Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 168/2019-T
Data da decisão: 2020-01-15  IRS  
Valor do pedido: € 462.650,47
Tema: IRS – Mais valias; Acto prévio; reinvestimento parcial.
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Amândio Silva e Rita Calçada Pires, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 09 de Março de 2019, A..., contribuinte n.º..., e B..., contribuinte n.º..., residentes na ..., ..., ..., ...-... Alcabideche,  apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRS n.º 2018... e juros compensatórios, relativo ao ano de 2014, no valor de €462.650,47.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega os Requerentes, em síntese:

i.             a ilegalidade do acto de liquidação por violação dos princípios da legalidade e tipicidade, da justiça, da proporcionalidade e da capacidade contributiva;

ii.            a ilegalidade do acto de liquidação por não estarem preenchidos os pressupostos de que, nos termos da lei, depende a exigibilidade da tributação em causa;

iii.           a ilegalidade da liquidação de juros compensatórios por não ter sido demonstrada, nem provada a verificação dos pressupostos de que, nos termos da lei, depende a exigibilidade dos juros compensatórios em causa;

iv.           a ilegalidade do acto de liquidação por preterição do direito de audiência prévia;

v.            a ilegalidade do acto de liquidação por falta de fundamentação.

 

3.            No dia 11-03-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 02-05-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 22-05-2019.

 

7.            No dia 25-06-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.

 

8.            Foi facultada à Requerente a possibilidade de exercer o contraditório relativamente à matéria de excepção, o que foi feito.

 

9.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

10.          Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

11.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, prazo esse que foi prorrogado nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

12.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            Os Requerentes eram proprietários de um imóvel localizado na Rua ..., ..., n.º ... – ...,  ..., freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .../... e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ... do Serviço de Finanças de  ...(doravante designado “imóvel”).

2-            No início de 2013, os Requerentes decidiram vender o referido imóvel, tendo contactado agentes imobiliários da zona de ... e Lisboa para publicitar e promover a venda do imóvel.

3-            Até Setembro de 2013, o imóvel foi visitado por diversos interessados, que contactaram directamente os Requerentes ou foram indicados por agentes imobiliários.

4-            Em meados de Setembro de 2013, os Requerentes foram contactados pelo Sr. C..., que informou ser representante da sociedade D..., com sede em Macau, e que teria em carteira diversos clientes do mercado chinês interessados na aquisição de imóveis em Portugal, com características e valor idênticos ao imóvel pertencente aos Requerentes.

5-            O Sr. C... propôs a celebração de um contrato de prestação de serviços, tendo os Requerentes aceite tal proposta.

6-            A sociedade D..., sociedade comercial constituída sob a forma de sociedade por quotas, tem sede na Avenida ..., n.º..., ..., ..., ..., em Macau e está matriculada na Conservatória de Registo Comercial e de bens móveis de Macau com o n.º... .

7-            Em 01-10-2013, os Requerentes celebraram com a D..., representada pelo Sr. C..., um contrato de prestação de serviços.

8-            Do referido contrato de prestação de serviços, constava o seguinte:

 

9-            A sociedade D..., através do seu representante, Sr. C..., pôs os Requerentes em contacto com o Sr. E..., de nacionalidade chinesa e residente em ... (...), distrito de ..., cidade de ..., Província ..., na República Popular da China.

10-         O Sr. E... aceitou as condições propostas e manifestou interesse na celebração do contrato promessa de compra e venda do imóvel.

11-         Em 05-10-2013, os Requerentes celebraram com o Sr. E... contrato promessa de compra e venda do referido imóvel, nos seguintes termos:

 

12-         Em 10-10-2013, os Requerentes celebraram um “ACORDO DE ALTERAÇÃO AO CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA”. Aí os Requerentes, além de contratualizarem com o Sr. E..., contratualizaram ainda com a Srª F..., uma futura comproprietária do Sr. E..., nos seguintes termos:

“CONSIDERANDO QUE:

 

A. Os Promitentes Vendedores e o Primeiro Promitente Comprador celebraram em 5 de Outubro de 2013 um contrato-promessa de compra e venda tendo por objecto o imóvel destinado a habitação, localizado na Rua ..., ... -..., freguesia e concelho de  ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o número .../... da referida freguesia de Cascais e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ... do Serviço de Finanças de ..., a que se refere a licença de utilização número ... emitida pela Câmara Municipal de ..., em 14 de Fevereiro de 2006 (…);

B. O Primeiro Promitente Comprador pretende adquirir o refendo imóvel, em comum com a Segunda Promitente Compradora, reservando para si uma quota ideal correspondente a 5/6 daquele prédio (…);

C. A Segunda Promitente Compradora pretende igualmente adquirir o imóvel melhor descrito no considerando A., em comum com o Primeiro Promitente Comprador, reservando para si uma quota correspondente a 1/6 daquele prédio (…);

D. Os Promitentes Vendedores têm interesse em vender o imóvel melhor identificado no Considerando A e o Primeiro Promitente Comprador e a Segunda Promitente Compradora, por sua vez, têm interesse em adquirir-lhes o referido imóvel, nas proporções mencionadas no considerando anterior (…);

É celebrado e reduzido a escrito o presente Acordo de Alteração ao Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado entre os Promitentes Vendedores e o Primeiro Promitente Comprador no dia 5 de Outubro de 2013, que fica subordinado aos termos dos considerandos acima e aos clausulado subsequente (…)

Cláusula Primeira

O proémio do contrato promessa é alterado de modo a incluir a aqui 3ª Contratante como Segunda Promitente Compradora, passando assim a ter a redacção espelhada acima (…).

 

Cláusula Segunda

É integralmente alterada a redacção do clausulado contratual, passando a reger-se pelas seguintes cláusulas com o seguinte teor (…).

Cláusula Primeira

(Do prédio)

1. Os Promitentes Vendedores são donos e legítimos proprietários do imóvel destinado a habitação, localizado na Rua ... n.° ... - ..., freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número .../... da referida freguesia de ... e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ... do Serviço de Finanças de..., a que se refere a licença de utilização número ... emitida pela Câmara Municipal de ..., em 14 de Fevereiro de 2006 (…)

2. Sobre a mencionada fracção incidem actualmente o seguinte ónus (…):

a) Hipoteca voluntária a favor do Banco G..., para garantia até ao montante máximo de 178.318.000,00 Escudos, cuja quantia corresponde actualmente a 889.446,44 EUR, inscrita sob a Apresentação número 31 de 1999/10/28;

b) Hipoteca voluntária a favor da H... para garantia ao montante máximo de 281.476,00 EUR, inscrita sob a Apresentação número 1281 de 2011/11/11.

 

Cláusula Segunda

(Da promessa de compra e venda)

Pelo presente contrato, os Promitentes Vendedores prometem vender ao Promitente Comprador e à Promitente Compradora, e estes prometem comprar-lhes, totalmente livre de ónus, encargos e limitações, o imóvel melhor identificado na cláusula primeira, pelo preço total de 3.000.000,00 EUR (três milhões de euros), nas seguintes proporções:

a) Primeiro Promitente Comprador: 5/6, pelo preço parcial de 2.500.000,00 EUR (dois milhões e quinhentos mil euros);

b) Segunda Promitente Compradora: 1/6, pelo preço parcial de 500.000,00 EUR (quinhentos mil euros).

Cláusula Terceira

(Do preço e do sinal)

1. O preço livremente ajustado e acordado pelos Contratantes para a compra e venda do imóvel a que se referem as Cláusulas antecedentes é fixado em 3.000.000,00 EUR (três milhões de euros).

2. No dia 5 de Outubro de 2013, com a assinatura da versão original do presente Contrato, o Primeiro Promitente Comprador entregou aos Promitentes Vendedores a quantia de 27.000,00 EUR (vinte e sete mil euros), a título de sinal, quantia da qual os Promitentes Vendedores dão quitação pelo presente instrumento.

3. No prazo de 10 dias a contar da assinatura da versão original do presente Contrato (5 de Outubro de 2013), o Primeiro Promitente Comprador entregará aos Promitentes Vendedores a quantia de 173.000,00 EUR (cento e setenta e três mil euros), a título de reforço de sinal.

 

Cláusula Quarta

(Do contrato definitivo e do remanescente do preço)

1. A escritura pública de compra e venda será celebrada no prazo máximo de 4 (quatro) meses contados a partir da data da assinatura da versão original do presente contrato promessa.

2. Na data da outorga da prometida escritura pública de compra e venda, o Primeiro Promitente Comprador e a Segunda Promitente Compradora liquidarão o remanescente do preço, ou seja, a quantia de 2.800.000,00 EUR (dois milhões e oitocentos mil euros), por meio de cheques visados ou bancários, nos seguintes termos:

a) Primeira Promitente comprador; 2,3000.000,00 EUR;

b) Segunda Promitente Compradora: 500.000,00 EUR.

4. Contra o recebimento do remanescente do preço, os Promitentes Vendedores entregarão a posse do imóvel ao Primeiro Promitente Comprador e à Segunda Promitente Compradora, dando ainda a respectiva quitação do remanescente do preço.

 

Cláusula Quinta

(Bens Móveis)

Acordam ainda as Partes que, no preço do presente contrato, estão incluídos os artigos de mobiliário (artigos de decoração excluídos) elencados e descriminados no registo fotográfico nesta data elaborado pelas Partes e que aqui consta em anexo, o qual faz parte integrante do presente contrato.

 

Cláusula Sexta

(Dos documentos)

1. As Partes Contratantes expressamente declaram e aceitam que até à data da realização da escritura pública de compra e venda colaborarão entre si com vista à obtenção de todos os documentos necessários para a outorga da mesma.

2. Os Promitentes Vendedores deverão obter do IPPAR (IGESPAR) - Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico a autorização, caso seja necessária, para alienação do imóvel melhor identificado na cláusula primeira (artigo 37° da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro).

3. Os Promitentes Vendedores deverão entregar o Certificado de Desempenho Energético e da Qualidade do Ar Interior, para entrega à Promitente Compradora conforme previsto no Decreto-lei n° 78/2006 de 4 de Abril e na Portaria 461/2007 de 5 de Julho.

 

Cláusula Sétima

(Escritura)

Compete aos Promitentes Vendedores a marcação da escritura pública de compra e venda, devendo comunicar por escrito, através de carta registada com aviso de recepção, ao Primeiro Promitente Comprador e à Segunda Promitente Compradora, para as moradas constantes da cláusula décima segunda, o dia, a hora e local da sua celebração, com a antecedência mínima de 8 (oito) dias.

 

Cláusula Oitava

(Despesas)

1. As despesas e encargos, nomeadamente o valor do imposto sobre o património, o valor dos emolumentos notariais decorrentes da escritura pública e ainda os emolumentos de registo que forem devidos em relação ao imóvel, bem como o IMT eventualmente devido pela transmissão e formalização da escritura pública e documentos contratuais nela previstos serão suportados pelo Primeiro Promitente Comprador e pela Segunda Promitente Compradora.

2. Os Promitentes Vendedores serão responsáveis pelo pagamento de quaisquer impostos, taxas ou outros eventuais encargos legais relacionados com o imóvel que respeitem a actos ou factos anteriores à data da celebração da escritura pública de compra e venda, ainda que as respectivas notas de liquidação e de pagamento cheguem ao seu conhecimento e/ou do Primeiro Promitente Comprador elou da Segunda Promitente Compradora em data posterior à da outorga da prometida escritura pública de compra e venda.

3. Os Promitentes Vendedores declaram que à data da celebração da escritura de compra e venda estarão pontualmente pagas todas e quaisquer despesas de Condomínio, taxas e impostos referentes ao imóvel em apreço, declaração essa que repetirão por ocasião da mesma.

 

Cláusula Nona

(Entrega)

O imóvel será entregue ao Primeiro Promitente Comprador e à Segunda Promitente Compradora no dia da escritura pública de compra e venda, no estado físico de conservação em que actualmente se encontra, que é do conhecimento do Primeiro Promitente Comprador e da Segunda Promitente Compradora.

Nos termos do disposto no número anterior, a posse sobre o imóvel que constitui o objecto do presente contrato transmite-se, de facto e de direito, para o Primeiro Promitente Comprador e para a Segunda Promitente Compradora com a outorga da escritura de compra e venda.”

 

13-         Em 16-10-2013, os Requerentes emitiram recibos a favor dos promitentes compradores, pelos valores pagos por estes a partir de Hong Kong e a título de sinal e princípio de pagamento, nos termos do contrato promessa assinado.

14-         Em Janeiro de 2010, o Sr. C... em representação da D... e os Requerentes encetaram contactos tendo em vista a celebração da prometida escritura de compra e venda e a retificação da inexatidão na indicação do valor da comissão devida.

15-         Em 24-01-2014, os Requerentes celebraram com a D..., um “ADITAMENTO AO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS CELEBRADO EM 01/10/2013”, nos seguintes termos:

 

“CONSIDERANDO QUE:

A. As Partes formalizaram em 1 de Outubro de 2013 um contrato de prestação de serviços por via do qual o Segundo Contratante contrata a Primeira Contratante para prestação de serviços de divulgação pelo mercado chinês do imóvel destinado a habitação, localizado na Rua ..., ... - ...- freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número .../... da referida freguesia de ... e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ... do Serviço de Finanças de...s, a que se refere a licença de utilização número-..., emitida pela Câmara Municipal de ..., em 14 de Fevereiro de 2006;

B. Na referida data as Partes alcançaram acordo quanto ao valor da comissão a que a Primeira Contratante teria direito pelo exercício das actividades previstas no referido contrato e que se fixaria em 550.000,00€ (quinhentos e cinquenta mil euros);

C. As Partes detectaram porém que, por mero lapso de escrita, ficou a constar do clausulado do mencionado Contrato que a comissão a que a Primeira Contratante teria direito se deixava fixada em 575.000,00€ (quinhentos e setenta e cinco mil euros), razão pela qual o clausulado contratual não reflecte a real vontade das Partes;

D. As Partes, no espírito de boa-fé que move toda a negociação, e de acordo com o previsto no número 1 da Cláusula 0itava do já sobejamente referido Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre as Partes em 01/10/2013. pretendem proceder à rectificação da Cláusula Quarta do mencionado Contrato de Prestação de Serviços, de modo a que aí passe a constar que a comissão a que a Primeira Contratante tem direito é fixada em 550.000,00€ (quinhentos e cinquenta mil euros),

É celebrado o presente Aditamento ao Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre as Partes em 1 de Outubro de 2013, constituído pelas cláusulas subsequentes que acordaram, aceitam e reciprocamente se obrigam a cumprir:

Cláusula Primeira

(Rectificação da Cláusula Quarta)

A Cláusula Quarta do Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre as Partes em 01/10/2013 é neste momento rectificada quanto ao valor da comissão estabelecida a favor da Primeira Contratante, passando a ter a seguinte redacção:

Cláusula Quarta

(Contrapartidas)

1. Pelo exercício de todas as actividades previstas no presente Contrato. a Primeira Contratante terá direito a uma comissão sobre o valor de venda, cujo contrato-promessa, escritura pública ou documento particular de compra e venda resulte dos contactos e negociações originados pela Primeira Contratante.

2. A comissão prevista no número anterior será de 550.000,00€ (quinhentos e cinquenta mil euros).

3. A comissão acima referida será paga no prazo de 8 dias a contar da recepção da respectiva factura, a qual só poderá ser emitida pela Primeira Contratante após outorga de escritura pública ou de documento particular de compra e venda.

4. A comissão é a única contrapartida a que a Primeira Contratante tem direito pela prestação dos serviços acordados no presente Contrato, incluindo I.V.A. ou outros encargos fiscais de natureza equivalente a que possa estar sujeita.

5. A comissão será devida à Primeira Contratante, ainda que o contrato-promessa, a escritura pública ou o documento particular de compra e venda relativos ao activo sejam celebrados após o termo do presente Contrato, desde que o comprador tenha sido efectivamente angariado pela Primeira Contratante.

 

Cláusula Segunda

(Inalteração das Demais Cláusulas)

Com excepção do previsto na Cláusula anterior, mantêm-se em vigor, nos exactos termos inicialmente formalizados, todas as Cláusulas do Contrato de Prestação de Serviços acima mencionado que não sejam por este Aditamento objecto de alteração.”

 

16-         Em 28-01-2014, os Requerentes celebraram escritura de compra e venda do imóvel no Cartório Notarial de I..., em Lisboa, pelo preço global de €3.000.000,00.

17-         Na referida escritura pública, os outorgantes declararam que houve intermediação de uma mediadora imobiliária de Macau, denominada J... Unipessoal, Limitada, inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Macau sob o n.º de registo:... .

18-         Em 28-01-2014, a sociedade D... emitiu a seguinte fatura aos Requerentes:

 

 

19-         Em 03-02-2014, os Requerentes pagaram à D..., o valor de €521.000,00, mediante transferência bancária para a conta indicada por aquela sociedade, no Banco G..., em Macau.

20-         Em 28-05-2015, os Requerentes procederam à entrega da declaração de IRS, relativa ao ano de 2014, a qual foi identificada com o n.º... .

21-         A referida declaração de IRS foi selecionada para análise dos elementos declarados no que concerne à quantia inscrita no anexo G, relativa às despesas e encargos relacionados com a venda do imóvel.

22-         Em 28-06-2015, os Requerentes foram notificados para efeitos da referida verificação e análise do conteúdo da declaração e, em 06-10-2015, entregaram no Serviço de Finanças documentação necessária à análise da questão.

23-         Em 18-10-2017, a Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e Despesa da Direcção de Finanças de Lisboa, mediante o ofício n.º ..., notificou os Requerentes, para efeitos de audição prévia, da intenção de se efetuar a correção do montante do encargo relativo à venda do imóvel.

24-         Da referida notificação, constava o seguinte:

 

25-         Os Requerentes exerceram o respectivo direito de audição prévia.

26-         Alguns dos argumentos apresentados em sede de direito de audição foram tidos em consideração, tendo a AT emitido a seguinte decisão final:

 

27-         A AT determinou a elaboração de uma declaração oficiosa na qual o valor relativo a despesas e encargos relacionados com a venda do imóvel foi retirado e foi mantida a intenção de reinvestimento.

28-         A referida declaração oficiosa deu origem à liquidação n.º 2017..., na qual se apurou um reembolso no montante de €2.551,96, notificado e pago aos Requerentes em 02-11-2018.

29-         Em 14-05-2018, aquando a entrega da declaração de IRS relativa ao ano de 2015, os Requerentes declararam que concretizaram uma parte do reinvestimento, no valor de €838.380,00.

30-         Na sequência disso, em 30-10-2018, foi efectuada uma nova liquidação n.º 2018..., visando o cálculo do reinvestimento parcial, da qual resultou imposto a pagar no valor de €462.650,47.

31-         O teor da notificação foi o seguinte:

32-         Na parte referente aos juros compensatórios foram os Requerentes notificados, ainda, do seguinte:

33-         Em 10-12-2018, os Requerentes procederam ao pagamento da referida liquidação.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

i.             Da matéria de excepção

a.            Da extemporaneidade do pedido e da caducidade do direito de acção

A Requerida começa a sua defesa por arguir a extemporaneidade (e não intempestividade, como seguramente por lapso, refere) do pedido e a caducidade do direito de acção.

Para a Requerida, apesar de os Requerentes indicarem como objecto do pedido de pronúncia arbitral a liquidação n.º 2018..., de 30-10-2018, a causa de pedir apresentada estaria apenas relacionada com o procedimento de análise do teor dos elementos indicados na declaração de rendimentos entregue a 28-05-2015.

Assim, prossegue a Requerida, uma vez que a causa de pedir que subjaz ao pedido respeita efectivamente à liquidação resultante do procedimento de verificação dos elementos declarados que foi emitida em Dezembro de 2017 e paga em Outubro de 2018 (liquidação n.º 2017...), e considerando que o pedido de pronúncia arbitral apenas foi apresentado em 11-03-2019, terá sido ultrapassado o prazo legal para o fazer, pelo que se verificaria a excepção de intempestividade, excepção peremptória conducente à absolvição do pedido.

Ressalvado o respeito devido não assistirá qualquer razão à Requerida nesta matéria.

Efectivamente, e como a própria Requerida reconhece, o objecto da presente acção arbitral, a que se reporta o pedido anulatório formulado e que é, consabidamente, o referente da tempestividade do pedido arbitral, nos termos do art.º 10.º do RJAT, é o acto de liquidação de IRS n.º 2018 ... e juros compensatórios, relativo ao ano de 2014, no valor de €462.650,47, cuja tempestividade da impugnação arbitral não é contestada pela Requerida.

As questões relativas à causa de pedir, suscitadas pela Requerida não contendem, por qualquer forma com a tempestividade da acção arbitral, mas, antes, com a procedência ou improcedência do mesmo, em termos que adiante se analisarão.

Nos presentes autos, e como igualmente se reverá adiante, estaremos perante uma situação análoga à decidida no Acórdão do STA de 29-10-2013, proferido no processo 01028/03, onde se explica que:

“III - A ordem de reposição de quantias é um acto consequente, mas não um mero acto de execução de anterior acto que operou a redução do saldo, já que, embora este habilite à prática do segundo acto e funcione como seu pressuposto, o segundo acto contém, nessa medida, um efeito jurídico inovador, legitimado pela prática do primeiro mas não contido nele.

IV - O recurso contencioso deste segundo acto deve, no entanto, ater-se aos vícios que lhe sejam directamente imputáveis, e não aos que estejam eventualmente a inquinar a primeira decisão, pelo que, caso o recurso contencioso do primeiro acto seja rejeitado, o recurso contencioso da ordem de restituição só pode ter como causa de pedir os vícios da nova decisão, ou seja, os que eventualmente afectem a "liquidação" da obrigação de restituir.”.

                Também no caso sub iudice, e como é bem evidente, os Requerentes alegam vícios próprios do acto de liquidação de IRS n.º 2018 ... e juros compensatórios, relativo ao ano de 2014, no valor de €462.650,47 (violação de determinados princípios, ilegalidade dos juros, falta de audiência prévia e de fundamentação).

                Daí que motivo algum haverá para concluir, como pretende a Requerida, pela extemporaneidade do pedido ou pela caducidade do direito de acção, devendo, naturalmente, o Tribunal ater-se à apreciação dos vícios invocados que sejam próprios do acto tributário objecto da acção arbitral.

Assim, e face ao exposto, julga-se improcedente a excepção, ora em apreço, invocada pela Requerida.

 

***

 

ii.            Do fundo da causa

Como previamente se expôs, na presente acção de processo arbitral está em causa aferir da legalidade do acto de liquidação de IRS n.º 2018 ... e juros compensatórios, relativo ao ano de 2014, no valor de €462.650,47.

Relativamente a tal acto, e como também se indicou já, os Requerentes assacam os seguintes vícios:

i.             ilegalidade do acto de liquidação por violação dos princípios da legalidade e tipicidade, da justiça, da proporcionalidade e da capacidade contributiva e por não estarem preenchidos os pressupostos de que, nos termos da lei, depende a exigibilidade da tributação em causa;

ii.            ilegalidade da liquidação de juros compensatórios por não ter sido demonstrada, nem provada a verificação dos pressupostos de que, nos termos da lei, depende a exigibilidade dos juros compensatórios em causa;

iii.           ilegalidade do acto de liquidação por preterição do direito de audiência prévia;

iv.           ilegalidade do acto de liquidação por falta de fundamentação.

Vejamos cada um deles.

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a.  Da violação dos princípios da legalidade e tipicidade, da justiça, da proporcionalidade e da capacidade contributiva e por não estarem preenchidos os pressupostos de que, nos termos da lei, depende a exigibilidade da tributação em causa

 

                Começam os Requerente por arguir a ilegalidade da liquidação contra a qual ora se insurgem por violação dos princípios da legalidade e tipicidade, da justiça, da proporcionalidade e da capacidade contributiva.

                Para os Requerentes, e no que diz respeito aos dos princípios da legalidade e tipicidade, a mais-valia deve definir-se pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, maxime quando o facto gerador do imposto constituir uma alienação onerosa, como se verifica no presente processo, estando assim sujeita ao princípio da realização.

No mais, estando em causa a tributação dos ganhos, que se reflictam no aumento do património do sujeito passivo, em harmonia com os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da tributação do rendimento, a lei consagra a possibilidade de dedução das despesas e encargos necessários para que o rendimento pudesse ter ocorrido e que, como expressão negativa da capacidade contributiva que são, devem nessa exacta medida ser excluídos do rendimento tributável, impondo que que só devam ser sujeitos a imposto os rendimentos líquidos.

Prosseguem os Requerentes afirmando que, no caso em análise, não se verifica, nem foi identificado no texto e contexto dos concretos actos de liquidação e cobrança impugnados no presente processo, qualquer facto material simples do qual resulte a inadmissibilidade da despesa suportada pelo impugnante com o pagamento da comissão pelos serviços de intermediação imobiliária em causa que, como resulta dos factos invocados e se demonstrou e foi reconhecido pela AT, foi necessária para que o rendimento pudesse ter ocorrido (arts. 8.º, 36.º e 74.º da LGT e art.º 100.º do CPPT), tributando-se como se de rendimento líquido se tratasse o valor de encargos e despesas suportados pelos impugnantes, o que é inadmissível, ex vi do art.º 104.º da CRP e do art. 52.º, alínea a) do CIRS (v. art.º 103.º da CRP, arts. 8.º, 11.º e 18.º da LGT, art. 9.º do C. Civil).

Concluem no sentido de que os actos tributários sub judice violaram frontalmente os princípios constitucionais da legalidade, da justiça, da proporcionalidade e da capacidade contributiva, pois impuseram aos impugnantes suportarem encargos patrimoniais que não eram legalmente devidos, relativamente a quantias que integram despesas relevantes e necessárias para a obtenção do rendimento e que, consequentemente, não integram, qualquer rendimento líquido, considerando manifesta a inconstitucionalidade do art.º 51.º, alínea a) do CIRS, com o sentido normativo que lhe foi atribuído naqueles actos.

Consideram, ainda, os Requerentes não estarem preenchidos os pressupostos de que, nos termos da lei, depende a exigibilidade da tributação em causa.

                A este propósito, referem a inexistência de facto tributário, causa e base legal dos actos tributários sub judice, bem como a falta de elementos essenciais ou “causa jurídica” a que a constituição ou manutenção da obrigação tributária possa ser atribuída, e que não tendo sido demonstrada, nem provada a verificação dos pressupostos de que, nos termos da lei, depende a exigibilidade da tributação em causa, é manifesto que não se verifica o respectivo facto tributário, sendo manifesta a ilegalidade dos actos sub judice.

Antes de mais, cumpre notar, desde logo, o equívoco em que parece assentar a argumentação dos Requerentes. Note-se que a presente acção arbitral tem como objecto, exclusivamente, o acto de liquidação de IRS n.º 2018... e respectivos juros compensatórios, relativo ao ano de 2014.

Como decorre dos factos dados como provados, tal acto - acto de liquidação de IRS n.º 2018...- funda-se e resulta exclusivamente da circunstância de os Requerentes terem declarado, no prazo legal, que apenas concretizaram uma parte do reinvestimento, no valor de €838.380,00 das mais valias que tinham auferido, e que, previamente, tinham declarado pretender levar a cabo.

A questão da relevância das despesas relevantes e necessárias para a obtenção do rendimento tributado – mais-valias – não foi objecto de apreciação naquele acto de liquidação.

Tal acto de liquidação – no que à matéria das despesas referidas – limitou-se a aplicar o que resultou do procedimento de correção do montante do encargo relativo à venda do imóvel, a que se referem os pontos 23 e ss. dos factos provados, e do respectivo acto final e liquidação, actos estes que não foram impugnados e, como tal, consolidaram-se na ordem jurídica, formando o que se costuma designar, na doutrina e na jurisprudência, caso decidido ou resolvido.

Como se escrevia já no Ac. do STA de 13-01-1994, proferido no processo 032425, em doutrina reafirmada no recente Ac. do TCA-Sul de 07-03-2019, proferido no processo 2647/14.9BELSB,  “com a figura do caso resolvido o legislador visou dar estabilidade às decisões finais da Administração, com o fito de evitar a prática de actos confirmativos e de libertar os serviços da insistência importuna dos reclamantes pirrónicos, objectivos que são compatíveis com a revogabilidade dos actos administrativos, nos termos em que a lei a consente.”.

Na parte em que desconsidera as despesas relevantes e necessárias para a obtenção do rendimento tributado que os Requerentes ora pretendem fazer valer, o acto de liquidação de IRS n.º 2018... e juros compensatórios, relativo ao ano de 2014, é um acto meramente confirmativo.

Como se explica no Ac. do TCA-Sul de 10-07-2015, proferido no processo 01772/07, o acto final de liquidação não possui “natureza de acto substitutivo porque não cria um novo quadro jurídico regulador de uma situação concreta, (...)  não inovando na ordem jurídica (...), tem natureza meramente confirmativa que não admite impugnação autónoma.”.

Acrescente-se, ainda, que o acto final do procedimento de correção do montante do encargo relativo à venda do imóvel, a que se referem os pontos 23 e ss. dos factos provados, e o subsequente acto de liquidação, constituem em si actos autónomos e lesivos para os Requerentes, na medida em que definiram autoritariamente a sua situação jurídico-tributária, em termos que lhes eram desfavoráveis, motivo pelo qual são é possível aplicar aqui o princípio da impugnação unitária, a que se refere o art.º 54.º do CPPT.

                Daí que os vícios e invalidades que os Requerentes apontam ao acto de liquidação de IRS n.º 2018... e juros compensatórios, relativo ao ano de 2014, se hão-de apreciar, unicamente, na parte em que o mesmo é inovatório, ou seja, na parte em que procede à liquidação resultante de os Requerentes terem declarado, no prazo legal, que concretizaram uma parte do reinvestimento, no valor de €838.380,00 das mais valias que tinham auferido, e que, previamente, tinham declarado pretender levar a cabo.

                A esta luz resulta clara a improcedência dos vícios que lhe são assacados pelos Requerentes, na medida em que assentam, exclusivamente, em matéria relativa às despesas relevantes e necessárias para a obtenção do rendimento tributado, matéria essa que foi apreciada e decida no procedimento de correção do montante do encargo relativo à venda do imóvel, a que se referem os pontos 23 e ss. dos factos provados, e do respectivo acto final e liquidação.

                De resto, e no que diz respeito às alegadas violações dos princípios invocados pelos Requerentes, é consabido que os princípios devem ser compatibilizados com outros princípios e valores, como seja, no caso, a segurança e a estabilidade jurídicas, cedendo em determinadas circunstâncias.

                Como escreveu o Tribunal Constitucional no acórdão 32/2002, de 22/01/2002,  no âmbito do processo n.º 787/98:“... não houve recurso contencioso e o acto administrativo acabou por se consolidar na ordem jurídica, deixando de ser impugnável. Ora, este Tribunal já decidiu expressamente, no Acórdão n.º 786/96 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 34.º vol., p. 34), que, "nesta última hipótese, tal consolidação, mesmo não constituindo caso julgado em sentido estrito, por não proceder de decisão judicial, há-de, no entanto, a ele ser equiparada para efeito do disposto no artigo 282.º, n.º 3, da Constituição". O que significa, no caso vertente, que aqueles casos em que não foi oportunamente interposto recurso contencioso constituem agora caso administrativo resolvido e se encontram já consolidados”.

                No mais, que diz respeito à alegada inexistência de facto tributário, como se escrevia já no Ac. do STA de 09-12-2003, proferido no processo 015806, “A inexistência do facto tributário radica na não ocorrência da situação real causa da liquidação propriamente dita”.

                Ora, como é pacífico nos autos, os Requerentes auferiram uma mais valia sujeita a tributação nos termos legais.

                Daí que, desde logo, nunca poderia estar em causa, salvo melhor opinião, a inexistência de facto tributário, mas meramente um erro na quantificação do mesmo.

                Não obstante, e no quadro do quanto previamente se expôs, não é esse o caso.

                Com efeito, e como antes se indicou, a liquidação objecto da presente acção arbitral limitou-se a retirar as consequências da circunstância de os Requerentes terem declarado, no prazo legal, que concretizaram apenas uma parte do reinvestimento exigido, no valor de €838.380,00 das mais valias que tinham auferido, e que, previamente, tinham declarado pretender levar a cabo. A liquidação objecto da presente acção arbitral não dispôs, por qualquer forma, sobre a questão da consideração do montante do encargo relativo à venda do imóvel, que os Requerentes aqui pretendem fazer valer. Essa foi uma questão que já estava decidida e definida, como atrás identificado, por acto anterior, não abrangido no objecto da presente acção arbitral. Enfatiza-se. Aquilo que está em causa na liquidação objecto da presente acção arbitral é a correcção derivada da não utilização do benefício fiscal legalmente devido, uma vez que não se preencheu o requisito legal temporal: apesar de os Requerentes terem a opção de concretização do reinvestimento no prazo de 36 meses, i.e., no caso em apreço, até Janeiro de 2017, tal não correu na totalidade.

                Daí que não se verifique qualquer das ilegalidades e inconstitucionalidades invocadas pelos Requerentes e ora apreciadas, devendo por isso, nesta parte, improceder o pedido arbitral.

 

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b. Da ilegalidade da liquidação de juros compensatórios

 

                Prosseguem os Requerentes, alegando a ilegalidade da liquidação de juros compensatórios, por não ter sido demonstrada, nem provada a verificação dos pressupostos de que, nos termos da lei, depende a exigibilidade dos juros compensatórios em causa.

                Para os Requerentes inexiste qualquer dívida tributária que permitisse a liquidação de tais juros e não se verifica, não foi demonstrada, nem foi provada qualquer culpa dos contribuintes.

                Como se escreveu no Acórdão do STA de 04-12-2013, proferido no processo 01111/13, “A fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual, o montante do imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem.”.

                E, como se explica, mais detalhadamente, no Acórdão do TCA-Sul de 19-09-2017, proferido no processo 07964/14: “Assim, o conhecimento integral do itinerário valorativo e cognoscitivo seguido pela entidade que liquidar os juros compensatórios não dispensará:

1- A indicação do montante dos juros, separado do montante do tributo, se for liquidado concomitantemente;

2- Os termos inicial e final da contagem dos juros;

3- A taxa ou taxas e os períodos a que se reporta cada uma delas, se não for a mesma a taxa aplicada para cálculo da totalidade dos juros;

4- A indicação dos diplomas legais que consagram a responsabilidade por juros compensatórios e os que prevêem as taxas aplicadas;

5- A situação fáctica violadora da lei que justifica a liquidação dos juros ou os factos que levaram a A. Fiscal a concluir que o atraso na liquidação se deveu a actuação culposa do contribuinte (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/2/2004, rec.1733/03; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/4/2013, rec.1095/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/10/2013, proc.6670/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/09/2015, proc.8225/14; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.284 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.240).”

                Ora, os Requerentes não colocam em causa qualquer destes elementos e, como se viu já, a alegada inexistência da dívida tributária, não ocorre no presente caso.

                Relativamente à alegada demonstração e prova da verificação dos pressupostos de que, nos termos da lei, depende a exigibilidade dos juros compensatórios em causa, o certo é que, conforme resulta da matéria de facto dada como provada, da notificação que foi efectuada aos Requerentes constam todos os elementos necessário ao cumprimento das obrigações legais que nessa matéria assistiam à AT, à luz dos critérios previamente expostos.

                Daí que, não se verificando a violação de qualquer norma ou princípio, legal ou constitucional, aplicável ao caso ou invocado pelos Requerentes, também nesta parte, deva improceder o pedido arbitral.

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c. Da ilegalidade do acto de liquidação por preterição do direito de audiência prévia

               

Alegam também os Requerentes que, relativamente ao acto de liquidação objecto da presente acção arbitral, foi preterido o direito de audiência prévia, que, no caso, lhe consideram assistir.

                Para os Requerentes, os actos de liquidação e cobrança sub judice não foram assim precedidos de audiência e defesa dos ora impugnantes sobre todas as questões que foram objecto de decisão, designadamente:

 

- que se tenha verificado “através dos documentos enviados que a empresa que efetuou a intermedìação está sediada em Macau” e que fosse aplicável o regime da Lei 15/2013, de 8 Fevereiro, a situações expressamente exluídas do seu âmbito pelo respectivo art.º 1.º, n.º 2;

- a aplicabilidade dos arts. 36.º e 40.º do CIVA;

- os pressupostos de que, nos termos da lei e na perspectiva da entidade decidente – Autoridade Tributária -, depende a exigibilidade dos juros compensatórios.

 

                Antes de mais, cumpre reiterar aqui o anteriormente expendido quanto ao aparente equívoco em que laboram os Requerentes, ao confundir o procedimento de correção do montante do encargo relativo à venda do imóvel, a que se referem os pontos 23 e ss. dos factos provados, e do respectivo acto final e liquidação, com o acto tributário objecto da presente acção arbitral, o que é patente pela remissão que fazem para os documentos 16 e 18 juntos com o Requerimento inicial, que dizem respeito àquele referido procedimento.

                Cingindo-nos ao acto de liquidação de IRS n.º 2018... e juros compensatórios, relativo ao ano de 2014, verifica-se que o mesmo foi emitido na sequência da declaração de reinvestimento apresentada pelos Requerentes e em conformidade com a mesma, bem como com o previamente decidido, e firmado na ordem jurídica, no procedimento de correção do montante do encargo relativo à venda do imóvel, a que se referem os pontos 23 e ss. dos factos provados.

                Daí que, nos termos do disposto no art.º 60.º, n.º 2, alínea a) da LGT fosse, relativamente ao acto tributário que ora nos ocupa, dispensado, ope legis, a audiência prévia dos Requerentes, não sendo necessário, por falta de acolhimento legal, nenhuma decisão expressa nesse sentido, desde logo, porquanto o regime em questão visa agilizar e simplificar a emissão de actos tributários, o que é, evidentemente, incompatível com a necessidade de uma decisão prévia a determinar a aplicação desse mesmo regime.

                Em todo o caso, e mesmo que assim não fosse, sempre a preterição da formalidade em questão se degradaria em não essencial, uma vez que tendo sido conforme à declaração apresentada pelo contribuinte, corrigida nos termos de acto anterior já sedimentado na ordem jurídica, não seria a participação dos Requerentes na decisão susceptível de alterar aquela.

                Já no que diz respeito à audição prévia relativa aos pressupostos de que, nos termos da lei e na perspectiva da entidade decisora – Autoridade Tributária -, depende a exigibilidade dos juros compensatórios, não foi efectivamente cumprido o dever de audiência prévia que, nesse caso, impendia sobre a AT.

                Todavia, como se decidiu no Acórdão do STA de 19-09-2018, proferido no processo 0242/17, “A preterição de uma determinada formalidade poderá considerar-se preterição de formalidade não essencial se se demonstrar (apreciação dependente das circunstâncias concretas de cada caso, numa ponderação que está subjacente ao princípio do aproveitamento dos actos administrativos) que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente.”.

                Ora, no caso, e no que diz respeito a esta matéria, os Requerentes não alegam, e consequentemente não demonstram, que a sua audição antes da liquidação de juros compensatórios fosse alterar, por qualquer forma, o respectivo cálculo.

                Com efeito, e conforme consta da respectiva notificação que integra os factos provados, ocorreu retardamento da liquidação. Além disso, sendo os elementos de cálculo dos juros em questão elementos apenas numéricos, e sendo que as operações aritméticas subjacentes ao seu cálculo são as correctas, não se vislumbra, por isso, que a decisão final em questão pudesse ser diferente da que foi tomada.

                Deste modo, e em obediência à jurisprudência citada, dever-se-á julgar a formalidade preterida relativa à audiência prévia dos interessados, degrada em não essencial.

                Face ao exposto, não se verificando a violação de qualquer norma ou princípio, legal ou constitucional, aplicável ao caso ou invocado pelos Requerentes, improcederá igualmente nesta parte o pedido arbitral.

 

***

 

d. Da ilegalidade do acto de liquidação por falta de fundamentação

               

Arguem, por fim, os Requerentes, ilegalidade do acto de liquidação por falta de fundamentação.

                Consideram os Requerentes, a este propósito, que resulta do texto e contexto dos concretos actos de liquidação e cobrança impugnados, que estes enfermam de manifesta falta de fundamentação, de facto e de direito, ou, pelo menos, esta é insuficiente, obscura e incongruente.

                Uma vez mais, nesta matéria, o que se verifica é que os Requerentes incorrem no equívoco de misturar o procedimento de correção do montante do encargo relativo à venda do imóvel, a que se referem os pontos 23 e ss. dos factos provados, e do respectivo acto final e liquidação, com o acto tributário objecto da presente acção arbitral, já que todos os argumentos que esgrimem relativamente à falta de fundamentação daquele último, se reportam ao primeiro, com excepção da parte relativa aos juros compensatórios, já analisada, no que diz respeito à necessidade de fundamentação, em ponto anterior.

                Não se verifica, por isso, também nesta matéria a violação de qualquer norma ou princípio, legal ou constitucional, aplicável ao caso ou invocado pelos Requerentes, pelo que deverá improceder o pedido arbitral formulado.

 

***

 

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Absolver a Requerida do pedido; e

b)           Condenar os Requerentes nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 462.650,47, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 7.344,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelos Requerentes, uma vez que o pedido foi julgado totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

Lisboa, 15 de Janeiro de 2020

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Amândio Silva)

 

A Árbitro Vogal

(Rita Calçada Pires)