Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 160/2019-T
Data da decisão: 2020-02-07  IVA  
Valor do pedido: € 171.906,31
Tema: Recurso de revisão de decisão arbitral; Instância internacional de recurso - Decisão arbitral (anexa à decisão).
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DECISÃO ARBITRAL

 

                A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso de revisão da decisão arbitral proferida no presente processo, ao abrigo do artigo 696.º, alínea f) do CPC, para que remete o artigo 293.º, n.º 1, do CPPT, que estabelece que a decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão quando «seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português».

                Neste caso, a decisão que a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca como fundamento do recurso de revisão é uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferida em processo de reenvio prejudicial, no processo n.º C-581/19, junta aos autos.

                Não estando prevista no CPPT a tramitação dos recursos de revisão, na fase anterior à sua admissão, será aplicável subsidiariamente o regime do processo civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

                Por isso, nos termos do artigo 699.º, n.º 1, do CPC, há que proferir uma decisão liminar sobre a admissibilidade do recurso: «o tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão».

                No caso em apreço, «não há motivo para a revisão», pois é manifesto que o acórdão do TJUE invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no âmbito de um pedido de reenvio, não é proferido por «uma instância internacional de recurso».

 

                Na verdade, desde logo, no processo de reenvio prejudicial o TJUE não funciona como instância internacional de recurso, para efeito da legislação processual portuguesa, que é a que está em causa aplicar.

                Por outro lado, mesmo que se entenda que possam ser fundamento de recurso de revisão decisões proferidas pelo TJUE em acções de incumprimento instauradas pela Comissão Europeia contra Portugal ao abrigo do art. 258.º do TFUE (como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 02-07-2014, processo n.º 0360/13), no caso de acórdãos do TJUE proferidos em reenvio não se está perante uma acção desse tipo, pelo que não há razão para aplicar essa jurisprudência.

                O TJUE nos processos de reenvio prejudicial não é uma instância de recurso, pois, desde logo, a sua decisão é anterior à decisão final do processo nacional e nenhuma das partes no processo tem a possibilidade de apelar para o TJUE.

                Por outro lado, o reenvio prejudicial é facultativo e depende de decisão do órgão julgador português.

 Nos termos do Artigo 104.º do REGULAMENTO DE PROCESSO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, a interpretação das decisões prejudiciais refere-se que não cabe ao TJUE interpretar as decisões que profere neste particular do reenvio prejudicial (nº.1) e que compete aos órgãos jurisdicionais nacionais apreciar se estão suficientemente esclarecidos por uma decisão prejudicial, ou se entendem que é necessário dirigirem-se de novo ao Tribunal (nº. 2).

Finalmente, é o próprio acórdão junto pela recorrente que, ao afirmar a sua interpretação, declara que a mesma é "sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio", pois, além de ter de ser no caso considerada a factualidade relevante, os Estados membros podem isentar nas leis nacionais outras atividades não previstas nos regulamentos europeus.

Este entendimento, para além de ser evidente, é pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que as intervenções do TJUE em processo de reenvio não são assumidas na veste de instância de recurso, mas sim de colaboração entre juízes, como tem afirmado, inclusivamente, o próprio TJUE, e ficou consignado na Decisão Arbitral de indeferimento proferida no processo n.º 159/2019-T:

“– 28     Note se, a este respeito, que o artigo 234.° CE  não constitui uma via de recurso para as partes num litígio pendente num tribunal nacional e que não basta, portanto, que uma das partes alegue que o litígio suscita uma questão de validade do direito comunitário para que o tribunal em questão seja obrigado a considerar que se suscita uma questão nos termos do artigo 234.° CE;(   );

– Uma vez que o artigo 267.º TFUE não constitui uma via de recurso para as partes num litígio pendente no tribunal nacional, o Tribunal de Justiça não pode ser obrigado a apreciar a validade do direito da União apenas porque esta questão foi invocada perante o mesmo por uma destas partes (acórdão de 30 de Novembro de 2006, Brünsteiner e Autohaus Hilgert, C-376/05 e C-377/05, Colect., p. I-11383, n.º 28);

–  9      Com efeito, o reenvio prejudicial assenta num diálogo de juiz a juiz, cujo início depende inteiramente da apreciação que o órgão jurisdicional nacional faça da pertinência e da necessidade do referido reenvio (   );

 – “The relationship between national courts and the CJEU is reference-based. It is not an appeal system. No individual has a right of appeal to the CJEU. It is for the national court to make the decision to refer. The CJEU will rule on the issues referred to it, and the case will then be sent back to the national courts, which will apply the Union law to the case at hand” (   );

– «De acordo com o número 3 do artigo 4.º do mesmo Tratado, cabe aos Estados-Membros assegurar a execução das obrigações decorrentes dos Tratados e facilitar o cumprimento da missão da União Europeia. Desta dicotomia resulta uma necessidade de diálogo entre os órgãos jurisdicionais nacionais e europeus, razão pela qual se viria a prever o instituto jurídico do reenvio prejudicial, não como uma via de recurso, mas sim como um processo especial de cooperação direta, capaz de garantir a uniformidade dos efeitos jurídicos das normas de direito da UE através de todo o seu território» (   );

– «Importa começar por referir que um pedido de reenvio prejudicial não serve para impugnar uma decisão judicial e que a decisão a proferir pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito de tal pedido não tem por finalidade revogar decisões judiciais proferidas por Tribunais nacionais.

                Na sua arquitectura específica, não é também destinada a afrontar qualquer interpretação de normas internas alegadamente errónea ou aferir da violação de preceitos constitucionais dos diversos Estados-Membros.

                Uma questão prejudicial antes corresponde a uma pergunta/pedido de resposta que um órgão jurisdicional nacional de um Estado da União repute necessária para estear a solução de um litígio que lhe cumpra avaliar.

                O seu objecto exclusivo é o Direito da União e o esforço de avaliação solicitado ao Tribunal de Justiça da União Europeia corresponde ao de interpretação ou formulação de juízo de validade incidente sobre esse Direito» (   )”.

               

                Realce-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira, no requerimento que apresentou, nem sequer explica, como estava obrigada, qual a razão ou fundamento legal para que o TJUE possa ser considerado uma instância de recurso. Nem tão pouco explicou em que termos um juízo pre-judicial, anterior à decisão de fundo do litígio e dirigido ao juiz nacional, é vinculativo para o Estado Português.

                Como consignado na Decisão Arbitral de indeferimento proferida no processo n.º 159/2019-T, “Os fundamentos de revisão de sentença previstos no artigo 696.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 293.º, n.º 1, do CPPT e 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT são taxativos, como resulta do teor expresso do corpo daquele artigo 696.º: «a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando ...».

                “Tratando-se, neste artigo 696.º, de normas excepcionais que permitem eliminar a força do caso julgado e a obrigatoriedade geral a ela constitucionalmente associada (artigo 205.º, n.º 2, da CRP), elas não podem ser aplicáveis analogicamente a situações não previstas (artigo 11.º do Código Civil), designadamente, a decisões de instâncias internacionais que não sejam, à face da legislação nacional e da União Europeia, proferidas por uma «instância de recurso».”

                Nestes termos, indefere-se o requerimento de recurso de revisão apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, por ser manifesto não haver fundamento para a revisão, designadamente o fundamento invocado, por a decisão do TJUE invocada não ter sido proferida por uma instância internacional de “recurso”.

                Sendo de indeferir o recurso com este fundamento fica prejudicada, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC ), a apreciação de outros requisitos do recurso de revisão previsto na alínea f) do artigo 696.º do CPC, designadamente as questões de saber se a decisão do TJUE proferida no processo no processo n.º C-581/19 é inconciliável ou não com a decisão arbitral preferida no presente processo e se deve considerar-se ou não vinculativa para o Estado Português, para efeitos daquela norma.

 

                Publique-se esta decisão arbitral nos termos da alínea g) do artigo 16.º do RJAT.

 

                Lisboa, 16 de Abril de 2021

 

Os Árbitros,

 

 

(Fernanda Maçãs)

 

(Dr.ª Filipa Barros)

 

(Drª Cristina Aragão Seia)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Dra. Filipa Barros e Dra. Cristina Aragão Seia, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 22 de maio de 2019, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

A..., Lda., pessoa coletiva nº ..., com sede na Rua ..., ..., ..., ..., em ..., doravante designada por “Requerente”, vem requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, nos termos conjugados do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IVA e respetivos juros a seguir identificados, no valor global de € 171.906,31, emitidos na sequência de uma ação de inspeção aos anos 2013 e 2014, com as devidas consequências legais:

1. De 18 de abril de 2018, relativas ao exercício de 2013, com imposto no montante total de 35.478,15 Euros e respetivas demonstrações de liquidação de juros de IVA no montante total de 6.277, 03 Euros (doc. 1):

- Liquidação n.º 2018..., referente ao período 2013/01;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/02;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/03;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/04;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/05;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/06;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/07;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/08;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/09;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/10;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/11;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/12.

 

2. De 18 de abril de 2018, relativas ao exercício de 2014, com imposto no montante total de 113.793,46 Euros e respetivas demonstrações de liquidação de juros de IVA no montante total de 16.357,67 Euros (doc. 2):

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/01;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/02;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/03;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/04;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/05;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/06;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/07;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/08;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/09;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/10;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/12.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

Como fundamento da sua pretensão a Requerente alega que as liquidações em causa são ilegais, na medida em que a AT errou na qualificação dos rendimentos e na interpretação do art. 9º, nº 1 do Código do IVA. A título subsidiário, a Requerente invoca que caso os serviços de nutrição fossem tributados em IVA o cálculo do imposto deveria ser feito “por dentro”, considerando-se o IVA incluído no preço final que foi praticado com os clientes, que são consumidores finais. Juntou 12 documentos e requereu prova testemunhal.

Em 11 de março de 2019, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT, em 15 de março 2019.

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo a Conselheira Fernanda Maçãs, a Dra. Filipa Barros e a Prof. Doutora Clotilde Celorico Palma, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação em 2 de maio de 2019, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 22 de maio de 2019.

Em 25 de junho de 2019, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação e pugna pela improcedência e consequente absolvição do pedido. Invoca que não está em causa a existência e o cumprimento dos requisitos necessários ao exercício dos serviços de nutrição, que considerou existirem e serem válidos, mas antes o seu caráter de acessoriedade face ao serviço principal prestado, de acesso e utilização do ginásio, configurando uma prestação global única, passível de IVA.

Por despacho de 1 de julho de 2019, o árbitro-adjunto Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma foi substituída pela Dra. Cristina Aragão Seia.

A Requerida solicitou a dispensa de prova testemunhal e, em 20 de dezembro de 2019, procedeu à junção do processo administrativo (“PA”).

A Requerente, em 24 de setembro, veio solicitar o aproveitamento da prova testemunhal produzida nos proc. 373/2018-T e 159/2019-T, o que foi deferido por despacho de 9 de outubro de 2019, no qual o Tribunal Arbitral determinou ainda a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, com inquirição das testemunhas, por entender existir matéria, com relevo para a decisão, passível de prova testemunhal, tendo a reunião sido agendada para o dia 18 de dezembro de 2019, e mais tarde, a 10 de outubro, reagendada, a pedido da Requerente, para o dia 17 do mesmo mês.

Em 17 de dezembro de 2019, teve lugar a referida a reunião, tendo sido ouvidas duas das testemunhas arroladas pela Requerente. O Tribunal Arbitral Coletivo notificou as partes para alegações escritas sucessivas, com fixação do prazo de 10 dias e prorrogou o prazo para prolação da decisão, conforme fundamentação que se dá por reproduzida.

Ambas as partes apresentaram alegações e mantiveram as posições anteriormente assumidas.

 

II.            SANEAMENTO

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

A cumulação de pedidos é admissível, em conformidade com o preceituado no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, atendendo a que a está em causa a apreciação de idênticas circunstâncias de facto e o mesmo regime jurídico, em concreto, a relação de acessoriedade, para efeitos de IVA, entre os serviços (consultas) de nutrição disponibilizados pela Requerente e a utilização do ginásio.

 

III.           FUNDAMENTAÇÃO

 

1.            MATÉRIA DE FACTO

 

 

 

1.1. FACTOS PROVADOS

Com relevo para a decisão da causa, atendendo às posições assumidas pelas partes, à prova documental junta aos autos e à prova testemunhal produzida, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

a)            A Requerente, A..., Lda., é uma sociedade inserida no Grupo B..., tendo como objeto social a criação, promoção e exploração de health clubs, gestão, formação e consultoria em desporto, manutenção física e bem estar, serviço de nutrição e outras atividades de saúde pública, incluindo tratamentos de fisioterapia.

b)           Em 2013 e 2014 a Requerente desenvolvia a sua atividade num Health Club do grupo B... localizado no Centro Comercial “...”, na ... .

c)            A Requerente está enquadrada no regime normal de periodicidade mensal de IVA.

d)           No exercício da sua atividade, a Requerente proporciona aos seus sócios a prática de ginásio e diversos outros serviços, incluindo um variado leque de aulas de grupo, treino personalizado, serviços de estética, massagem, fisioterapia e nutrição.

e)           Para a prática daqueles serviços a Requerente conta com ginásio, zona de treino funcional, três estúdios, uma piscina, saunas e banho turco, zona de restauração, dois gabinetes dedicados a fisioterapia e dois gabinetes de nutrição, que servem apenas para esse efeito, não sendo utilizados para qualquer outro fim sendo os mesmos perfeitamente autónomos e distinguíveis.

f)            A prática concertada de tais serviços insere-se na política do Grupo B... que é divulgada sob a máxima “Life Well”, assente em três pilares:“move well, eat well e feel well”: exercício, nutrição, repouso.

g)            A Requerente contava em 2013, no seu quadro de pessoal, com dois funcionários com a categoria de dietista e nutricionista que prestam os serviços de nutrição/dietéticos em duas salas individualizadas e que foram adaptadas para esse efeito com máquinas, com medidores de gordura corporal – tanitas, com software próprio.

h)           As expressões serviços de nutrição e serviços dietéticos são utilizadas indistintamente, estando todos os profissionais que realizam tais serviços inscritos na Ordem dos Nutricionistas.

i)             A B... em geral, e a Requerente em particular, têm programas de estágios remunerados com base num Protocolo com a Ordem doa Nutricionistas.

j)             Em 2013 a Requerente passou a disponibilizar aos seus sócios serviços de nutrição, mediante a subscrição de contrato denominado “Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos”.

k)            Aos sócios que aceitaram este novo serviço foi oferecido um desconto na mensalidade do ginásio correspondente ao valor do novo serviço de nutrição, como forma de incentivo à adesão aos novos serviços da Requerente e por estratégia de marketing.

l)             O referido contrato era, em 2013, composto por duas consultas de nutrição presenciais e dois acompanhamentos telefónicos anuais nos quais se fazia apenas um follow up das consultas, podendo os sócios que pretendam mais do que duas consultas de nutrição por ano podem adquirir consultas de nutrição que são vendidas quer isoladamente, quer em pacote e prestadas pelos mesmos profissionais de saúde.

m)          Os clientes podiam usufruir apenas da componente de ginásio, sem as consultas de nutrição ou estas sem o ginásio.

n)           Os sócios que subscrevem os serviços de nutrição não têm de pagar qualquer valor adicional pelas consultas que utilizem até ao número previsto no contrato.

o)           A Requerente detém um sistema informático interno, comum a todo o grupo B..., denominado SANUT, que permite registar e controlar todas as consultas de nutrição, quer as iniciais (designadas consultas base) quer as subsequentes (designadas consultas premium), sendo acessível apenas aos nutricionistas credenciados.

p)           A Requerente, na faturação emitida, aplicou aos serviços de nutrição previstos nos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos celebrados com os seus clientes, a isenção de IVA prevista na alínea 1), do artigo 9.º do Código do IVA.

q)           A Requerente foi sujeita a procedimento de inspeção tributária aos exercícios de 2013 e 2014, pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, a coberto das Ordens de Serviço n.º OI2017... e OI2017..., com início em 25-10-2017.

r)            De acordo com o RIT, a prestação de serviços dietéticos não beneficia da isenção de IVA prevista na alínea 1), do artigo 9.º do Código do IVA, havendo, pelo contrário, lugar à liquidação de IVA à taxa aplicável ao serviço de ginásio, ou seja, à taxa de 23%.

s)            Face à correção ao IVA não liquidado, o RIT procedeu também ao recálculo do montante referente ao direito à dedução do IVA utilizado pela Requerente de acordo com o método da afetação real.

t)            Na sequência do RIT, a Requerente foi notificada dos seguintes atos de liquidação:

- Liquidação n.º 2018..., referente ao período 2013/01;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/02;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/03;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/04;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/05;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/06;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/07;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/08;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/09;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/10;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/11;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2013/12.

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/01;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/02;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/03;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/04;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/05;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/06;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/07;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/08;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/09;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/10;

- Liquidação n.º 2018..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2014/12.

u)           A Requerente apresentou em 01-08-2018 reclamação graciosa que foi autuada sob o n.º ...2018... .

v)            Reclamação graciosa que mereceu despacho de indeferimento do Sr. Diretor de Finanças de Lisboa de 2018-12-17.

w)          Em 08-03-2019, a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

 

1.2. FACTOS NÃO PROVADOS E FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, os que constam do processo administrativo e na prova testemunhal produzida no presente processo, bem como nos processos n.º 373/2018-T e 159/2019-T, como requerido e deferido.

As testemunhas inquiridas no presente processo, C... e D..., aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que relataram.

Os depoimentos foram consensuais no sentido da criação, em 2013, de uma área de negócio autónoma, de nutrição, a somar a outras existentes, como SPA, Personal Training e Fisioterapia, bem como da equivalência das expressões dietista e nutricionista.

As testemunhas descreveram os procedimentos de prestação dos serviços de nutrição, realizados com o apoio de um software específico que, para além de repositório dos dados clínicos dos clientes, permite o registo das consultas e interações realizadas e gera alertas que visam o acompanhamento sistemático dos clientes por parte dos nutricionistas.

 

2.            DO DIREITO

A questão jurídica principal em causa no processo respeita à qualificação das prestações de serviços de nutrição como acessórias em relação aos serviços de utilização de instalações desportivas, por parte dos clientes da Requerente. O caráter acessório dos serviços de nutrição, invocado pela AT e contestado pela Requerente, implica a sua perda de autonomia e o correspondente enquadramento na prestação dita “principal” [serviços de ginásio], deixando de ser abrangidos pela isenção de IVA prevista na alínea 1 do artigo 9.º do Código do IVA.

Adicionalmente, a título prévio a Requerente invoca o vício de falta de fundamentação importando apreciar este vício e de violação de lei suscitados pela Requerente.

 

 

 

2.1         FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

A Requerente invoca que a AT não logrou fundamentar o Relatório de Inspeção de forma suficiente a justificar a sua posição, em violação do disposto no artigo 77.º, n.º 1 da LGT e o artigo 268.º, n.º 3 da CRP. Contudo, não especifica quaisquer argumentos para substanciar esta alegação.

Neste âmbito, interessa salientar que o dever de fundamentação desempenha a função primordial de permitir que o destinatário do ato se inteire das razões que subjazem à decisão administrativa, permitindo o controlo da sua validade, através da análise dos respetivos pressupostos, e o acesso à garantia contenciosa, dando a conhecer ao sujeito passivo o itinerário cognoscitivo e valorativo para a AT ter decidido no sentido em que decidiu.

Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), deve considerar-se “fundamentado o ato quando ele se insira num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível por um destinatário normal colocado na posição em que se encontra o seu real destinatário” – Acórdão proferido no processo n.º 1051/09, de 17 de novembro de 2010.

Compulsados os autos arbitrais, constata-se que o RIT contém, com clareza e suficiente grau de detalhe os argumentos, de facto e de direito, nos quais a AT alicerçou as correções de IVA impugnadas, que se prendem com a pretendida natureza acessória dos serviços de nutrição, em relação aos serviços de ginásio.

Estes argumentos, o seu sentido e alcance, foram devidamente percecionados pela Requerente que os refuta de forma circunstanciada.

Assim, improcede, pelas razões expostas, o vício de falta de fundamentação suscitado pela Requerente.

Questão distinta é a de saber se a Requerente discorda da fundamentação por não considerar verificados os pressupostos de tributação nela retratados e que “tem já a ver com o mérito da decisão e com a legalidade «stricto sensu» do próprio ato” (cf. Acórdão do STA, processo n.º 1690/13, de 23 de abril de 2014). Neste caso, não se trata de aferir o vício formal de falta de fundamentação, mas a validade substantiva do ato tributário, por erro nos pressupostos, que de seguida de aprecia.

 

2.2         DO MÉRITO DA QUESTÃO – NOTA PRÉVIA

O artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil estabelece que «nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito».

Este tratamento análogo justifica-se acentuadamente em situações em que o figurino factual e o enquadramento jurídico são idênticos sendo as questões a apreciar as mesmas. Ora, tais pressupostos encontram-se verificados no caso em apreço.

Com efeito, afigura-se que a questão se encontra devidamente tratada em vários acórdãos arbitrais proferidos que têm subjacente uma situação fáctica perfeitamente idêntica em que inclusivamente são sujeitos passivos empresas do mesmo grupo da Requerente, pelo que se reitera nestes autos o entendimento que tem vindo a ser adotado de modo uniforme, com o qual se concorda. Veja-se a título de exemplo o Acórdão arbitral proferido no processo n.º 373/2018-T, de 14 de Junho de 2019, o Acórdão arbitral proferido no processo n.º 159/2019-T de 5 de Novembro de 2019 e o Acórdão arbitral proferido no processo n.º 164/2019-T de 4 de novembro de 2019 . 

 

2.3.        DO ENQUADRAMENTO DAS CONSULTAS DE DIETÉTICA E NUTRIÇÃO NO DISPOSTO NO ARTIGO 9.º, 1) DO CÓDIGO DO IVA

 

Vejamos a questão começando pelas disposições legais aplicáveis.

 

A isenção de prevista no artigo 9.º, 1) do Código do IVA, prescreve o seguinte:

 

“Artigo 9.º

Isenções nas operações internas

 

Estão isentas do imposto:

 

1) As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas;

 

[…]”

 

As isenções de IVA são delimitadas por conceitos autónomos do direito europeu que têm por objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado-Membro para outro.

Ora, artigo 9.º do Código do IVA, enumera determinadas operações, as quais, por serem consideradas de interesse geral ou social e com fins de relevante importância, ficam abrangidas pela isenção prevista neste artigo, pretendendo-se assim desonerar, quer administrativamente, quer financeiramente, as atividades nele identificadas.

Neste contexto, a alínea 1 do artigo 9.º do Código do IVA insere-se nas isenções em benefício das atividades que visam reduzir o custo dos cuidados de saúde, tornando-os mais acessíveis aos particulares, como reiteradamente afirmado pelo Tribunal de Justiça – cf., a título de exemplo, os casos Dornier, C-45/01, de 6 de novembro de 2003, e Kügler, C-141/00, de 10 de setembro de 2002.

Esta norma constitui a transposição do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, publicada no JO L 347, de 11 de dezembro de 2006, que estabelece a disciplina do “sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado” na União Europeia, adiante designada por “Diretiva IVA”. Dispõe a referida norma de direito europeu que são isentas pelos Estados-Membros “[a]s prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa”.

A respeito da norma vertida na alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva IVA, o TJUE afirmou em vários arestos, que a mesma tem um caráter objetivo definindo as prestações isentas em função da natureza dos serviços prestados, sem mencionar a forma jurídica do prestador. Por este motivo, para que a isenção opere deverão estar reunidos dois requisitos:

1) Tratar-se de serviços médicos ou paramédicos;

2) Realizados por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.

               

Cabe igualmente referir que a alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva IVA determina que a concessão da isenção às profissões médicas e paramédicas é operada nas condições “definidas pelo Estado-Membro em causa”. Neste sentido, concede-se aos Estados-Membros autonomia para definir as condições de exercício destas profissões bem como as atividades consideradas no âmbito das mesmas, desde que não ponham em causa o princípio da neutralidade.

O facto do comando comunitário remeter a definição do enquadramento destas profissões para as regras internas de cada Estado-Membro, pressupõe, como condição da isenção, que as prestações de serviços sejam asseguradas de acordo com a legislação interna do Estado-Membro em causa, deixando, assim, à margem da isenção as prestações de serviços exercidas ao arrepio das referidas regras.

Por conseguinte, o poder de apreciação conferido aos Estados-Membro engloba não só o poder de definir as qualificações exigidas para exercer as referidas profissões, mas também o poder de definir as atividades específicas de serviços abrangidas por essas profissões.

Importa ainda referir que os serviços efetuados no exercício de profissões paramédicas, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, têm de se configurar como serviços de assistência com uma finalidade terapêutica, i.e. visando “diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde” –Acórdãos Ygeia, C-394/04, de 1 de dezembro de 2005; Dornier, C-45/01; Kugler, C-141/00; e D. e W., C-384/98, de 14 de setembro de 2000.

O Tribunal de Justiça esclarece ainda que a finalidade terapêutica não tem de ser compreendida numa acepção particularmente restrita, considerando que as prestações efetuadas para fins de prevenção, que visem proteger a saúde humana, também são abrangidas. Portanto, as prestações médicas efetuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas beneficiam da isenção” – Acórdãos L.u.P., C-106/05, de 8 de agosto de 2006; Unterpertinger, C-212/01, de 20 de novembro de 2003; D’Ambrumenil, C-307/01, de 20 de novembro de 2003; e Comissão/França, C-76/99, de 11 de janeiro de 2001.

 

Vertendo ao caso concreto.

 

No ordenamento jurídico português, o exercício das atividades profissionais na área da saúde designadas por atividades paramédicas, encontra-se regulamentado pelo Decreto-lei n.º 261/93, de 24 de julho, que estabelece as respetivas condições e naquelas inclui a Dietética, definida como a “aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares.” – artigo 1.º, n.º 3 do referido diploma e  n.º 5 da Lista anexa.

 

De acordo com o artigo 1.º, n.º 1 do citado Decreto-lei n.º 261/93, as atividades paramédicas “compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação”, visando assim, quer a fase de tratamento de um problema, quer a sua prevenção, sendo este último aspeto particularmente importante e sensível no domínio das doenças crónicas como a hipertensão e a diabetes, verdadeiros flagelos de saúde pública das sociedades modernas, cuja relação com a obesidade e a manutenção de hábitos sedentários é por todos conhecida.

Adicionalmente, o Decreto-lei n.º 320/99, de 11 de agosto, em concretização da base I da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto (“Lei de Bases da Saúde”), veio definir os princípios gerais “em matéria do exercício das profissões de diagnóstico e terapêutica” e proceder à sua regulamentação, incluindo de forma expressa no seu âmbito a profissão de Dietista.

O exercício da profissão de “nutricionista” ou “dietista” está dependente de título profissional, atualmente atribuído pela Ordem dos Nutricionistas, criada pela Lei n.º 51/2010, de 14 de dezembro, e sujeita às correspondentes regras técnicas e deontológicas, podendo a profissão “ser exercida de forma liberal, quer a título individual quer em sociedade, ou por conta de outrem” – cf. artigos 2.º e 3.º n.º 1. Conforme dispõe o Regulamento de Inscrição na Ordem dos Nutricionista, n.º 308/2016, de 15 de março, podem inscrever-se como “nutricionistas” os licenciados em ciências da nutrição, dietética ou em dietética e nutrição.

Os serviços de nutrição inserem-se, desta forma, na prestação de cuidados de saúde, sendo a sua área de atuação a alimentação humana, com o objetivo de prevenir e tratar as doenças associadas a uma incorreta alimentação, em linha com as políticas de saúde promovidas pelo Governo e por organizações com competências na área, como a Organização Mundial de Saúde.

Posto isto, a prestação de serviços de aconselhamento nutricional através de consultas presenciais ou por meios telefónicos é, nos termos da legislação acima referida, enquadrável no âmbito da prestação de serviços paramédicos e, em consequência, subsumível à norma de isenção de IVA constante do artigo 9.º, 1) do Código deste imposto.

Assim, as consultas de nutrição prestadas pela Requerente consubstanciam prática clínica e foram realizadas por profissionais de saúde, nutricionistas, por aquela contratados e inscritos na respetiva ordem profissional, com observância das regras definidas pelo legislador nacional. É inequívoco que tais serviços visam a proteção da saúde dos clientes, numa conceção holística do conceito de saúde que reclama a promoção de estilos de vida saudáveis e uma abordagem multissetorial que conjuga, entre outros fatores, um regime alimentar adequado com atividade física.

Desta forma, encontram-se reunidos os requisitos indispensáveis e suficientes à aplicação da isenção de IVA prevista no artigo 9.º, 1) do Código do IVA, que transpõe o artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA, nos termos preconizados pela jurisprudência europeia e também pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCA Sul”), de 23 de março de 2010, processo n.º 3816/10.

Relativamente ao facto de nem sempre esses serviços serem efetivamente utilizados pelos clientes subscritores, tal não significa a descaracterização dos mesmos e a consequente perda do regime de isenção. Conforme assinalado por CLOTILDE CELORICO PALMA no parecer junto pela Requerente aos autos “[a] partir do momento em que o serviço de nutrição é disponibilizado e faturado, deve, como tal, de acordo com as regras do IVA, ser considerado como prestado, independentemente de o utente não vir a frequentar alguma consulta (à semelhança do que se verifica, por exemplo, em relação aos serviços de prática de atividades físicas).”

Aliás, a questão que se poderia colocar a este propósito não seria a de tais serviços passarem a ser tributados em IVA, por não terem sido utilizados, mas, ao invés, a de não serem sequer sujeitos a imposto, porque precisamente não foram prestados (com a eventual restituição da remuneração paga pelos clientes). Em qualquer caso, esta última hipótese não procede, porque o serviço em causa consiste na disponibilização das consultas, pelo que se considera prestado com essa disponibilização, tal como sucede, entre outros, com os serviços de ginásio, telecomunicações ou de transporte aéreo.

Neste sentido, se pronunciou o Tribunal de Justiça, designadamente nos casos Air France-KLM, C-250/14, de 23 de dezembro de 2015, e MEO, C-295/17, de 22 de novembro de 2018. Segundo o tribunal europeu, com a assinatura do contrato de prestação de serviços, o cliente adquire o direito de beneficiar do “cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, independentemente de o cliente exercer esse direito. Assim, o prestador de serviços efetua essa prestação quando coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma, pelo que a existência do supramencionado nexo direto não é afetada pelo facto de o cliente não fazer uso do referido direito”.

Conclui-se, desta forma, que o facto de os clientes por vezes não usufruírem dos serviços contratados não implica que se considere que a prestação de serviços não foi realizada pelo prestador e/ou que a qualificação desses serviços e respetivo regime de IVA sofram modificações.

 

2.4         O CARÁTER NÃO ACESSÓRIO DOS SERVIÇOS DE NUTRIÇÃO

 

A AT vem por em causa o caráter autónomo dos serviços de nutrição prestados pela Requerente. Segundo a Requerida, as “prestações de serviços dietéticos devem ser consideradas acessórias em relação à prestação principal – utilização de instalações desportivas – e, por essa razão, estão sujeitas a IVA à taxa de 23%, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA”.

No que respeita ao caráter não acessório dos serviços de nutrição prestados pela Requerente neste contexto de se tratar de um sujeito passivo integrado num grupo empresarial que fornece serviços de ginásio, assinalamos, uma vez mais, as posições adotadas recentemente no âmbito do CAAD em relação aos casos análogos, supra referidos, que acompanhamos.

Neste sentido, transcreve-se parcialmente um excerto ilustrativo do Acórdão arbitral proferido no processo n.º 373/2018-T, a respeito dos princípios orientadores na determinação da natureza acessória de uma prestação: 

“Interessa notar que os critérios de determinação do caráter acessório de uma operação relativamente a outra dita “conexa” e considerada como “principal” têm sido recortados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar-se com frequência sobre esta matéria, dadas as dificuldades derivadas da indeterminação concetual.

O princípio geral que constitui o ponto de partida é o de que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente, como, a título de exemplo, assinalam os Acórdãos Levob Verzekeringen, C-41/04, de 27 de outubro de 2005, e CPP, C-349/96, de 25 de fevereiro de 1999.

 

O regime-regra pode, porém, ser afastado e uma prestação ser considerada acessória em relação a uma prestação principal e partilhar do regime (de IVA) desta, “quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador” – Acórdãos CPP, C-349/96, e Madgett e Baldwin, C-308/96 e C-94/97, de 22 de outubro de 1998. Em determinadas circunstâncias, “várias prestações formalmente distintas, suscetíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes” – Acórdão Part Service, C-425/06, de 21 de fevereiro de 2008. (realce nosso)

Para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa. Contudo, não existe uma regra absoluta para determinar o alcance de uma prestação para efeitos de IVA, sendo, para tal, necessário tomar em consideração todas as circunstâncias em que a operação em questão se desenrola – Acórdãos BGŻ Leasing, C-224/11, de 17 de janeiro de 2013, Field Fisher Waterhouse, C-392/11, de 27 de setembro de 2012, e demais jurisprudência acima citada.

O Tribunal de Justiça apela ao padrão do “consumidor médio” como ponto de vista a partir do qual se pode concluir estarmos perante uma prestação única. Segundo este Tribunal atenta a “dupla circunstância de que, por um lado, do artigo 2.°, n.º 1, da Sexta Diretiva [artigo 2.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva IVA] decorre que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente e que, por outro, a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA, importa assim, em primeiro lugar, procurar encontrar os elementos característicos da operação em causa para determinar se o sujeito passivo fornece ao consumidor, entendido como um consumidor médio, diversas prestações principais distintas ou uma prestação única […]. O mesmo se passa quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao consumidor, entendido como consumidor médio, estão tão estreitamente conexionados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial – Levob Verzekeringen, C-41/94. No mesmo sentido, veja-se o caso Aktiebolaget NN, C-111/05, de 29 de março de 200 . (realce nosso)

A realização, a título oneroso, de uma prestação que não é indispensável para atingir o objetivo visado pela prestação “principal”, se bem que possa ser considerada muito útil para essa prestação, não será considerada uma prestação estreitamente conexa, conforme preconiza o Tribunal de Justiça no caso Ygeia, C 394/04, de 1 de dezembro de 2005.

Acresce que se o cliente tiver a faculdade de escolher os seus prestadores e/ou as modalidades de utilização dos bens ou serviços em causa, as prestações relacionadas com estes bens ou serviços podem, em princípio, ser consideradas distintas da operação dita “principal” – Acórdão Wojskowa Agencja Mieszkaniowa, C-42/14, de 16 de abril de 2015.

Retomando a análise concreta, a Requerente presta nas suas instalações múltiplos serviços, todos relacionados com a manutenção de um estilo de vida saudável e bem-estar, como a atividade física, a estética, a nutrição ou o SPA. Apesar de todos estes serviços se orientarem a um denominador comum, numa abordagem multidisciplinar, a conjugação dos diversos serviços apresenta-se complementar e não acessória. Com efeito, as prestações de serviços das diversas áreas são perfeitamente autonomizáveis e existem independentemente umas das outras. Os clientes mantêm a faculdade de escolha dos prestadores e das modalidades de utilização dos serviços em causa. O facto de a Requerente, por razões comerciais, ter estabelecido condições vantajosas que fomentam e promovem a adesão aos novos serviços de nutrição, tendo em vista o arranque dessa nova área de atividade e assegurar uma oferta mais vasta de serviços, com o intuito de fidelização dos clientes, não conduz à consideração destes como meramente acessórios à utilização do ginásio. A prática de exercício físico é independente da adoção ou não determinado regime alimentar, pelo que devem ser consideradas prestações de serviços distintas.”

 

Por conseguinte, as consultas de nutrição realizadas pela Requerente valem por si, têm objetivos próprios e o seu sentido não advém estritamente da melhoria dos serviços de ginásio. Aliás, conforme resulta do probatório, existem sócios que não aderiram aos serviços de nutrição e, por outro lado, a Requerente presta serviços de nutrição a não sócios, que não utilizam o ginásio. A esta conclusão chega, de igual modo, a Decisão Arbitral, de 2 de abril de 2018, proferida no processo do CAAD n.º 454/2017-T, que versa sobre situação análoga.

Não se verifica, pois, a indissociabilidade das consultas de nutrição relativamente à prática de exercício físico e de utilização das instalações desportivas da Requerente, nem aquelas consultas são condição indispensável para atingir o objetivo visado pela utilização do ginásio, pelo que não devem ser consideradas estreitamente conexas, sem prejuízo de poderem, em ambos os casos, potenciar uma melhor condição física.

 

No que se refere à forma de faturação, a concessão de um desconto equivalente ao preço dos serviços de nutrição na mensalidade do ginásio é uma opção comercial que não pode ser sindicada pela AT, por se inserir na liberdade de gestão da Requerente, que pode determinar o preço dos seus serviços. De salientar que os referidos preços não são dirigidos a entidades relacionadas, sendo aplicados à generalidade dos seus clientes e ao público em geral.

Relativamente à diferente codificação “SDIET” e “NUT” aplicável às consultas de nutrição abrangidas pelo Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos e às consultas de nutrição adquiridas avulso, considera o Acórdão arbitral proferido no processo n.º 373/2018-T, para o qual se remete por uma questão de economia, tratar-se “de uma codificação que visa facilitar a análise/comparabilidade das consultas geradoras de receita incremental (up-selling), representando uma forma de tratamento da informação de gestão da Requerente que não patenteia ou indicia realidades diferenciadas, sendo um elemento de forma insuscetível de suportar uma re-qualificação das operações.” Ficou assim demonstrado nos autos que as consultas de nutrição, independentemente da forma como são remuneradas – na mensalidade ou de forma avulsa – são prestadas exatamente da mesma forma, com os mesmos objetivos, pelos mesmos profissionais e nas mesmas instalações.

À face do exposto, conclui-se pela não acessoriedade das consultas de nutrição prestadas pela Requerente relativamente aos serviços de utilização de instalações desportivas e, em consequência, pela aplicabilidade da isenção prevista no artigo 9.º, 1) do Código do IVA, enfermando os atos tributários impugnados de erro de direito, pelo que devem ser anulados.

 

Termos em que se conclui que as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justifica a sua anulação, nos termos artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

2.5          REQUERIMENTO DE REENVIO PREJUDICIAL

 

Como tem sido entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objeto questões conexas com o Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, de 7-11-2001, processo n.º 26432, de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003).

Quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial.

No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como este Tribunal concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Processo n.º 283/81.

A obrigatoriedade de efetuar o reenvio prejudicial não resulta da vontade das Partes nem pode ser decidida de forma genérica, dependendo apenas do juízo que o Tribunal nacional que tem de proferir a decisão fizer sobre a sua necessidade para decidir os litígios, como tem sido repetidamente afirmado pelo TJUE: “Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça” (Acórdão de 10 de julho de 2018, Jehovan Todistajat, C-25/17, n.º 31 e jurisprudência referida; Acórdão de 6 de março de 2018, SEGRO e Horváth, C-52/16 e C-113/16, n.º 42; Acórdão de 02-10-2018 processo C-207/16, n.º 45; Acórdão de 28-11-2018, processo C-295/17, n.º 33).

O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por atos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

Por isso, os atos de liquidação que são objeto de pedidos de declaração de legalidade pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua atuação poderia basear-se noutros fundamentos, de facto ou de direito, mesmo que sejam invocados a posteriori pela AT em impugnação administrativa ou contenciosa.

Quanto ao reenvio prejudicial requerido nos autos pela  AT, cumpre igualmente remeter para a jurisprudência arbitral anterior, designadamente o Acórdão arbitral n.º 159/2019-T, e Acórdão arbitral n.º 164/2019-T, nos quais se tomou posição quanto às mesmas questões de facto e de direito,  não subsistindo dúvidas quanto à desnecessidade do reenvio.

Na referida jurisprudência entendeu-se sobre a questão de saber se “Ginásios, que prestem serviços de sessões de dietista/nutricionista, a destinatários, que não tenham, qualquer doença, beneficiam da isenção prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 132.º da Diretiva 2006/112/CE?», tratar-se de questão que não se coloca no caso em apreço, por não ter sido fundamento das liquidações impugnadas. Na verdade, não foi invocado como fundamento das liquidações a agora alegada prestação de serviços a destinatários que não tenham qualquer doença, nem isso foi averiguado pela inspeção tributária nem está demonstrado no processo, pelo que não se coloca a possibilidade de anulação das liquidações com esse novo hipotético fundamento, invocado a posteriori.

De qualquer forma, como já se referiu, há já jurisprudência do TJUE no sentido de as "prestações médicas efectuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas beneficiam da isenção" (Acórdãos L.u.P., C-106/05, de 08-08- 2006; Unterpertinger, C-212/01, de 20-1-2003; D’Ambrumenil, C-307/01, de 20-11- 2003; e Comissão/França, C-76/99, de 11-11-2001), e as consultas dietéticas visando objetivos de prevenção beneficiam daquela isenção como reconheceu a AT na referida Informação Vinculativa.

Por isso, não se justifica o reenvio prejudicial para o TJUE, pois aos Tribunais do contencioso tributário cabe apenas a função de dirimir os litígios emergentes da prática do ato cuja legalidade é contestada, apreciando as questões suscitadas pelas partes cujo conhecimento seja necessário para apreciar essa legalidade, na estrita medida dessa necessidade, como decorre do princípio da limitação dos atos, atualmente enunciado de forma genérica no artigo 130.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

O mesmo sucede com a segunda e terceira questões relativamente às quais a AT sugere o reenvio prejudicial que são, em suma, a de saber se os referidos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos constituem ou não “uma decomposição artificial da prestação de serviços única em que o serviço principal é a utilização do ginásio e as sessões de dietista/nutricionista, são uma prestação de serviços acessória, em relação àquela, a faturação das sessões de dietista/nutricionista em separado, aplicando a isenção de IVA a esta parte” e a de saber se a aludida prestação acessória deve “seguir o enquadramento em sede de IVA da prestação principal”.

Na verdade, por um lado, as questões essenciais para decidir se as concretas consultas de nutrição que estão subjacentes às liquidações impugnadas têm natureza acessória, designadamente as de saber se constituem ou não para a clientela um fim em si ou são um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador, são questões essencialmente de facto, da exclusiva competência dos tribunais nacionais.

Por outro lado, este Tribunal Arbitral concluiu que, à face da matéria de facto apurada e do conceito de prestações acessórias definido pela jurisprudência do TJUE na jurisprudência citada, as consultas de nutrição são prestações autónomas e não acessórias da prestação de serviços de ginásio.

 

Por conseguinte, não se verifica o pressuposto de que parte a AT ao colocar as segunda e terceira questões referidas.

Quanto à quarta questão colocada pela AT de saber se “esta forma de faturação constitui uma utilização da isenção, suscetível de criar distorções na concorrência (perante os demais atuais e potenciais operadores que pretendam prestar apenas os serviços sujeitos e não isento e, como tal, contrária à Diretiva 2006/112/CE”, não se alude no Relatório da Inspeção Tributária a distorção da concorrência como fundamento da não aplicação da isenção e a AT não esclarece como pode ocorrer a distorção da concorrência a que alude, designadamente em relação aos atuais e potenciais operadores de serviços de ginásio, derivada da isenção de IVA de uma atividade distinta. Na verdade, a isenção dos serviços de nutrição não abrange os serviços de ginásio, incidindo IVA integralmente sobre o custo destes, com ou sem desconto.

Pelo exposto, não é necessário efetuar reenvio prejudicial quanto às questões colocadas pela Requerida.

 

Assim, indefere-se o requerimento de reenvio prejudicial.

 

 

2.6         QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO

 

Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vício de violação de lei, que assegura eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões suscitadas, de harmonia com os artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

IV.    DECISÃO

               

                Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar totalmente procedente o pedido de anulação dos atos tributários de liquidação de IVA e de juros compensatórios supra identificados, com as legais consequências.

 

* * *

               

Fixa-se ao processo o valor de €171.906,31, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

Custas no montante de €3.672,00, a cargo da Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa,7 de fevereiro de 2020

 

Os árbitros,

 

Maria Fernanda Maçãs

Cristina Aragão Seia

Filipa Barros