do método do preço comparável de mercado que a Autoridade Tributária e Aduaneira utilizou.

            Neste contexto, como defende a Requerente, «mesmo que se qualifique como legítimo o afastamento dos comparáveis externos utilizados pelo sujeito passivo, dessa qualificação não se pode concluir, automática e logicamente, que o recurso a um comparável interno como aquele que foi selecionado pela AT no caso concreto (contrato de financiamento bancário) obedece aos ditames legais e à soft law, em particular as que emanam das OECD Transfer Pricing Guidelines (adiante identificadas simplesmente por “Diretrizes")».

            Neste caso, a Requerente defende que «a AT poderia afastar os comparáveis externos escolhidos pela Requerente com os fundamentos que constam do ponto III.I.8 do RIT, mas nunca poderia escolher o financiamento bancário como comparável interno em substituição», por não preencher os requisitos de comparabilidade legalmente exigidos, «designadamente porque, ao contrário do que sucede nestes últimos, (i) os credores dispõem de garantias -que vão do penhor de ações a hipotecas sobre imóveis - e (ii) se trata de dívida sénior, com prioridade sobre os suprimentos (cfr. cláusula 8 dos suprimentos juntos como anexo 7 ao RIT e o contrato de garantias junto a fls. 252-270 do anexo 18 ao RIT)».

             Como decorre do n.º 3 do artigo 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001, «duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são susceptíveis de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas».

            Para utilização do método do preço comparável de mercado é necessário «o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes» (artigo 6.º, n.º 1, da Portaria).

            A utilização de comparáveis internos pode ocorrer «quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares» (artigo 6.º, n.º 2, da Portaria).

            No caso, a diferença relevante invocada pela Requerente entre o empréstimo bancário e os empréstimos a que se reconduzem os suprimentos ( [2] ) é a existência de garantias que existiam naqueles, mas não nestes, defendendo a Requerente que essa é uma diferença entre as operações susceptível de afectar de forma significativa os seus termos e condições, o que afasta a utilização daquele empréstimo como comparável, à face do preceituado no n.º 3 do artigo 4.º da Portaria.

            A existência de garantias de um empréstimo é um elemento que pode diminuir acentuadamente o risco que nele está inerente para o credor e, consequentemente, justificar uma taxa de juro inferior à de um empréstimo semelhante, mas sem garantias. «Normalmente, no mercado aberto, a hipótese de aumento do risco também seria compensada por um aumento no retorno esperado, embora o retorno real possa ou não aumentar dependendo do grau em que os riscos são efetivamente realizados». ( [3] )

            No caso em apreço, a quantidade de garantias actuais e futuras associadas ao financiamento bancário contrasta flagrantemente com a inexistência de garantias específicas nos contratos de suprimentos e a inquestionável subordinação destes créditos dos accionistas aos referidos créditos bancários, não só pela sua natureza de suprimentos, mas também por ter sido expressamente convencionada a subordinação [artigo 48.º, alíneas c) e g), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas].

            Assim, o mútuo bancário escolhido pela Autoridade Tributária e Aduaneira como comparável não pode ser considerado substancialmente idêntico aos empréstimos efectuados através dos suprimentos, pois nem todas as características económicas relevantes, designadamente a existência de garantias, são análogas nem similares e esta diferença tem potencialidade para afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado.

            Refira-se, finalmente, que em situações deste tipo, em que uns créditos são de pagamento subsidiário em relação a outros, não é relevante a hipotética possibilidade de os accionistas interferirem na maximização ou minoração dos riscos de incumprimento (e, como refere a Requerente), nem se demonstrou que os accionistas da Requerente possam interferir nos riscos inerentes ao próprio funcionamento do mercado), pois sempre serão maiores os riscos para os credores subordinados.

            Nestes termos, conclui-se que as correcções efectuadas com base na aplicação do regime dos preços de transferência enfermam de vícios de violação de lei, designadamente do artigo 63.º, n.ºs 1 e 2 do CIRC e contra dos artigos 4.º, n.ºs 2 e 3, 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a) da Portaria n.º 1446-C/2001, que justificam a sua anulação.

 

 

            4.1. Questões de conhecimento prejudicado        

 

            Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações que são objecto do presente processo, fica prejudicado, por ser inútil para a decisão do processo, o conhecimento das restantes questões de legalidade suscitadas.

 

 

             5. Indemnização por garantia indevida

 

A Requerente prestou garantias para suspender processos de execução fiscal instaurados para cobrança coerciva das quantias liquidadas inicialmente, depois reduzidas, e formula pedido de indemnização por prestação de garantia indevida.

O artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 52.º da LGT, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 53.º

 

Garantia em caso de prestação indevida

 

            1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

            2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

            3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

            4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, os erros subjacentes às liquidações de impugnadas são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois elas foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pelas garantias prestadas.

            Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão [artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea d), da LGT].

 

 

6. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a) Julgar procedente a excepção de incompetência material deste Tribunal Arbitral, na parte que se refere ao pedido de determinação de prejuízos fiscais e absolver a atas da instância, nessa parte;

b) Julgar procedentes os pedidos de declaração de ilegalidade e anulação:

– das correcções à matéria de IRC dos exercícios de 2013 e 2014 baseadas em aplicação do regime de preços de transferência;

– da liquidação de IRC n.º 2016..., de 02-08-2016, e compensação n.º 2016.., relativa ao exercício de 2013;

– da liquidação de IRC n.º 2016..., de 02-08-2016, e compensação n.º 2016..., relativa ao exercício de 2014;

c) Julgar procedente o pedido de condenação em indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente indemnização pelas garantias prestadas que vier a ser liquidada em execução do presente acórdão, na parte correspondente às liquidações impugnadas.

 

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º -A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 110.257,82.

 

Lisboa, 29-10-2018

Os Árbitros

 

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(Paulo Mendonça)

 

 

 

 

(Nuno Maldonado Sousa, com declaração de voto)

 

 

 

 

 

Declaração de voto

A divergência do acórdão que aqui deixo expressa não reside na discordância com a decisão do processo, com a qual concordo. É apenas ao nível dos fundamentos de direito da decisão de declaração da ilegalidade e de anulação, que me afasto da orientação que teve vencimento.

Como bem refere este acórdão  “ É de notar que o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].”

Esta é, aliás, a doutrina que tem raízes no contencioso administrativo de anulação, a propósito do qual cabe referir Marcello Caetano (cfr. Direito Administrativo, Vol. II, 9ª ed., Coimbra, 1972, p. 1190) que claramente explicava que “A parte mais importante do contencioso administrativo é, porém, a que respeita ao exame da legalidade dos actos administrativos definitivos e executórios. Quando o tribunal verifique que o acto recorrido é ilegal, isto é, que não corresponde em concreto ao comando abstracto da lei, anula-o, fazendo-o desaparecer da ordem jurídica”.  Seguindo essa linha de orientação haverá que aferir a legalidade usando como parâmetro o comando abstrato da lei, tal como é indagado e interpretado pelo tribunal e já não as normas invocadas pelo requerente, se não forem as mesmas.

Creio que não é aplicável ao caso dos autos o regime dos preços de transferência, como foi defendido pela AT e pelo impugnante. Duas soluções seriam ponderáveis (i) aplicar o direito vigente, mesmo que não tenha sido invocado, seguindo a máxima jura novit curia, aos factos provados invocados pelo requerente; ou (ii) absolver a AT do pedido por não ser sustentável legalmente a tese do requerente. Creio que é a primeira opção que tem assento na norma do artigo 5º, n.º 3 do Código do Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, n. 1, al. e) do RJAT, e deve prevalecer sempre que o pedido do requerente coincida com a estatuição da norma em causa, i.é. deve prevalecer sempre que o requerente sustente a sua pretensão anulatória na existência de vício que conduza a essa consequência. Pedindo o requerente a anulação de um ato por estar viciado por ofensa à lei, o tribunal deverá declará-la, desde que os factos provados e o direito aplicável conduzam a essa solução. O que cabe ao requerente arguir é o vício, a invalidade, e não é a falha na escolha do direito que inviabiliza a sua pretensão. Se assim fosse o Tribunal passaria a estar subordinado às partes na indagação do direito e isso não é aceitável, de acordo com o parâmetro constitucional (203º da CRP).

A questão jurídica subjacente aos autos consiste em saber em que medida determinados gastos, designadamente juros pagos a sócios através de contratos de suprimentos, são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável. Tenha-se presente que os juros de suprimentos são sempre pagos a entidades que têm uma relação especial com a entidade pagadora. O contrato de suprimento é um contrato típico, que por definição tem por sujeitos um sócio de uma sociedade comercial e a própria sociedade comercial (243º-1 e 287º-1 CSC) e um conjunto particularíssimo de características (245º CSC), que o distinguem do contrato de empréstimo comercial (394º e segs. do C. Comercial) e do mútuo civil (1142º e segs. CC). De entre essas particularidades ressalta a insusceptibilidade de prestação de garantias reais para conforto do credor (245º-5 CSC) e a subordinação dos créditos por suprimentos a todos os créditos comuns da sociedade (245º-3-a CSC).

Da própria natureza do contrato de suprimento ressalta que este não pode ser conseguido no mercado, pois só pode ser celebrado no âmbito restrito de uma entidade, com as idiossincrasias que lhe são próprias e que são gravemente limitativas do direito de disposição que o mutuante normalmente tem. Resumindo: a característica que situa determinada operação no regime dos preços de transferência - a existência de operações substancialmente idênticas entre entidades independentes em operações comparáveis – nunca se verifica no contrato de suprimento.

Creio que atendendo a essa singularidade, o CIRC, no artigo 45º-1-j), na redação então vigente, regulou no sentido de não serem “dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável”, “os juros e outras formas de remuneração de suprimentos e empréstimos feitos pelos sócios à sociedade, na parte em que excedam o valor correspondente à taxa de referência Euribor a 12 meses do dia da constituição da dívida”. Seguindo-se esta linha de orientação a liquidação é ilegal porque se baseou em norma – o artigo 63º do CIRC - que não é aplicável ao caso concreto.

É claro que a Portaria n.º 184/2002 de 4 de março, afirma no seu preâmbulo que as normas sobre preços de transferência são direito especial relativamente às operações de financiamento, mas não identifica que operações são essas, sendo que distingue dois tipos, a exemplo do que acontece com o CIRC: (i) suprimentos e (ii) empréstimos de sócios. Como a norma habilitante (o artigo 45º-1-j do CIRC) só permite que a portaria fixe taxa diferente da Euribor a 12 meses mas não autoriza que desaplique a norma ou estabeleça diferente regime, interpreto-a no sentido de apenas se aplicar às operações que tenham comparável (as do 58º do CIRC) e que por isso caiam no regime dos preços de transferência (os empréstimos em geral, mesmo feitos por sócios) mas já não a considero aplicável a operações que estão fora do mercado e para as quais não pode haver comparável, como os suprimentos.

Por este conjunto de razões sustento que aos juros dos contratos de suprimento não é aplicável o regime então previsto no artigo 63º do CIRC mas antes o regime que na época constava do o artigo 45º, n.º 1, alínea j) do mesmo código. Ao fundamentar na liquidação relativa à correção dos gastos com juros do contrato de suprimento norma diferente daquela que a lei prevê para a situação, a AT viciou esse ato e tornou-o anulável. Como o requerente fez notar esse vício e peticionou a anulação do ato, o tribunal sempre teria que o anular, porque a isso conduz o direito que lhe cabe indagar. É este o fundamento de anulação que me parece resultar da lei.

 

 

 

(Nuno Maldonado Sousa)

 



[1]              Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:

-    de 10-11-98, do Pleno, processo n.º 32702, publicado em AP-DR de 12-4-2001, página 1207;

-    de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em AP-DR de 10-2-2004, página 4289.

-    de 09/10/2002, processo n.º 600/02.

-    de 12/03/2003, processo n.º 1661/02.

[2]              Nos termos do artigo 243.º do Código das Sociedades Comerciais. «considera-se contrato de suprimento o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo carácter de permanência».

[3] Parágrafo 1.45 das TRANSFER PRICING GUIDELINES, da OCDE, revisão de 2010: «Usually, in the open market, the assumption of increased risk would also be compensated by an increase in the expected return, although the actual return may or may not increase depending on the degree to which the risks are actually realised».