Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 568/2017-T
Data da decisão: 2018-11-30  IRS  
Valor do pedido: € 56.251,95
Tema: IRS - Preterição de formalidades essenciais – Direito de audição – Erro na quantificação e princípio do inquisitório.
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Decisão Arbitral

 

O árbitro Paulo Lourenço, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 11 de janeiro de 2018, decide o seguinte:

 

1.       Relatório

A... e B..., casados um com o outro, contribuintes fiscais nº ... e..., respetivamente, residentes na Rua ..., nº..., ..., ...- ...Lisboa, vieram, ao abrigo da al. a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), requerer a constituição do Tribunal Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade e a anulação da liquidação adicional do IRS nº 2017..., no montante de € 85 267,94 (oitenta e cinco mil duzentos e sessenta e sete euros e noventa e quatro cêntimos), bem como da liquidação dos juros compensatórios nº 2017..., no montante de € 5 797,02 (cinco mil setecentos e noventa e sete euros e dois cêntimos), tudo num total de € 91 064,96 (noventa e um mil e sessenta e quatro euros e noventa e seis cêntimos). Pedem ainda, em consequência da sobredita anulação, que a AT seja condenada ao reembolso aos Requerentes da importância de € 56 251,95 (cinquenta e seis mil duzentos e cinquenta e um euros e noventa e cinco cêntimos), com juros indemnizatórios, à taxa legal vigente e ainda nas custas processuais.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA no dia 30 de outubro de 2017.

 

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 21 de dezembro de 2017, as Partes foram notificadas, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral ficou constituído em 11 de janeiro de 2018.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu no dia 27 de fevereiro de 2018 e a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi realizada no dia 19 de outubro de 2018, tendo em conta a necessidade de definir a tramitação processual, face à sucessiva apresentação de requerimentos por parte dos Requerentes e da Requerida.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2.       Matéria de facto

2.1.    Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

i.)    A 30 de Maio de 2014, os Requerentes entregaram a sua Declaração de Rendimentos Modelo 3 do IRS relativa ao ano de 2013.

 

ii.) A 22 de Outubro de 2014 os Requerentes entregaram uma Declaração de Rendimentos Modelo 3 do IRS de substituição, tendo em vista a declaração de novos rendimentos.

 

iii.) Em consequência, os Requerentes foram notificados da liquidação de IRS n.º 2014 ... e 2015... no montante global de EUR 29.015,99.

 

iv.) Na sequência da receção, por parte da Requerida, de informações prestadas pelas autoridades fiscais suíças, ao abrigo da Diretiva n.º 2003/48/CE, do Conselho, de 3 de Junho de 2003 (“Diretiva Poupança”), os Requerentes foram notificados para exercício de audição prévia, através do ofício n.º..., de 5 de Abril de 2017, da Direcção de Finanças de Lisboa, do qual constava uma proposta de correção dos rendimentos de cada um dos Requerentes, relativos ao ano de 2013.

 

v.) Os Requerentes não exerceram o direito de audição prévia, razão pela qual foi efetuada a alteração oficiosa dos rendimentos declarados pelos Requerentes.

 

vi.) Através do ofício n.º..., de 9 de Junho de 2017, da Direcção de Finanças de Lisboa, os Requerentes foram notificados de uma correção no montante total de € 180.345,38.

 

vii.) A 30 de Junho de 2017, os Requerentes foram notificados:

i)   Da liquidação adicional de IRS n.º 2017..., de 16 de Junho de 2017, no montante global de € 85.267,94;

ii)  Da liquidação dos juros compensatórios n.º 2017..., de 21 de Junho de 2017, no montante global de € 5.797,02;

iii) Da demonstração de acerto de contas n.º 2017..., de 21 de Junho de 2017, da qual resulta ser devido o montante global de € 56.251,95, correspondendo o montante de € 50.454,93 a imposto e de € 5.797,02 a juros compensatórios.

 

viii.)  A 28 de Julho de 2017, os Requerentes pagaram voluntariamente o montante de imposto e juros compensatórios, no montante total de € 56.251,95.

 

2.2.    Factos não provados

 

Não existem factos não provados.

 

 

2.3.   Fundamentação da fixação da matéria de facto

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.

 

3.      Matéria de direito

As questões a decidir no âmbito do presente processo são as seguintes:

1. A eventual preterição do direito de audição prévia a que se refere o artigo 60º da Lei Geral tributária.

2. O erro na quantificação por violação da presunção de veracidade das declarações apresentadas pelos Requerentes e por violação do princípio do inquisitório.

3. A falta de fundamentação das informações prestadas pelas autoridades suíças.

 

 Posto isto, tem de se aferir da legalidade dos atos impugnados tal como foram praticados, com a fundamentação que neles foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros atos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o ato praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o ato cuja declaração de ilegalidade é pedida.

Os Requerentes sustentam que a Autoridade Tributária não procedeu à respetiva notificação para se pronunciarem, se assim o entendessem, sobre os montantes constantes da retificação oficiosa que efetuou com base nas informações recebidas das autoridades suíças, cujo montante global ascende a € 180.345,38.

A Autoridade Tributária, por seu lado, sustenta que a notificação para o exercício do direito de audição contém, na parte respeitante à fundamentação, a indicação dos montantes que cada um dos Requerentes auferiu e que a referência a uma correção com valor inferior ao que serviu de base à liquidação consubstancia um manifesto erro de escrita.

Estabelece a alínea a) do nº 1 e o nº 2 do artigo 60º da Lei Geral Tributária que a participação dos contribuintes da formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, através do direito de audição antes da liquidação, sendo dispensada a audição no caso da liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável, bem como no caso da liquidação se efetuar oficiosamente, com base em valores objetivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito. Da análise das disposições legais supra mencionadas, parece resultar evidente que a Autoridade Tributária não estava dispensada de proceder à notificação dos Requerentes antes da concretização do ato de liquidação, o que significa que apenas terá que se verificar se a notificação efetuada cumpre ou não os requisitos legalmente exigidos.

Verificados os factos relevantes, parece poder concluir-se no mesmo sentido que concluiu a Autoridade Tributária.

Na verdade, a notificação efetuada contém a indicação expressa dos montantes auferidos na Suíça no ano de 2013, por parte de cada um dos Requerentes, tendo por base as informações prestadas pelas autoridades fiscais suíças.

Aliás, diga-se até, que os Requerentes, ao tomarem conhecimento da liquidação efetuada com base no montante de € 180 345,38, não deixariam de juntar ao pedido de constituição do tribunal arbitral os documentos comprovativos de que os rendimentos auferidos foram de € 9 161,78 por cada um deles e não de € 180 345,38.

Com efeito, foram os próprios Requerentes que, ao detetarem o lapso, tomaram a iniciativa de apresentar uma declaração de substituição para incluir os rendimentos de juros provenientes da Suíça, o que significa que tinham na sua posse documentação que sustentava tais montantes e que não deixariam de a utilizar para contrariar o montante dos rendimentos que foi utilizado oficiosamente pela Autoridade Tributária para efetuar a liquidação oficiosa. Ainda que fundamentassem a sua pretensão na violação de formalidades essenciais, não deixariam de utilizar igualmente todos os meios de prova em seu poder, de forma a justificar que os montantes por eles recebidos foram manifestamente inferiores aos que a Autoridade Tributária revelou.

Ora, contendo a notificação, na parte respeitante à fundamentação, a indicação de que cada um dos Requerentes auferiu, no ano de 2013, rendimentos de juros provenientes da Suíça, no montante global de € 90 172,69, por cada um deles, facilmente se poderá concluir que a indicação do valor correspondente a € 9 161,78 por cada um deles constitui um erro de escrita que não afeta o ato de liquidação nem coloca em causa qualquer direito dos Requerentes que, como se referiu, tinham conhecimento que o valor que iria ser utilizado na liquidação do imposto não seria o que foi expressamente indicado, por lapso, mas o que constava da fundamentação e que havia sido indicado pelas autoridades fiscais suíças. Ainda que a notificação se revele contraditória, no seu conteúdo integral, por manifesta divergência de valores, a verdade é que os Requerentes, de forma a dissipar todas as dúvidas, sempre poderiam ter requerido, ao abrigo do disposto no artigo 37º do Código de Procedimento e do Processo Tributário, a notificação dos requisitos omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento.

Acresce que com a utilização da faculdade supra referida os prazos para a reclamação, recurso, impugnação ou outro meio judicial contar-se-iam apenas a partir da notificação ou da entrega da certidão requerida.

Acresce que os Requerentes, mesmo sustentando que não lhes foi concedida a possibilidade de se pronunciarem sobre o montante correspondente a € 90 172,69, por cada um deles, não deixariam de usar em seu benefício a documentação que sustentou a declaração de substituição por eles apresentada, de forma a demonstrarem inequivocamente que, à cautela mas sem conceder, no que ao direito de audição diz respeito, não tinham auferido os rendimentos oficiosamente imputados pela Autoridade Tributária.

Tudo visto, pode então concluir-se que não houve violação do direito de audição e, mesmo que eventualmente tal violação se admitisse, os Requerentes poderiam e deveriam acautelar os seus legítimos interesses através da demonstração inequívoca dos rendimentos auferidos ou ainda exigindo da Autoridade Tributária a notificação dos requisitos que, no seu entender, haviam sido omitidos.

No que se refere à presunção de veracidade das declarações apresentadas pelos contribuintes, dir-se-á que consubstanciando um princípio fundamental do orde3namento jurídico-tributário, não parece ter sido posto em crise pela Autoridade Tributária no caso concreto em apreço.

Na verdade, como bem refere a Autoridade Tributária, dispõe o nº 1 do artigo 76º da Lei Geral Tributária que as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei. Acresce que, nos termos do nº 4 do mesmo artigo, são abrangidas pelo nº 1 as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado.

Tendo presente o conteúdo das normas referidas, pode concluir-se que as informações prestadas pelas autoridades suíças são suficientes para colocar em causa as declarações apresentadas pelos Requerentes e para transferir para estes o ónus de demonstrar que os valores revelados não correspondem aos que efetivamente foram auferidos.

Tal como anteriormente se referiu, os Requerentes poderiam e deveriam ter demonstrado, mediante a documentação que receberam do banco, que os rendimentos efetivamente auferidos eram substancialmente inferiores aos que foram comunicados pelas autoridades fiscais suíças, pelo que, não o tendo feito, não lograram afastar a fé pública das informações prestadas pelas autoridades suíças.

Posto isto, não se vislumbra que fosse exigida à Autoridade Tributária a junção de quaisquer outros elementos ou a prática de quaisquer outros atos, pelo que não está em causa a violação do princípio do inquisitório sustentado pelos Requerentes.

O exercício de qualquer outra atividade suscetível de, incumbindo a estes, por via da inversão do aos contribuintes a demonstração das informações havendo, naturalmente, qualquer argumento válido que possa por em causa tal princípio, a verdade é que não parece assistir razão aos Requerentes.

Não havendo base legal que sustente a ilegalidade das liquidações, carecem de fundamento os argumentos invocados para colocar em causa os juros compensatórios, que, por esta razão, se mostram devidos, não havendo também razão válida que possa determinar o reembolso do imposto pago.

 

4.       Decisão

Nestes termos, decide-se:

1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, devendo manter-se válida a liquidação adicional de IRS n.º 2017..., de 16 de Junho de 2017, no montante global de € 85.267,94;

2. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, devendo igualmente manter-se válida a liquidação dos juros compensatórios n.º 2017..., de 21 de Junho de 2017, no montante global de € 5.797,02;

3. Julgar igualmente improcedente, em consequência do anteriormente decidido, o pedido de reembolso da importância correspondente a

€56.251,95.

 

 

5.       Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 56 251,95 (cinquenta e seis mil duzentos e cinquenta e um euros e noventa e cinco cêntimos).

 

6.         Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00 (dois mil cento e quarente e dois euros) nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo dos Requerentes.

 

Lisboa, 30 de novembro de 2018

 

O Árbitro

 

 

(Paulo Lourenço)