Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 110/2018-T
Data da decisão: 2018-09-20  IRC  
Valor do pedido: € 621.061,76
Tema: IRC – Tributações Autónomas; SIFIDE.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), João Taborda da Gama e Carla Castelo Trindade, designados no Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 14 de Março de 2018, A... SGPS, S.A., NIPC..., com sede na ..., lote ...,  ..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, visando a declaração de ilegalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente que teve como objecto o acto de autoliquidação de IRC do Grupo Fiscal B... relativo ao exercício de 2012, na medida correspondente à não dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma de incentivos fiscais em IRC, designadamente os benefícios fiscais apurados no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), no total de € 621.061,76.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que os benefícios fiscais do SIFIDE devem ser deduzidos à colecta de tributações autónomas porque: (i) podem ser deduzidas à colecta de IRC apurada nos termos do artigo 90.º do CIRC; (ii) a colecta das tributações autónomas é considerada como colecta do IRC, sendo aquelas parte integrante deste imposto; (iii) as regras de liquidação previstas no artigo 90.º do CIRC são aplicáveis às tributações autónomas e (iv) o entendimento da Requerente vai na linha da jurisprudência do CAAD que já se pronunciou sobre este tema.

Subsidiariamente, e para o caso de se entender que a liquidação das tributações autónomas não é efectuada ao abrigo do artigo 90.º/1 do CIRC aplicável, vem a Requerente pedir seja declarada a ilegalidade da liquidação das tributações autónomas (e seja consequentemente anulada) por ausência de base legal para a sua efectivação, com o consequente reembolso do montante de €341.517,36, e o pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1. No dia 14-03-2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente procedeu à nomeação de árbitro, tendo indicado o Exm.º Sr. Dr. João Taborda da Gama, nos termos do artigo 11.º/2 do RJAT. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a Requerida indicou como árbitro a Exm.ª Sr.ª Dr.ª Carla Castelo Trindade.

 

  1. Os árbitros indicados pelas partes foram nomeados e aceitaram os respectivos encargos.

 

  1. Por despacho de 18-04-2018, e na sequência do requerimento apresentado pelos árbitros designados pelas partes para que o árbitro-presidente fosse designado pelo Conselho Deontológico, foi designado árbitro-presidente, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, o ora Relator, que, no prazo aplicável, também aceitou o encargo.

 

  1. Em 07-02-2018, as partes foram notificadas das referidas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 10-05-2018.

 

  1. No dia 11-06-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

  1. Atendendo a que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º do RJAT, dispensou-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, bem como a apresentação pelas partes.

 

  1. Foi indicado que a decisão final seria apresentada até ao termo do prazo a que alude o artigo 21.º/1 do RJAT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. A Requerente era, em 2012, a sociedade dominante e responsável pela autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) do grupo fiscal (Grupo Fiscal B...) ao qual, no período de tributação de 2012, foi aplicável o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), e que era composto, no aludido período de tributação, por si e pelas sociedades:
    1. C..., S.A.;
    2. D..., SGPS, S.A.;
    3. E..., S.A.;
    4. F..., S.A.;
    5. G..., S.A.;
    6. H...– Consultoria, Desenvolvimento e Operação de Sistemas de Informação, S.A. (que em 2009 incorporou por fusão as seguintes sociedades: I...–, S.A.; J..., S.A.; K..., S.A.; L..., S.A. E que em 28 de Junho de 2011, esta sociedade alterou a sua firma para M..., S.A.);
    7. N..., SGPS, S.A.;
    8. O..., S.A.;
    9. P..., S.A.;
    10. Q...–, S.A;
    11. R..., S.A.;
  2. A Requerente entregou no dia 29 de Maio de 2013 a declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2012 do seu grupo fiscal, tendo ainda apresentado declaração de substituição na qual apurou um montante final de tributações autónomas em IRC de € 621.061,76.
  3. No cálculo do imposto resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma em IRC o sistema informático da AT assinalou de divergências (“erros”) que impediram que a Requerente inscrevesse o valor relativo às referidas taxas de tributação autónoma em IRC, deduzido, dentro do montante resultante da aplicação destas taxas, os montantes de benefício fiscal reconhecido às empresas do grupo fiscal ao abrigo do SIFIDE.
  4.  Daí resultou num excesso de imposto pago por referência ao exercício fiscal aqui em causa.
  5. O montante de CFEI, disponível para utilização pela Requerente no final do exercício de 2012 ascendia a € 3.300.552,07.
  6. No dia 30 de Maio de 2013, a Requerente procedeu ao pagamento do montante apurado a título de tributações autónomas.
  7. A Requerente, oportunamente, apresentou um pedido de reclamação graciosa do acto tributário de autoliquidação de IRC do seu Grupo Fiscal referente ao exercício de 2012.
  8. Na sequência de apresentação do referido pedido de reclamação graciosa, a Requerente foi notificada do seu indeferimento em 27-12-2017.
  9. A AT não apurou o lucro tributável do Grupo Fiscal da Requerente e respectivas sociedades por métodos indirectos.
  10. Nem a requerente, nem as empresas integrantes do grupo na origem do SIFIDE eram, no momento relevante, entidades devedoras ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e o processo administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

B. DO DIREITO

 

            A questão principal a decidir nos presentes autos, sendo, sem dúvida, de alguma complexidade na sua resolução, é, todavia, simples na sua formulação, e prende-se como explicitamente formula a Requerente, em saber se tem ou não o Grupo Fiscal da Requerente o direito de proceder à dedução, também à colecta de IRC produzida pela aplicação das taxas de tributação autónoma, dos referidos créditos relativos ao SIFIDE disponíveis na esfera da Requerente.

Convoca a Requerente em seu abono, assentando, no essencial, a sua argumentação no quanto ali se expende, decisões proferidas em processos arbitrais do CAAD, por si elencadas[1], nomeadamente os processos n.º 769/2014-T, 219/2015-T, 369/2015-T, 370/2015-T, no sentido da procedência do pedido, e n.º 697/2014-T, no sentido da improcedência (decisões todas proferidas antes da LOE 2016) e processos n.º 637/2015-T, 673/2015-T, 740/2015-T, 744/2015-T, 775/2015-T 784/2015-T, 5/2016-T, no sentido da procedência do pedido (decisões estas proferidas após a LOE 2016).

            A problemática subjacente às tributações autónomas, tem sido, nesta como noutras matérias, objecto de acirrado contencioso entre os contribuintes e a Autoridade Tributária, situação a que não será, de todo, estranha, a natureza própria, anti-sistémica até, de que aquelas se revestem, no quadro dos impostos sobre o rendimento, onde germinaram.

            Efectivamente, a discussão que deflagrou com as novas taxas de tributação autónoma introduzidas pela Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, e incidiu inicialmente sobre a natureza do facto tributário subjacente àquele tipo de tributação, abriu um percurso exploratório profundo sobre a natureza das tributações autónomas e da sua relação com os impostos sobre o rendimento, em especial o IRC, que passou pelas problemáticas da dedutibilidade do valor das tributações autónomas à colecta de IRC, e pela natureza, presuntiva, ou não, das tributações autónomas sobre despesas dedutíveis, sem que até à data tenha havido uma intervenção legislativa definitiva, doutrinalmente sustentada e coerente, no sentido de clarificar o devido enquadramento das tributações em causa no edifício do imposto sobre rendimento de onde emergem, sucedendo-se, antes, intervenções legislativas desconexas e conjunturais, que em nada contribuem, pelo contrário, para a clarificação da natureza e função de tais tributações.

            Neste quadro, decisões jurisprudenciais casuísticas, sucedem-se a intervenções legislativas igualmente casuísticas, gerando um quadro de incerteza e instabilidade onde, contribuintes e Autoridade Tributária não têm outra via de procurar o Direito aplicável, que não a litigiosidade perpetuada, resvalando para o intérprete judicativo a ingrata tarefa de, no emaranhado normativo gerado, servir a Justiça possível.

Vejamos, então.

 

*

Quando se fala em tributações autónomas, como é o caso, é conveniente desde logo ter presente que está em causa um conjunto de situações díspares, que abrangerão, pelo menos, três tipos distintos, a saber:

  • Tributação autónoma de determinados rendimentos (ex.: artigo 72.º do actual CIRS, e, crê-se, a prevista no actual n.º 11 do artigo 88.º do CIRC);
  • Tributação autónoma de determinados encargos dedutíveis (ex.: n.º 7 do artigo 88.º do actual CIRC);
  • Tributação autónoma de outros encargos independentemente da respectiva dedutibilidade (ex.: números 1 e 2 do artigo 88.º do actual CIRC).

Sob um ponto de vista da funcionalidade/finalidade/fundamento das tributações autónomas sobre gastos (excluindo, portanto a tributação autónoma de rendimentos), têm, também sido surpreendidos vários tipos, como sejam:

  • o desincentivar de determinados comportamentos do contribuinte tendentes a estar associados a situações de fraude ou evasão fiscal, como acontece, por exemplo, com as tributações autónomas incidentes sobre despesas não documentadas, ou pagamentos a entidades sujeitas a regimes fiscais privilegiados;
  • o combate à erosão da base tributável, como acontece, em geral, com as tributações autónomas incidentes sobre despesas dedutíveis;
  • o desincentivar de determinados gastos de causação presumidamente não empresarial, como acontece com as tributações autónomas incidentes sobre gastos com viaturas, ajudas de custo, ou despesas de representação;
  • a tributação de distribuição encapotada de rendimentos a terceiros, não tributados na esfera destes (fringe benenfits), como acontece com as tributações autónomas incidentes sobre gastos com viaturas, ajudas de custo, ou despesas de representação;
  • a penalização pela realização de determinadas despesas, que não afectam a base tributável, nem tem subjacente qualquer distribuição não tributada de rendimentos a terceiros, ou potencial fraudulento ou evasivo, mas que o legislador, porventura, terá considerado luxuosas ou sumptuárias, como acontece com as tributações autónomas sobre determinados pagamentos a gestores, administradores ou gerentes (actual artigo 88.º/13 do CIRC), bem como a tributação autónoma sobre encargos com viaturas na medida em que exceda a taxa normal IRC.

Estes dados tornam-se importantes porque por si mesmos evidenciam a disparidade e heterogeneidade das situações sujeitas a tributações autónomas, e a inutilidade de, em sede jurisprudencial, sintetizar e procurar uma natureza jurídica própria e unitária, comum a todas as situações.

Deste modo, dever-se-á centrar a discussão na concreta questão colocada pela Requerente e procurar uma resposta, devidamente fundada, para os termos restritos daquilo que está em causa nos autos, que será então saber se é, ou não, possível a dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma, de benefícios fiscais, em sede de IRC, disponíveis.

Devidamente equacionada, nestes termos, a questão a solucionar nos autos, cumprirá ainda ter presente que o referente fundamental da resposta a dar àquela, será o formulado no artigo 9.º do Código Civil, segundo o qual deverá ser reconstituído, a partir dos textos, o pensamento legislativo, que tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

Neste quadro, o desiderato da presente decisão será, não o de teorizar sobre a natureza jurídica das tributações autónomas em geral, ou de qualquer dos seus vários tipos, mas antes o de apurar se o pensamento legislativo, com um mínimo de correspondência verbal na letra da lei, ainda que imperfeitamente expresso, era ou não, à data do facto tributário em questão nos autos, no sentido de ser possível utilizar a dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma, de incentivos fiscais, em sede de IRC, disponíveis.

Inútil será, julga-se, procurar uma base conceptualista, assente numa definição dogmática de conceitos monolíticos de IRC e de Tributações Autónomas, retirados de normação estranha à matéria decidenda, professando um “ontologismo escolástico” que procure “deduzir de forma puramente lógica, a partir de conceitos abstractos superiores, outros, cada vez mais concretos e plenos de conteúdo[2], metodologicamente ultrapassado.

Almejar-se-á, deste modo, apenas averiguar qual a solução que, face ao direito constituído, devidamente interpretado, se afigura caber ao caso concreto, não se tomando a resposta dada à questão decidenda como uma evidência acabada, exacta e com um grau extremo de rigor e exactidão, mas, meramente, como aquela que, reflexivamente, se apresentou aos seus subscritores como a, juridicamente, melhor[3].

 

*

            A base da pretensão da Requerente é literalmente simples e linear e resulta da constatação de que, fazendo-se a liquidação das tributações autónomas nos termos do artigo 90.º, n.º 1 do CIRC, a tal liquidação aplicar-se-ão as deduções previstas no seu n.º 2.

            Efectivamente é o seguinte, o teor dos normativos em causa:

“1 - A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

2 - Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação internacional;

b) A relativa a benefícios fiscais;

c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

d) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.”.

Sob um ponto de vista semântico-literal, aceite o pressuposto – que ora se aceita – de que a liquidação das tributações autónomas se faz nos termos do n.º 1 do artigo 90.º transcrito, nenhuma outro sentido é possível retirar da letra da lei, que não o apresentado pela Requerente, e por toda a jurisprudência arbitral em que se abona, sendo, nessa restrita perspectiva, irrefutável a conclusão condensada no seu pedido arbitral principal.

            Daí que a Requerente e as posições convergentes com a sustentada pela mesma, de um ponto de vista geral, não encetem qualquer esforço relevante no sentido de sistemático-axiologicamente validarem o seu entendimento (sendo que, quando tal ocorre, verifica-se sob um ponto de vista casuístico, ancorando-se, sobretudo, no tipo concreto de dedução à tributação autónoma que se pretende validar, ou em determinados tipos de daquela).

            Antes, tais posições dedicam-se, essencialmente, a refutar a argumentação que vai sendo apresentada em sentido oposto, fechando-se no linear entendimento que pode ser sintetizado no seguinte silogismo:

  1. A tributação autónoma é IRC;
  2. Então o SIFIDE pode ser abatido à colecta do IRC gerada pelas tributações autónomas.

            Sucede que a leitura jurídica, por impositivo legal (e também lógico-racional) não se cinge, nem deve cingir, ao texto das normas enquanto realidade semântico-gramatical, devendo antes colocar-se num plano axiológico-racional, ancorado em todos os elementos da interpretação jurídica.

            Daí que, em ordem a obter aquilo que seja a leitura correcta do texto, seja necessário realizar determinados testes a nível do edifício sistemático onde a norma interpretanda se enquadra, de modo a validar, face ao mesmo, e à luz dos critérios de racionalidade, congruência e razoabilidade que necessariamente norteiam aquela estrutura normativa, a interpretação literalmente sugerida.

            Assim, e desde logo, a montante, não se pode descurar um primeiro dado relevante, que é o de que nos artigos 89.º e 90.º, n.º 1 do CIRC, converge a liquidação de duas formas de imposição, relativas ao mesmo imposto mas radicalmente distintas, a saber, o IRC tradicional, ou stricto sensu, e as tributações autónomas.

            A natureza das tributações autónomas tem sido objecto de ampla discussão na doutrina e jurisprudência recentes.

            Uma corrente tem olhado para as mesmas como um imposto sobre a despesa, que tributaria determinados tipos de gastos, de uma forma totalmente desligada do rendimento, em termos de haver mesmo quem sustente que as mesmas constituem um tributo próprio, que apenas casualmente estaria integrado nos códigos do IRS e IRC.

            Não obstante, tem obtido acolhimento recorrente na jurisprudência do CAAD[4], o entendimento de que as tributações autónomas sobre encargos dedutíveis, integram, ainda, o regime dos impostos regulados pelos códigos onde se integram, visando, mesmo que de uma forma enrevesada, o rendimento tributado por aqueles.

            Com efeito, e como se teve oportunidade de escrever noutra sede[5], “a complexidade gerada pelas sucessivas alterações na arquitetura do CIRC conduziram (...) a um edifício normativo atípico, no qual se poderá discernir um core correspondente ao que se poderá chamar IRC tout court (ou em sentido estrito), que a Requerente pretende que esgote tudo o que seja designado por IRC, e uma periferia que integra regulamentações “marginais”, subtraídas, em grande parte, à lógica, natureza e princípios do IRC tout court, mas que, não obstante, ainda se situam no “campo gravitacional” daquele.

            E é no processo de concretização desta zona de difícil definição que todas as decisões analisadas (...) operam, não podendo as mesmas ser devidamente compreendidas sem que se compreenda também que, de facto, o que todas as decisões em questão estão a fazer é apurar quais as consequências que a “gravitação” em torno do core do IRC aportam para as matérias em cada uma delas abordadas.”.

Nesse sentido, “dentro do quadro hermenêutico acima desenhado, (...) por força da evolução histórica do respetivo regime legal, se constituiu um tipo de IRC que integra um núcleo duro (...) e um grupo de normações adjacente, que comunga de parte da lógica e do regime daquele, mas que em muitos aspectos diverge dos mesmos.”. E, mais adiante, “da consideração do texto legislativo, estaticamente e na sua evolução histórica, resulta que o legislador entendia, e continua a entender, que as tributações autónomas integram o IRC, senão enquanto imposto stricto sensu, pelo menos em termos de fazerem parte do mesmo regime fiscal unitário”.

Isto porque “o regime legal das tributações autónomas em questão nos autos apenas faz sentido no contexto da tributação em sede de IRC. Ou seja, desligado do regime legal deste imposto, carecerão aquelas do seu principal referente de sentido. A sua existência, o seu propósito, a sua explicação, no fundo, a sua juridicidade, apenas é devidamente compreensível e aceitável no quadro do regime legal do IRC.”.

Daí que não “se entenda que “a definição de IRC constante dos artigos 1.º e 3.º do CIRC” esteja “realmente ultrapassada por uma nova definição de aplicação transversal/geral”, sendo essa uma postura epistemológica própria de um conceptualismo que, liminarmente, se repudiou.

Pelo contrário: trata-se do reconhecimento daquilo que, face ao quadro legal vigente, se impõe como o mais razoável: o abandono definitivo de qualquer definição de aplicação transversal/geral de IRC, e o reconhecimento do regime deste como uma realidade complexa e multifacetada, irredutível a uma definição daquela índole, que apenas um conceptualismo fundamentalisticamente abstracionista poderá pressupor.”.

            Por isso, “Tudo aquilo que se tem vindo a dizer evidencia que a evolução do regime legal do IRC transmutou-o numa realidade complexa e multifacetada, aos mais diversos níveis, que se reflete, na matéria que nos ocupa nestes autos, na tal “natureza dual” de que falava o Prof. Saldanha Sanches na passagem citada no Acórdão 617/2012 do TC.

O reconhecimento desta dualidade de natureza não prejudica, contudo, como se entende estar subjacente quer à citação em causa quer à jurisprudência que a cita, que se considere que o sistema, apesar de dual, seja o mesmo[6]. Dito de outro modo, apenas faz sentido falar-se de um sistema dual, se o sistema em questão, globalmente considerado, for, ainda, o mesmo. Caso contrário falar-se-ia não de um sistema de natureza dual, mas de dois sistemas distintos, o que, por tudo o que se vem dizendo, não será o que ocorre. E, in casu, o sistema será o regime do IRC, que operando ora pelo lucro, ora pelos gastos, visa e prossegue as finalidades próprias daquele imposto, incluindo, evidentemente, a arrecadação de receita para o Estado.”.

            Por fim, “Em jeito de conclusão, face a tudo o que se vem de expor, e em favor de um rigor conceptual, dir-se-á ainda que se pende para o entendimento de que as tributações autónomas, tal como existem actualmente, se poderão configurar como um imposto “híbrido”[7], incidindo sobre o rendimento das pessoas singulares e das pessoas colectivas, e não sobre o consumo ou a despesa, pois não apresentarão as principais características desta forma de tributação”.

            O quanto vem de se dizer, ecoa, de alguma forma, na jurisprudência que vem sendo produzida pelo Tribunal Constitucional (TC), como acontece com o Acórdão 197/2016, de 13-04-2016[8].

            Com efeito, reconhecendo o TC que a matéria das tributações autónomas é “regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento”, confirma o mesmo Tribunal que a mesma “é materialmente distinta da tributação em IRC”, e que “estamos (...) perante factos tributários distintos e que são objeto de um tratamento fiscal diferenciado”, indo mesmo ao ponto de afirmar que “o IRC e a tributação autónoma são impostos distintos” e que aquela tributação “nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros”, afirmações que terão de ser lidas, julga-se, cum grano salis, enquadrando-as nas limitações que as contextualizam, reportando-as à existência de uma “base de incidência” consistente em “certas despesas que constituem factos tributários autónomos”, e na “sujeição a taxas específicas”, compreendendo-se assim que a tributação autónoma “nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros imputáveis ao exercício económico da empresa” (o que não quer dizer que seja alheia ao rendimento e lucros em geral), e que a distinção entre a tributação autónoma e o IRC, sendo profunda e vincada, se deve cingir ao necessário para salvaguardar a especificidade daquela ao nível da respectiva teleologia, base de incidência e taxas específicas, sem prejudicar a integração no mesmo edifício normativo.

            Efectivamente, crê-se, não estará o TC a defender que a tributação autónoma constitui um imposto sobre a despesa stricto sensu, completamente alheio e distinto do IRC, sob pena de, não só ser desmentido pela sistemática da lei fiscal[9] e, expressamente, pelo próprio legislador[10], como também de condenar irremediavelmente as tributações autónomas a uma inconstitucionalidade formal, por violação do disposto na al. i) do artigo 165.º, n.º 1 da CRP[11], na medida em que as leis autorizativas da criação daquelas não licenciaram a criação de um novo imposto sobre a despesa[12].

            Terá presente o TC que a tributação autónoma será, pelo menos, uma tributação compensatória de IRC que, por o ser, é IRC (sem sentido amplo) também

            Não obstante, e sem prejuízo do que vem de se expor, não se poderá, na apreciação da matéria em causa, desprezar a (enfaticamente afirmada pelo TC) profunda distinção formal e teleológica entre a tributação autónoma em IRC e a tributação geral neste imposto (IRC stricto sensu).

            Em suma: já anteriormente se detectou, por um lado, a futilidade de procurar um conceito unitário de IRC que acomode, coerentemente, o regime das tributações autónomas, e que, por outro, a via metodologicamente mais profícua de gerar soluções juridicamente adequadas para a problemática em causa passa por compreender o regime do IRC actual como produto de uma evolução historicamente explicada que conduziu à edificação de uma estrutura de natureza dual ou híbrida, compreendendo um núcleo principal correspondente ao IRC tradicional, e uma parte adjacente, conexionada com aquele e fazendo parte da mesma realidade normativa global, com especificidades próprias das quais resulta um afastamento, em vários e substanciais aspectos, do regime principal, em termos de os princípios e soluções gerais, não obstante, por vezes, se aplicarem, por outras vezes, serem contraditórios, e como tal, inaplicáveis, com a natureza própria dessa tal “normação adjacente” que se consubstancia nas designadas tributações autónomas.

            Sendo que, como é já consabido, essa natureza própria, ou específica, assente numa lógica estranha ao edifício principal do IRC tradicional, se caracterizará, essencialmente, pelas notas sobejamente reconhecidas como próprias às tributações autónomas, designadamente, quer quanto à sua forma de imposição (o carácter instantâneo do respectivo facto tributário e a circunstância de este consistir num gasto), quer quanto à sua ratio anti-sistemática (o facto de algumas das tributações autónomas terem uma vertente dirigida directamente para o rendimento de pessoas singulares e/ou uma vertente sancionatória, bem como uma finalidade antiabuso).

            Aqui se chega, crê-se, à percepção da falácia semântica que se encerra no silogismo atrás exposto, em que assenta a posição pugnada pela Requerente e aquelas que a sustentam.

            Com efeito, é verdade que:

  1. A tributação autónoma é IRC;
  2. Então o SIFIDE pode ser abatido à colecta do IRC gerada pelas tributações autónomas.

Contudo, como se vem de expor, considera-se[13] que a integração das tributações autónomas no IRC apenas é viável num contexto que reconheça naquele um sistema com uma natureza dual, que se poderá por comodidade designar por IRC em sentido amplo, integrando um sistema base correspondente ao IRC tradicional, ou stricto sensu, e um sistema periférico, autónomo, que fazendo ainda parte do mesmo sistema global, tem especificidades e funcionais e axiológicas próprias, das quais decorre o afastamento da aplicação das normas próprias daquele sistema base, sempre que tal se justifique à luz da coerência do próprio sistema (das razões que justificam a sua autonomia).

Como sintetiza a Requerida, “a integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspectos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respectivas colectas, por força de obedecerem a regras diferentes, pois, num caso, trata-se da aplicação da(s) taxa(s) do art.º 87.º do CIRC à matéria colectável determinada segundo as regras contidas no capítulo III do Código, i. e., tendo como base o lucro e, noutro caso, trata-se da aplicação das taxas aos valores das matérias colectáveis relativas às diferentes realidades contempladas no art.º 88.º do CIRC.”.

Ora, o silogismo formulado, à luz do entendimento que se expôs, tem a sua coerência lógica minada pela desconsideração do que vem de se apontar já que o conceito de IRC, utilizado nas respectivas premissas, não é o mesmo.

Dito de outro modo, sim, a tributação autónoma é IRC, mas apenas em sentido lato, constituindo um sistema periférico da tributação do rendimento das pessoas colectivas, com teleologia e mecânicas próprias, que justificam, em determinadas situações, a sua autonomia, em relação ao referido sistema de IRC stricto sensu.

Daí que não sendo – repete-se, à luz do entendimento que se expôs – o conceito de IRC o mesmo em ambas as premissas (a primeira premissa valida-se no sistema de IRC stricto sensu, e a segundo no sistema de IRC em sentido lato) fica comprometida a validade lógica do silogismo apresentado, não decorrendo daí, obviamente, a falsidade da conclusão mas, unicamente, a inaptidão das premissas em causa para sustentar a sua validade.

            Assim, e concluindo aqui, não se poderá, crê-se, na senda da solução a obter para a questão decidenda, obliterar que, não obstante convergirem, efectivamente, na forma de liquidação regulada nos artigos 89.º e 90.º, n.º 1 do CIRC aplicável, as tributações autónomas e o IRC stricto sensu (ou tradicional), provêm as mesmas, a montante, de geografias profundamente distintas, facto que não poderá deixar de ser devidamente ponderado e tido em conta, nas soluções a encontrar a jusante, designadamente, e para o que ao caso interessa, no que diz respeito à leitura a fazer da norma do artigo 90.º, n.º 2 do referido Código.

 

*

            Prosseguindo a senda interpretativa em curso para jusante, passar-se-á a aferir das decorrências da limitação daquele processo hermenêutico à camada literal do objecto interpretativo em análise.

            Como acertadamente aponta a entidade Requerida na sua resposta, o entendimento, proposto pela Requerente, segundo o qual da falta de distinção, ao nível do texto do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC aplicável decorre que, a nível de tal norma, não se deverá fazer qualquer distinção tendo em conta as diferenças, a montante, do imposto que naqueles termos, é liquidado, implicaria que na base de cálculo dos pagamentos por conta devidos em IRC, se incluíssem, também, os valores relativos às tributações autónomas, e não apenas os relativos ao IRC stricto sensu.

            Com efeito, dispõe o n.º 1 do art.º 105.º do Código do IRC, que: “Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º (…)”.

            Ora, entendendo-se que o teor normativo do artigo 90.º, n.º 1 do CIRC em questão veda qualquer distinção, para efeitos de outras normas que para o mesmo remetam, entre o imposto liquidado a título de tributação autónoma e o imposto liquidado a título de IRC stricto sensu, ter-se-ia, coerentemente e nos mesmos termos, de concluir que os pagamentos por conta seriam devidos em função da soma de ambos os valores, sendo que tal solução não poderá – crê-se – ter-se por conforme ao espírito de um legislador razoável.

            Efectivamente – e não sendo os pagamentos por conta thema decidendum do presente processo – sem que se justifique grande profundidade nesta análise, sempre se dirá que aquele tipo de pagamentos, conforme é doutrinal e jurisprudencialmente reconhecido, têm por base uma intenção de adiantamento da tributação que será devida a final, atendendo ao lucro tributável do ano anterior.

            Neste sentido, por exemplo, escreveu-se no Ac. do STA de 07-03-2007, proferido no processo 0877/06[14], que (sublinhado nosso):

“Da definição legal de “pagamento por conta” retira-se uma imbricação inevitável, necessária e essencial entre “pagamento por conta” e “imposto devido a final”.

Por modo tal que o “título” (palavra da lei) do “pagamento por conta” é o “imposto devido a final”.

O que significa que o “pagamento por conta” é, nos próprios termos da lei, uma entrega pecuniária antecipada, feita, por conta do imposto devido a final, no período de formação do facto tributário.

O que significa, ainda, que o “pagamento por conta” tem de ser aferido com referência à situação contabilística da empresa no fim do período a que se refere o pagamento por conta.

O que decididamente quer dizer que, se nenhuma quantia pecuniária houver de ser (antecipadamente) entregue por conta do imposto devido a final, no concernente período de formação do facto tributário (a que se refere o “pagamento por conta”) – mormente por inexistência de lucro tributável revelado pela contabilidade, a esse tempo –, aquele “pagamento por conta” não tem fundamento substantivo.(...)

E, assim, se não houver lucro tributável, não há imposto devido.”.

            Ora, (pelo menos algumas) das tributações autónomas, conforme também noutra sede se indicou já[15], não incidem directamente sobre o rendimento, fazendo-o de uma forma meramente mediata ou indirecta, sendo essa a justificação para, não obstante as mesmas integrarem o regime do IRC lato sensu, operarem pela via da despesa e, consequentemente, serem devidas ainda que o sujeito passivo não apresente lucro tributável.

            Assim sendo, como se crê que é, será destituído de sentido que aos contribuintes que não apresentem lucro tributável, se exija pagamento por conta com base em imposto liquidado sobre despesas que realizou e que foram objecto de tributação autónoma.

Isto mesmo é corroborado pela natureza distinta do facto tributário subjacente ao IRC stricto sensu e às tributações autónomas. Com efeito, sendo o primeiro um facto tributário de natureza continuada e o segundo um facto tributário de natureza instantânea, apenas relativamente ao primeiro poderá fazer sentido divisar um adiantamento de imposto (pagamento por conta), e já não quanto ao segundo cuja prática gera, imediatamente, uma obrigação de imposto[16].

Todavia, e voltando agora ao caso concreto, a mesma leitura literal em que assenta, essencialmente, a pretensão da Requerente, conduziria, crê-se, inelutavelmente, a que, por identidade de razão, se houvesse de considerar que, para efeitos do n.º 1 do art.º 105.º do Código do IRC, a colecta da IRC a considerar incluísse a colecta das tributações autónomas, já que aquela norma dispõe (tão lapidarmente como o artigo 90.º/2 do CIRC) que: “Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º (…)”.

            Ora, não estando tal em causa no caso sub iudice, pode-se especular que, seguramente, se, em coerência, a Requerente tivesse considerado que para efeitos do referido artigo 105.º/1 do CIRC aplicável se incluía a colecta das tributações autónomas, não deixaria de chamar a atenção para o facto de o ter feito[17], ou seja, de ter calculado pagamentos por conta que possa ter suportado com base, também, naquela colecta, salientando a consequente injustiça que seria ter estado a suportar tais pagamentos, considerando que o artigo 105.º/1 do CIRC abrangia a colecta de tributações autónomas, e não se interpretasse, paralelamente, o artigo 90.º/2 do mesmo diploma, da mesma forma.

            Sendo – evidentemente – este um argumento inultrapassavelmente especulativo, e, como tal insusceptível de servir de base, de per si, a soluções juridicamente fundadas, tal não obsta a que seja um factor de ponderação, evidenciador, por um lado, da instabilidade estrutural da inserção das tributações autónomas em IRC, tal como foi operada, e, por outro, da interligação normativa e da abrangência de perspectiva sistemática imprescindível à valoração das soluções propostas para o problema jurídico a decidir.

            Com efeito, entende-se que sob uma perspectiva sistemática, a posição que se adopte relativamente à matéria decidenda, pelo menos se no sentido pugnado pela Requerente, e adoptado pela jurisprudência que sustenta aquela, não pode deixar de ter reflexo na posição que se adopte relativamente à interpretação do referido artigo 105.º/1 do CIRC, já que, como atrás se apontou, a literalidade dos regimes é, precisamente, a mesma.

            Assim, deste ponto de vista haverá que ponderar, independentemente do que tenha sido a prática quer da AT quer da Requerente, não só se faz sentido que a norma do artigo 105.º/1 do CIRC imponha que a colecta das tributações autónomas entre no cômputo do cálculo dos pagamentos por conta, como a circunstância, atrás apontada, de o STA se ter já pronunciado no sentido de que perante a “inexistência de lucro tributável (...[o]...) “pagamento por conta” não tem fundamento substantivo”.

 

*

            No percurso hermenêutico em curso, haverá igualmente que considerar a norma do n.º 5 do artigo 90.º do CIRC aplicável em questão, que dispõe que:

“As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respectivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo”.

            Esta norma remete directamente para o artigo 6.º do mesmo Código, que prescreve, no que para o caso releva, que:

“1 - É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria colectável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direcção efectiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros:

a) Sociedades civis não constituídas sob forma comercial;

b) Sociedades de profissionais;

c) Sociedades de simples administração de bens, cuja maioria do capital social pertença, directa ou indirectamente, durante mais de 183 dias do exercício social, a um grupo familiar, ou cujo capital social pertença, em qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não superior a cinco e nenhum deles seja pessoa colectiva de direito público.(...)

3 - A imputação a que se referem os números anteriores é feita aos sócios ou membros nos termos que resultarem do acto constitutivo das entidades aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais.”

            Fundamental no enquadramento desta questão é ainda o teor do artigo 12.º do mesmo Código, que refere que:

“As sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas.”.

            Não sendo, também, o tema das entidades sujeitas a regime de transparência fiscal objecto da presente causa, sinteticamente sempre se dirá, desde logo, que da leitura literal em que assenta a pretensão da Requerente, ou seja, de que as tributações autónomas integram, sem limitações e para todos os efeitos, a colecta de IRC, sempre resultaria uma de duas situações, igualmente inaceitáveis, a saber:

  • que as entidades a que se refere o art.º 6.º, n.º 1 do CIRC, se vissem obrigadas a suportar duplamente os encargos com tributações autónomas: (i) uma vez na esfera da sociedade, nos termos do artigo 12.º do CIRC, que expressamente o prevê, e (ii) outra vez nos termos conjugados dos n.ºs 1 e 3 do artigo 6.º do CIRC, que impõe que a “a matéria coletável, determinada nos termos deste Código” relativamente a tais entidades é imputada aos sócios;
  • ou que, assim, não sendo, ou seja, se por via de algum tipo de interpretação se restringisse a expressão “matéria coletável, determinada nos termos deste Código”, dela expurgando as tributações autónomas, da conjugação das supra transcritas normas do n.º 5 do artigo 90.º, do artigo 6.º e do artigo 12.º, com a interpretação sustentada pela Requerente para o n.º 1 do artigo 90.º, resultaria que os sujeitos passivos de IRC sujeitos ao regime de transparência fiscal estariam impedidos, por via do referido artigo 90.º, n.º 5, de deduzir aos montantes liquidados a título de tributação autónoma, as deduções previstas no n.º 2 do mesmo artigo, uma vez que estes últimos montantes seriam suportados pela sociedade, enquanto as deduções seriam apenas facultadas aos sócios, discriminando-se assim injustificadamente os sujeitos passivos de IRC sujeitos ao regime de transparência fiscal, dos restantes, que, na tese da Requerente, teriam a faculdade de fazer operar as deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º, aos montantes liquidados, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, a título de tributação autónoma.

Sendo certo que, as sociedades fiscalmente transparentes são uma situação atípica em sede de IRC, são sociedades justamente não sujeitas a IRC sobre o lucro/rendimento, mas sujeitas a IRC em sede de tributações autónomas, não se pode deixar de notar não só que, por um lado, as tributações autónomas são, elas próprias também, uma situação atípica em sede de impostos sobre o rendimento (incluindo o IRC), como que, por outro, é evidente a supra-referida e desenvolvida dualidade do IRC (são sociedades justamente não sujeitas a IRC sobre o lucro/rendimento [IRC stricto sensu], mas sujeitas a IRC em sede de tributações autónomas [IRC lato sensu]).

Uma vez mais, estamos aqui numa perspectiva de ponderação das implicações no edifício normativo do IRC, das interpretações propostas para a(s) norma(s) aplicáveis à situação sub iudice, não se tratando, evidentemente, de um argumento estruturante, mas antes acessório, da solução que se venha a desenhar.

 

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            Aqui chegados, cumpre explorar um pouco mais os limites da literalidade das normas no epicentro do presente litígio – o artigo 90.º, n.º 1 e 2 do CIRC aplicável – e das repercussões da mesma no quadro mais amplo da relação entre o IRC tradicional, e as tributações autónomas nesse imposto.

            Conforme acima se expôs já, no conjunto das tributações autónomas, ainda que restrito às que integram o regime do IRC em sentido amplo, convergem várias situações de origem e teleologia díspares.

            Assim, sinteticamente e a título de exemplo, encontram-se tributações autónomas que visam, isolada ou concomitantemente, desincentivar determinados comportamentos economicamente desvaliosos (ex.: remunerações excessivas a gestores), tributar os chamados fringe benefits (ajudas de custo; despesas com viaturas), mitigar a repercussão fiscal de despesas de empresarialidade integral duvidosa (idem), desincentivar comportamentos com elevado potencial de fraude (pagamentos a entidades sujeitas a regime fiscal claramente mais favorável) ou penalizar comportamentos que fomentam a chamada economia paralela (tributação das despesas confidenciais), ou que são tidos pelo legislador como sumptuários.

            A literalidade da interpretação proposta pela Requerente miscigena, nas estreitas vistas da letra da lei, todas aquelas situações – porquanto todas elas se liquidarão nos termos do artigo 90.º, n.º 1 do CIRC aplicável, daí decorrendo, necessariamente, que à colecta de todas elas, se aplicará a solução propugnada pela Requerente, ou seja, a todas elas – sem excepção perceptível nem, muito menos justificada ou, sequer, tanto quanto se concebe, justificável – seriam aplicáveis todas as deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC em questão.

            Ora, já atrás, e em outras ocasiões, se apontou a vã glória de fechar, num conceito substantivo unitário, todas as tributações autónomas, mesmo as que apenas ocorrem no âmbito do IRC, atenta a sua disparidade teleológica e funcional. E, aqui, emerge uma das principais fragilidades do edifício argumentativo onde se aloja a posição da Requerente, subjacente também à jurisprudência arbitral por si citada: a de assentar num postulado de unicidade de IRC e de tributações autónomas, tomando o todo pela parte que, concretamente, integra a matéria decidenda, por um lado, e numa valoração exclusiva do tipo de dedução prevista no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC aplicável, que concretamente está em causa no caso sub iudice.

            Ou seja: a posição sustentada pela Requerente, bem como aquelas que a corroboram, não cuidam em momento algum de enquadrar as valorações por si efectuadas e de validar a aplicação da interpretação por si proposta à integralidade das tributações autónomas e das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º aplicável, bem como de valorar as implicações da aplicação da tese em questão, a todas as deduções possíveis a todas as colectas de todas as tributações autónomas abstractamente abrangidas por tal tese, para além de como se apontou já, se absterem de apreciar, numa perspectiva mais ampla, as consequências sistemáticas do acolhimento da leitura essencialmente literal que propõem para a conjugação das normas do n.º 1 e 2 do artigo 90.º do CIRC.

            A fenda no edifício fundamentador da posição da Requerente, bem como daquelas que a sustentam, abre-se assim, face a esta constatação, em duas direcções distintas: (i) por um lado, a leitura proposta pela Requerente para a norma do artigo 90.º, n.º 2 do CIRC aplicável, não distingue, nem permite distinguir, entre tributações autónomas relativas a encargos dedutíveis[18] e outros tipos de tributação autónoma; (ii) por outro lado, da matéria de facto provada não resulta que as tributações autónomas em causa nos presentes autos não respeitem a tipos distintos de tributações autónomas, como por exemplo, tributações autónomas relativas a despesas não documentadas, a bónus e outras remunerações variáveis de gestores, administradores ou gerentes, ou a pagamentos a entidades sujeitas a um regime fiscal claramente mais favorável.

            Toda a argumentação apresentada pela Requerente, e pelo essencial da jurisprudência arbitral que a sustenta, relativamente à natureza das tributações autónomas, enquanto tributadoras ainda de rendimento das entidades sujeitas àquela, é insuficiente para a decisão da matéria sub iudice, porquanto, não se demonstra sequer que estejam exclusivamente em causa tributações autónomas onde se reconheçam as características em que aquela argumentação assenta.

            O edifício argumentativo apresentado pela Requerente em abono da sua pretensão, abriga em si, assim, o potencial de acoitar pretensões, em que se vise proceder a deduções nos termos do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC aplicável, a tributações autónomas relativamente às quais não é válida a consideração da natureza das tributações autónomas, enquanto tributadoras ainda de rendimento das entidades sujeitas àquela, como as referidas, relativas a despesas confidenciais, pagamentos a entidades sujeitas a regimes fiscais privilegiados ou relativas a compensações por gestão.

            Ora, este tipo de resultado, não se poderá ter como querido por um legislador razoável, face a toda a sistemática do IRC em sentido amplo, incluindo as tributações autónomas. Efectivamente, não será sustentável que, tendo indo onde, juridicamente, o legislador do CIRC foi, tendo em vista, por exemplo, ao combate à economia paralela ou as transacções com os chamados (incorrectamente[19]) “paraísos fiscais”, fosse sua intenção que a respectiva carga de tributação autónoma, pudesse ser aligeirada por meio das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC.

 

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            Não se quedará por aqui, contudo, a entropia sistemática gerada pela posição que a Requerente pretende fazer valer nos autos.

            Efectivamente, e mesmo restringindo a questão às tributações autónomas sobre encargos dedutíveis em IRC, tal posição redundaria numa directa violação do princípio da igualdade.

            Com efeito, como toda a jurisprudência abundantemente citada pelas partes denota, as tributações autónomas relativas a encargos dedutíveis tem subjacente uma presunção de “empresarialidade parcial” ou não integral, conforme, de resto, foi recentemente reconhecido pelo TCA-Sul, no Acórdão de 03-03-2018, proferido no processo 1294/14.0BELRS. Ou seja, tais despesas conterão, presumivelmente, uma finalidade empresarial, que consente a sua dedução, mas com tal finalidade concorrerão outras, que, se fossem exclusivas, arredariam a sua dedutibilidade[20].

            Tal carácter presuntivo, justificará que quando o contribuinte logre ilidir a referida presunção, as despesas mantenham o seu carácter dedutível, sem sujeição a tributação autónoma[21].

            Ora, neste campo restrito das tributações autónomas sobre despesas dedutíveis, a posição sustentada pela Requerente redundaria numa desigualdade qualificada (na medida em que mais que tratar como igual o desigual, ou o desigual como igual, trataria o desigual como desigual, na medida inversa da desigualdade), já que numa situação em que um contribuinte declarasse encargos dedutíveis que normalmente seriam sujeitos a tributação autónoma, mas que, em concreto, não o fossem por não se verificarem os pressupostos materiais desta (ou seja, por elisão da presunção subjacente), como foi o caso, por exemplo, da situação em causa no processo arbitral 628/2014-T[22], e em que esse mesmo contribuinte apresentasse prejuízo fiscal, não poderia proceder a qualquer dedução, nos termos do artigo 90.º, n.º 2 do CIRC, ao passo  que um outro contribuinte, na mesma situação (prejuízo fiscal), mas que assumisse (implícita ou explicitamente), o carácter parcialmente empresarial do mesmo tipo de encargos, ficando, por isso, onerado com a correspondente tributação autónoma, poderia, na tese subjacente à posição da Requerente, lançar mão das deduções previstas naquele mesmo artigo.

            Ou seja, e em suma: entre dois contribuintes em situação distinta perante o sistema fiscal de IRC, um que incorresse em gastos de índole integralmente empresarial, e outro que incorresse nos mesmos gastos mas para fins (real ou presumidamente) parcialmente estranhos à empresarialidade, o segundo obteria do sistema fiscal, na matéria que nos ocupa, um tratamento mais benévolo, por via de um comportamento menos conforme à teleologia daquele.

Sendo verdade que o princípio da igualdade jurídica e fiscal não é um princípio absoluto, pois admite situações de discrímen, também é verdade que estas situações devem corresponder a discriminações fundadas em valores institucionalizados, genericamente aceites e acolhidos na ordem de valores instituída.

Ora, no caso, em que duas empresas na situação supra descrita se encontram objectivamente em situação diferenciada e que deviam, por isso, merecer um tratamento fiscal diferenciado, no sentido da diferença, ocorre, face à tese subjacente à posição da Requerente, justamente o contrário.

 

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            Dentro dos tópicos decisórios a considerar, e como é amplamente referido pela Requerente, caberá também fazer uma menção à entrada em vigor da nova redacção do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, introduzido pela Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2016 (Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março), que veio dizer que:

A liquidação das tributações autónomas em IRC é efectuada nos termos previstos do artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.

            Esta norma, é objecto do artigo 135.º da referida Lei que aprovou o OE de 2016, que refere que:

A redação dada pela presente lei ao n.º 6 do artigo 51.º, ao n.º 15 do artigo 83.º, ao n.º 1 do artigo 84.º, aos n.ºs 20 e 21 do artigo 88.º e ao n.º 8 do artigo 117.º do Código do IRC tem natureza interpretativa.”.

            Como é consabido, colocou-se a questão sobre se o n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, introduzido pelo OE 2016, tem (como a própria lei o diz), ou não, natureza interpretativa, bem como da constitucionalidade de tal natureza, sendo que tais questões ficaram ultrapassadas pelo Acórdão do Tribunal Constitucional que julgou inconstitucional o referido artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março.

            Não obstante, a alteração legislativa em questão, continua a ter interesse para a matéria ora em causa, já que o legislador em sede de LOE 2016 optou por afastar a aplicação de parte do disposto no artigo 90.º do Código do IRC para a colecta do IRC, à colecta da tributação autónoma em IRC, confirmando que não existe qualquer obstáculo conceptual ou de princípio a que, por via interpretativa, se chegue a esse mesma resultado.

            De resto, do próprio Código do IRC, na redacção vigente à data dos factos tributários, resultava já que o regime desse imposto pressupunha tal diferenciação ao nível do referido artigo 90.º, no sentido de que à colecta de tributações autónomas não era admissível, por princípio, qualquer dedução, resultando tal do disposto do n.º 12 do artigo 88.º, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7/11, que dispõe que:

“Ao montante do imposto determinado, de acordo com o disposto no número anterior, é deduzido o imposto que eventualmente tenha sido retido na fonte, não podendo nesse caso o imposto retido ser deduzido ao abrigo do n.º 2 do artigo 90.º.”.

            A tributação autónoma em questão, salvo melhor opinião, deverá entender-se como sendo devida pela entidade que aufere os lucros, já que caso estivesse em causa a tributação autónoma da entidade que distribui lucros, nunca se colocaria a questão da dedução da retenção na fonte à colecta da tributação autónoma em causa, uma vez que as retenções na fonte a que se reporta o art.º 90.º/2 do CIRC deverão ser consideradas retenções sobre rendimentos auferidos pela entidade devedora de IRC, e não de rendimentos pagos e retenções efectuadas por esta, e, em todo caso, nunca se poria a questão da retenção na fonte sobre os lucros distribuídos ser deduzida à colecta (quer de IRC, quer de tributações autónomas), porquanto tal valor é retido à entidade isenta, não sendo, consequentemente, suportado pela entidade que distribui os lucros e não sendo dessa forma, sempre salvo melhor opinião, a retenção na fonte susceptível de constituir qualquer penalização para a entidade que distribui os lucros.

Tal circunstância de a tributação autónoma ora em apreço se dever considerar devida pela entidade que aufere os lucros, e não pela que os distribui[23], não prejudicará a sua natureza de tributação autónoma, e será a tal colecta de tributação autónoma, liquidada e paga pela entidade isenta que não manteve as participações sociais por um ano, e que auferiu dividendos daquelas, que pode ser deduzida - excepcionalmente - o imposto retido na fonte, sendo, justamente, o sentido da previsão de que, nesse caso, o imposto retido não pode ser deduzido nos termos do artigo 90.º/2, a evidência de que as deduções previstas neste artigo não se aplicam à colecta de tributações autónomas, uma vez que se assim não fosse, a previsão do artigo 88.º/12 seria uma inutilidade num duplo sentido, dado que:

  1. a dedução do imposto retido na fonte à colecta da TA em causa, já decorria do referido art.º 90.º/2, pelo que não faria sentido afirmá-la no art.º 88.º/12;
  2. se o imposto retido na fonte fosse deduzido à colecta de TA, ao abrigo do art.º 90.º/2, nunca poderia ser deduzido duas vezes (pela mesma razão que não pode ser deduzido duas vezes à colecta de IRC), pelo que também a previsão do art.º 88.º/12 de que, deduzindo-se o imposto retido na fonte à colecta de TA não se pode deduzir o mesmo ao abrigo do art.º 90.º/2 seria, também ela, uma inutilidade.

            Assim, a referida norma, ao dispor que ao montante de imposto resultante da tributação autónoma, nas situações previstas no n.º 11, de 25% sobre os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção, pode ser deduzido o imposto que eventualmente tenha sido retido na fonte, terá implícito o entendimento que, por regra, à colecta de tributações autónomas, não eram admissíveis deduções, designadamente as previstas no artigo 90.º/2 do CIRC, que previa já a possibilidade da dedução das retenções na fonte à colecta de IRC a que se referia o n.º 1 da mesma norma.

            Ou seja: se, como defende a Requerente e a jurisprudência em que se sustenta, já resultasse da conjugação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 90.º do CIRC que as retenções na fonte eram dedutíveis à colecta de tributações autónomas, incluindo a prevista no n.º 11, a norma do referido n.º 12 do artigo 88.º, na parte em que permitia justamente tal dedução, era uma norma inútil, nada mais fazendo do que reafirmar, sem qualquer sentido, a regra geral.

            Mais: a norma em questão, do n.º 12 do artigo 88, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7/11, faz questão de afirmar que, caso seja operada a dedução das retenções na fonte ali em causa à tributação autónoma, não poderá “o imposto retido ser deduzido ao abrigo do n.º 2 do artigo 90.º.”, evidenciando, crê-se, de forma suficientemente perceptível, que as deduções possíveis ao abrigo daquele referido artigo 90.º/2 não eram já aplicáveis à colecta resultante das tributações autónomas.

            Efectivamente, a 2.ª parte da norma do n.º 12.º do artigo 88.º em análise visa evitar uma duplicação de dedução das retenções na fonte por ela abrangidas, o que só faz sentido se se perspectivar, como se verá infra, que da aplicação da norma do artigo 90.º/1 do CIRC não resulta – ao contrário do que sustenta a Requerente – uma colecta monolítica de IRC, mas que a referida cisão entre a colecta das tributações autónomas em IRC e a colecta geral do IRC se mantinha naquela norma, e que o artigo 90.º/2 apenas se aplicava a esta última, e não àquela.

            A não ser assim, também esta segunda parte do artigo 88.º/12 do CIRC careceria por completo de sentido, já que se, no âmbito do artigo 90.º/1 do CIRC, a colecta das tributações autónomas em IRC se fundisse numa só colecta de IRC, como pretende a Requerente e defende a jurisprudência em que se louva, seria evidente que nunca poderia haver dupla dedução de retenções na fonte a uma mesma, e única, colecta.

            Ou seja, e em suma, a opção do legislador de em sede de LOE 2016 afastar a aplicação de parte do disposto no artigo 90.º do Código do IRC para a colecta do IRC, à colecta da tributação autónoma em IRC, estava já implícita no Código de tal imposto, ao nível do artigo 88.º/12, do qual resultava já, nos termos expostos que:

  • por norma, a colecta das tributações autónomas não admitia deduções; e
  • o artigo 90.º/2 do CIRC não era aplicável à colecta das tributações autónomas.

 

*

            Sumariando o quanto atrás se veio dizendo, verifica-se, desde logo, que a interpretação sustentada pela Requerente assenta, essencialmente, no teor literal das normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 90.º do CIRC aplicável, não se descortinando nenhum fundamento substancial que justifique a solução em causa, tanto mais que os argumentos em que assenta tal posição restringem-se, essencialmente, às tributações autónomas de encargos dedutíveis e às deduções concretamente em causa (benefício SIFIDE) sendo que, por um lado, nada se prova a respeito de, no caso concreto, estarem em causa apenas tributações autónomas daquele tipo (e não de outros), e, por outro, da interpretação proposta sempre decorreria que todas as deduções previstas no artigo 90.º, n.º 2 do CIRC em causa se fariam a todos os tipos de tributação autónomas, incluindo, por exemplo, as relativas a pagamentos a entidades sujeitas a regimes de tributação claramente mais favoráveis, as relativas a despesas confidenciais ou as compensações a gerentes, e nenhum dos argumentos substanciais em que assenta a posição da Requerente permite justificar que tal aconteça.

            Por outro lado, como se viu, se é certo que o artigo 90.º, n.º 1 do CIRC em questão não distingue entre a liquidação de tributações autónomas e a liquidação de IRC tradicional ou stricto sensu (sobre o lucro tributável), a verdade é que, a montante, o procedimento e a natureza dos dois tipos de imposição tributária é substancialmente distinto, como se viu e conforme a jurisprudência constitucional na matéria dá abundante conta, situação à qual não se poderá, julga-se, deixar de atender na matéria sub iudice.

            Acresce que, como também se viu, a ratificação da interpretação que sustenta o petitório da Requerente, seria, a jusante, geradora de assinalável turbulência no edifício normativo do IRC, designadamente no que diz respeito aos regimes do pagamento especial por conta, e das sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal.

            Acresce ainda que, como se analisou também, a atinência à literalidade dos preceitos do artigo 90.º, n.º 1 e 2, propugnada pela Requerente, redundaria – crê-se – num atropelo ao princípio da igualdade tributária, para além do mais, constitucionalmente imposto.

            Por fim, e como se acabou atrás de ver, ao nível do artigo 88.º/12 do CIRC aplicável, resultava já, nos termos expostos, que:

  • por norma, a colecta das tributações autónomas não admitia deduções; e
  • o artigo 90.º/2 do CIRC não era aplicável à colecta das tributações autónomas.

            Por tudo isto, julga-se que na estrita conjugação do texto das duas normas, o legislador disse mais do que aquilo que queria, situação que, de resto, resultou não de descuido coevo da redacção de tais normas, mas, antes, da evolução histórica do regime normativo do IRC e, concretamente, da paulatina introdução naquele do regime relativo às tributações autónomas, sem que o mesmo se reflectisse, coerentemente, no teor do artigo 90.º, n.º 2 do mesmo Código.

            Este desacerto, aliás, é patente na norma do n.º 21.º do artigo 88.º do CIRC, introduzido pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que dispondo que não são “efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado” de tributações autónomas, não ressalva o n.º 12 do mesmo artigo que prevê, precisamente, a possibilidade de deduções à tributação autónoma a que se refere.

            Estamos, assim, perante uma situação descrita pelo Ilustre Mestre Prof. Doutor Baptista Machado, em que: “Por vezes, embora raramente, será preciso ir mais além e sacrificar, em obediência ainda ao pensamento legislativo, parte de uma fórmula normativa, ou até a totalidade da norma. Trata-se de fórmulas legislativas abortadas ou de verdadeiros lapsos. Quando a fórmula normativa é tão mal inspirada que nem sequer alude com clareza mínima às hipóteses que pretende abranger e, tomada à letra, abrange outras que decididamente não estão no espírito da lei, poderá falar-se de interpretação correctiva. O intérprete recorrerá a tal forma de interpretação, é claro, apenas quando só por essa via seja possível alcançar o fim visado pelo legislador.[24].

            Com efeito, a fórmula normativa do artigo 90.º, n.º 2 do CIRC aplicável, tomada à letra, como faz a Requerente, abrange hipóteses, como se viu, que decididamente não estão no espírito da lei nem são conformes às especificidades e natureza próprias das diversas tributações autónomas. No caso, como se referiu já, não por má inspiração da própria norma, mas das sucessivas reformas que historicamente foram introduzindo as tributações autónomas em IRC, sem que as mesmas se reflectissem, correspondentemente, na redacção do artigo 90.º, n.º 2 de tal Código.

            Por outro lado, sistematicamente encarada, tal fórmula, reduzida à sua literalidade, é geradora de graves e inultrapassáveis incoerências, como se viu, para além de, como também se viu, o CIRC aplicável ter já, na norma do n.º 12 do artigo 88.º, evidências literais de que a norma do artigo 90.º/2 do mesmo Código não seria, por regra, aplicável à colecta de tributações autónomas, realizada no n.º 1 do artigo.

            Deste modo, tendo em conta a compreensão racional, histórica e sistemática da norma em questão, torna-se forçoso interpretar correctivamente a norma do artigo 90.º, n.º 2 do CIRC aplicável, de modo a restringir a remissão que faz para o n.º 1 da mesma norma, na referência que faz “Ao montante apurado nos termos do número anterior”, limitando-a ao montante da colecta de IRC calculada mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código, e já não aos montantes apurados a título de tributações autónomas, assim se devolvendo à norma o seu sentido original, que era o que correspondia à sua redacção textual antes da introdução das tributações autónomas no CIRC.

            Admite-se, que se possa questionar a bondade da opção legislativa referida, implícita até à introdução do n.º 21.º do artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, e a partir daí explícita, no que diz respeito à inadmissibilidade de outros tipos de dedução, para além da prevista no n.º 12.º do mesmo artigo 88.º, à colecta de outros tipos de tributação autónoma. Não obstante, julga-se que tal opção, agora expressa no referido artigo 88.º/21 do CIRC, se contém ainda dentro do espaço de discricionariedade legislativa, não ofendendo o conteúdo fundamental de qualquer preceito constitucional ao caso convocável.

            Face ao exposto, e julgando-se que, face ao direito aplicável ao facto tributário em questão na presente acção arbitral, não era admissível a dedução nos termos do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC à colecta de tributações autónomas efectuada nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, deverá o pedido arbitral improceder.

 

*

            Note-se, a terminar, que a fundamentação da presente decisão, e a base da defesa da AT em sede arbitral, não coincidem integralmente com a fundamentação do acto de decisão da reclamação graciosa apresentada pela Requerente.

            Tal não é, ressalvado o respeito devido a outras opiniões, no caso, motivo para anulação de tal acto.

            Com efeito, e desde logo, tem-se pacificamente entendido, também, que:

Em matéria de direito, o tribunal não está sujeito à alegação das partes, nem sequer no que respeita à qualificação jurídica dos factos por elas efectuada, e goza de liberdade na indagação, interpretação e aplicação do Direito (art. 664.º do CPC).[25].

            Por outro lado, e como também tem sido jurisprudência:

Apesar das implicações que a declaração de fundamentação possa eventualmente ter na substância da decisão, há que distinguir a vertente formal, aquela que interessa no cumprimento do imperativo da fundamentação, da vertente material, que na estrutura do acto respeita sobretudo à existência dos pressupostos reais que suportam a decisão de fundo.

            Ou seja, a fundamentação formal, impressa no cumprimento do imperativo de fundamentação, pode estar certa ou errada, contendendo apenas com a validade do acto se, e na medida, em que cristaliza os pressupostos de facto e de direito daquele e estes sejam desconformes à lei, consubstanciando-se num erro de facto e/ou de direito.

            Acresce que o artigo 2.º do RJAT, toma como referente da competência dos tribunais arbitrais, os actos primários (“actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”), sendo os actos secundários unicamente relevantes como referentes da tempestividade da pretensão impugnatória, como resulta do artigo 10.º, n.º  1, al. a) daquele Regime, onde se impõe que os pedidos de constituição de tribunal arbitral sejam apresentados no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.º 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

            Daí que, em primeira linha, se esteja no presente processo a sindicar a legalidade do acto de autoliquidação de IRC da Requerente (objecto directo da competência dos tribunais arbitrais), sendo a legalidade do acto secundário de reclamação graciosa – cuja função principal é garantir a tempestividade da Requerente para a impugnação arbitral do acto primário – meramente reflexa ou derivada da legalidade daquele.

Assim, a eventual anulação do acto de decisão da reclamação graciosa, por fundamentação errada, quando – como é o caso – se conclui pela não verificação das ilegalidades arguidas ao acto primário, sempre redundaria num acto inútil, e como tal proibido, já que, vinculada pelo caso julgado, a Autoridade Tributária não mais faria no novo acto que obrigatoriamente, confirmar o decidido em sede jurisdicional, o que de resto tem reflexo no regime do n.º 6 do artigo 163.º do novo CPA, que se tem por aplicável nesse caso.

 

***

            A Requerente formula ainda o pedido subsidiário para o caso de se entender que a liquidação das tributações autónomas não é efectuada ao abrigo do artigo 90.º/1 do CIRC aplicável, pedindo que seja declarada a ilegalidade da liquidação das tributações autónomas (e seja consequentemente anulada) por ausência de base legal para a sua efectivação, com o consequente reembolso do montante de €621.061,76, e o pagamento de juros indemnizatórios.

            Como atrás se viu, julga-se que a liquidação das tributações autónomas foi, como continua a ser, efectuada ao abrigo do artigo 90.º/1 do CIRC aplicável, pelo que deverá igualmente improceder o pedido subsidiário.

 

***

 

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar improcedentes os pedidos arbitrais formulados e, em consequência, manter os actos tributários objecto da presente acção arbitral.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 621.061,76, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de Setembro de 2018

 

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(João Taborda da Gama –

Vencido. Teria julgado procedentes os pedidos, nos termos, nomeadamente, da decisão no Processo n.º 428/2017-T, que subscrevi, e para cuja fundamentação remeto)

 

 

O Árbitro Vogal

 

(Carla Castelo Trindade – com Declaração de Voto junta)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

Acompanho a orientação que fez vencimento quanto ao seu resultado concordando, portanto com a total improcedência do pedido arbitral.

Porém, pese embora subscreva o fim não concordo com a argumentação acima deduzida pelo Senhor Árbitro relator, na medida em que, a sustentação teórica subjacente à negação do pedido do Requerente andará, salvo o devido respeito, e que é muito, pelas razões que de forma resumida, passo a reiterar.

*

Comece-se pela tese sustentada pela Requerente que redunda na atribuição às normas do SIFIDE e do RFAI ou, arrisca-se, a quaisquer outras normas de benefício fiscal que funcionem através de dedução à colecta, de um alcance que não é compatível com a sua natureza excepcional. Dizemos isto porque como se verá entendo que as normas que disciplinam benefícios como o SIFIDE e o RFAI possuem natureza excepcional e só podem reconhecer-se como válidas quando a derrogação que tragam ao princípio da igualdade seja necessária, adequada e proporcionada ao fim extrafiscal que lhes está subjacente. Como se tentará demonstrar, uma leitura como a que resulta da orientação defendida pela Requerente poderá redundar, no limite, na inconstitucionalidade dos próprios regimes de benefícios fiscais SIFIDE e do RFAI. Isto porque da tese defendida pela Requerente decorre então que a finalidade destes benefícios fiscais é de tal modo intensa que justifica o afastamento das finalidades das tributações autónomas, o que é perturbante designadamente quando pensamos em casos em que a finalidade da tributação autónoma é a prevenção da fraude e evasões fiscais. Porém não é seguramente esta a intenção do legislador quando cria (ou criou) benefícios fiscais. Pelo contrário: a utilização de benefícios fiscais deve trazer consigo uma responsabilização reforçada dos contribuintes que os gozam.

Com o vencimento de uma tese como a sufragada pela Requerente a comunidade perderia duplamente: pela despesa fiscal incorrida com os benefícios fiscais e com a receita que se perde em práticas evasivas.

A leitura que faz a Requerente parece-nos insustentável por isso no plano constitucional, onde talvez mereça ser dilucidada.

A leitura que faz a Requerente parece-nos ainda insustentável no plano constitucional quando ao permitir deduções às tributações autónomas se está a violar o princípio da igualdade tributária. De facto, admitem-se deduções gerais à colecta do imposto (IRC), permitidas por lei por força (e imposição) do princípio da tributação do rendimento real e efectivo enquanto elemento revelador da capacidade contributiva.

Segundo tenho vindo a entender a dedução à colecta é uma realidade do IRC (e do IRS) enquanto imposto legitimado pelo princípio da capacidade contributiva. Ora o mesmo não acontece em relação à colecta devida por tributações autónomas. Nas tributações autónomas admitir-se uma dedução à sua colecta contrariaria o princípio da igualdade tributária, essa dedução geral deixa mesmo de fazer sentido porque, não tributando os rendimentos mas despesas e se se quiser comportamentos, não se coloca, quanto a estes, qualquer questão de justiça na repartição do encargo geral do imposto a que apela o n.º 1 do artigo 103.º da CRP. Não são estas as preocupações e os elementos enformadores do imposto. Muito pelo contrário. Seria mesmo ilógico permitir a dedução de encargos às tributações autónomas quando tal dedução, na prática, destruiria o sentido anti abusivo que as caracteriza e que se resume ao desincentivo de comportamentos desviantes que a sua instituição reprime ou dirime.

Compreenda-se que a razão desta declaração de voto prende-se com o facto de considerar, de modo diferente do que é defendido pelo Senhor Relator, que as tributações autónomas são autónomas porque o legislador entendeu que os objectivos que lhes estão subjacentes só podiam ser concretizados através da criação de agravamentos fiscais sobre as empresas que ficassem imunes às contingências da liquidação do IRC. Que ficassem imunes às contingências necessárias ao cumprimento do princípio da tributação pelo lucro real que caracteriza o IRC.

Esses objectivos da tributação autónoma são, como se demonstrará, essencialmente de duas ordens: por um lado, o combate à evasão e fraude fiscal, interna ou internacional; por outro lado, o desincentivo de certos comportamentos por razões de ordem social, como o ambiente. Num e noutro casos, a tributação autónoma e a protecção destes bens jurídicos concretiza-se por um agravamento fiscal. Não se acompanha portanto uma orientação que aponte para que o grande objectivo da tributação autónoma seja a obtenção de receita fiscal. A obtenção de receita fiscal há-de ser o resultado de qualquer intenção de sujeição de uma determinada realidade a tributos, não o objectivo ou o fundamento.

Em substância, nas tributações autónomas, está-se perante um mecanismo de estímulos negativos, que pretende alterar o comportamento das empresas com vista à tutela de interesses e valores com dignidade constitucional. Não se pode conceber que sobre estes se façam prevalecer sem reserva os interesses e valores que estão por trás de normas de benefícios fiscais como SIFIDE ou o RFAI, que não possuem com certeza dignidade maior.

Como se verá, não se acompanha a tese defendida pela Requerente também e desde logo porque esta conclusão resulta de uma interpretação jurídica que não leva em linha de conta os elementos teleológico e racional das figuras da tributação autónoma e do IRC ao admitir que decorre do artigo 4.º, n.º1 do respectivo diploma do SIFIDE e RFAI, conjugado com o artigo 90.° do Código do IRC, que o cálculo das tributações autónomas se efectua nos termos do artigo 90.º do Código do IRC e portanto podem ser deduzidos benefícios fiscais ao montante a pagar de tributações autónomas.

Para compreendermos o que se diz e, consequentemente, o porquê da não subscrição da douta argumentação pese embora a negação do pedido da Requerente, começar-se-á então por explicar de forma resumida a distinção estrutural e dogmática entre as figuras do IRC e da tributação autónoma. Tudo para depois concluir que no cálculo das tributações autónomas não cabem quaisquer deduções sendo a liquidação das tributações autónomas efectuada nos termos do artigo 88.º e 89.º do Código do IRC recorrendo-se unicamente ao n.º 1 do artigo 90.º do Código para efeitos de procedimento da liquidação. Nunca ao n.º 2 e seguintes do artigo 90.º do Código porquanto estes encerram instrumentos aplicáveis unicamente ao IRC. E é aqui que a nossa argumentação em muito diverge na argumentação do Relator do presente Acórdão.

Depois avançar-se-á para a análise de regime do SIFIDE e RFAI para concluir então o que acima se deixou dito. Que regimes de apoio ao investimento que são concretizados em deduções à colecta do IRC se reportam à colecta de IRC stricto sensu para cujo apuramento não concorrem as tributações autónomas. Não concorrem nem poderiam concorrer porque o regime premeia e quer premiar a rendibilidade do investimento. Quanto mais lucro tiver a empresa mais esta pode deduzir ao seu lucro as despesas com investimento. Não premeia nem quer premiar empresas que não tendo lucro e tendo tributações autónomas, por exemplo, decorrentes de despesas com representação, possam deduzir a este valor as despesas com investimento. Ora é também o próprio fundamento do regime do SIFIDE e RFAI que nega a possibilidade de deduções das despesas com investimento aos montantes da tributação autónoma. É que admitir-se isto, como decorre da posição defendida pela Requerente, estar-se-á a admitir que a finalidade destes benefícios fiscais é de tal modo intensa que justifica o afastamento das finalidades das tributações autónomas e uma leitura como esta poderá rendundar, no limite, na inconstitucionalidade dos próprios regimes de benefícios fiscais SIFIDE e do RFAI. Admitir-se isto está ainda a subverter-se todo o mecanismo de funcionamento dos dois impostos – IRC e tributações autónomas – trazendo a um imposto que se quer penalizador por imposição do princípio da igualdade tributária (tributações autónomas) instrumentos como as deduções à colecta característicos do IRC por imposição do princípio da tributação pelo lucro real.

Posto isto olhemos então a cada questão em concreto.

Tudo começa pela divergência (fundamental) relativa à natureza das tributações autónomas.

Aqui - e ao contrário daquela que parece ser a posição sufragada pela decisão sub judice -, acompanha-se a posição uniforme e reiterada quer da jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo quer da Doutrina.

As tributações autónomas são um imposto sobre a despesa diferente e distinto do IRC que, indiscutivelmente, é um imposto sobre o rendimento. Isto sem se discutir se as tributações autónomas têm ou não natureza – semelhanças – com o IRC. É que independentemente das possíveis semelhanças não há dúvida que são impostos diferentes.

Esta jurisprudência foi iniciada há já 7 anos no tribunal constitucional com o voto de vencido do Exmo. Conselheiro Vítor Gomes, aposto no Acórdão n.º 204/2010. Em Acórdão n.º 310/12, de 20 de Junho, o Tribunal Constitucional reformulou a doutrina do Acórdão n.º 18/11 aproximando-se do então voto de vencido do Conselheiro Vítor Gomes.

Esta jurisprudência foi mais tarde reafirmada pelo Plenário, no Acórdão n.º 617/2012, processo n.º 150/12, de 31/1/2013 e, recentemente, no Acórdão n.º 197/2016, proferido no âmbito do processo n.º 465/2015.

No mesmo sentido tem andado o Supremo Tribunal Administrativo como se confirmará, entre outros, no Acórdão de 21/3/2012, processo 830/11, de 21/3/2012.

A doutrina também acompanha esta posição.

De Sérgio Vasques, em nota de rodapé 60, página 342, do seu Manual de Direito Fiscal Almedina, 2015, a Rui Morais nos Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pp. 202-203, passando pelo Professor Casalta Nabais no seu Direito Fiscal, 8.ª ed., Almedina, Coimbra, 2015, p. 542 e pela Professora Ana Paula Dourado nas Direito Fiscal, Lições, 2015, pp. 237 ss. Todos reiteram a posição já sufragada pelos tribunais portugueses. A tributação autónoma e o IRC são impostos diferentes.

Esta tese foi transposta para a lei, de forma inequívoca, pelo próprio legislador quando na redacção introduzida ao artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a), do Código do IRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, se passa a dizer que “não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável» «o IRC, incluindo as tributações autónomas”. Que sentido faria deixar claro na lei que a tributação autónoma e o IRC não são dedutíveis ao lucro tributável se as tributações autónomas fizessem parte do IRC? Se assim fosse os Acordos para Evitar a Dupla Tributação teriam as tributações autónomas incluídas onde se refere o IRC o que, como se sabe, não sucede. Essa é de resto a razão pela qual Portugal tem vindo a incluir as tributações autónomas na lista de impostos abrangidos. Assim, em face do exposto pode desde já concluir-se, de forma singela, que se o legislador fiscal entendesse que o IRC incluía as tributações autónomas não teria tido necessidade de distinguir as duas realidades, pois esse IRC já incluiria necessariamente as tributações autónomas.

E não é pelo facto de a tributação autónoma estar inserida no Código do IRC que as duas realidades se devem confundir.

Recorde-se que a tributação autónoma foi introduzida pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, não tendo sido imediatamente inserida no Código IRC. O legislador só 10 anos depois do surgimento da tributação autónoma decidiu introduzi-la no Código IRC através da Lei n.º 30-G/2000 de 29 de Dezembro. O que o legislador procurou com esta sistemática foi um efeito anestesiador, já que, não obstante as tributações autónomas serem liquidadas independentemente do IRC, são autoliquidadas juntamente com a declaração do IRC, através do modelo 22. Quanto a esta questão o Tribunal Constitucional considerou, nos Acórdãos n.ºs 18/2009 e 85/2010, que a tributação autónoma poderia estar inserida em qualquer outro código ou diploma autónomo.

E as realidades são diferentes desde logo porque os objectivos são diferentes.

No IRC visa-se a tributação do rendimento sob o escrutínio da capacidade contributiva.

Já a tributação autónoma teve, pelo menos originariamente, dois objectivos bem diferentes sempre sob a legitimação do princípio da igualdade tributária.

O primeiro o de tributar na esfera das empresas o que não se consegue tributar em sede de IRS e o segundo o de desincentivar a realização de certas despesas ou de certos comportamentos. A este propósito o professor Saldanha Sanches chegou mesmo a afirmar que “Neste tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal que se encontra na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial” acrescentando ainda que na “«(...) designação de “tributações autónomas", escondem-se realidades muito diversas (...)»” (Manual de Direito Fiscal, 3.“ edição (2007), Coimbra Editora, pág. 406/7). O Professor Guilherme de Oliveira Martins afirma que as tributações autónomas “(…) cumprem, no essencial, duas funções: por um lado, evitar a erosão da base tributável em sede de IRC, fazendo incidir tributação sobre encargos que podem ser deduzidos pelos sujeitos passivos de IRC, mas que, sendo-o, se transformam num agravamento da tributação, pretendendo, portanto, servir como desincentivo à despesa com tais encargos; outros tipos de tributações autónomas visam, pura e simplesmente, penalizar comportamentos presuntivamente evasivos ou fraudulentos dos sujeitos passivos, consubstanciando um mecanismo antiabusivo.”.

A tributação autónoma visa então tributar uma vantagem patrimonial obtida, via de regra, através da realização de uma despesa e que se traduz, consequentemente, na diminuição do lucro tributável. O IRC visa por seu turno tributar o rendimento real do sujeito passivo atendendo à sua capacidade contributiva.

Aqui e em jeito de conclusão há que lembrar que é unanimemente aceite quer pela jurisprudência quer pela doutrina que as taxas autónomas de IRC (e IRS) são um tributo de obrigação única distinto dos próprios IRC e IRS, impostos de formação sucessiva. Há também que relembrar que a autonomia das taxas autónomas resulta de possuírem um facto gerador radicalmente distinto do IRS/IRC, de obedecerem a regras de liquidação próprias e de servirem finalidades muito específicas.

Com efeito, as finalidades das tributações autónomas são hoje variadas mas, no que têm de mais importante, insista-se, elas servem para garantir a igualdade tributária garantindo a sujeição a imposto de valores que, sendo despesa na esfera das empresas, prefiguram rendimento na esfera de terceiros e prevenindo o planeamento abusivo pelo recurso a paraísos fiscais. Estes objectivos são de superlativa importância para garantir a justa distribuição dos rendimentos e da riqueza a que apela o artigo 103.º, n.º 1, CRP.

Em face do exposto relembra-se o que deixou acima dito: se há razões que justificam a admissão de deduções gerais à colecta do imposto (IRC), permitidas por lei por força do princípio da tributação do rendimento real e efectivo enquanto elemento revelador da capacidade contributiva, o mesmo não acontece em relação à colecta devida por tributações autónomas. A dedução à colecta é uma realidade do IRC (e do IRS) enquanto imposto legitimado pelo princípio da capacidade contributiva. Nas tributações autónomas, não são estas as preocupações e os elementos enformadores do imposto. Seria mesmo ilógico e, arrisca-se, contrário ao princípio da igualdade tributária, permitir a dedução de encargos quando tal dedução, na prática, destruiria o sentido anti abusivo que as caracteriza e que se resume ao desincentivo de comportamentos desviantes que a sua instituição reprime ou dirime.

Em suma, as tributações autónomas, que incidem sobre certas despesas, funcionam de modo diferente do que constitui o escopo essencial do IRC, que tributa rendimentos, e, não obstante a inserção sistemática e a ligação funcional ao IRC, a verdade é que são cobradas no âmbito do processo de liquidação deste imposto sem, no entanto, se descaracterizarem e perderem sua raiz dogmática próprias.

Visitado o substracto teórico olhemos agora à lei.

Nada se diz na lei se o que está no artigo 90.º do Código do IRC, sob a epígrafe “Procedimento e Forma de liquidação” se aplica às duas realidades – IRC e tributação autónoma – ou a uma só e a qual. Porém, em nosso entender, e como tentaremos demonstrar, duma interpretação teleológica e sistemática da lei resulta claro que o n.º 1 do artigo 90.º - que encerra o procedimento de liquidação – se aplica quer ao IRC quer às tributações autónomas. Já o n.º 2 do mesmo artigo – que encerra a forma de liquidação – reporta-se aos casos da matéria colectável referida no artigo 15.º do CIRC, ou seja, ao IRC.

Para melhor compreender esta conclusão será necessário perceber que foi estabelecido no então n.° 6 do artigo 109.° do Código do IRC, actual artigo 117.°, que a obrigação de apresentar a declaração periódica de rendimentos abrange as entidades isentas de IRC, quando estejam sujeitas a tributação autónoma. E para determinados efeitos – designadamente para efeitos das deduções previstas no n.° 2 do artigo 90.° do Código do IRC ou do cálculo dos pagamentos por conta ou ainda do Resultado da Liquidação (artigo 92.°) - ficou, então, ao cuidado do intérprete e do aplicador da lei a tarefa de identificar a parte relevante de colecta do IRC. Isto extraindo dos normativos aplicáveis um sentido útil, literalmente possível, que permita uma solução coerente e conforme com a natureza e funções atribuídas a cada componente do imposto. Pois bem, é aqui que há que ter cautela.

Quando se trata das deduções previstas no n.° 2 do artigo 90.° do Código IRC, parece defender a Requerente que a expressão “montante apurado nos termos do número anterior” deva ser entendida como abrangendo o somatório do montante do IRC, apurado sobre a matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III e às taxas previstas no artigo 87.° do mesmo Código, e o montante das tributações autónomas, calculado com base nas regras previstas no artigo 88.°. Ora, o resultado desta interpretação implicaria desde logo e de uma forma muito singela que na base de cálculo dos pagamentos por conta definida no n.° 1 do artigo 105.º do Código do IRC, e em termos idênticos aos utilizados no n.° 2 do artigo 90.°, fossem incluídas as tributações autónomas. Com efeito, para a base de cálculo dos pagamentos por conta apenas é considerado o IRC apurado com base na matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III e as taxas do artigo 87.° do respectivo Código. E aqui não há qualquer diferendo nem na Doutrina nem na jurisprudência. Pois que, é de salientar que a coerência e adequação deste entendimento alicerça-se na própria natureza dos pagamentos por conta do imposto devido a final, os quais, de acordo com a definição do artigo 33.° da LGT são “as entregas pecuniárias antecipadas que sejam efectuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário”, constituindo uma “(...) forma de aproximação do momento da cobrança ao do da percepção do rendimento de modo a colmatar as situações em que essa aproximação não pode efectivar-se através das retenções na fonte”. Portanto, só faz sentido concluir que a respectiva base de cálculo corresponda ao montante da colecta do IRC resultante da matéria colectável que se identifica com o lucro/rendimento do exercício do sujeito passivo.

Aqui acompanha-se o que defende a Requerida insistindo-se de que a única (e consistente) interpretação da expressão “montante apurado nos termos do número anterior” com a natureza das deduções referidas nas alíneas nas alíneas do n.° 2 do artigo 90.° do Código do IRC, relativas a:

  • créditos de imposto por dupla tributação internacional jurídica e económica (actuais alíneas a) e b));
  • benefícios fiscais (actual alínea c));
  • pagamento especial por conta (actual alínea d));
  • e retenções na fonte (actual alínea e)).

Na realidade, faz-se notar que o traço comum a todas as realidades reflectidas nas deduções referidas no n.° 2 do artigo 90.° do Código do IRC reside no facto de respeitarem a rendimentos ou gastos incorporados na matéria colectável determinada com base no lucro do sujeito passivo ou pagamentos antecipados do imposto, sendo, por isso, inteiramente alheios às realidades que integram os factos geradores das tributações autónomas.

E diz-se assim porque para mim é claro que a liquidação a que o legislador se quis reportar no n.º 2 é à matéria colectável referida no artigo 15.º do Código do IRC. Ou dito de outro modo, o “pecado original”, nunca bem resolvido é verdade, está no facto de (ter de) se entender, interpretando teleológica e sistematicamente a lei, que o n.º 1 do artigo 90.º se aplica às tributações autónomas, situação que se mantém mesmo com a mais recente alteração que veio apenas estabelecer que não existirá qualquer dedução ao montante da liquidação que resultar das tributações autónomas. A solução mais adequada teria sido ab initio o legislador ter afastado a aplicação do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, aos casos da tributação autónoma, mas como tal não sucedeu acabou por ir fazendo remendos cabendo ao interprete chegar à solução mais adequada através de uma interpretação teleológica e sistemática como a que se deixou atrás.

Assim, no cálculo das tributações autónomas não cabem quaisquer deduções sendo a liquidação das tributações autónomas efectuadas nos termos do artigo 88.º e 89.º do Código do IRC e do n.º 1 do artigo 90.º do Código. Nunca nos termos do n.º 2. O disposto no n.º 2 do artigo 90.º aplica-se ao único imposto cujo funcionamento e substrato teórico-constitucional permite a sua aplicação – IRC. O procedimento de liquidação previsto no n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC se aplica também às tributações autónomas. Porém dizer isto não significa aceitar que o mesmo se aplica ao n.º 2 do mesmo artigo. Não. Este preceito aplica-se unicamente ao IRC.

Posto isto há agora que olhar aos regimes do SIFIDE e RFAI para concluir então o que acima se deixou dito, isto é, que os regimes de apoio ao investimento que são concretizados em deduções à colecta do IRC se reportam à colecta de IRC stricto sensu para cujo apuramento não concorrem as tributações autónomas. Não concorrem nem poderiam concorrer porque ainda que o artigo 4.º, n.º 1 do respectivo diploma, remeta para o montante de imposto apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC está a referir-se aos montantes apurados nos termos do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC. E nestes temos, como sabemos os casos da matéria colectável referida no artigo 15.º do mesmo Código, i.e. IRC.

Para reforçar esta posição há que olhar ao Relatório do Grupo de Trabalho constituído pelo Despacho n.° 130/97-XIII do Ministério das Finanças onde se pode ler que o crédito de imposto ou dedução à colecta configura uma das modalidades, de entre as previstas no n.° 2 do artigo 2.° do EBF, que têm sido adoptadas sobretudo nas medidas de incentivos fiscais ao investimento. E são fundamentalmente duas as razões: uma, ligada à operacionalidade do benefício pela transparência e simplicidade do cálculo da despesa fiscal associada que, como é sabido, representa a receita fiscal (do IRC) cessante; e outra, que se prende com a filosofia subjacente aos benefícios, ou seja, a sua indexação à rendibilidade do investimento segundo a qual “a dedução de uma certa percentagem de um investimento à colecta de um imposto sobre lucros só se efectiva se houver lucro, o que premeia a rendibilidade do investimento” (Reavaliação dos Benefícios Fiscais in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.° 180, 1998, pp. 46-47).

Ora em face de tudo o que se deixou dito, e ao contrário do defendido pela Requerente, não subsiste, assim, qualquer erro conceptual nem tão pouco qualquer contradição entre o acabado de expor e o facto de os regimes do SIFIDE e do RFAI estabelecerem que os mesmos são concretizados em deduções à colecta do IRC do montante apurado nos termos do artigo 90.º. É que apesar do artigo do SIFIDE se referir ao artigo 90.º como um todo refere-se ao montante apurado nos termos do n.º 2 do artigo 90.º, e este só se aplica, como já se sabe, ao IRC.

A dedução relativa a benefícios fiscais (alínea b) do n.° 2 do artigo 90.°), quando se trata de benefícios ao investimento - como é o caso do SIFIDE -, tem subjacente a filosofia de que o benefício constitui um prémio cuja amplitude varia com rendibilidade dos investimentos, pois quanto mais elevado foi o lucro/matéria colectável do IRC maior será a capacidade para efectuar a dedução. E é esta a lógica do benefício fiscal do SIFIDE que justifica e legitima a derrogação ao princípio da igualdade tributária.

O SIFIDE II permite às empresas a obtenção de um benefício fiscal, em sede de IRC, proporcional à despesa de investimento em investigação e desenvolvimento (ao nível dos processos, produtos e organizacional) que consigam evidenciar, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido (Cfr Lei n.° 55- A/2010 de 31 de Dezembro, Decreto-Lei n.° 82/2013 de 17 de Junho e Lei n.° 83-C/2013 de 31 de Dezembro). Concretamente, o benefício a obter com o SIFIDE II traduz-se na possibilidade de deduzir à colecta de IRC apurada no exercício, um montante de crédito fiscal que resulta do somatório das seguintes parcelas: Taxa base: 32,5% das despesas realizadas no exercício; Taxa incremental: 50% do acréscimo das despesas realizadas no exercício face à média aritmética simples das despesas realizadas nos dois exercícios anteriores, até ao limite de € 1.500.000. Ou seja e em síntese: os valores que traduzam o benefício fiscal em sede de SIFIDE são deduzidos “aos montantes apurados nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência” e na liquidação respeitante ao período de tributação em que se realizem as despesas para o efeito elegíveis e que, na falta ou insuficiência de colecta apurada nesses termos, as despesas que não possam ser deduzidas no exercício em que forem realizadas “poderão ser deduzidas até ao 6.° exercício imediato”.

Ou seja, o legislador do regime do SIFIDE, ao fazer essa referência expressa ao montante apurado nos termos do artigo 90.° do Código do IRC, está a reportar-se à colecta de IRC propriamente dita para cujo apuramento não concorrem as tributações autónomas precisamente porque não entram no apuramento nem do lucro tributável, nem da matéria colectável, e, como consequência, não concorrem para o IRC liquidado.

Assim, não subsiste qualquer erro conceptual nem tão pouco qualquer contradição entre o acabado de expor e o facto de os regimes do SIFIDE e do RFAI estabelecerem que os mesmos são concretizados em deduções à colecta dos montantes apurados nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, i.e. do IRC. É porque em meu entender quer as tributações autónomas quer o IRC são liquidados nos termos do n.° 1 do artigo 90.° do Código do IRC. Porém das duas realidades a única que é passível de dedução à colecta – isto é de concretização do benefício é, quer por razões literais (porque o n.º 2 do artigo 90.º se aplica unicamente ao IRC) quer por razões materiais (o benefício só se efectiva se houver lucro de modo a premiar a rendibilidade do investimento), é a colecta do IRC que como vimos é diferente e distinta da tributação autónoma. O resultado das tributações autónomas, apurado de forma autónoma/independente/separada não concorre para a colecta do IRC, pelo contrário, há-de acrescer ao IRC liquidado para efeitos de apuramento do valor a pagar ou a recuperar, o que consubstancia um resultado bem diferente. Note-se a este propósito que são desde logo devidas tributações autónomas (agravadas) no caso de sujeitos passivos que apresentem prejuízos fiscais.

Em face de tudo o exposto, e atenta em especial a natureza e a razão de ser das tributações autónomas, não é possível admitir a dedução de benefícios fiscais à colecta de tributação autónoma, sob pena de violação do princípio da igualdade tributária.

Admitir esta possibilidade leva a que um sujeito passivo pudesse efectuar a dedução a título de SIFIDE ou outros benefícios fiscais como RFAI ao montante de tributações autónomas incidentes sobre despesas não documentadas subvertendo por completo a função dessas tributações na prevenção ou evitação de comportamentos fiscal e socialmente indesejados.

Com efeito, tendo o regime das tributações autónomas maxime uma função desincentivadora de comportamentos abusivos, não se vê por que motivo lógico esse desincentivo poderia, depois, desvanecer-se em prol de um benefício fiscal. Não se vê como é que comportamentos como os de relações com paraísos fiscais possam ser desconsiderados e aproveitados em função de benefícios fiscais ao investimento o que sucederá ao possibilitar-se a dedução à colecta das tributações autónomas incentivos fiscais como aponta a presente decisão: Este resultado é no mínimo paradoxal.

É que aqui, há ainda que relembrar que os benefícios fiscais são normas absolutamente excepcionais no sistema fiscal, na medida em que encerram uma derrogação ao princípio da igualdade tributária, resultante do artigo 13.º CRP. Só podem sobreviver portanto a um juízo de inconstitucionalidade se a derrogação que trazem ao princípio da igualdade se mostrar necessária, adequada e proporcionada à tutela dos fins extrafiscais em jogo. Assim, para que se admita a dedução à colecta do IRC de créditos gerados por benefícios fiscais SIFIDE é necessário que se lhes reconheça intensidade suficiente para derrogar a igualdade que deve valer na tributação das empresas. Este exercício já de si não é fácil nem pode ser tomado com ligeireza, visto que a igualdade é o mais importante princípio material da Constituição Fiscal. Ora, se se admitir, porém, que benefícios fiscais como os do SIFIDE podem ser deduzidos não apenas à colecta do IRC mas também às taxas de tributação autónoma este controlo de proporcionalidade toma contornos muito diferentes. Com efeito, admitir que os contribuintes de IRC possam neutralizar as taxas de tributação autónoma de que são devedores mobilizando benefícios fiscais como o SIFIDE redundaria em reconhecer que a promoção do investimento em ciência por parte das empresas deveria prevalecer sobre o princípio da igualdade tributária mesmo quando estão em causa pagamentos e operações que indiciam as mais graves práticas de planeamento abusivo e evasão fiscal. A interpretação da lei que se sustenta a Requerente degrada o princípio da igualdade tributária num princípio menor do sistema e permite que empresas que realizam despesas confidenciais, práticas remuneratórias evasivas ou operações com territórios offshore se furtem por inteiro às consequências que a lei lhes associa, desde que a sua actividade envolva despesas relevantes de investigação e desenvolvimento (R&D). Na verdade, esta a interpretação da lei tem consequência mais gravosa ainda, pois que a qualificação das taxas de tributação autónoma como colecta de IRC para efeitos da dedução de benefícios fiscais é doutrina que necessariamente valerá para quaisquer outros benefícios fiscais que operem por dedução à colecta e é doutrina que valerá necessariamente também em sede de IRS e não apenas de IRC.

Uma tal interpretação das normas do Código do IRC não apenas escamoteia o facto gerador e procedimento de liquidação muito próprios das taxas de tributação autónoma, mas sobretudo, uma tal interpretação das normas do Código do IRC atribui às regras do SIFIDE e aos benefícios fiscais em geral uma dignidade constitucional que não possuem no confronto com o princípio da igualdade tributária. Interpretadas as normas do Código do IRC e do SIFIDE deste modo, parece manifesto que a lesão que trazem ao artigo 13.º da CRP não se mostra necessária, adequada nem proporcionada ao objectivo de promoção da ciência que está subjacente ao SIFIDE.

Assim, o que se propõe na presente declaração de Voto não é uma interpretação restritiva do artigo 4.º do SIFIDE II mas tão só uma interpretação teleológica e sistemática do previsto quer no SIFIDE quer no Código do IRC de forma a salvar o regime do teste de conformidade constitucional designadamente no que em concreto respeita à violação do princípio da igualdade tributária. É que não nos podemos nunca olvidar, insisto, que as normas que disciplinam benefícios como o SIFIDE e o RFAI possuem natureza excepcional e só podem reconhecer-se como válidas quando a derrogação que tragam ao princípio da igualdade seja necessária, adequada e proporcionada ao fim extrafiscal que lhes está subjacente.

Não vale, portanto, a pena entrar na discussão, por despicienda, de saber se estamos ou não perante um benefício fiscal cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais. Claro que sim, caso contrário não se teria aprovado o regime do SIFIDE ou do RFAI. A questão é a de saber que receita fiscal é que foi cedida em função de investimento? Receitas decorrentes de um imposto que admite deduções e que obedece ao princípio de capacidade contributiva e que premeia quem investe mas quem gera imposto admitindo que quem mais lucro obtiver mais pode investir. Ou o que se quis (e se admitiu) foi ceder receita decorrente de um imposto sobre a despesa que sob a alçada do princípio da igualdade tributária obriga a quem tem comportamentos desviantes – como pagamento com ajudas de custo ou despesas de representação, ou mesmo pagamentos a entidades residentes em paraísos fiscais – deixe de pagar esse imposto em virtude de ter despesas de investimento?

Não tenho dúvidas que foi o primeiro.

Tanto assim é que a alteração introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2018 alterou a redacção do artigo 88.º do Código do IRC no sentido de que não são efectuadas quaisquer deduções ao montante devido das tributações autónomas ainda que estas provenham de legislação especial como o SIFIDE e do RFAI. Ora, mesmo sem se lançar mão do carácter interpretativo dado pelo legislador novamente ao n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC é claro que o legislador – que relembre-se, é sempre o mesmo, a Assembleia da República –, quis elucidar o que de resto já resultava da lei.

E até aqui, se não havia qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento para 2016, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão «deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC» que consta de uma norma especial de um diploma avulso, como é o SIFIDE II, é agora claro com a nova redacção do n.º 21 do artigo que não são permitidas quaisquer deduções à colecta das tributações autónomas mesmo que estas provenham de legislação especial.

Na tese que se sufraga, o legislador, ao aditar este n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC com o conteúdo mencionado limitou-se a acolher e a reforçar o sentido interpretativo que já resultava das normas vigentes. Acolheu, portanto, a única leitura possível em face do acervo constitucional aplicável às realidades aqui em jogo: distinção entre as figuras da tributação autónoma e o IRC; aplicação do n.º 1 do artigo 90.º a ambas as realidades; aplicação do artigo 90.º n.º 2 unicamente ao IRC; remissão do regime do SIFIDE para o artigo 90.º refere-se aos montantes apurados no artigo 90.º n.º 2.

Assim, pelas razões expostas, neguei provimento ao pedido arbitral de declaração de ilegalidade da autoliquidação de IRC, na parte produzida pelas tributações autónomas com a sua consequente manutenção na ordem jurídica sendo esta, e in fine, a decisão que fez vencimento. Fi-lo, porém, pelas razões que expus e não pelas razões explanadas no acórdão acima.

 

 

Carla Castelo Trindade



[1] Elenco não exaustivo. Relacionadas com a problemática, poderão, por exemplo, ser ainda citadas as decisões dos processos arbitrais n.º 174/2016-T, 122/2016-T, 34/2016-T, 567/2016-T, 65/2017-T, 99/2017-T.

[2] Arthur Kaufman, “Filosofia do Direito”, 3.ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 44.

[3]É precisamente nas argumentações pedantemente exactas, pensadas com um grau extremo de rigor e exactidão, que temos frequentemente a impressão de que algo, de alguma forma, não faz sentido.”; idem, p. 89.

[4] Cfr., p. ex., decisões dos processos 187/2013-T, 209/2013-T, 246/2013-T, 260/2013-T, 292/2013-T, 37/2014-T, 94/2014-T e 242/2014-T.

[5] Cfr. por todos a decisão arbitral do processo 94/2014-T, disponível em www.caad.org.pt.

[6] Daí a referência a um IRC em sentido estrito/amplo, reflexo da tal dualidade.

[7] Integrando, o tal sistema de natureza dual, já acima aludido.

[9] Cfr., por exemplo, que em sede de IRS a tributação autónoma apenas é devida pelos contribuintes que possuam ou devam possuir contabilidade organizada (artigo 73.º, n.º 2), e já não pelos que optem pelo regime simplificado. Naturalmente que se a tributação autónoma fosse estritamente um imposto sobre a despesa, completamente alheio e distinto dos impostos sobre o rendimento onde se insere, nada justificaria que os contribuintes empresariais singulares, sujeitos ao regime simplificado, não vissem as suas despesas tributadas autonomamente.

[10] Cfr. os artigos 12.º, 23.º-A, n.º 1, al. a) e 88.º, n.º 21, todos do CIRC actual, e de onde resulta expressamente que o IRC inclui as tributações autónomas.

[11]É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:(...) i) Criação de impostos” (sublinhado nosso).

[12] Cfr., por todas, a pioneira Lei 101/89, de 29-12, que, no n.º 3 do seu artigo 25.º, autorizou o Governo a “tributar autonomamente em IRS e IRC”, e não a criar um novo imposto, sobre a despesa.

[13] E, como se viu, tal entendimento estava foi já sustentado ao fundamentar o entendimento que veio a vingar, jurisprudencial (e não apenas ao nível da jurisprudência arbitral: cfr., nesse sentido Acs. do STA de 06-04-2016 e de 27-09-2017, proferidos, respectivamente, nos processos 01613/15 e 0146/16) e legalmente, de que a colecta da tributação autónoma não entra como custo no apuramento do lucro tributável porque é IRC/colecta de IRC.

[14] Disponível em www.dgsi.pt.

[15](...) estar-se-á sempre em última análise a ter em vista um rendimento, presente ou futuro, que o legislador tolera tributar menos (por força da consideração do gasto deduzido), em troca de uma tributação imediata, aquando da realização do gasto, visando então, nesta perspectiva, as tributações autónomas a que nos referimos, ainda que mediatamente, o rendimento do sujeito passivo.

Tais tributações serão, sob este ponto de vista, uma forma (enrevesada, é certo) de, indirectamente e através da despesa, tributar, ainda, o rendimento (efectivo ou potencial/futuro) das pessoas colectivas.” (cfr. p. arbitral 94/2016-T, já citado).

[16] Não se corroborando, assim, que, como afirma a Requerente, que “Do ponto de vista conceptual e de texto legal, nada, sendo a tributação autónoma IRC, se opõe a que também esta grandeza (que constitui parcela cada vez maior do IRC) seja paga faseada e antecipadamente em prestações (pagamento por conta).”. Com efeito, o pagamento por conta de tributação autónoma, apenas seria verdadeiramente pagamento por conta quanto à tributação autónoma que fosse devida por despesas ainda não incorridas. Relativamente a estas, por coincidirem com o facto tributário, não seria um pagamento por conta, mas uma antecipação da liquidação.

[17] Tanto mais que a Requerente, como se verá de seguida, não deixou de se pronunciar expressamente sobre a questão da relevância (ou não) para a decisão da causa, da ponderação do regime do referido artigo 105.º/1 do CIRC.

[18] Efectivamente, toda a jurisprudência citada pela Requerente no Segundo Acto das suas alegações se reporta, estritamente, às tributações autónomas de encargos dedutíveis.

[19] Salvo melhor opinião, a expressão “paraíso fiscal” será uma tradução incorrecta da expressão inglesa “tax haven”, sendo que “haven” significa “abrigo”, e não “paraíso”, que poderá ser uma tradução possível de “heaven”, mas não de “haven”.

[20] Ou seja: por exemplo, o encargo com uma viatura ligeira de passageiros que esteja ao serviço de uma empresa, mas ocasionalmente, de forma efectiva ou presumida, seja objecto de uso particular por um funcionário ou terceiro, será objecto de tributação autónoma.

[21] Cfr. neste sentido, por exemplo, as decisões arbitrais nos processos 628/2014-T e 704/2015-T (esta, à data, ainda não publicada).

[22] Disponível em www.caad.org.pt.

[23] Sendo, assim, a tributação em causa incidente sobre rendimentos, como ocorre com outras em IRS (por exemplo, no actual art.º 70.º/3 do CIRS).

[24] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 20.ª reimpressão, 2012, p. 186.

[25] Cfr. Ac. do STA de 05-06-2013, proferido no processo 0433/13, disponível em www. dgsi.pt.