Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 656/2017-T
Data da decisão: 2019-02-25  IUC  
Valor do pedido: € 744,57
Tema: IUC – Incidência subjetiva.
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Decisão Arbitral

 

 

I – Relatório

 

  1. O A..., SA., pessoa coletiva n.º..., com sede em Rua ..., n.º..., ...-... Lisboa (doravante designado por Requerente), apresentou em 18.12.2017, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante designado por RJAT), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

  1. A Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista a declarar a ilegalidade de cinco atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) relativos ao ano de 2015, no valor total de € 736,83, acrescidos de juros compensatórios no montante de € 7,74, o que perfaz o valor total de € 744,57, cujos atos de liquidação se identificam infra:

 

Liquidações de IUC – Ano de 2015

Referência de Pagamento

Matrícula

Veículo

Imposto

Juros Compensat.

Valor total

...

...

€ 160,27

€ 1,62

€ 161,89

...

...

€ 164,51

€ 1,86

€ 166,37

...

...

€ 160,27

€ 1,42

€ 161,69

...

...

€ 216,37

€ 2,44

€ 218,81

...

...

€ 35,41

€ 0,40

35,81

Valor Total

€ 744,57

 

  1. A Requerente pede ainda a declaração de ilegalidade dos atos de indeferimento dos recursos hierárquicos e das reclamações graciosas apresentadas contra os atos de liquidação de IUC e de juros compensatórios supra identificados, e que foram, respetivamente, indeferidos por decisão da Diretora da Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, do Imposto Único de Circulação e das Contribuições Especiais (DSIMT) e da Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), todos por delegação de competências, pedindo ainda a Requerente a restituição do valor indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

 

  1. Os referidos atos de liquidação de IUC e de juros compensatórios foram efetuados e notificados à Requerente pelos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, entidade Requerida no presente processo arbitral e de ora em diante designada por Requerida.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exm.º Presidente do CAAD em 19 de Dezembro de 2017 e automaticamente notificado à AT.

 

  1. Atento o disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou o signatário como árbitro, que de imediato aceitou o encargo. As Partes, devidamente notificadas, não manifestaram qualquer oposição à designação do árbitro.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redação que lhe foi dada pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 27 de Fevereiro de 2018.

 

  1. Em 14 de Março de 2018 foi notificada a Exm.ª Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º do RJAT.

 

  1. Em 19 de Abril de 2018, a requerida apresentou a sua resposta e, nos termos do n.º 2 do artigo 17.º do RJAT, remeteu para ser junto aos autos o processo administrativo.

 

  1. Em 20 de Junho de 2018, foi proferido despacho arbitral a determinar a dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como a prova testemunhal indicada pela Requerente, e a determinar a notificação das partes para apresentação de alegações.

 

  1. A requerente apresentou as alegações em 06 de Julho de 2018 e as alegações da requerida foram apresentadas em 09 de Julho de 2018.

 

  1. Em face da controvérsia gerada pelas normas do artigo 3.º do Código do Imposto Único de Circulação (CIUC), concretamente, se a previsão do n.º 1 do artigo 3.º tem ínsita ou não uma presunção legal, das posições doutrinais e, designadamente, das decisões jurisprudenciais, arbitrais e judiciais, díspares sobre matéria controvertida semelhante, o tribunal arbitral singular entendeu desenvolver aturado estudo da matéria objeto do presente processo arbitral, pelo que, nos termos do artigo 21.º do RJAT, foram proferidos despachos de prorrogação do prazo para prolação da decisão arbitral, os quais estão inscritos no histórico do processo arbitral constante do sistema aplicacional do CAAD.

 

II - SANEAMENTO

 

  1. Em face da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o artigo 104.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) é subsidiariamente aplicável aos processos de arbitragem tributária, pelo que é legítima e legal a cumulação de pedidos feita pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral que deu lugar ao presente processo de arbitragem tributária.

 

  1. O tribunal arbitral é materialmente competente, atento o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

  1. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

  1. Não foram invocadas exceções e o processo não enferma de nulidades.

 

  1. Em face do disposto no normativo da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado tempestivamente.

 

  1. Não se verificam quaisquer circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa ou que impeçam o tribunal de apreciar e de decidir.

 

 

III - CAUSA DE PEDIR E PEDIDO

 

  1. As decisões de indeferimento proferidas nos recursos hierárquicos n.ºs ...2016..., ...2017... ...2017..., ...2017... e ...2017..., e as decisões de indeferimento proferidas nas reclamações graciosas n.ºs ...2016..., ...2016..., ...2016..., ...2016... e ...2016... . Estes procedimentos tributários estão todos identificados no processo administrativo apresentado pela Requerida e referenciados no pedido de pronúncia arbitral efetuado pela Requerente.

 

  1. Os recursos hierárquicos foram apresentados contra as decisões de indeferimento das reclamações graciosas, as quais tiveram por objeto os atos de liquidação de IUC e respetivos juros compensatórios referentes ao ano de 2015, e são relativos aos veículos identificados pela matrícula ..., ..., ...; ... e ... .

 

  1. A Requerente invoca a ilegalidade das decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos e das reclamações graciosas, bem como dos atos de liquidação de IUC que constituíram o objeto de tais procedimentos tributários, alegando que à data da ocorrência do facto gerador e da exigibilidade do imposto não era o proprietário dos referidos veículos.

 

  1. A Requerente pede a anulação dos referidos atos de liquidação de IUC do ano de 2015, bem como das liquidações de juros compensatórios, e a restituição do valor indevidamente pago, com o pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

IV - DA POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

  1. O artigo 3.º do CIUC não comporta qualquer presunção legal. O legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que são sujeitos passivos do IUC os proprietários dos veículos e estes são as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados na Conservatória do Registo Automóvel.

 

  1. A Requerida liquida o IUC por consulta aos dados registrais que lhe são fornecidos pelo Instituto de Registos e Notariado e, à data do facto gerador e da exigibilidade do imposto do ano de 2015, a matrícula dos veículos em causa estava registada em nome da Requerente, na qualidade de proprietária.

 

 

  1. Os atos de liquidação de IUC do ano de 2015 colocados em crise pela Requerente foram feitos em conformidade com os normativos do CIUC, pelo que não enfermam de qualquer vício de lei.

 

  1. Os documentos apresentados pela Requerente para ilidir a (suposta) presunção legal constante do artigo 3.º do CIUC não são idóneos.

 

  1. Os factos que deram azo ao pedido de pronúncia arbitral devem-se à falta de diligência e zelo da Requerente que, ao invés do que podia fazer nos termos da lei, não promoveu a atualização do registo automóvel.

 

  1. Na realização dos atos de liquidação do IUC não existe qualquer erro imputável aos serviços da AT, pelo que não são devidos juros indemnizatórios nem a Requerida deu causa ao processo arbitral.

 

V - QUESTÕES DECIDENDAS

Ao tribunal arbitral singular cumpre decidir sobre:

 

29.     A existência ou não de uma presunção legal no n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC, na redação à data dos factos, e sobre a possibilidade da presunção poder ser ou não ilidida.

 

30.     Se os elementos probatórios (provas documentais) apresentados pela Requerente são idóneos para ilidir a presunção legal ínsita no n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC.

 

31.     Sobre a ilegalidade das decisões proferidas nos recursos hierárquicos e nas reclamações graciosas apresentadas pela Requerente contra os atos de liquidação de IUC e juros compensatórios, que constituem o objeto do presente processo arbitral.

32.     Sobre a ilegalidade dos atos de liquidação de IUC e de juros compensatórios referentes ao ano de 2015, supra identificados.

 

33.     Se existe erro imputável aos serviços da AT na realização das liquidações de IUC do ano de 2015, em ordem a decidir sobre o dever de pagamento de juros indemnizatórios.

 

VI – DO ENQUADRAMENTO RELEVANTE

VI – 1 – DO ENQUADRAMENTO EFETUADO PELA REQUERENTE

 

34.     A Requerente alega que parte substancial da sua atividade reconduz-se à celebração – entre outros – de contratos de locação financeira ou ALD, atividade que tem especial relevância no financiamento ao sector automóvel.

 

35.     A Requerente alega que, em resultados dos referidos contratos, depois de contactada pelo cliente – que, nessa fase, já escolheu o tipo de veículo que pretende adquirir, as suas características (marca, modelo, acessórios, etc.), bem como preço – adquire o veículo ao fornecedor que lhe foi indicado pelo cliente e procede, de seguida, à entrega a este do veículo, assumindo, assim, a qualidade de locatário.

 

36.     Do contrato de locação financeira decorre que o financiamento concedido ao locatário pela Requerente é restituído em prestações mensais, e que, uma vez estas liquidadas na totalidade, e assim alcançado o termo do contrato, o locatário tem o direito de adquirir o bem locado pelo valor residual, acrescido de despesas e IVA.

 

37.     A Requerente alega que todos os veículos automóveis sobre os quais incide a liquidação de IUC foram dados em locação por ela aos clientes identificados nos autos e que, no termo dos contratos, os clientes adquiriram o respetivo veículo automóvel, mediante o pagamento do correspondente valor residual, conforme faturas que juntou ao pedido de pronúncia arbitral, e que já havia junto aos procedimentos de recursos hierárquicos e de reclamação graciosa.

 

38.     A Requerente alega que quando a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) a notificou das liquidações de IUC do ano de 2015 e exigiu o pagamento já não era proprietária dos veículos automóveis que motivaram a liquidação do imposto, pelo que não pode ser o sujeito passivo nem a responsável pelo pagamento do referido imposto.

 

39.     A Requerente, embora reconheça que à data do facto gerador e da exigibilidade do imposto os veículos estavam registados em seu nome na Conservatória do Registo Automóvel, considera irrelevante tal facto, porquanto já se havia dado a transmissão dos referidos veículos, estando, à data do pedido de pronúncia arbitral, a promover o registo dos veículos automóveis em nome dos efetivos proprietários.

 

40.     A Requerente alega que a falta de registo a favor dos novos proprietários e a circunstância dela figurar no registo como proprietária dos veículos não pode determinar a sua responsabilização tributária pelo pagamento do imposto, pelo que as liquidações são ilegais.

 

41.     A Requerente alega que, nos termos da lei, nem durante o contrato de locação financeira a entidade locadora é sujeito passivo do IUC, pelo que, por maioria de razão, menos o será após o termo do contrato e o locatário ter exercido o direito à aquisição do veículo.

 

42.     E que tendo a locatária adquirido o veículo, é apenas a si, enquanto proprietária do mesmo, que, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC que incumbe pagar o IUC e demais encargos legais.

 

43.     A Requerente juntou ao pedido de pronúncia arbitral um parecer do jurista B..., a discorrer sobre o valor jurídico do registo, isto é, sobre a natureza declarativa ou constitutiva do mesmo e dos seus efeitos sobre a validade e eficácia do ato translativo emergente do contrato de compra e venda.

 

44.     Dá-se aqui por reproduzida a parte do parecer transcrita no pedido de pronuncia arbitral, que em termos de conclusão refere que “(…), a inscrição da compra do veículo no registo por parte do novo proprietário não é condição de validade nem da produção do efeito translativo típico do contrato de compra e venda, portanto, o comprador torna-se proprietário do veículo vendido mediante a simples celebração do contrato de compra e venda, independentemente do respetivo registo. (…)”

 

45.     A Requerente levanta depois a questão da eficácia plena do contrato relativamente a terceiros e refere que esta questão também é resolvida no referido parecer jurídico e que a Autoridade Tributária e Aduaneira não é, para os efeitos em causa, um terceiro.

 

46.     Para tanto, a Requerente socorrendo-se do parecer jurídico, acima identificado, invoca que “(…) se o proprietário não proceder de imediato ao registo da propriedade a seu favor, presume-se que a propriedade continua a pertencer ao vendedor (art.º 7.º do CRP), mas esta presunção é relativa, ou seja, pode ser afastada mediante prova em contrário. Só os terceiros para efeitos de registo que atuem de boa fé podem prevalecer-se da ausência de registo para (tentar) adquirir direitos sobre o bem não registado.”

 

47.     Nesta linha de raciocínio, a Requerente alega que a Autoridade Tributária e Aduaneira não preenche os requisitos legais do conceito de terceiro para efeitos de registo (previsto no art.º 5.º, n.º 4, do CRP), razão pela qual não pode exigir ao vendedor o pagamento do imposto devido pelo comprador (proprietário) a partir do momento em que a presunção do artigo 7.º seja afastada mediante a prova da respetiva venda.

 

48.     E, assim, conclui que o registo da aquisição de veículos automóveis junto da Conservatória do Registo Comercial não é condição para a transmissão da propriedade, nem afeta a sua validade, pelo que devem as liquidações de IUC realizadas na esfera da Requerente ser consideradas ilegais e consequentemente anuladas.

 

49.     A Requerente alega ainda que, uma vez que a Autoridade Tributária e Aduaneira já teve oportunidade de revogar os atos de liquidação do IUC deve ser ela a suportar as custas do processo arbitral e deve ser condenada ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

VI – 2 – ENQUADRAMENTO EFETUADO PELA REQUERIDA

 

A Requerida na sua resposta, por impugnação, faz o enquadramento seguinte:

 

50.     A Requerente alicerça a sua pretensão no fundamento de que às datas a que se reportam os factos que originaram as liquidações de IUC do ano de 2015 objeto do presente processo arbitral já não era proprietária dos veículos que motivaram as liquidações do imposto.

 

51.     A Requerente alega a ilegalidade das liquidações de IUC, porém, não lhe assiste razão, porquanto, ainda que se concluísse estarmos perante contratos de locação financeira outorgados por ela, sempre lhe cabia demonstrar ter dado cumprimento à obrigação acessória imposta pelo artigo 19.º do Código do IUC, o que não fez.

 

52.     A seguir-se a tese da Requerente quanto ao facto do artigo 3.º do CIUC consagrar uma presunção ilidível, forçoso é concluir que o funcionamento daquele artigo quanto à ilisão da presunção depende igualmente do cumprimento do estatuído no artigo 19.º do CIUC.

 

53.     Dos dados registrais constantes na Conservatória do Registo Automóvel, verifica-se que a Requerente consta como proprietária dos veículos automóveis, facto que, aliás, a Requerente assume conforme artigo 38.º do pedido arbitral.

 

54.     Em matéria de locação financeira, a Requerente só poderia exonerar-se do imposto caso tivesse dado cumprimento à obrigação específica prevista no artigo 19.º do CIUC, não o tendo feito, forçoso é concluir que a Requerente é o sujeito passivo do imposto.

 

55.     A Requerida na impugnação da pretensão da Requerente, desenvolve alguns considerandos sobre a jurisprudência arbitral, alegando que não a acompanha e que a mesma apenas constitui um precedente meramente persuasivo.

 

56.     O legislador ao estabelecer no artigo 3.º, n.º 1, do CIUC quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários, ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas, considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os veículos se encontram registados.

 

57.     A entender-se que ao usar a expressão “considera-se” o legislador fiscal teria consagrado uma presunção praticamente todas as normas de incidência em sede de IRC seriam afastadas precisamente porque a contabilidade prescreve soluções diferentes das do CIRC, sendo exatamente o fim do legislador afastar tais regras contabilísticas.

 

58.     A entender-se que o legislador consagrou no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC uma presunção estar-se-ia, inequivocamente, a efetuar uma interpretação contra legem.

 

59.     O artigo 3.º do CIUC não consagra uma presunção, pelo contrário, tal normativo evidencia uma clara opção de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção, adentro da sua liberdade de conformação legislativa, foi a de sejam considerados proprietários aqueles que como tal constem do registo automóvel.

 

60.     A Requerente não juntou qualquer documento que prove a transmissão da propriedade do veículo, limitando-se a juntar cópia dos contratos de locação financeira, desconhecendo-se se os mesmos foram cumpridos ou se existem incumprimentos.

 

61.     A Requerida faz menção à decisão proferida no processo n.º 210/13.0BEPNF, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel e conclui que o artigo 3.º do CIUC não comporta qualquer presunção legal.

 

62.     A Requerida invoca os normativos dos artigos 4.º, n.º 2, e 6.º, n.º 3 do CIUC, o artigo 10.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, e o artigo 42.º do Regulamento do Registo de Automóveis, e defende que o momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto apresenta uma relação direta com a emissão do certificado de matrícula, no qual devem constar os factos sujeitos a registo.

 

63.     O certificado de registo de matrícula contém todos os elementos necessários à determinação do sujeito passivo, sem necessidade de acesso aos contratos de natureza particular que conferem tais direitos, enunciados pelo CIUC como constitutivos da situação jurídica de sujeito passivo do imposto.

 

64.     A Requerida tendo em conta a atual configuração do sistema jurídico não terá de proceder à liquidação do imposto com base em elementos que não constem de registos e de documentos públicos, e como tal, documentos autênticos.

 

65.     A não atualização do registo, nos termos do artigo 42.º do Regulamento do Registo de Automóveis tem de ser imputada na esfera jurídica do sujeito passivo do IUC e não na do Estado Português, enquanto sujeito ativo do imposto.

 

66.     Nos temos dos artigo 3.º e 6.º do CIUC, a Requerida procede à liquidação do IUC em função das pessoas em nome das quais o veículo em causa se encontre registado junto da Conservatória do Registo Automóvel, outro procedimento colocaria em causa o prazo de caducidade do imposto e a certeza e a segurança jurídicas, na medida em que o instituto do registo automóvel deixaria de proporcionar a segurança e a certeza que constituem as suas finalidades, assim, como o poder-dever de a Requerida liquidar impostos.

 

67.     O CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública.

 

68.     O IUC é devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos, pelo que os atos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de lei, uma vez que à luz do disposto no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, e artigo 6.º do CIUC, era a Requerente, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC.

 

69.     A requerida impugna os documentos (contratos de locação e 2.ªs vias de faturas) juntos pela Requerente ao pedido de pronúncia com vista a ilidir a (suposta) presunção legal estabelecida no artigo 3.º do CIUC.

 

70.     A Requerente não junta um único extrato financeiro ou cheque que prove que o contrato de locação foi cumprido e as 2.ª vias das faturas também não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda.

 

71.     A transmissão da propriedade de veículos automóveis não é suscetível de ser controlada pela Requerida, pois, não existe qualquer obrigação acessória declarativa quanto a esta matéria, contrariamente ao controlo que é passível de ser realizado, por via do prévio pagamento do IMT, em matéria de transmissão de imóveis.

 

72.     O IUC é liquidado de acordo com a informação registral que é transmitida à Requerida pelo Instituto dos Registos e Notariado.

 

73.     Em face dos normativos legais, a Requerente não procedeu com o zelo que lhe era exigível, e a Requerida limita-se a dar cumprimento às obrigações legais a que está adstrita, não lhe sendo imputável os factos que deram azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, pelo que não lhe pode ser atribuído o dever de pagamento das custas processuais ou o pagamento de juros indemnizatórios, porquanto não ocorreu qualquer erro imputável aos serviços da AT.

 

 

VII - DAS DILIGÊNCIAS PROCESSUAIS

 

74.       Com vista à formação da livre convicção do tribunal, em face do normativo da alínea e) do artigo 16.º do RJAT, atinente à livre apreciação dos factos e à livre determinação das diligências probatórias, articulado com o princípio do inquisitório previsto no artigo 99.º da LGT, aplicável por remissão da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o tribunal arbitral teve em consideração todos os elementos de prova apresentados pela Requerente e pela Requerida.

 

75.     O tribunal teve em consideração as decisões arbitrais proferidas sobre matéria controvertida semelhante à que constitui o objeto do presente processo arbitral, designadamente as invocadas pela Requerente e pela Requerida, de que se destacam as decisões arbitrais referentes aos processos n.ºs 14/2013-T, 26/2013-T, 27/2013-T, 72/2013-T, 63/2014-T, 126/2014-T, 130/2014-T, 150//2014-T, 212/2014-T, 220/2014-T, 227/2014-T, 339/2014-T, 655/2015-T, 748/2016-T, 145/2017-T, 258/2017-T, 376/2017-T, 515/2017-T, 534/2017-T, estando o tribunal ciente que na sua análise não esgotou todas as decisões arbitrais já proferidas sobre a matéria relativa à incidência subjetiva do IUC.

 

76.     O tribunal arbitral teve ainda em consideração a jurisprudência dos tribunais tributários judiciais de que se destaca o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN), proferido no processo n.º 00358/14.4BEVIS, datado de 07.12.2017, o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), proferido no processo n.º 08300/14, datado de 19.03.2015, e ainda o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), proferido no processo n.º 0589/16, datado de 25.01.2017.

 

77.  Tudo ponderado cumpre apreciar do mérito da pretensão da Requerente.

 

 

VIII - DO MÉRITO

VIII -1 - OS FACTOS

VIII -1.1 - FACTOS PROVADOS

 

78.       Em relação à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, nos termos do n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e do n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 29.º do RJAT, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar os factos considerados provados e os não provados. O tribunal considera provados e relevantes para a decisão arbitral os factos seguintes:

 

78.1     A requerente foi notificada das cinco liquidações de IUC e de juros compensatórios, referentes ao ano de 2015, e supra identificadas.

 

78.2     A requerente procedeu ao pagamento das liquidações de IUC, conforme documentos juntos aos autos.

 

78.3     À data do facto gerador e da exigibilidade do imposto, constava no registo como proprietária dos veículos a Requerente.

 

78.4     Os veículos que motivaram a liquidação do IUC foram objeto de contrato de locação financeira em que foi locadora a Requerente.

 

78.5     No termo do contrato de locação financeira os locatários efetuaram a opção de compra e a locadora procedeu à emissão das faturas e deu a devida relevância contabilística às operações realizadas.

 

78.6     A Requerida procedeu à liquidação do IUC do ano de 2015, em conformidade com os normativos dos artigos 3.º, 4.º e 6.º do CIUC.

 

VIII -1.2 - FACTOS NÃO PROVADOS

 

79.     Não há factos essenciais com relevo para apreciação do mérito da causa, os quais não se tenham provado.

 

VIII -2 - MATÉRIA DE DIREITO

 

80.     Em ordem a decidir sobre as questões decidendas importa elencar e escalpelizar o direito aplicável.

 

81.     O regime jurídico do contrato de locação financeira consta do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, alvo de diversas alterações legislativas, sendo a mais recente a introduzida pelo Decreto-Lei n.º 30/2008, de 25 de Fevereiro, estabelecendo o artigo 1.º deste regime que “Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.”

 

82. No âmbito deste regime jurídico, concretamente nos termos dos normativos das alíneas b) e c) do n.º 1 do seu artigo 9.º. constituem obrigações do locador conceder ao locatário o gozo do bem para os fins a que se destina e, no fim do contrato, vender o bem caso o locatário assim o queira, podendo considerar-se que a propriedade do locador é instrumental, dado que durante o contrato de locação o locador assume a propriedade jurídica do bem, enquanto que o locatário detém a sua propriedade económica. No termo do contrato de locação, exercido o direito de opção de compra, o direito de propriedade, na sua plenitude, passa a ser do locatário, processando-se a transmissão do direito de propriedade nos termos contratuais.

 

83.     Nos termos do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, a propriedade de veículos automóveis está sujeita a registo obrigatório, conforme decorre dos normativos dos n.ºs 1 e 2 deste diploma legal. A obrigação de proceder ao registo recai sobre o comprador – sujeito ativo do facto sujeito a registo, que é, no caso, a propriedade do veículo, conforme previsto no n.º 1 do artigo 8.º-B do Código do Registo Predial, aplicável ao registo automóvel ex vi do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro.

 

84.     O regulamento do registo automóvel consta do Decreto-Lei n.º 55/75, de 12 de Fevereiro, podendo o registo da propriedade do veículo adquirida em resultado de contrato de compra e venda ser feita com base em requerimento subscrito pelo comprador e confirmado pelo vendedor, através de declaração de venda apresentada com o pedido de registo (al. a) do n.º 1 do art.º 25.º do Decreto-Lei n.º 55/75). Porém, há que sublinhar que desde 2008 que existe um regime especial de registo para as entidades que se dediquem à atividade comercial de venda de veículos automóveis. Com efeito, nos termos das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 25.º do regulamento do registo automóvel, o registo pode ser promovido pelo vendedor, mediante um requerimento subscrito apenas por si próprio. Regime similar se encontra previsto na alínea e) do n.º 1 daquele artigo 25.º para a aquisição da propriedade emergente de contrato de locação financeira, porquanto o referido normativo estabelece que o registo de propriedade pode ser feito em face de “requerimento subscrito pelo vendedor, na sequência do exercício do direito de compra no fim do contrato de locação financeira ou de aluguer de longa duração registado, acompanhado da fatura correspondente à venda respetiva ou de documento de quitação”.

 

85.     Em face deste regime jurídico importa sublinhar que, logo que foi exercido o direito de compra pelo locatário, a Requerente podia ter promovido o registo da propriedade em benefício do adquirente do veículo, não dependendo a atualização do registo da propriedade do veículo, necessariamente, da iniciativa do comprador (antigo locatário). O normativo do n.º 1 do artigo 42.º do Regulamento do Registo automóvel (Decreto-Lei n.º 55/75) estabelece que o registo deve ser requerido no prazo de 60 dias a contar do facto que constitui a sua motivação.

 

86.     Importa, outrossim, referir que, nos termos do n.º 4 do artigo 118.º do Código da Estrada, a Requerente, na qualidade de vendedora, podia ter promovido a atualização do registo de propriedade do veículo automóvel, visto que aquele normativo restabelece que “o vendedor ou a pessoa que, a qualquer título jurídico, transfira para outrem a titularidade de direito sobre o veículo deve comunicar tal facto à autoridade competente para a matrícula, nos termos e no prazo referidos no número anterior, identificando o adquirente ou a pessoa a favor de quem seja constituído o direito”.

 

87.     Verifica-se, assim, que, nos termos da lei, a Requerente logo que procedeu à venda dos veículos automóveis aos antigos locatários podia ter de imediato procedido à promoção do registo da propriedade dos veículos em nome dos adquirentes, libertando-se, assim, de eventuais ónus decorrentes do direito de propriedade dos veículos.

 

88.     Contudo, há que sublinhar que atenta a finalidade do registo da propriedade automóvel consagrada no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro (O registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respetivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico), os adquirentes (compradores) dos veículos é que têm um interesse direto e essencial no registo da propriedade, sob pena do seu direito desvanecer em face dos direitos de terceiro.

 

89.     Em face do pedido de registo da propriedade automóvel é emitido pela autoridade competente para cada veículo um certificado de matrícula, o qual atesta a identidade do proprietário do veículo e demais elementos relevantes para publicitar a situação jurídica do veículo.

 

90.     O Imposto Único de Circulação está desenhado para funcionar em integração com o registo automóvel, constituindo este a fonte de informação idónea e legal utilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira para alimentar o procedimento de liquidação e proceder à liquidação do IUC e efetuar a notificação dos sujeitos passivos de imposto.

 

91.     À data dos factos – período de tributação do ano de 2015 – o artigo 3.º do Código do IUC estabelecia que:

 

“Incidência subjetiva

  1. São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

 

  1. São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação.”

 

92. Acresce que o IUC é um imposto de periodicidade anual, sendo devido por inteiro em cada período de tributação correspondente ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, sendo exigível no primeiro dia do período de tributação. Por sua vez, o facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional (art.ºs 4.º e 6.º do CIUC).

 

93.     Atento os comandos legais que estabelecem a incidência subjetiva do IUC, bem como a sua exigibilidade, há que reconhecer que a Autoridade Tributária e Aduaneira quando procedeu à realização das liquidações de IUC supra identificadas e colocadas em crise pela Requerente se limitou a fazer a estrita aplicação da lei, na medida em que o IUC é liquidado com base nos dados constantes no sistema de informação do registo automóvel, e os veículos automóveis sobre os quais incidiu o IUC estavam registados em nome da Requente, detendo esta à data da liquidação do IUC do ano de 2015 a qualidade de proprietária dos mesmos.

 

94.     Para além do registo automóvel, a Autoridade Tributária e Aduaneira, ao contrário do que acontece com os imóveis, não tem qualquer outra fonte de informação que lhe permita conhecer a transferência ou transmissão de propriedade dos veículos automóveis, daí que exista uma direta e estreita articulação funcional entre o registo da propriedade automóvel e os procedimentos de liquidação do IUC.

 

95.     Em ordem a decidir sobre a legalidade das liquidações de IUC objeto do pedido de pronúncia arbitral, importa avaliar se a norma do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC encerra uma presunção legal suscetível de ser ilidida ou, ao invés, uma ficção jurídica.

 

96.     Uma vez que esta questão já foi alvo de imensas pronúncias arbitrais, não vamos cuidar de aspetos semânticos decorrentes da letra da lei, assumindo-se, desde já, que o n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC, na redação vigente à data dos factos (2015) contempla uma presunção legal (juris tantum) que pode ser ilidida.

 

97.     Presunção é uma ilação que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido (art.º 349.º do Código Civil), sendo que quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (art.º 350.º do Código Civil).

 

98.     Nesta conformidade, sendo sujeito passivo do IUC o proprietário do veículo, e constando do registo automóvel como proprietário dos veículos a Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira só podia proceder à liquidação o IUC nos exatos termos em que o fez, não existindo qualquer erro imputável aos serviços na liquidação do IUC do ano de 2015.

 

99.     Porém, importa realçar que as presunções, salvo nos casos em que a lei o proibir, podem ser ilididas, mediante prova em contrário (n.º 2 do art.º 350.º do Código Civil). Acresce que, nos termos do artigo 73.º da Lei Geral Tributária, as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

 

100.   Para ilidir as presunções constantes das normas de incidência tributária, o sujeito passivo da relação jurídica tributária pode lançar mão ao procedimento contraditório próprio previsto no artigo 64.º do CPPT ou, em alternativa, pode utilizar o procedimento de reclamação graciosa ou a impugnação judicial. Deste modo, o processo arbitral é, outrossim, meio processual idóneo para ilidir as presunções constantes das normas de incidência tributária.

 

101.   Importa sublinhar que para a matéria controvertida – a legalidade dos atos de liquidações de IUC – o que é relevante é a presunção substantiva ínsita na norma de incidência do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC e não a presunção processual constante do artigo 7.º do Código do Registo Predial, aplicável ao registo automóvel, por força do artigo 29.º do regime do registo automóvel (Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro).

 

102.   Importa sublinhar que a Requerida começa por não admitir que a norma do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC consagre uma presunção legal, contudo, acaba por aceitar tal hipótese, discorrendo longamente sobre a não idoneidade dos documentos apresentados pela Requerente para ilidir a referida presunção.

 

103.   Há que referir que quanto à circunstância da norma do n.º 1 do artigo 3.º do IUC consagrar uma presunção legal, refere-se que aderimos à longa explanação que sobre esta temática é realizada na pronúncia arbitral atinente ao processo arbitral n.º 27/2013-T, sublinhando-se, ainda, ser para nós inquestionável a existência de tal presunção legal, pois, se assim não fosse, e considerando os elementos interpretativos da lei, designadamente o elemento histórico, o elemento gramatical e o elemento lógico, o legislador não teria optado por alterar a letra da norma do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, introduzindo-lhe nova redação através do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01 de Agosto. Esta opção legislativa só confirma que aquele normativo consagrava uma presunção legal suscetível de ser ilidida mediante prova em contrário.

 

104.   Para ilidir a presunção legal a Requerente apresentou com o pedido de pronúncia arbitral os contratos de locação financeira e as faturas comprovativas das operações de venda dos veículos aos locatários dos contratos de locação financeira. Há que referir que, previamente, a Requerente pretendeu obter tal desiderato em sede de reclamação graciosa e, em virtude do indeferimento destas, no âmbito dos recursos hierárquicos subsequentemente apresentados como meio de reação ao indeferimento das reclamações graciosas.

 

105.   Importa realçar que a reclamação graciosa é meio procedimental idóneo para reagir contra a ilegalidade da liquidação de tributo realizada com base em presunção legal constante de norma de incidência tributária, com vista à ilisão da presunção.

 

106.   A requerida considerou que a Requerente, então reclamante, não tinha apresentado provas idóneas e suficientes para ilidir a presunção legal. Há, então, que sublinhar que o procedimento de reclamação graciosa, enquanto modalidade ou forma de procedimento tributário, está sujeito ao princípio do inquisitório (art.º 58.º da LGT), bem como deve existir um dever de colaboração recíproca entre os sujeitos da relação jurídica tributária, pelo que o órgão competente para a decisão da reclamação graciosa podia (devia) ter promovido todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade material sobre os factos e, consequentemente, podia ter instado a reclamante a apresentar outras provas ou, então, podia tê-las obtido por sua iniciativa e, deste modo, ter sido convencido de que, à data da exigibilidade do imposto, o proprietário de cada um dos veículos automóveis era o anterior locatário e não a Requerente.

 

107.   A Autoridade Tributária e Aduaneira teve oportunidade de admitir a ilisão da presunção legal consagrada no n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC no procedimento de reclamação graciosa e posteriormente no procedimento de recurso hierárquico, porém, optou por reputar as provas de insuficientes e não idóneas para ilidir a presunção.

 

108.   Não acolhemos a perspetiva de que as faturas emitidas pela Requerente não são meio de prova idóneo para comprovar a transmissão da propriedade dos veículos automóveis, isto é, para provar a veracidade do contrato de compra e venda, contrato sinalagmático, subjacente à transmissão da propriedade dos veículos automóveis.

 

109.   De igual modo, não acolhemos a linha de raciocínio expendida em diversas pronúncias arbitrais que tem invocado diversas decisões jurisprudenciais no sentido de demonstrar a não idoneidade das faturas para comprovar a materialidade do contrato de compra e venda que permitiu a efetivação da transmissão da propriedade dos veículos. É certo que o contrato de compra e venda ocorreu no âmbito de uma relação jurídica de direito privado – ato negocial – entre a Requerente e os locatários: Porém, o que está em causa nos presentes autos é uma controvérsia no âmbito de uma relação jurídica tributária, sendo-lhe, consequentemente, aplicáveis os princípios e as regras do direito fiscal, que para o efeito são autosuficientes.

 

110.   As faturas emitidas pela Requerente não se destinam exclusivamente a provar movimentos contabilísticos, elas tem também por função a prova da substância das operações realizadas, pelo que tendo a Requerente registado tais faturas na sua contabilidade, beneficiam as faturas e correlativamente as operações por elas tituladas de presunção de verdade (art.º 75.º da LGT), podendo a Administração Tributária e Aduaneira, nos termos da lei, destruir tal presunção através da evidência de que as operações não se concretizaram, bem como podia efetuar diligências adequadas para infirmar a sua realização (al. e) do art.º 69.º do CPPT e al. a) do n.º 2 do art.º 111.º do CPPT).

 

111.   Em face de todos os elementos probatórios, quer dos que foram juntos ao pedido de pronuncia arbitral, quer dos que constam do processo administrativo junto pela Requerida aos autos, verifica-se que à data da exigibilidade do IUC do ano de 2015, em relação a cada veículo automóvel alvo da incidência da liquidação do imposto supra identificada, a propriedade do veículo não pertencia à Requerente mas sim ao anterior locatário, uma vez que foi exercido, nos termos contratuais, o respetivo direito de opção de compra dos veículos.

 

112.   Considera-se, assim, ilidida a presunção ínsita no n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC, devendo, em consequência, ser anuladas as liquidações de IUC do ano de 2015 colocadas em crise no presente processo arbitral, com a subsequente produção de efeitos legais.

 

113.   Sendo o facto gerador do imposto constituído pela propriedade do veículo automóvel (art.º 6.º do CIUC) deve a Autoridade Tributária e Aduaneira proceder à realização de novas liquidações de IUC do ano de 2015 e exigir o pagamento do imposto ao sujeito passivo que à data da exigibilidade do imposto (art.º 4.º do CIUC) detinha a propriedade substantiva dos veículos automóveis.

 

 

 

IX - DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS.

 

114.     Os juros indemnizatórios são devidos quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (n.º 1 do art.º 43.º da LGT). Nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT o direito ao pagamento dos juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral.

 

115.     O pagamento dos juros indemnizatórios pressupõe que o imposto objeto das liquidações colocadas em crise tenha sido pago, o que se confirma em relação às liquidações de IUC do ano de 2015 supra identificadas.

 

116.     Importa, todavia, realçar que a Autoridade Tributária e Aduaneira quando procedeu à realização das liquidações de IUC do ano de 2015 supra identificadas não cometeu qualquer erro, dado que se limitou a observar as normas de incidência subjetiva (art.º 3.º do CIUC) em articulação como normativo que estabelece o facto gerador do imposto (art.º 6.º do CIUC), pelo que, atenta a base legal e os factos conhecidos e emergentes do registo da propriedade automóvel, as liquidações de imposto foram correta e legalmente realizadas, inexistindo, assim, qualquer erro de facto ou de direito.

 

117.     Porém, na sequência da dedução das reclamações graciosas contra as liquidações de IUC do ano de 2015, agora objeto do presente processo arbitral, em face das alegações produzidas nos procedimentos de reclamação graciosa pela Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira teve a oportunidade de se certificar que a propriedade dos veículos automóveis não pertencia àquela, mas sim aos anteriores locatários, pelo que, desde logo, podia ter efetuado a anulação das referidas liquidações e promovido a exigibilidade do imposto às pessoas que, à data da exigibilidade do imposto do ano de 2015, detinham a propriedade dos veículos automóveis, pelo que só a partir da data da decisão de cada reclamação graciosa há lugar à imputação de erro à AT.

 

118.     Deste modo, e na linha da jurisprudência constante dos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA) proferidos no processo n.º 0926/17, de 06.12.2017, e no processo n.º 0250/17, de 03.05.2018, deve a Autoridade Tributária Aduaneira, nos termos do artigo 43.º da LGT e artigo 61.º do CPPT, proceder ao pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, em relação a cada uma das liquidações de IUC do ano de 2015, desde a data do despacho de indeferimento da respetiva reclamação graciosa até à data do processamento da respetiva nota de crédito (n.º 5 do art.º 61.º do CPPT).

 

X - DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral no que concerne à ilisão da presunção de incidência subjetiva do IUC;

 

  1. Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade das cinco liquidações de IUC e de juros compensatórios referentes ao ano de 2015, supra identificadas,

 

  1. Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira à restituição dos valores indevidamente pagos pela Requerente e conexos com as liquidações de IUC agora declaradas ilegais.

 

  1. Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento de juros indemnizatórios desde a data do despacho de indeferimento da reclamação graciosa referente a cada liquidação de IUC e até à data de processamento da respetiva nota de crédito.

 

XI – 1 - VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 744,57 (setecentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e sete cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC).

 

XI - 2 - CUSTAS

O valor das custas é fixado em € 306 (trezentos e seis euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

Notifique-se

 

Lisboa, 25 de Fevereiro de 2019

 

O Árbitro

 

Jesuíno Alcântara Martins

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.