Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 571/2017-T
Data da decisão: 2018-08-27  IRS  
Valor do pedido: € 148.116,16
Tema: IRS – rendimentos de capitais, artigo 6.º n.º 4 do Código do IRS.
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Decisão Arbitral

 

 

 

1. Relatório

Em 30-10-2017, a sociedade por quotas A..., LDA, pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua de ..., n.º..., ...-... Porto, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista, de forma imediata, à declaração de ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2017..., e de forma mediata, à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2016..., e de liquidação de juros compensatórios n.º 2016..., do ano de 2015,  no valor total de 148.116,16 €.

A Requerente, alegando que pagou o montante das liquidações, peticiona, ainda, a restituição de tais valores, acrescido de juros indemnizatórios.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD em 30-10-2017 e o respetivo despacho foi notificado à Requerida na mesma data.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º n.º 2 alínea a) do RJAT, foi designado, pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, como árbitro Presidente, o Senhor Dr. José Poças Falcão e, como vogais, a Senhora Doutora Suzana Fernandes da Costa e o Senhor  Dr. Marcolino Pisão Pedreiro, que aceitaram a nomeação, no prazo e termos legalmente previstos.

Na mesma data, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 11-01-2018.

Foi proferido despacho, em 15-01-2018, no sentido de notificar a Requerida para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional e remeter ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta.

Em 15-02-2018, a Requerida apresentou a sua resposta e juntou o processo administrativo.

Em 01-05-2018, foi proferido despacho a ordenar a notificação da Requerente para, em 10 dias, indicar os factos que pretendia provar mediante a inquirição das testemunhas arroladas. No mesmo despacho foi deferido o pedido de assistência técnica efetuado pela Requerida, assistência essa circunscrita às questões de índole contabilística. Foi ainda ordenada a notificação da Requerente para, em 10 dias, exercer, querendo, igual direito.

Em 03-05-2018, o tribunal designou o dia 19-06-2018 pelas 14:15 horas, para a reunião prevista do artigo 18º do RJAT, seguida de realização da inquirição das testemunhas indicadas, com assistência técnica.

A Requerente, em 10-05-2018, veio indicar aos autos os factos a provar através da inquirição das testemunhas arroladas.

No dia 19-06-2018, pelas 14:15 horas, teve lugar a reunião do tribunal arbitral.

Estiveram assim presentes na reunião o Exmo. Senhor Dr. B... e a Exma. Senhora Dra. C..., que prestaram assistência técnica a Requerente e Requerida, respetivamente, quanto às questões contabilísticas.

Foram inquiridas as testemunhas arroladas pela Requerente, D..., contabilista certificado, e E..., técnica de contabilidade. A Requerida prescindiu das testemunhas indicadas, F... e G... .

O tribunal notificou ambas as partes para, de modo simultâneo, apresentarem alegações escritas no prazo de 20 dias.

O tribunal determinou ainda a prorrogação do prazo referido no artigo 21º n.º 1 do RJAT por dois meses, a contar do término daquele.

Em 09-07-2018, a Requerida juntou aos autos as suas alegações, e no dia seguinte, a Requerente apresentou as suas alegações escritas.

2. Síntese da posição da Requerente

A Requerente começa por referir que a liquidação de retenções na fonte foi emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) na sequência de uma inspeção efetuada pela Direção de Finanças do Porto, no âmbito da qual foi considerado que a transferência de € 500.000 da conta caixa para a conta dos sócios H.../I..., em Janeiro de 2015, constituiu um adiantamento por conta de lucros, não obstante o descritivo do documento que lhe serve de suporte.

A Requerente refere que é uma sociedade de cariz marcadamente familiar, constituída em 1980, e tem como objeto social o comércio de material ótico, fotográfico, cinematográfico e instrumentos de precisão, através de uma rede de lojas de venda ao público.

Segundo a Requerente, o registo dos pagamentos e recebimentos, em dinheiro, cheque ou por multibanco e através de terminal de pagamento automático (TPA) é feito através da conta caixa e posteriormente refletido na conta “bancos”.

A Requerente alega que regista, desde a sua constituição, saldos devedores da conta caixa originados por retiradas em numerário efetuada pelos sócios, nunca de montante muito elevado mas repetidas ao longo de todos os anos. E indica que a evolução do saldo devedor da conta caixa desde 2009 até 2014 foi a seguinte:

2009

€ 193.272,76

2010

€ 339.488,88

2011

€ 399.340,85

2012

€ 465.456,25

2013

€ 523.701,30

2014

€ 578.803,53

 

Segundo a Requerente, não obstante terem sido efetuadas reposições de parte destes empréstimos aos sócios – designadamente, de €75.000 em 2009, €30.000 em 2010, €240.000 em 2012 e de €50.000 em 2014 – o saldo da conta caixa foi sempre crescente.

 

Alega a Requerente que “A realidade que transparece dos balanços e demonstrações financeiras da empresa dos últimos 10 anos, é a de que os sócios foram retirando quantias da conta caixa, de valor pouco elevado porque efectuadas sempre em numerário, mas que, com o passar do tempo e apesar das reposições que foram efectuando, assumiram uma expressão considerável.”

A Requerente alega ainda que, em Janeiro de 2015, e com a finalidade de regularizar o saldo daquela conta, concedendo-lhe a devida expressão contabilística na conta de sócios, como empréstimos efetuados ao longo de vários anos, foi transferida da conta 11/SNC para a conta 268/SNC a importância de € 500.000, mediante comunicação expressa dos sócios H... e I... nesse sentido.

A Requerente menciona que, no âmbito da ação inspetiva, foi considerado que este movimento ou esta transferência constituiria um adiantamento por conta de lucros e não a expressão contabilística dos empréstimos efetuados no passado, por não ter sido celebrado um contrato de empréstimo entre os sócios e a sociedade.

Refere a Requerente que a AT invoca a disposição do artigo 1143º do Código Civil, que determina a forma que devem revestir os contratos de mútuo de valor superior a € 2.500 e a € 25.000 e a previsão do nº 4 do artigo 6º do Código do IRS.

Para a Requerente, a referência ao artigo 1143º do Código Civil implicaria que estivesse demonstrado o valor de cada um dos empréstimos efetuado ao longo dos anos, cujo resultado acumulado ascendeu a € 500.000 em 2015, para aferir da necessidade de observar a forma que ali se prescreve. Ora, a Requerente entende que a AT não fez essa demonstração, bem sabendo que a transferência em causa se destinou, apenas, à regularização daquele montante e foi desprovida, naturalmente, de qualquer movimento financeiro associado à mesma.

A Requerente sustenta que o contrato de mútuo não depende da forma, e que a intenção das partes pode ser claramente apreensível independentemente da forma como foi manifestada e se foi observada, ou não, a forma prescrita na lei.

A Requerente refere que o documento interno que serviu de base ao lançamento na conta 268/SNC dos sócios, contém a manifestação clara e inequívoca da vontade destes em assumir aquele montante como empréstimos da empresa aos sócios.

Para a Requerente, os empréstimos foram efetuados no passado e ascenderam àquele montante de €500.000, tal como resulta dos balanços anualmente apresentados pela Requerente à AT e que esta, assim, conhece e por isso não pode presumir tratar-se de um único empréstimo daquele montante, contraído naquele momento e que não foi celebrado por escritura pública.

No entendimento da Requerente, só com referência a cada uma das retiradas verificadas e em face do respetivo valor é que se poderia aferir da necessidade, ou não, de elaborar um documento escrito que formalizasse o empréstimo em questão.

No entanto, alega a Requerente que a forma não se deve sobrepor à substância e, no caso concreto, a falta de forma – a verificar-se de acordo com o que ficou exposto – resultaria na obrigação de restituir o que foi prestado, ou seja, precisamente no resultado pretendido que é a assunção por parte dos sócios da obrigação de restituir aquela quantia à sociedade. A Requerente faz referência ao artigo 289º, nº 1 do Código Civil, referindo que o mesmo determina que a nulidade do negócio implica a restituição de tudo o que tiver sido prestado, o que, aplicado à situação em apreço, redundaria na obrigação de restituição dos € 500.000, que é precisamente a intenção dos sócios que presidiu àquela operação contabilística.

Por outro lado, entende a Requerente que a presunção estabelecida no nº 4 do artigo 6º do Código do IRS quanto a rendimentos de capitais fica afastada, como a própria previsão indica, quando as quantias lançadas nas contas dos sócios resultem de mútuos, como sucede no presente caso.

Para a Requerente, quer a declaração expressa dos sócios em assumir aquela dívida para com a sociedade, quer o movimento contabilístico que lhe dá expressão através do movimento a débito a conta 268/SNC, são inequívocos quanto à existência de mútuos que globalmente se registam e assumem naquela data, caso contrário teria sido movimentada a conta 263/SNC específica para adiantamentos por conta de lucros.

A Requerente alega ainda que a redação e a presunção estabelecida no nº 4 do artigo 6º do CIRS não permitem à AT requalificar o negócio.

A Requerente concluiu afirmando que se a operação está registada na contabilidade como um mútuo, se o montante desse mútuo representa a quase totalidade do saldo da conta caixa acumulado ao longo de mais de 6 anos e que foi declarado à AT nos balanços e demonstrações financeiras apresentados anualmente, e se a contabilidade da empresa goza da presunção de verdade dos seus dados e apuramentos como decorre do facto de não ter sido minimamente questionada a sua organização por parte da AT, no âmbito da inspeção efetuada, cabe à AT afastar a credibilidade daquela operação. Para a Requerente, cabe à AT demonstrar que não se trata de mútuos mas antes de adiantamentos por conta de lucros e requalificá-la em conformidade com a previsão do nº 4 do artigo 6º do CIRS.

Para a Requerente, os empréstimos da sociedade aos sócios não configuram rendimentos tributáveis em sede de IRS, nem estão sujeitos a retenção na fonte.

A Requerente, para sustentar a sua posição, faz referência aos acórdãos do Tribunal Central Administrativo sul de 16.10.2012, processo n.º 5014/11, e do Tribunal Central Administrativo Norte de 27-11-2014, processo 279/09.2BEPRT, e ainda às decisões do CAAD dos processos n.º 165/2013-T e 770/2015-T, que referem que a tributação em sede de IRS baseada na presunção da existência de rendimentos de capitais decorrentes de adiantamentos por conta de lucros, onera a AT com a prova do facto base da presunção, ou seja, a prova de que os lançamentos na conta dos sócios não resultam de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, para poder acionar a presunção estabelecida no nº 4 do artigo 6º do CIRS, de que se trata de adiantamentos por conta de lucros.

Para a Requerente, a referida prova exigível à AT, não foi feita, sendo as liquidações ilegais por violação de lei e erro sobre os pressupostos de facto e de direito em que assentaram, devendo por essa razão ser anuladas.

A Requerente refere ainda que para determinar o momento da obrigação de retenção na fonte é preciso definir quando ocorreu o pagamento ou a colocação à disposição do rendimento sujeito a retenção.

A Requerente alega que a AT presumiu que o montante de € 500.000 lançado na conta dos sócios em Janeiro de 2015 foi colocado à disposição dos mesmos nessa data. Mas, no entender da Requerente, esta presunção não tem qualquer fundamento, já que o documento que exprime a autorização dos sócios para esse lançamento refere tratar-se de um valor relativo a movimentos de empréstimos da sociedade e, como tal, ocorridos no passado. Para a Requerente, o fluxo financeiro que existiu foi muito anterior ao movimento contabilístico agora em causa, ou seja, os sucessivos mútuos são muito anteriores ao reconhecimento contabilístico desse facto, motivo porque jamais a “colocação à disposição” poderia preceder o “pagamento” ou, neste caso, a retirada a título de mútuo.

Por fim, a Requerente pede a restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43º e 100º da Lei Geral Tributária.

 

3. Síntese da Resposta da Requerida

A Requerida, na sua resposta, começa por referir que a questão em causa é o tratamento fiscal da regularização do saldo da conta caixa, no valor de € 500.000, por contrapartida da conta de sócios, em janeiro de 2015.

A Requerida refere que a Requerente mantinha práticas pouco transparentes nas relações financeiras entre os sócios e a sociedade, tais como retiradas de dinheiro do caixa sem qualquer justificativo documental e o elevado saldo devedor da conta 26-sócios/acionistas em 31-12-2014 que era de € 874.335,99 (rubrica do ativo com maior valor).

A Requerida concluiu que os factos que analisou na inspeção revelam um padrão nas relações financeiras entre os sócios e a sociedade que se carateriza pela saída de fundos da sociedade em favor dos sócios, não pela via normal da distribuição de lucros, mas antes através de um expediente que os coloca na situação de maiores devedores da sociedade, além de distorcerem o saldo de caixa.

Para a Requerida, o movimento contabilístico efetuado pela Requerente de regularização do saldo da conta caixa, por transferência de €500.000 para a conta 26851101 (sócios/acionistas) é inconsistente e não revela a realidade dos factos que lhe está subjacente.

A Requerida refere ainda que em relação à falta de formalização dos empréstimos alegados pela Requerente, também não foi dado cumprimento às obrigações em matéria de imposto de selo (verba 17.1 da TGIS). Para a Requerida, para que de um mútuo da sociedade aos sócios se tratasse era necessário a existência de um documento contendo pelo menos, a identificação da quantia mutuada, prazo e forma de remuneração – o que não sucedeu (mesmo inobservando os formalismos previstos no artigo 1143.º do Código Civil).

Para a Requerida, as saídas de fundos da sociedade para os sócios não revestem a natureza de verdadeiros empréstimos, uma vez que ocorreram de modo irregular, isto é, sem suporte documental que identifique a natureza das operações subjacentes, termos e condições, não sendo a mera existência de esporádicas transferências dos sócios para a sociedade, desconhecendo-se a que título são efetuadas que podem servir de base à caracterização como empréstimos, tanto mais que ao longo dos anos nunca foram extraídas consequências para efeitos do imposto do selo.

A Requerente alega ainda que da análise da IES verifica-se que as distribuições de lucros eram residuais, o que evidencia uma clara distorção daquilo que deveria ser o escopo societário normal, que é distribuir os resultados pelos detentores das suas participações sociais.   E, não se tratando de verdadeiros empréstimos, as verbas utilizadas pelos sócios são de considerar como adiantamentos por conta de lucros, que serão compensadas à medida que os sócios deliberem a distribuição dos lucros retidos.

Para a Requerida, independentemente de o levantamento pelos sócios dos €500.000, ter sido efetuado de um só vez ou em vários momentos no passado, o que aliás não foi comprovado, a verdade é que só em 02.01.2015, lhe foi dada expressão contabilística, o que significa que é esta a data em se produz o facto tributário, e em que deveria ter havido lugar à liquidação de IRS, por retenção na fonte, pelo substituto tributário.

Assim, para a Requerida, se um pagamento da sociedade aos seus sócios não resultar de um contrato de mútuo, será considerado um rendimento da categoria E, e presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros, com as consequências fiscais acima mencionadas.

A Requerida conclui que se estaria perante adiantamentos por conta de lucros que estão sujeitos a retenção na fonte à taxa liberatória de 28%.

Concluiu a Requerida, pedindo que o pedido de pronúncia arbitral seja julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida do pedido, tudo com as devidas e legais consequências.

4. Saneador

O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado tempestivamente, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro.

O tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades, e não foram suscitadas questões prévias.

 

5. Cumpre solucionar as seguintes questões:

1) ilegalidade das liquidações objeto do presente processo.

2) Direito à restituição do valor das liquidações pagas, acrescido de juros indemnizatórios.

 

6. Matéria de facto

6. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental e testemunhal produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

  1. A sociedade requerente constituiu-se em 1980, dedicando-se ao comércio de material ótico, fotográfico, cinematográfico e de instrumentos de precisão através de uma rede de lojas de venda ao público.
  2. A Requerente foi objeto de uma ação de inspeção efetuada pela Direção de Finanças do Porto, respeitante ao ano de 2015, de âmbito parcial a retenções na fonte de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares.
  3. Desde 2009 e até ao ano inspecionado, o registo dos pagamentos e recebimentos, em dinheiro, cheque ou por multibanco e através de terminal de pagamento automático era feito através da conta caixa e posteriormente refletido na conta “bancos”.
  4. Os sócios da requerente, desde a sua constituição foram retirando quantias da sociedade em dinheiro que não foram objeto de qualquer registo contabilístico.
  5. Houve reposições de parte das retiradas dos sócios, designadamente, de €75.000 em 2009, €30.000 em 2010, €240.000 em 2012 e de €50.000 em 2014
  6. Ainda assim, o saldo registado na conta caixa, teve a seguinte evolução desde 2009 até 2014:

 

2009

€ 193.272,76

2010

€ 339.488,88

2011

€ 399.340,85

2012

€ 465.456,25

2013

€ 523.701,30

2014

€ 578.803,53

 

 

  1. Em Janeiro de 2015, foi efetuado um lançamento representativo de transferência da conta 11/SNC para a conta 268/SNC na importância de € 500.000, mediante comunicação expressa dos sócios H... e I... nesse sentido, com a menção de que se tratarem de movimentos relacionados com  empréstimos efetuados pela sociedade.

 

  1. A transferência material dos valores monetários a que este lançamento respeita não foi contemporânea do lançamento, correspondendo antes às retiradas de dinheiro referidas no nº 4, efetuadas pelos sócios ao longo dos anos.

 

  1. No âmbito da referida inspeção, foi considerado que o movimento contabilístico efetuado em Janeiro de 2015, pela Requerente, relativa à transferência de € 500.00 da conta caixa para a conta de sócios H.../I..., constituiu um adiantamento por conta de lucros aos sócios, nos termos do artigo 6º, nº 4, do Código do Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares,   sujeito a retenção na fonte à taxa liberatória de 28%, de acordo com os arts. 71º, nº 1, al. a) e 101º, nº 2, al. b), do mesmo código.
  2.  A Requerente foi notificada da liquidação de retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2016..., e da liquidação de juros compensatórios n.º 2016..., do ano de 2015, no valor total de €148.116,16.
  3.  A Requerente interpôs reclamação graciosa das liquidações referidas no ponto anterior, tendo a mesma sido expressamente inferida.

 

 

6.2. Factos não provados:

 

Considera-se como não provado o seguinte facto:

Que as retiradas de dinheiro da sociedade por parte dos sócios tenham tido por base contrato de mútuo celebrado entre as partes.

 

6.3. Fundamentação da matéria de facto provada:

A convicção dos árbitros fundou-se na posição assumida pelas partes, nos documentos juntos aos autos pela Requerente e integrantes do processo administrativo, e na prova testemunhal produzida.

6.4. Fundamentação da matéria de facto não provada:

No tocante à matéria não provada a decisão fundou-se na ausência de prova relativamente a tal matéria resultando, ao invés,  do  depoimento das testemunhas arroladas pela impugnante a  ausência de qualquer referência à celebração de contratos de mútuo, mas apenas a “retiradas” de dinheiro pelos sócios, com intenção de reposição, reforçado pela circunstância de não constar da contabilidade da Requerente qualquer registo contabilístico de tais fluxos financeiros a este título (nem a qualquer outro).

De resto, a própria Requerente afirma que “A realidade que transparece dos balanços e demonstrações financeiras da empresa dos últimos 10 anos, é a de que os sócios foram retirando quantias da conta caixa, de valor pouco elevado porque efectuadas sempre em numerário, mas que, com o passar do tempo e apesar das reposições que foram efectuando, assumiram uma expressão considerável” nunca fazendo alusão a qualquer contrato de mútuo efetiva e concretamente  celebrado, respetivo (s) montante(s), data(s), gratuitidade ou onerosidade e, neste caso, respetiva taxa de juro e prazo.

Do mesmo modo, não faz a Requerente qualquer referência à forma dos hipotéticos contratos de mútuo.

A mera  menção no documento que sustenta o lançamento em causa de se tratar de movimentos relacionados com  empréstimos efetuados pela sociedade não é idóneo a transformar retiradas de caixa em  contratos de mútuo, em número e montantes indeterminados, hipoteticamente celebrados em datas muito anteriores e não indicadas, sendo que, em substância, da alegação da Requerente, do depoimento das testemunhas e da ausência de qualquer registo contabilístico a tal respeito  resulta  que tais contratos nunca foram efetivamente celebrados, respeitando os fluxos financeiros em causa a meras “retiradas” de dinheiro por parte dos sócios, sem titulo jurídico ou registo contabilístico que o sustentasse.

 

7. O Direito aplicável

 

7.1.Dispõe o nº 4 do art. 6º do CIRS que Os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros”

Emerge dos autos que em Janeiro de 2015, foi efetuado um lançamento representativo de transferência da importância de € 500.000 da conta 11/SNC para a conta 268/SNC, referentes aos sócios H... e I... .

 

Trata-se dum lançamento representativo dum fluxo financeiro a favor dos sócios que, de acordo com a matéria de facto provada, na sua materialidade, não foi contemporânea do registo contabilístico. De acordo com o probatório a retirada da quantia em causa pelos sócios ocorreu sucessiva e parcelarmente em datas pretéritas, não concretamente apuradas, sem título jurídico adequado e sem o respetivo registo contabilístico não resultando dos autos a celebração de quaisquer contrato de mútuo que justificasse a transferência de propriedade   a este título (Cfr. art.1144º do código civil), das quantias em causa.

 

A própria requerente refere que tais quantias foram “retiradas da caixa em “valor pouco elevado porque efectuadas sempre em numerário, mas que, com o passar do tempo e apesar das reposições que foram efectuando, assumiram uma expressão considerável”.

 

Na contabilidade a Requerente manteve tais valores registados na conta caixa até à ocorrência do registo contabilístico em causa, de janeiro de 2015, donde se infere, de acordo com as regras da experiência, a sua convicção sobre a propriedade da empresa sobre tais valores monetários. Por outro lado, verifica-se  a presunção legal dessa mesma propriedade à luz do artigo 75º, nº 1, da Lei Geral Tributária, o que não se coaduna com a hipotética transferência de propriedade inerente à colocação à disposição  dos sócios a titulo de contratos de mútuo que, em boa verdade, a Requerente não concretiza em número, valores[1], datas e clausulas contratuais, nem constam da sua própria contabilidade, que se presume verdadeira, nos termos da mencionada norma  da Lei Geral Tributária.

Assim, antes da lançamento em causa, que contabilisticamente transferiu a quantia em causa para os sócios da Requerente, a mesma mantinha-se na esfera jurídica desta e não dos sócios.

 

7.2. Como se considerou na decisão arbitral proferida no processo 166/2013-T[2], entendimento que é aplicável ao caso que nos ocupa:

A (…) questão a analisar prende-se com a alegação da Requerente de que  as importâncias debitadas na conta … resultariam de empréstimos feitas pela sociedade ao seu  sócio, que se subsumiriam na noção de mútuo ínsita no art. 6º, nº 4 do CIRS (…)

Da norma em questão resulta que se presumem feitos a título de lucros ou adiantamento por conta de lucros os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escriturados nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, de prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais. Este segmento da norma prevê, portanto, situações impeditivas do funcionamento da presunção. Assim sendo, tendo resultado dos autos a prova dos lançamentos na conta corrente do sócio, caberia à Requerente provar os alegados mútuos, impeditivos do funcionamento da presunção.

A jurisprudência tem vindo a considerar que a ATA tem o ónus da prova dos lançamentos em contas correntes dos sócios, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova de que os mesmos correspondem a situação enquadrável em mútuos, em prestação de trabalho ou no exercício de cargos sociais.

Na verdade, como se escreveu no Acórdão do TCA-SUL de 15.07.2008, proferido no processo 02371/08 “o que determina o artigo em questão é que quando a AF constate, em quaisquer empresas referidas no preceito, que as contas correntes dos respectivos sócios contém lançamentos contabilísticos de montantes em favor daqueles, cabe-lhe indagar da razão de ser de tais lançamentos, o que, por princípio, terá de ser revelado pela própria contabilidade, devidamente organizada segundo os princípios das leis comercial e fiscal; E então, ou os beneficiários demonstram que se trata de uma situação enquadrável em mútuos, em prestação de trabalho ou no exercício de cargos sociais, ou então a lei faz decorrer a “verdade ficta” de que correspondem a lucros ou a adiantamento de lucros”.

Ora, a Requerente não provou a existência de qualquer mútuo, apenas se limitando a invocar a sua existência, de modo genérico e sem concretizar. Ao invés, da sua contabilidade resulta até  a sua inexistência(…).”

 

No caso sub juditio, é inquestionável que a Requerente não só não provou a celebração de hipotéticos contratos de mútuo, como, em rigor, nem sequer cumpriu o ónus de alegação relativamente aos mesmos. De resto, ao invés, o que resulta dos autos é, até, de forma positiva, a prova da inexistência de qualquer contrato de mútuo, mas, apenas, a ocorrência de simples e reiteradas retiradas de dinheiro pelos sócios, sem título jurídico justificativo, em violação da separação entre as esferas patrimoniais da Requerente e   dos sócios.

Assim sendo, não estando em causa qualquer outra circunstância impeditiva da aplicação da presunção estabelecida no nº 4 do artigo 6º do CIRS, não pode deixar de improceder a pretensão anulatória da Requerente ficando, em consequência, prejudicado o conhecimento da pretensão referente ao reembolso do imposto e  a juros indemnizatórios.

 

 

8. Decisão

 

Pelo exposto, decide este Tribunal arbitral julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações objeto do processo.

            Custas pela Requerente.

 

Valor do processo

 De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 148.116,16.

Custas

Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas, a cargo da Requerente, em € 3.060 (três mil e sessenta euros).

  • Notifique.

Lisboa, 27 de agosto de 2018

Os Árbitros

 

(José Poças Falcão)

 

(Suzana Fernandes da Costa)

 

(Marcolino Pisão Pedreiro)

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, por nós revisto.

 



[1] O que, desde logo, impediria que o Tribunal se pudesse pronunciar sobre a observância da forma legalmente imposta  para o contrato de mútuo pelo artigo 1143º do Código Civil.

[2] Disponível em  “caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=166%2F2013-T&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=410”